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Beverly Moore
Ao longo dos anos, aconselhei várias mulheres que sofreram abuso sexual durante a
infância. O abuso fez parte também do meu passado. É compreensível que os efeitos tenham
sido devastadores. Na maioria dos casos, o abuso foi praticado por alguém que a
aconselhada conhecia e em quem confiava. Esse fato aumenta a mágoa, a dor, a confusão e
os sentimentos de traição.
Nesta vida, todos nós vivenciamos o sofrimento de uma forma ou de outra. Quem sofreu
nas mãos de pessoas más costuma lidar com vergonha, medo, raiva, culpa, dificuldade de
relacionamento, dificuldade para confiar nas pessoas e até dificuldade para confiar em
Deus. As pessoas que sofreram abuso anseiam por se livrar da dor e das memórias
associadas ao que suportaram com o abuso. Elas querem acreditar que Deus é bom e que Ele
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fará com que até isso resulte em bem para elas, mas a dor que carregam as mantém
sobrecarregadas. É como se elas estivessem arrastando uma bola presa a uma corrente que
elas simplesmente não conseguem soltar.
Muitas vezes, as pessoas que sofreram um abuso querem entender o sentido do que lhes
aconteceu, acreditando que se elas conseguirem ter essa resposta, a dor passará e elas ficarão
finalmente livres. Em sua maneira de pensar, e na maneira de pensar de um mundo movido
pela emoção, é preciso buscar uma “cura emocional”. Essa cura emocional e,
posteriormente, uma vida sem dor é seu maior anseio.
Na mente das pessoas que lutam para viver livres da dor das mágoas do passado, existem
algumas expectativas.
Qual é o foco desse tipo de pensamento? Penso que o “eu” seja o foco. Na busca a qualquer
custo de uma vida livre da dor, Deus costuma ficar do lado de fora do quadro. Quando
deixamos Deus fora do quadro, podemos perder de vista a razão por que Ele permitiu nossa
dor. O “eu” continua a ser o foco, queremos apenas que Ele nos dê o que queremos, ou seja,
alívio. Deus está ali para nos servir, não o contrário.
Aquelas de nós que sofreram abusos não fizeram nada para merecer isso. Não somos
responsáveis pelo mal feito contra nós. Por razões desconhecidas para nós deste lado do
céu, Deus permitiu em Sua soberania que o abuso ocorresse.
Um foco melhor
Em minha experiência pessoal de vida, e na de minhas aconselhadas, creio que seja muito
melhor focar no que Deus deseja alcançar em nós ao permitir a dor em nossa vida do que
nos esforçarmos para ter uma vida livre da dor,
Em seu livro A Fé na Era do Ceticismo, Timothy Keller faz uma excelente observação. Depois
de explicar a argumentação de um filósofo contra a existência de Deus, já que há tanto mal
sem sentido neste mundo, Keller escreve: “Juntamente com a afirmativa de que o mundo
está cheio de mal sem sentido há também uma premissa oculta, a saber, o mal parece sem
sentido para mim e, portanto, ele deve ser sem sentido“.[1]
Em vez de lutar querendo uma “cura do passado” para garantir uma vida livre da dor e da
mágoa, encorajo minhas aconselhadas a se aproximarem de Deus por meio da Sua Palavra e
em oração para que Ele as restaure, fortaleça e equipe para que possam viver para o Rei e
Seu Reino. Quando buscamos a Deus com essa motivação e desejo, passamos a apreciar o
quadro maior da vida, em vez de nos concentrar em nosso pequeno reino. Encorajo minhas
aconselhadas a viver para Alguém maior do que elas mesmas.
Temos que pensar biblicamente sobre o papel da dor em nossa vida. Meditar nesses
versículos do Salmo 119 e decorá-los ajuda-nos a começar a desenvolver uma nova
perspectiva da dor:
“A minha alma se consome de tristeza; fortalece-me segundo a tua palavra” (Sl 119.28),
“Foi bom que eu tivesse passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Sl
119.71),
“Sobre mim vieram tribulação e angústia, mas os teus mandamentos são o meu prazer” (Sl
119.143).
Entender que vivemos em um mundo caído e amaldiçoado pelo pecado, que não era o
desígnio original de Deus (Rm 1.28-32).
Um dia Deus restaurará tudo (Ap 21.3, 4).
Entender que Jesus também sofreu nas mãos de pessoas más, e então não devemos nos
surpreender quando nós também sofrermos nesta vida (1Pe. 2.21-23).
Entender que aquilo que nos foi feito fala mais alto sobre quem cometeu o abuso do que
sobre nós. A escolhas pecaminosas e egoístas de quem cometeu o abuso revelam aquele
coração e caráter, não o nosso. A vergonha e a culpa cabem a quem praticou o abuso, não
a nós (Ez 18.20).
Podemos fazer a escolha de não deixar o abuso definir quem somos ou ditar como
vivemos (2Co 5.17).
Experimentar a dor pode nos aproximar do Senhor e nos permitir compartilhar a
comunhão de Seus sofrimentos (Fp 3.10).
O sofrimento nos molda em embaixadores de Cristo mais compassivos e amorosos se
deixarmos que Deus o use para nos transformar (2Co 1.3-7).
Experimentar a dor pode revelar nossa necessidade de buscar o Senhor e nos
aproximarmos a Ele (Sl 145.17-19).
A dor nos dá uma perspectiva adequada do que é verdadeiramente valioso. A vida na
terra é temporária. Não faz sentido investir tempo e esforços aqui na terra à procura de
uma vida livre da dor (2Co 4.18).
Uma vida cujo foco é livra-se da dor é uma vida de adoração a um falso ídolo (Jo 16.33).
A dor pelas nossas aflições, pequenas e momentâneas, não se compara com a glória
eterna que nos aguarda (2Co 4.17).
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Não queremos desperdiçar nossa dor. C. S. Lewis disse: “Deus sussurra em nossos prazeres,
fala em nossa consciência, mas grita em nosso sofrimento: ele é o seu megafone para
despertar m mundo surdo.“[2]
[1] KELLER, Tim. A fé na era do ceticismo: como a razão explica Deus. São Paulo: Vida Nova, 2015.
p. 50.
[2] LEWIS, C. S. O problema do sofrimento. São Paulo: Mundo Cristão, 1986. p. 67.
Beverly Moore faz parte da equipe de aconselhamento bíblico da Faith Biblical Counseling
Ministry (Lafayette, IN). Você pode ler mais sobre o tema no livro de Beverly Moore, escrito
com Pamela Gannon.