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PÓS-GRADUAÇÃO
Disciplina
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Autores
Marcelo Novelino
Diogo Caldas Leonardo Dantas LL.M
Leonardo Martins
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Índice ÍNDICE
Tema 03: Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos Fundamentais 49
Tema 04: Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição 75
(Princípio da Proporcionalidade)
3
TEMA 01
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
4
LEGENDA
DE ÍCONES
Início
seções
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
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Aula 01
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Objetivos
Introdução
No Brasil, ainda são poucas as análises mais aprofundadas do tema, o que dificulta o acesso
ao conteúdo por boa parte dos operadores do direito. Destacam-se os estudos de Virgílio
Afonso da Silva e Humberto Ávila.
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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Neste sentido, são trazidos na aula definição e elementos da ideia de suporte fático – aspecto
dos direitos fundamentais que reúne os elementos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental.
Trata-se também de diferentes concepções teóricas a respeito dos elementos que compõem
o suporte fático dos direitos, traçadas por Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva, dando-
se destaque à sofisticação trazida pelo autor paulista à teoria do professor alemão, que
incluiu no suporte fático dos direitos a ideia de que a intervenção no direito fundamental, para
desencadear consequências jurídicas, deve ser vista como carente de base constitucional.
Mas a quem os direitos fundamentais obrigam? Cabe referir as teorias sobre eficácia
horizontal dos direitos fundamentais. A intervenção no direito fundamental poderá se dar
pelo Estado ou por um particular. A esse respeito, temos as teorias indireta e direta. A
partir delas se define se os direitos fundamentais serão aplicados direta ou indiretamente às
relações privadas. Ou seja, se será entendido como preenchido o suporte fático de um direito
fundamental para desencadear consequências jurídicas pela intervenção de particulares
desde que haja intermediação legal ou por incidência direta dos direitos fundamentais na
disciplina das relações privadas.
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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Passa-se, então, às diferentes vertentes teóricas sobre a amplitude que deve ser dada ao
suporte fático, denominadas teorias de suporte fático amplo, restrito e intermediário. Para cada
uma delas se encontra exemplos na jurisprudência do STF, inobstante deva ser observada
uma prevalência do suporte fático intermediário.
Já adotar um suporte fático amplo leva a não definir os contornos de cada direito com grande
precisão, e os direitos fundamentais serão tidos como princípios, a serem ponderados com
outros direitos. Na ponderação, se definirá o que será definitivamente protegido, mas prima
facie, tudo o que puder ser incluído no âmbito de proteção de um direito será.
Por fim, no suporte fático intermediário, adotado por José Carlos Vieira de Andrade, sustenta-
se a possibilidade de colisões entre direitos, que devem ser resolvidas por ponderação, mas
não se abre mão da possibilidade de tornar o âmbito de proteção mais restrito quando isso for
justificável. Nessa teoria, é possível conceber os direitos fundamentais como regras e como
princípios.
No que se refere à ideia de conteúdo essencial dos Direitos Fundamentais, tomam relevo
as teorias absoluta e relativa. O objetivo principal de se traçar um conteúdo essencial para
um direito é evitar que sua regulamentação desnaturalize ou altere seu conteúdo. Aqui se
traçam limites para as restrições ou limitações que o legislador e o juiz farão ao legislar ou ao
interpretar.
A abordagem pode ser dividida em duas teorias. A teoria absoluta é aquela que divide os
direitos em núcleo duro e periferia. A periferia pode sofrer restrições pelo legislador ou pelo
julgador, mas o núcleo duro é absolutamente intocável.
Por sua vez, a teoria relativa não prega a existência de um núcleo duro, intangível, mas
entende que o conteúdo essencial do direito sempre dependerá das circunstâncias do caso
concreto.
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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Finalmente, trata-se dos limites e restrições aos Direitos Fundamentais a partir da introdução
às teorias interna e externa, que propõem abordagens diferentes quanto à relação travada
pelos diferentes direitos entre si. A primeira aproxima-se das teorias de suporte fático restrito
e absoluta, enquanto a segunda das de suporte fático amplo e relativa. A teoria interna falará
em um único objeto, o direito, com seus limites imanentes. A teoria externa trata de dois
objetos: o direito fundamental e as restrições feitas a este em virtude da colisão com outros.
Também aqui se terá a distinção entre a concepção dos direitos fundamentais como regras
ou princípios, estando a concepção das normas de direitos fundamentais como regras ligada
à teoria interna e como princípios à teoria externa.
Define-se suporte fático como o conjunto de elementos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental. A
partir de sua análise, é possível entender como uma intervenção estatal ou privada em um
direito fundamental pode acionar consequências jurídicas, do mesmo modo que a realização
de um fato descrito em um tipo penal movimenta o aparato estatal para que seja aplicada
a sanção nele prevista, ou determinada ação prevista como hipótese de incidência de um
tributo leva o Estado a cobrá-lo.
2. Conteúdo Essencial
A ideia de conteúdo essencial está ligada ao que não pode ser suprimido de um direito
pela regulamentação legal ou pela interpretação.
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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
3. Limitação/Restrição
Vamos
pensar
Propõe-se como atividade de autoestudo a elaboração de um texto a respeito da
compatibilidade teórica entre os conceitos e correntes teóricas apresentados na aula,
explicando também as incompatibilidades e seus motivos.
Pontuando
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Pontuando
• Uma intervenção com fundamento constitucional, da qual fala Virgílio Afonso da Silva,
é uma restrição.
• Caso não tenha base constitucional, será uma violação, apta a acionar consequências
jurídicas.
• A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, direta ou indireta, permite entender como
acionadora de consequências jurídicas também a violação perpetrada por um particular.
• As de suporte fático amplo não definem os contornos de cada direito com grande
precisão, e os direitos fundamentais serão tidos como princípios, a serem ponderados
com outros direitos.
• A teoria absoluta dos conteúdos essenciais dos direitos trabalha com um núcleo duro,
intangível, do direito, e uma periferia, que poderá ser suprimida em regulamentações.
• Teoria interna corresponde à ideia de limitações aos direitos fundamentais, cujo conteúdo
é diminuído a priori, não existindo colisões.
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Glossário
Suporte fático: Consiste no conjunto de elementos fáticos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental.
Ideia próxima das de tipo penal, do Direito Penal, e de hipótese de incidência, do Direito
Tributário.
Conteúdo essencial: Parte do conteúdo de um direito, que não pode ser suprimido por
regulamentação.
Restrição: Resultado de ponderação que resolve um conflito entre dois ou mais direitos
fundamentais, que prima facie poderiam reger determinada hipótese, mas, ao final do
processo, devem ceder em favor da promoção de outro direito.
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Glossário
Saiba Mais
Tornou-se célebre entre os estudiosos do Direito Constitucional o Caso Lüth, julgado pelo Tribunal Cons-
titucional Federal da Alemanha no final dos anos 50. A partir do julgamento, floresceram ideias como a
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e do uso da ponderação para resolver colisões entre
princípios. Para uma explicação mais detalhada do julgado e de suas implicações, sugerimos o texto que
segue: http://www.conjur.com.br/2014-ago-19/decisao-judicial-tornou-celebridade-internacional
No HC 87.341/PR, o STF decidiu pela licitude de provas colhidas em gravação clandestina feita por emis-
sora de televisão. No caso, um militar teria exigido suborno para incluir rapaz no excesso de contingente
e liberá-lo do serviço obrigatório. Podemos identificar a adoção de um suporte fático amplo pelo STF ao
definir que o direito à privacidade cederia frente ao interesse público de punir os responsáveis.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=409774
Nos EUA, doutrina e jurisprudência rejeitam as teorias direta e indireta quanto à eficácia dos direitos fun-
damentais, entendendo que estes direitos não incidem nas relações entre particulares, em regra. Assim,
só serão aplicados nos casos em que um particular comporte-se como Estado. Esta teoria é chamada de
doutrina da state action. Para uma breve ilustração da teoria americana, sugerimos o seguinte texto:
http://direitosfundamentais.net/2008/06/18/a-forca-da-state-action-mais-uma-pitada-de-boston-legal/
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Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
Podem ser considerados elementos do su- São características de teorias que adotam
porte fático de um direito fundamental, exce- um suporte fático restrito, exceto:
to:
a) Utilizar a ponderação para excluir determi-
a) intervenção estatal; nadas posições do âmbito de proteção dos di-
reitos fundamentais;
b) âmbito de proteção;
b) Excluir, a priori, determinadas condutas ou
c) consequência jurídica;
situações do âmbito de proteção com base em
d) ausência de fundamentação constitucional; critérios abstratos de intuição ou evidência vol-
tados à proteção da essência do direito funda-
e) restrição.
mental;
c) não faz parte do suporte fático dos direitos Sobre as restrições/limitações aos direitos
fundamentais; fundamentais, é INCORRETO afirmar que:
d) será válida, desde que seja constitucional- a) segundo as teorias internas, por serem os
mente fundamentada; limites imanentes de um direito fundamental fi-
e) só desencadeará consequências jurídicas xados a priori; esses direitos têm sempre um
para aqueles que aceitam a eficácia horizontal caráter definitivo, nunca prima facie;
dos direitos fundamentais. b) Os direitos fundamentais definidos a partir
do enfoque de teorias internas têm a estrutura
normativa de regras.
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Verificação de Leitura
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Referências
NOVELINO, Marcelo. O suporte fático dos direitos fundamentais. Texto de Leitura Obrigatória da
Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Anhanguera-Uniderp-LFG. Disciplina: Di-
reitos Fundamentais I. Aula 1. Acesso em 14 de agosto de 2015.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
Questão 2
Resposta: Alternativa D.
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Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa A.
Questão 4
Resposta: Alternativa D.
Resolução: São as teorias externas que pressupõem uma distinção entre direito prima facie
e direito definitivo, entre as quais a desenvolvida por Robert Alexy.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
Resolução: Não há interpretação estrita das restrições nas teorias de suporte fático amplo.
Ao contrário, são feitas a todo momento, já que os conflitos entre direitos fundamentais são
constantes e resolvidos pela ponderação.
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TEMA 02
Funções e Titularidade dos Direitos
Fundamentais
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LEGENDA
DE ÍCONES
Início
seções
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
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Aula 02
Funções e Titularidade dos Direitos
Fundamentais
Objetivos
1. Introdução
Nesse contexto, outro elemento importante para o estudo dos direitos fundamentais é a
titularidade, a qual diz respeito em saber a quem a Constituição atribui os direitos protegidos
por ela. Na ordem constitucional brasileira esse tema é complexo e cheio de questões
polêmicas, pois o constituinte brasileiro não foi sistemático em sua positivação. Logo, o
intérprete confronta-se com várias dúvidas hermenêuticas durante o seu estudo, as quais
tentaremos esclarecer a seguir.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
A principal classificação dos direitos fundamentais foi feita pelo jurista alemão Georg
Jellinek, que estudou os direitos fundamentais e os dividiu segundo três espécies: os direitos
de status negativus, os de status positivus e os de status activus.1-2 Essa classificação tem
como ponto de partida a característica dos direitos fundamentais de conferir uma posição
jurídica de direito subjetivo ao indivíduo em relação ao Estado (“direitos públicos subjetivos”),
que fica obrigado a um tipo específico de conduta dependendo da natureza da norma
constitucional pertinente ao caso.3
1 Jellinek também previu uma quarta modalidade chamada de status passivus, que equivale aos deveres e será
analisada posteriormente.
2 Essa teoria não está a salvo de críticas, para tanto, cf. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 269-
275.
3 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 45.
4 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 62.
5 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 62.
6 Gilmar Ferreira Mendes, Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional,
p. 3
7 Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 50-52.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Como dito, as prestações podem ser tanto materiais como imateriais. As materiais consistem
no fornecimento de bens ou serviços pelo Estado aos indivíduos. Por sua vez, as imateriais
consistem na edição de uma norma pelo Estado, o qual busca regulamentar algum direito ou
garantia, por exemplo.
8 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.
9 Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 263-264; Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito
constitucional, p. 300.
10 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 63.
11 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.
12 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Os direitos cívicos são exemplos dessa categoria, os quais são previstos desde as primeiras
Declarações do século XVIII. Inicialmente restrita, a titularidade desses direitos passou por
uma expansão gradual na história, incluindo-se o direito a voto para certas classes sociais,
mulheres, faixas etárias e até mesmo estrangeiros. Igualmente, novas formas de participação
foram desenvolvidas, como mecanismos de democracia direta (referendo e plebiscito, por
ex.).14
Desse modo, as relações se dão de duas formas: ativamente e passivamente. No caso ativo,
existe o poder de ação do indivíduo, representado pelos direitos políticos; e o dever de ação
do Estado, do qual os direitos sociais são exemplos. Já no caso passivo, há dois deveres
de abstenção. O primeiro diz respeito à imposição ao Estado de não intervir nas esferas
dos direitos de resistência e o segundo o dever do indivíduo não reagir no caso de uma
intervenção estatal em situações em que não há a proteção de um direito fundamental (ou ela
restar justificada). Esse última hipótese diz respeito à categoria que Jellinek classificou como
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
direitos de status passivus, a qual não é incluída na teoria tripartite por não equivaler a algum
direito dos indivíduos mas a seus deveres.16
De todo modo, apesar de ser insuficiente para abordar todas as formas de direitos fundamentais
previstos constitucionalmente, a teoria de Jellinek ainda se mostra mais sólida cientificamente
quando comparada com as demais que são encontradas na literatura especializada brasileira.
Nesse contexto, tem-se a teoria unitária, a qual busca afastar a noção dos direitos sociais
como normas programáticas e, para tanto, não faz distinções entre os direitos fundamentais
e os aproxima tendo em vista a sua natureza constitucional.17
Além disso, há a teoria dualista, que divide os direitos fundamentais nas categorias de direitos
de resistência e direitos prestacionais, ignorando a singularidade dos direitos de status activus
(políticos), os quais são incluídos na espécie de direitos de resistência. Essa abordagem
não leva em consideração a distinção traçada linhas acima de que, enquanto os direitos
de resistência consistem em uma área de livre atuação do indivíduo, na qual o Estado não
pode intervir, os direitos políticos consistem em uma atuação positiva do indivíduo na esfera
estatal.18 Por sua vez, os direitos políticos não se confundem com os direitos prestacionais,
pois aqueles estão sujeitos à livre disposição do titular, enquanto esses são obrigações de
atuação do Estado em prol dos particulares.19
16 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 54.
17 Por uma lista de referência de autores que seguem esse entendimento, cf Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins,
Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.
18 Por uma lista de referência de autores que seguem esse entendimento, cf Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins,
Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.
19 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Nesse sentido, a CF/88 protege dois tipos de direitos coletivos. Em primeiro lugar, há os
direitos coletivos tradicionais, assegurados desde o começo do constitucionalismo, quais
sejam, os direitos de resistência, prestacionais e políticos que só podem ser exercidos por
uma coletividade. Como exemplo dessa categoria de direitos tem-se a liberdade de reunião
e o direito de criação de um partido político, os quais só podem ser exercidos em grupo. Não
há nem reunião de uma pessoa, nem partido formado por uma pessoa. No entanto, nesse
caso, ainda está a se falar de um direito individual, o qual se enquadra na teoria de Jellinek,
mas que só pode ser exercido coletivamente.20
Apesar da abordagem dada por parte da doutrina, a questão da indeterminação dos titulares
advinda da sua transindividualidade25 não é o real problema dessa modalidade de direitos,
pois que também os direitos fundamentais gozam de característica similar, já que garantidos
por meio de normas dotadas de generalidade. Na realidade, a verdadeira celeuma dos
direitos difusos está em seu conteúdo, pois sua delimitação ainda é alvo de controvérsia
normativa, jurisprudencial e acadêmica. Desse modo, as medidas que o titular de um direito
dessa categoria pode fazer ou exigir em um caso concreto não são claras.26
20 Por um estudo da liberdade de reunião como modalidade de direito coletivo, cf. Leonardo Martins, ADPF 187/DF;
Vladimir da Rocha França, Direito a reunião pacífica na Constituição Federal. Por um estudo dos direitos coletivos, cf.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 56 e ss.
21 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 56-57.
22 Por um estudo dos direitos coletivos na literatura especializada brasileira, cf. Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti
Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73 e ss; Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, p. 33 e ss.
23 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73-74; Teori Albino Zavascki,
Processo coletivo, p. 33-34.
24 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73-74.
25 Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, p. 53.
26 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 57.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
A CF também protege algumas garantias de instituições, como a família (art. 226), o casamento
(art. 226, §§ 1º e 2º) e a propriedade (art. 5º, caput e XXII),30 os quais possuem tanto função de
direitos de resistência, como a de garantia aqui estudada. Portanto, no caso do casamento,
por exemplo, protege-se uma série de faculdades individuais (a escolha de casar, com quem
e quando casar etc.), como também se pode exigir que o Estado regulamente esse direito por
meio de lei.31
27 A esse respeito, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 58
28 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 66.
29 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 58
30 Para um estudo dogmático sobre a propriedade como garantia de organização e suas outras funções, cf. Leon-
ardo Martins, Liberdade e Estado constitucional, p. 180 e ss
31 Leonardo Martins, Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça
constitucional, passim.
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
O outro argumento que influencia a pouca importância dada pelos deveres fundamentais é de
origem histórica. Os deveres fundamentais tiveram um papel central dentro dos ordenamentos
jurídicos nacional-socialista e comunista, em que foram usados para relativizar os direitos
fundamentais e aniquilar as liberdades dos particulares. Esses dois modelos fundamentam o
porquê de existir um descaso com os deveres fundamentais e até uma desconfiança.33
De todo modo, esse tema merece ser estudado, pois ainda recebeu a atenção do constituinte
brasileiro e levanta vários questionamentos, podendo ser enquadrado nas categorias
analisadas a seguir.34
Em primeiro lugar, tem-se os deveres estatais implícitos não autônomos, que seriam deduzidos
dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Esses deveres constituem-
se no outro lado da moeda dos direitos fundamentais, os quais o Estado estaria obrigado
a concretizar, seja positivamente (direitos sociais), seja negativamente (direitos de status
negativus).35 Por serem decorrentes dos direitos fundamentais, o seu estudo aprofundado não
tem utilidade prática, pois resultaria na repetição do pesquisado nos direitos fundamentais.
32 Carl Schmitt, apud Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Deveres fundamentais, p. 326-326.
33 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 531.
34 Por outro modelo de classificação, cf. Jorge Miranda, Direito e deveres fundamentais.
35 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 60-61
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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Nesse contexto, o dever de criminalização implícito é controverso, pois, caso aceito, admitir-se-
ia que há, a nível constitucional, um dever não expresso de o Estado tipificar certas condutas.
Na realidade, nessas hipóteses há a discricionariedade do legislador para implementar tais
criminalizações, não sendo constitucionalmente justificável a sua existência. Desse modo,
cabe ao legislador decidir pela criminalização, o qual deverá justificar-se segundo o critério da
proporcionalidade. Da mesma forma, não há um direito fundamental do cidadão a tipificação
da conduta estabelecida constitucionalmente, o que compete ao legislador regulamentar
quando julgar adequado e necessário.38
Em quarto lugar, discute-se se existiriam deveres não autônomos dos particulares. Tal espécie
consistiria em deveres decorrentes dos direitos fundamentais e que teriam como destinatários
os particulares, os quais teriam o dever de respeitar os direitos fundamentais dos demais
indivíduos. Em suma, haveria uma simetria entre direitos e deveres na Constituição.39
Apesar de ser clara a vinculação do Estado aos direitos fundamentais, é questionável existir
o mesmo vínculo dirigido aos particulares. Isso se dá pelo fato de que tal estrutura limitaria
sensivelmente a autonomia privada e a liberdade de contratar do cidadão e resultaria em
uma grande quantidade de conflitos. Como exemplo, basta imaginar situações envolvendo
28
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
associações e seus membros, em que a junta diretiva expulsa um indivíduo por se expressar
contrariamente a regra do ente coletivo (membro de uma instituição religiosa que emite
opinião contrária a um de seus dogmas, por ex.). Nessa hipótese, há o conflito da faculdade
de expulsar um membro inoportuno inerente à liberdade de associação (art. 5º, XVII, CF)
com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF). Impedir a expulsão nessas
situações baseando-se no dever dos indivíduos de respeitar os direitos fundamentais dos
demais geraria insegurança jurídica, pois potencialmente inviabilizador do direito à liberdade
de associação.40
Dessa forma, compete ao legislador ordinário regulamentar a solução para tais conflitos
e estabelecer deveres aos particulares, não à Constituição. Assim, impera o princípio da
assimetria entre direitos e deveres, o que é necessário para um “estado de liberdade”.41
Em quinto lugar, há os deveres autônomos dos particulares, os quais são deveres que a
Constituição estabelece e que têm como titulares os particulares. Nesses casos, o constituinte
decidiu por obrigar os indivíduos a uma atuação positiva e uma colaboração na concretização
dos direitos fundamentais de terceiros (por exemplo, o dever de educação incumbido à família
pelo art. 205, CF). No entanto, não há o direito fundamental de terceiros a que os titulares
cumpram com seu dever. De todo modo, os enunciados normativos que preveem os deveres
fundamentais possuem baixa densidade normativa, necessitando-se da atuação do legislador
para a sua regulamentação.42
Ademais, a CF prevê alguns deveres coletivos, os quais têm como espécies os deveres
coletivos tradicionais e os novos deveres coletivos. Os primeiros são aqueles cujos titulares
são um grupo de indivíduos identificáveis (por exemplo, tem-se o dever de prestar serviço
militar estabelecido pelo art. 143, CF). Já os novos deveres coletivos são aqueles em que
os titulares não são identificáveis e se tem como exemplo a segurança pública (art. 144,
CF), a educação (art. 205, CF), a preservação do meio ambiente (art. 225, CF) etc. Esses
deveres também possuem uma baixa densidade normativa, assim, é necessária a atuação
do legislador ordinário para que regulamente e especifique as ações exigidas para a o
cumprimento desse dever.43
40 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 63.
41 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 533.
42 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 64.
43 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 64-66.
29
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
O pouco interesse demonstrado pela literatura especializada pelo tema dos deveres
fundamentais pode ser deduzido do estudado até aqui, em que parte significativa fica sujeita
a uma regulamentação do legislador que a operacionalize. De todo modo, a Constituição
nasceu como meio de limitar o Estado e para ser
uma protetora das liberdades, o que ajuda a explicar
o pouco interesse do constituinte e dos juristas sobre
Saiba Mais
o tema. As garantias fundamentais repressivas
são também chamadas de remédios
constitucionais ou ações constitucio-
2.8 Garantias fundamentais nais.1 Nessa categoria, incluem-se o
habeas corpus, o mandado de seguran-
ça, o mandado de segurança coletivo,
As garantias fundamentais são os meios o mandado de injunção, o habeas data
criados pelo constituinte para prevenir ou reprimir e a ação popular. A seu modo, cada
uma protege os direitos fundamentais
violações aos direitos fundamentais.45 As garantias de violações comissivas e omissivas.
preventivas são aquelas que organizam o Estado e
1 Nesse sentido, Dimitri Dimoulis
buscam fiscalizar a ação das autoridades estatais. e Soraya Lunardi. Curso de processo
Desse modo, organizam e limitam o poder estatal, constitucional, p. 375 e ss; Dimitri
Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria
buscando concretizar, por exemplo, a separação geral dos direitos fundamentais, p.
67-68; José Afonso da Silva, Curso
dos poderes (pode-se citar a inafastabilidade da
de dirieto constitucional positivo, p.
jurisdição garantida pelo art. 5º, XXXV, CF). Já as 442; Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso
de direito constitucional, p. 683 e ss.
garantias repressivas buscam impedir ou reparar
44 Essa controvérsia se dá entre Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, em que o primeiro defende a função social
da propriedade como dever, enquanto o segundo entende que a função social é um limite constitucional sui generis a ser
regulamentado pelo legislador. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos funda-
mentais, p. 66; Leonardo Martins, Liberdade e Estado constitucional, p. 197 e ss
45 Em sentido similar, cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p.419-420.
30
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
lesões aos direitos fundamentais (como exemplo, tem-se o habeas corpus e o mandado de
segurança, previstos no art. 5º, LXVIII e LXIX, respectivamente).46
Apesar de ideia intuitiva, a titularidade dos direitos fundamentais não é assegurada a todos
os indivíduos no ordenamento jurídico brasileiro. A CF estabelece algumas restrições, seja
de modo genérico, seja segundo as peculiaridades de direitos fundamentais específicos.
Dessa forma, nem todo particular pode valer-se de um determinado direito fundamental para
se proteger, antes, é necessário que seja titular do bem assegurado constitucionalmente.
Logo, podem existir direitos fundamentais que são assegurados a somente um grupo em
determinada condição, como os “presos” (art. 5º, LXIV, CF), ou garantidos a um grupo mais
amplo como os “brasileiros” (art. 5º, caput, CF). Essas distinções serão analisadas a seguir.
46 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 67-68.
47 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 69.
31
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
O termo “brasileiros” presente no art. 5º, caput, CF, deve ser entendimento todo indivíduo de
nacionalidade brasileira sem qualquer distinção quanto ao momento de sua aquisição. Desse
modo, tanto o brasileiro nato, como o brasileiro naturalizado devem ser considerados como
titulares dos direitos fundamentais em questão, independentemente de estarem residindo no
Brasil ou não. Ademais, a Constituição restringiu alguns direitos fundamentais somente aos
brasileiros natos (por exemplo, art. 5º, LI, CF).
Além disso, não se pode considerar que, pelo fato do constituinte ter se referido somente
aos “brasileiros” - plural masculino -, estão excluídas as mulheres da referida previsão
constitucional. As regras do português formal prescrevem que os plurais masculinos englobam
os membros femininos do respectivo conjunto.48
Questão tormentosa diz respeito a definir quem pode ser enquadrado como “estrangeiros
residentes no país”. A condição de residente não demanda sua intenção de morar no local
definitivamente, podendo a permanência ser temporária, exigindo-se que o indivíduo resida
no local por algum tempo. Igualmente, desde que a sua residência seja no Brasil, o indivíduo
pode sair do país temporariamente para os mais diversos fins.49
48 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 71.
49 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 71-72.
32
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Não obstante, ao se interpretar tais enunciados normativos deve-se ter em conta a sua relação
com o caput, o qual estabelece a regra geral a ser observada “nos termos seguinte”. Assim,
ao se referir a “todos”, o inciso XVI do art. 5º, CF, por exemplo, está se referindo a “todos” “os
brasileiros e estrangeiros residentes no País”.
50 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 307; Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, p. 71.
51 Nesse sentido, cf. Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 306 e ss.
33
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
52 Seguindo o entendimento do STF, cf. Bernardo Gonçalves Fernandes, Curso de direito constitucional, p. 337-
339; George Marmelstein, Curso de direitos fundamentais, p. 227-230.
53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº. 44.621, relator ministro Cândido Motta Filho,
Primeira Turma, julgado no dia 07/06/1960. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Habeas corpus nº. 72.391. Tribunal Pleno, relator ministro Celso de Mello, julgado no dia 08/03/1995. BRASIL. Supre-
mo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº. 215.267, relator ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado no dia
24/04/2001.
54 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 75.
55 Por uma lista dos defensores desse entendimento, cf. Dimitri Dimoulis e Martins, Teoria geral dos direitos fun-
damentais, p. 75-76.
56 Nesse sentido, cf. Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 306-307.
34
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
não residentes no país seriam titulares dos direitos fundamentais.57 Esse entendimento não
convence por dois motivos. Em primeiro lugar, apesar da grande abstração da dignidade da
pessoa humana, alguns direitos fundamentais não podem ser deduzidos diretamente dela,
vide o caso do habeas data. Em segundo lugar, deve-se destacar a especificidade da norma
do art. 5º, caput, CF, que deve ser aplicada quando conflitante com uma norma mais geral
como a dignidade da pessoa humana (lex specialis derogate legi generales).58
35
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
outro dispositivo constitucional, não existindo a mesma relação que ocorreria nos casos dos
incisos.
Contudo, alguns deles têm como titulares grupos específicos, como os desamparados (art.
6º, caput, “proteção aos desamparados”), as mães e as crianças (art. 6º, caput, “proteção
à maternidade e à infância”). Salvo nesses casos, os direitos sociais previstos pelo art. 6º,
CF não aparentam possuir uma restrição quanto à titularidade, o que induz a conclusão que
a vontade do constituinte foi a de estabelecer, como regra, uma titularidade universal dos
direitos sociais.60 Nesse sentido, algumas normas constitucionais parecem corroborar com
essa interpretação, pois garantem direitos sociais a todos. Por exemplo, os artigos 196 e 205
determinam que a saúde e a educação são direitos de todos, respectivamente.
No entanto, essa conclusão não deixa de ser problemática, pois parece contraditória tanto
com o estabelecido no art. 5º, como em termos políticos. Nesse sentido, a interpretação aqui
realizada fundamentaria a possibilidade de um estrangeiro não residente no Brasil requerer
direitos sociais como a moradia e o lazer, o que não deixa de ser controverso diante dos custos
dos direitos sociais. Essas questões são somente mais um exemplo da falta de sistemática
do constituinte brasileiro.61
No tocante a outros direitos sociais, a análise é mais simples. Os direitos sociais do art. 7º a
9º e 11º são assegurados a todos os trabalhadores rurais e urbanos, não havendo qualquer
restrição quanto à nacionalidade. Desse modo, qualquer um que esteja prestando serviços no
Brasil é titular dos direitos elencados. No entanto, há algumas restrições feitas pelo constituinte,
em que são assegurados certos direitos a determinados grupos de trabalhadores, como, por
exemplo, aos desempregados (art. 7º, II, CF), à gestante (art. 7, XVIII, CF), ao pai (art. 7º,
XIX, CF), à mulher (art. 7º, XX, CF), aos trabalhadores com filhos ou dependentes (art. 7º,
XXV, CF) etc.
Ademais, alguns direitos considerados pela constituinte como sociais não se enquadram nos
de status positivus e são tipicamente de status negativus. Nesse sentido, tem-se o direito à
36
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
greve (art. 9º, CF) e o direito à associação profissional e sindical (art. 8º, CF). Além disso,
há alguns direitos de cunho político, pois asseguram a participação dos trabalhadores em
órgãos públicos (art. 10, CF).62
Os estrangeiros são titulares de direitos políticos em somente duas hipóteses. Em primeiro lugar,
segundo o art. 12, §1º, CF, os portugueses com residência permanente no Brasil possuem os
mesmos direitos dos brasileiros, caso exista reciprocidade por Portugal. Logo, os indivíduos
de nacionalidade portuguesa podem exercer os mesmo direitos dos brasileiros protegidos na
CF se Portugal assegurar proteção similar a estes. Em segundo lugar, os estrangeiros podem
fazer parte de partidos políticos, já que o art. 17, CF não incluiu a nacionalidade brasileira como
requisito para o exercício da atividade partidária. No entanto, a Lei dos Partidos Políticos (Lei
Federal nº. 9.060 de 1995) estabelece como requisito para a filiação aos partidos políticos o
pleno gozo dos direitos políticos, o que possui constitucionalidade questionável.63
62 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 81-82.
63 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 83.
37
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
No tocante aos novos direitos coletivos, há algumas questões especiais. A proteção aos
consumidores, consagrada no art. 5º, XXXII, CF, depende da regulamentação pelo legislador
para que se possa determinar quem são os consumidores e, consequentemente, seus
titulares. Apesar de alguns elementos dessa titularidade serem identificáveis, a definição
ainda depende da edição de lei.
Já no caso do direito a um meio ambiente equilibrado, o art. 225, CF assegura a “todos”, sem
fazer qualquer tipo de distinção nos moldes do art. 5º, caput, CF. Logo, conclui-se que tanto
brasileiros e estrangeiros, indistintamente, são titulares desses direitos fundamentais. Nesse
contexto, tem-se encontrado na literatura especializada alguns defensores de que também
os animais e a natureza seriam titulares de direitos. No entanto, tais entendimentos ainda
necessitam de amparo constitucional.64
Por fim, no caso do direito ao desenvolvimento e à solidariedade, tem-se mais projetos políticos
do que realmente direitos, pois extremamente abstratos e de difícil delimitação. No entanto,
pode-se afirmar que tais direitos devem beneficiar a todos e a cada um em separado.65
Já no caso das segundas, como regra, elas seguem o abordado no caso da titularidade dos
direitos do art. 5º, CF e seus incisos. No entanto, alguns casos merecem destaques. Nesse
sentido, a ação popular é assegurada em nível constitucional somente aos “cidadãos” (art.
64 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 84.
65 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 84.
38
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
5º, LXXIII, CF), ou seja, aqueles que têm o direito de voto. Igual questão peculiar é a do
mandado de segurança coletivo, o qual é assegurado somente aos partidos políticos com
representação no Congresso Nacional e a entes coletivos laborais e associação “legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados” (art. 5º, LXX, CF).
Apesar dessas restrições feitas pelo constituinte, nada impede que o legislador expanda a
proteção, atribuindo a titularidade a outros grupos não protegidos inicialmente.
Nesse sentido, seguindo o modelo alemão, tem-se atribuído às pessoas jurídicas os direitos
fundamentais que forem compatíveis com a sua natureza. Logo, alguns direitos como,
por exemplo, a propriedade (art. 5º, caput e XXII, CF) e o direito adquirido e o ato jurídico
perfeito (art. 5º, XXXVI, CF) são atribuíveis às pessoas jurídicas, pois compatíveis com suas
peculiaridades.
Por outro lado, a titularidade dos direitos sociais e de alguns direitos políticos mostra-se inviável,
pois os direitos sociais são assegurados para melhorar a condição de vida dos indivíduos
em sociedade, enquanto os direitos políticos dizem respeito aos indivíduos exercerem sua
cidadania ou ocuparem cargos políticos.68
39
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais
Não obstante, na Alemanha também se tem aceitado tal possibilidade em situações especiais.
Para tanto, argumentou-se com base na teoria da específica situação de risco para certos
direitos fundamentais, em que a não proteção de certos órgãos públicos poderia ocasionar
a vulneração de alguns direitos fundamentais69. Nesse sentido, baseando-se na experiência
alemã, tem-se aceito a titularidade da liberdade científica para as universidades públicas e o
da comunicação social para os entes públicos de comunicação.70
69 Também foi usada por um tempo a teoria da configuração pessoal-natural do ente coletivo, a qual vem diminu-
indo em defensores sendo, hoje, uma corrente minoritária na Alemanha. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo
Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 88-89.
70 Na Alemanha também se aceita a liberdade religiosa para as igrejas públicas, hipótese que não é aplicável ao
caso brasileiro. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 88-
89. Em sentido similar, Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 312-313; Bodo Pieroth e Bern-
hard Schlink, Direitos fundamentais, p. 93-101.
40
Pontuando
• A teoria de Jellinek tem como ponto de partida a relação entre o indivíduo e Estado e a
posição jurídica de direito subjetivo conferida àquele em face deste. Esse direito subjetivo
varia segundo cada caso, podendo estabelecer um direito de resistência (status negativus),
um direito de ação estatal (status positivus) e um direito de ação ou participação no Estado
(status activus).
• As pessoas jurídicas somente são titulares de direitos fundamentais quando estes forem
compatíveis com sua natureza jurídica. No caso das pessoas jurídicas de direito público
essa restrição é ainda maior, já que somente é possível quando houver um específico
risco a certo direito fundamental.
Glossário
Resistência: 1 Ação ou efeito de resistir. 2 Causa que contraria a ação de uma força.
Fonte: Dicionário online Michaelis.
41
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) obrigam aos indivíduos a realizarem deter-
minados deveres estabelecidos constitucional-
Marque a alternativa que melhor completa a
mente.
assertiva: “O direito de status positivus asse-
gura...” Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
42
Verificação de Leitura
43
Referências
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Pau-
lo: Malheiros, 2006.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de processo civil: processo coletivo. 5ª ed. Salva-
dor: JusPodivm, 2010, v. 4.
DIMOULIS; Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5ª edição. São
Paulo: Atlas, 2014.
______. Deveres Fundamentais. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBO-
NELL, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1ª.ed.Salvador: Jus Podivm,
2011, v. , p. 325-345.
______; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Direito de reunião pacífica na Constituição Federal. In: Revista de Di-
reito Constitucional e Internacional, v. 61, p. 280-297, 2007.
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
______. ADPF 187/DF: Marcha da Maconha . In: Anjos Filho, Robério Nunes dos. (Org.). STF e di-
reitos fundamentais: diálogos contemporâneos. 1ªed. Salvador: Jus Podivm, 2013, v. , p. 277-305.
______. Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça cons-
titucional. DIREITO. UnB Revista da Faculdade de Direito da UnB, v. 01, p. 245-279, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitu-
cional. In: Revista eletrônica de direito do Estado (REDE). Salvador: Instituto Brasileiro de Direito
Público, nº. 23, julho/agosto/setembro, 2010. Disponível na internet em: <http://www.direitodoestado.
com/revista/REDE-23-JULHO-2010-GILMAR-MENDES.pdf>. Acesso em 5 de maio de 2015.
44
Referências
MIRANDA, Jorge. Direitos e deveres fundamentais. In: Anima: revista eletrônica do Curso de Direito
da Opet. Curitiba: Faculdade Opet, 2ª ed., vol. 2, p. 368-392. Disponível em: [http://www.anima-opet.
com.br/anima_1.php]. Acesso no dia 10 de maio de 2015.
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais [Trad. António Francisco de Souza e
António Franco]. São Paulo: Saraiva, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito con-
stitucional. São Paulo: Editora RT, 2012.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ª ed. São Paulo: Malheiros,
2010.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
Resolução: O direito de status positivus causa um dever de ação do Estado, que deve
concretizar o direito fundamental. Dessa forma, as outras opções estão incorretas. Em
primeiro lugar, o direito que gera uma obrigação de não intervenção do Estado e uma área
de liberdade do indivíduo é o direito de status negativus, os quais funcionam como direitos
de resistência. Em segundo lugar, o direito de status activus é o que gera um direito de
participação do indivíduo no Estado. Em terceiro lugar, são os deveres fundamentais que
podem gerar uma obrigação ao indivíduo.
45
Gabarito
Questão 2
Resposta: Alternativa A.
Questão 3
Resposta: Alternativa E.
Questão 4
Resposta: Alternativa B.
Resolução: Os direitos fundamentais do art. 5º são assegurados, como regra, aos brasileiros
e estrangeiros residentes no país, excluindo-se, dessa forma, os estrangeiros residentes no
exterior. Além disso, não há qualquer tipo de restrição de ordem etária ou de gênero.
46
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa E.
Resolução: Todas as alternativas possuem algum erro com exceção da “c”. Nesse sentido,
a titularidade das pessoas jurídicas não é aceita em qualquer hipótese, necessitando-se que
o direito fundamental seja compatível com a natureza da pessoa jurídica. Logo, também
está equivocada a alternativa “b”, pois a referida cláusula não existe constitucionalmente.
Ademais, alguns direitos foram garantidos expressamente às pessoas jurídicas nos incisos
do art. 5º, CF e outros dispositivos constitucionais, o que invalida a alternativa “d”. Por fim,
também está errada a alternativa “e”, já que as pessoas jurídicas são titulares de direitos
além daqueles atribuídos diretamente a elas. todas as alternativas possuem algum erro com
exceção da “c”. Nesse sentido, a titularidade das pessoas jurídicas não é aceita em qualquer
hipótese, necessitando-se que o direito fundamental seja compatível com a natureza da
pessoa jurídica. Logo, também está equivocada a alternativa “b”, pois a referida cláusula
não existe constitucionalmente. Ademais, alguns direitos foram garantidos expressamente
às pessoas jurídicas nos incisos do art. 5º, CF e outros dispositivos constitucionais, o que
invalida a alternativa “d”. Por fim, também está errada a alternativa “e”, já que as pessoas
jurídicas são titulares de direitos além daqueles atribuídos diretamente a elas.
47
TEMA 03
Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
48
LEGENDA
DE ÍCONES
Início
seções
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
49
Aula 03
Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Objetivos
Apresentar ao aluno uma visão panorâmica sobre três assuntos pertinentes à dogmática
geral (Parte Geral, Teoria Geral) dos direitos fundamentais, mencionados no título da aula,
enfatizando seus problemas de aplicação e metodológicos.
1. Introdução
Há um claro desiderato teórico e político de que a Constituição deve ter “força normativa”.
O conceito de força normativa de uma Constituição diz respeito à sua capacidade de nortear
os fatos políticos e sociais, não devendo estes ensejar a configuração da interpretação das
normas constitucionais a partir de seus fatores, como principalmente a detenção do poder.
Imprimir força normativa ao sistema de normas constitucionais definidoras de direitos
fundamentais não se faz com uma abordagem meramente descritiva e/ou teórica dos direitos
fundamentais. Para que os direitos fundamentais possam ser concretizados, oponíveis
perante o Poder Judiciário em face de alegadas violações, é preciso, primeiro, aprofundar no
estudo de seus efeitos, tecnicamente falando: de sua eficácia jurídico-normativa, identificando
precisamente seus destinatários, que são os obrigados a cumprir os imperativos deles
decorrentes (sob 2.). Segue a análise da bidimensionalidade dos direitos fundamentais (sob
3.) e, finalmente, a identificação e estudo de seu conteúdo e alcance a partir da interpretação
da hipótese normativa implícita em cada norma definidora de direito fundamental (sob 4.).
50
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
Em primeiro lugar, fica determinado pela referida norma que os direitos fundamentais vinculam
todas as autoridades do Estado, incluindo o Poder Legislativo. Este não pode restringir um
direito fundamental de forma não permitida pela própria Constituição, sob o pretexto de que
detém a competência e a legitimação democrática de criar normas gerais e vinculantes.
Em segundo lugar, a referida norma determina que os titulares dos direitos não precisam
aguardar autorização, concretização ou outra determinação estatal para poder exercer seus
direitos fundamentais. Se o legislador for omisso em regulamentar e/ou limitar um direito, este
poderá ser exercido imediatamente em toda a extensão que a Constituição Federal o definir,
sendo o Poder Judiciário competente para apreciar afirmações de sua violação.
Disso decorre que os direitos fundamentais, como já foi acima aludido, não são simples
declarações políticas ou programas de ação do poder público e tampouco podem ser vistos
como normas de eficácia “limitada” ou “diferida”, ao contrário do que afirma uma corrente
doutrinária brasileira.2
No caso dos direitos fundamentais sociais, o efeito imediato não se manifesta plenamente,
porque consistem em pretensões dos indivíduos diante do Estado e não podem ser exercidos
de maneira imediata, tal como estabelece o §1° do Art. 5° da CF. Mas isso não significa que
1 Cf. em relação aos próximos parágrafos: DIMOULIS; Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos
fundamentais. 5ª edição. São Paulo: Atlas, p. 95 s.
2 Cf. a divisão tripartite “eficácias” (“plena”, “contida” e “limitada”) amplamente difundida na doutrina nacional ofe-
recida por Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª edição. São Paulo: Malheiros; e as
demais referências em DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 96 (nota de rodapé 1).
51
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
sua eficácia seja menor do que a eficácia dos direitos fundamentais de liberdade negativa
(status negativus), como são as liberdades clássicas, que serão respeitadas pelos órgãos
estatais, quando estes deixarem de intervir na esfera individual ou social. Por isso, no caso
dos direitos fundamentais sociais, a “aplicabilidade imediata” traduz-se pelo dever do Poder
Legislativo de realizar sua prestação normativa, no sentido de tornar os direitos fundamentais
sociais jurisdicionáveis, criando parâmetros certos e determinados à Administração Pública
e ao Poder Judiciário para concretizá-los. O mesmo ocorre com os direitos difusos, como o
direito fundamental ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, e com os novos direitos
coletivos, como os direitos do consumidor, que são insuficientemente delineados no texto
constitucional.
Isso se explica juridicamente pelo fato de o §1o do art. 5o da CF referir-se a normas “definidoras”
de direitos.3 As normas que definem de forma insuficiente um direito não são imediatamente
aplicáveis na realidade social – não porque isso não seja o objetivo normativo, mas porque
não é possível aplicar um direito sem conhecer as hipóteses e condições específicas de sua
incidência e as formas de seu exercício. Trata-se de normas de baixa densidade normativa
que carecem de configuração pelo legislador ordinário.4
Exemplo: um Tribunal reconhece o dever do Estado brasileiro em garantir aos presos dignas
condições de vida, não obstante os patentes sofrimentos enfrentados pelos presos, em razão
do péssimo estado de conservação e da superlotação da maioria dos presídios. Mas se nega
a condenar o Estado ao pagamento de indenização, alegando que, em razão da limitação de
recursos financeiros disponíveis, não foi “possível” ao Estado garantir melhores condições
carcerárias.6
52
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
Segundo o Art. 1, III da Grundgesetz (“Lei Fundamental” = Constituição alemã): “Os direitos
fundamentais a seguir vinculam Legislativo, Poder Executivo e Judiciário como direito
imediatamente vigente”. (grifo nosso). Por sua vez, o primeiro dispositivo da parte orgânica
da Constituição alemã (Grundgesetz) reforçou esse vínculo imediato dos três poderes, ainda
que de maneira escalonada. Segundo o Art. 20, III Grundgesetz: “O Legislativo é vinculado à
ordem constitucional; o Poder Executivo e o Judiciário são vinculados à lei e ao direito.”8
7 BVerfGE 33, 303. Tradução e comentários em: MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal Alemão (Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 656 ss.
8 Sobre as formas de citação dos dispositivos da Constituição alemã e mais explicações sobre as notações utiliza-
das, consultar em geral: MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.
53
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
A principal função dos direitos fundamentais sempre foi, historicamente falando, a de limitar o
poder do Estado em favor dos indivíduos àquele submetidos. Esta continua sendo sua função
primordial. O destinatário principal do dever de respeitar os direitos dos indivíduos é o Estado
no sentido mais amplo do termo. Nesse sentido amplo, o Estado abarca, portanto, toda e
qualquer autoridade ou órgão que exerça competências estatais, mesmo por intermédio de
concessão de serviço público ou permissão especial.
Assim, os direitos fundamentais correspondem a deveres do Estado, que podem ser tanto
deveres de abstenção de intervir na esfera de liberdade garantida dos indivíduos, como
podem positivar deveres de prestação ou de criação e manutenção de estrutura normativa e
material ou de organização e procedimento.
Os particulares são, por sua vez, vinculados à lei, i.e, têm sua liberdade geral de ação limitada
negativamente e, em casos específicos, positivamente (configuração infraconstitucional
dos deveres fundamentais), pelo princípio da legalidade. Este, sabidamente, preconiza, de
maneira lapidar: “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”,
segundo o Art. 5°, II da CF.
Logo, os direitos fundamentais de terceiros não os vinculam, pelo menos não diretamente.
Quando o Estado pretende vincular diretamente os particulares entre si a direitos fundamentais
uns dos outros, como no caso dos vínculos ao sigilo da correspondência, à inviolabilidade
de domicílio, ao direito fundamental à vida etc., ele o faz, diretamente, pelo legislador,
principalmente pelo legislador penal. Isso porque o legislador penal tem a competência para
criminalizar algumas condutas de particulares, as quais correspondam a violações de direitos
fundamentais. Em sentido técnico-jurídico dogmático, têm-se aqui a aplicação do princípio da
legalidade e da discricionariedade político-legislativa do legislador e não um vínculo a direitos
fundamentais.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
Repare-se que, acima, utilizou-se, de maneira consciente, um advérbio de modo, qual seja:
“diretamente”. O uso do advérbio de modo foi consciente porque toda a discussão germânica
em torno da concepção teórica do vínculo de particulares a direitos fundamentais, que foi
importada pela doutrina brasileira, pautou-se não só pela resposta à primeira pergunta a
respeito do “se” os direitos fundamentais vinculariam particulares. Com efeito, ela foi além:
precipuamente em caso de resposta afirmativa à primeira pergunta, a discussão germânica
avançou para questionar o “como”, i.e, de que maneira os direitos fundamentais vinculariam
os particulares, se direta ou apenas indiretamente. Indireta ou mediatamente implica a
atuação de um intermediário entre a norma constitucional e o particular que sofreria os efeitos
horizontais.
55
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Com efeito, os particulares não “aplicam” normas, mas sim diante delas ou as observam ou
as violam. Quando a CF quis proteger um direito fundamental em face de particulares, ela o
determinou expressamente, como o fez, além dos exemplos já trazidos supra, na ordem de
criminalização do racismo do Art. 5°, XLII. Mesmo em tais casos, o legislador penal é ainda o
primeiro chamado a “aplicar” a norma, criando o correspondente tipo penal para a definição
do crime de racismo.
56
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
De acordo com esse fundamento, o efeito horizontal se traduz como o vínculo específico do
Judiciário de interpretar tais cláusulas contratuais e o direito privado de maneira orientada
pelas normas definidoras de direito fundamental.11 O direito de resistência* se atualiza
no momento em que o juiz do feito impõe uma interpretação e consequente aplicação de
cláusula ou norma de direito privado, que implique intervenções no direito individual de
liberdade ou igualdade,* ainda que essas cláusulas e normas sejam, em si consideradas, isto
é, abstratamente falando, compatíveis com a Constituição.
O problema que se apresenta é, portanto, saber como se manifesta o efeito horizontal nos
casos concretos, como pode ser alegado e apreciado pelo Poder Judiciário.
Que os direitos fundamentais devam ter alguma relevância em face de particulares, ainda
que tecnicamente isso não possa ser chamado de vínculo, é inegável em face de seu
caráter supremo (fundamentalidade formal) e situação de vulnerabilidade material perante os
chamados poderes sociais com grande potencial lesivo da liberdade e igualdade individuais.
Tecnicamente, porém, o que ocorre é que os particulares, quando envolvidos em uma lide
cível ou penal privada, acabam sofrendo com os efeitos do vínculo do Poder Judiciário aos
direitos fundamentais da parte contrária.
A aplicação dessa norma obrigacional deveria ter sido afastada pelos juízes do caso, se eles
tivessem reconhecido que um direito fundamental (no caso a norma que garante a liberdade
de expressão – Art. 5 I 1 da Grundgesetz) acabaria determinando-o, pela via da necessária
57
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
como fundamento normativo do efeito horizontal o vínculo do Estado como um todo (incluindo
o Judiciário!) aos direitos fundamentais (art. 5o, § 1o, da CF).
Tal aplicação direta pelo Estado-juiz, portanto, não impugna a tese aqui adotada de que
o efeito horizontal é meramente indireto. Necessita dos media, isto é, da intermediação
das cláusulas gerais do direito infraconstitucional sobre as quais incide o referido “efeito de
irradiação” e, evidentemente, da decisão do juiz, que interpreta e aplica tais cláusulas. É
somente a prestação jurisdicional que aperfeiçoa uma violação de direito fundamental.
59
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Pontuando: No ordenamento jurídico brasileiro, vale, como regra geral: o destinatário dos
deveres, que correspondem aos direitos fundamentais, é o Estado, tanto no sentido do dever
de abstenção, como no sentido do dever de ação mediante prestações. Os particulares devem
respeitar os direitos fundamentais na exata medida em que estes forem concretizados por
leis infraconstitucionais (por exemplo, o direito fundamental à vida corresponde à punição do
homicídio). No mais, os direitos fundamentais desenvolvem o referido “efeito de irradiação”
na interpretação da legislação comum, principalmente de cláusulas gerais.
Exemplo:
Em vista do direito fundamental à liberdade de acesso à informação (art. 5o, IX, ou art. 5o, XIV
c.c. XIII, da CF), uma norma de direito condominial, que limite a instalação de aparato técnico
receptor de sinais televisivos, deve ser interpretada pelo juiz de modo a observar a pretensão
de resistência do direito fundamental e das peculiaridades da dogmática específica (status
negativus).15
Com efeito, as decisões do Supremo Tribunal Federal que costumam ser citadas a respeito
do tema aplicam direitos fundamentais diretamente nas relações entre particulares “de forma
implícita, com argumentação muitas vezes superficial e não específica”, isto é, jurídico-
dogmaticamente inadequada.17
15 Cf. MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão,
(Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 427-438; e a discussão analítica em MARTINS, Leonardo.
Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos
direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 103-106; além das referências em: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.
111 ss.
16 Cf. com várias referências à doutrina pátria: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 110-114. MARTINS, Leonardo.
Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos
direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 90-95.
17 Cf. referências citadas por DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.112, n. rod. 34.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
Não se trata, como afirma a crítica à tese aqui defendida, de tornar absoluta a essencialmente
privatista e egoística autonomia privada, adotando uma visão “conservadora” e de
questionável “ética”, como querem alguns.19 O objetivo é viabilizar o exercício de vários
direitos fundamentais como, entre outros, ao livre desenvolvimento da personalidade (art.
5o, caput, da CF: “liberdade”) e à livre associação (art. 5o, XVII, da CF). Também por isso,
não faz sentido dizer que o particular tenha o dever de não fazer “distinção de qualquer
natureza”, considerando-o vinculado, diretamente, ao direito de igualdade (art. 5o, caput).
18 RE 161.243, rel. Min. Carlos Velloso, j. 29.10.1996, e sua referência em DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.112, n.
rod. 35.
19 Cf., por exemplo: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro: Lumen
Juris, p. 279 e 281.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Mesmo porque a liberdade de contratar é também protegida por direito fundamental que só
pode ser cerceado se for respeitado o sistema de limites constitucionais.
Em outra conhecida decisão do STF, foram feitas extensas referências ao efeito horizontal.20
A Ementa da decisão documenta a explícita adesão do Tribunal à teoria do efeito horizontal
direto: “Os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em
face dos poderes privados.”
Mas essa consagração do efeito horizontal teve no referido acórdão a qualidade de obiter
dicta, pois não influenciou a decisão final. Uma associação de compositores foi acusada
de desrespeitar a garantia fundamental à ampla defesa de um membro que fora excluído
de maneira compatível com as regras para tanto previstas nos estatutos da associação,
mas sem as mesmas possibilidades de se defender,
tais quais previstas na legislação processual, que Saiba Mais
assegura ampla defesa e contraditório, configurando
No caso Lüth, tratava-se de uma Re-
em detalhes a garantia constitucional, que foi utilizada clamação Constitucional ajuizada con-
como parâmetro do exame de constitucionalidade tra o julgamento da seguinte lide cível:
O cineasta alemão Veit Harlan, conhe-
(art. 5o, LV, da CF). O STF reconheceu que houve cido nos anos 1930 por ter dirigido fil-
violação do direito, mas considerou que isso ocorreu mes antissemitas e colaborado com o
regime nacional-socialista, propôs, em
porque a associação exercia poder público, apesar de 1950, uma ação cominatória contra Eri-
ser pessoa jurídica de direito privado. Em razão disso, ch Lüth, um então respeitado líder cul-
tural. Na lide originária, discutia-se uma
a vinculação ao direito fundamental da ampla defesa convocação ao boicote de um novo fil-
me de Harlan apresentado no Festival
não decorria do efeito horizontal, mas da clássica
“Semana do Cinema Alemão”. Pediu-
vinculação vertical do poder público aos direitos -se a condenação de Lüth a abster-se
de conclamar o público ao boicote. A
fundamentais. causa de pedir foi uma norma do C.C.
alemão (§ 826 BGB), que contém o
Exemplos de conceitos jurídicos indeterminados conceito jurídico indeterminado em
alemão “sittenwidrig”, em português:
no direito privado brasileiro: Boa-fé (art. 113 Código “de maneira imoral” ou “atentatória aos
Civil), bons costumes (art. 13, 122 e 1.336 CC), moral bons costumes”.
20 Em particular no voto do Min. Gilmar Mendes. Cfr. RE 201.819, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11.10.2005. Semelhante
a situação no RE 158.215, rel. Min. Marco Aurélio, j. 30.4.1996, citado por DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.113, n. rod.
38.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
e bons costumes (1.638 CC), Costumes (Art. 1.735 CC), ordem pública (art. 122 CC), fim
econômico ou social (Art. 187 CC), função social do contrato (Art. 421 e 2.035 CC).
• Em primeiro lugar, o status negativus ou status libertatis (função clássica dos direitos
fundamentais);
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
O primeiro aspecto é relativo à outra face (dimensão) de qualquer norma jurídica, que outorgue
direitos subjetivos, na medida em que, objetivamente, as normas definidoras de direitos
fundamentais criam competências negativas, i.e., retiram dos órgãos estatais margens de
atuação negativa – em face dos direitos prestacionais que preconizam a atuação do Estado
– e positiva – em face dos direitos fundamentais de resistência ou de status negativus.
O segundo aspecto já foi estudado no tópico anterior. O terceiro aspecto significa um salto
qualitativo na dogmática dos direitos fundamentais, pois ele implica deveres de proteção do
Estado a direitos fundamentais sensíveis, como é caso, por excelência, o direito fundamental
à vida e, também, do direito fundamental à saúde; este último aqui, todavia, como direito de
status negativus. Não se trata de um dever oponível somente contra o próprio Estado, mas
também contra o exercício de direitos fundamentais colidentes, exercidos por particulares, e
como tais, igualmente titulares de direitos fundamentais. Mister se faz, portanto, estudá-lo em
subtópico à parte.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
21 Cf. a respeito da 1ª. Decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre a constitucionalidade da criminal-
ização do aborto, os excertos traduzidos e anotados por MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal alemão, (Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 266-273.
22 Para a ordem constitucional brasileira cf. art. 1°, III da CF; para a ordem constitucional alemã: Art. 1 I 1 GG, texto
e notações em MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.
23 Cf. a respeito o texto do próximo tópico abaixo.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
ameaça, como no caso do direito fundamental da grávida à liberdade (art. 5°, caput CF) ou
ao livre desenvolvimento da personalidade (Art. 2, I GG). Isso porque há uma necessidade de
agir preventivamente; antes, portanto, que a ameaça de lesão por particulares se concretize;
ou antes que se inicie um incontrolável processo de lesão de direitos mais sensíveis, como o
direito à autodeterminação sobre dados pessoais no contexto da contemporânea sociedade
da informação.
Por isso, é essencial o papel do legislador no cumprimento do dever estatal de tutela derivado
da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Esse reconhecimento, todavia, nada diz
a respeito do “modo” ou do “como” cumprir o dever. Certo é que o legislador deve agir,
como aludido, preventivamente, criando obrigações específicas a particulares, intervindo
abstratamente em seus direitos fundamentais de liberdade.
O legislador pode, por exemplo, proibir uma conduta, sancionando-a, inclusive, penalmente.
Nesse contexto, fala-se, por vezes, em deveres de criminalização. Porém, existem outras
formas menos severas de se cumprir o dever estatal de tutela, como, por exemplo, mediante
a prescrição de condutas que funcionem como prevenção de riscos, principalmente no âmbito
da proteção da saúde humana, em face, por exemplo, da garantia do direito fundamental de
titularidade difusa ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225 da CF).
Parte da doutrina alemã e parte da doutrina brasileira que a recepcionou cunharam, para
a aferição do cumprimento do dever de tutela, uma suposta figura jurídico-dogmática,
alcunhada de “proibição de insuficiência”.24 Esta figura carece, no entanto, de racionalidade
especificamente jurídica, porque, ao contrário do que ocorre com a figura já consolidada
da proibição de excesso que a inspirou, não há parâmetro comparativo capaz de torná-la
determinada ou ao menos determinável.
Com efeito, a intensidade de proteção, que se julga suficiente para a efetiva proteção do
direito fundamental ameaçado por particular, deve ser aferida pelo legislador, fazendo parte de
sua competência constitucional, chamada, no caso, de margem discricionária. Ele responde,
porém, politicamente, pela escolha, tendo em vista critérios de eficiência legislativa (âmbito
da política legislativa). Tal margem discricionária só pode ser limitada, jurídico-racionalmente
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Exemplo: Reuniões não pacíficas ou cujos membros portem armas não são protegidas ab
initio segundo o Art. 5°, XVI da CF; argumentum e contrario: são protegidas prima facie as
reuniões que satisfaçam os pré-requisitos do caráter pacífico (não paramilitar) e do não porte
de armas pelos reunidos, titulares do direito fundamental.
25 Cf. com várias referências e aprofundamentos: MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional: lei-
tura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas,
2012, p. 29 ss.
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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais
exercício do direito fundamental sem ter sido obrigado a isso, uma hipótese de violação do
direito fundamental trazido à pauta como parâmetro do exame de constitucionalidade resta
rechaçada já nessa primeira etapa do exame.26
Nas expressas hipóteses em que não houver a garantia ao exercício negativo, haverá dever de
exercício (Ex: sufrágio obrigatório), estando presente um dever fundamental (concomitância
de direito e dever fundamental).
Pontuando
• Conteúdo dos subtópicos 4.1 + 4.2 + 4.3 = Primeiro passo do exame de constitucionali-
dade com base em parâmetros derivados de normas definidoras de direitos fundamentais.
Primeira subsunção.
26 Um exemplo de desistência seria o titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio franquear o acesso
na residência de representante do Estado, policial no mais das vezes, sem ordem judicial. Cf. em suas minúcias: DIMOU-
LIS; MARTINS, op. cit., p. 137-141.
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Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) Vinculam somente os Poderes Executivo e
Judiciário.
Em relação à eficácia horizontal dos direitos
fundamentais pode ser corretamente afirma-
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
do:
Tem-se um exemplo de observância da efi-
a) Diz respeito ao vínculo do legislador aos di-
cácia horizontal indireta de direito fundamen-
reitos fundamentais.
tal:
b) Atualiza-se, apenas indiretamente, pela via
da interpretação judicial. a) Norma declarada inconstitucional em deci-
são definitiva do STF por sancionar opiniões
c) Só pode ser direta. críticas em face do Governo.
d) Conceitos jurídicos indeterminados do direi- b) Norma contratual nula por prescrever tare-
to privado não podem funcionar como “portas fas degradantes similares à condição de escra-
de entrada” do direito constitucional no direito vidão.
privado.
c) Não aplicação de sanção penal por suposto
e) Tem sempre por consequência uma ponde- crime de injúria, em face da suposta conduta
ração entre direitos colidentes a ser feita pelo típica do acusado corresponder ao direito fun-
juiz do feito. damental à liberdade de expressão do pensa-
mento.
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
d) Multa aplicada prevista em lei antidiscrimi-
Sobre direitos fundamentais é incorreto afir- nação.
mar: e) Absolvição da acusação de homicídio por
a) Vinculam, em primeira linha, somente o Es- falta de provas.
tado.
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) Vinculam, de maneiras diferentes, o Estado
e os particulares. O dever estatal de tutela ou proteção...
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Verificação de Leitura
71
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa B.
Resolução: A eficácia dos direitos fundamentais diz respeito à definição das pessoas ou
órgãos a quem suas normas definidoras se destinam, no sentido de serem vinculados a elas,
i.e, obrigados a atender seu imperativo (basicamente a um “fazer” ou “não fazer”). Destinatários
diretos são, conforme o sistema constitucional dos direitos fundamentais tal qual vigente na
CFB, somente os órgãos estatais, no exercício das três funções clássicas, e particulares
quando exercem função pública delegada. Só há que se falar em eficácia horizontal e,
com isso, em vínculo de particulares a direitos fundamentais pela via do vínculo da função
jurisdicional, que é responsável pela interpretação e aplicação de todo o ordenamento jurídico
à luz dos direitos fundamentais. Por esta via indireta, os particulares sofrem, materialmente,
os efeitos dos direitos fundamentais oponíveis ao Estado-Juiz.
Questão 2
Resposta: Alternativa E.
Questão 3
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Também o direito penal há de ser interpretado e aplicado pelo juiz à luz dos
direitos fundamentais. Assim, o juiz penal ao observar o alcance da liberdade de manifestação
do pensamento (Art. 5°, IV da CF) deverá, dependendo do caso, reconhecer que a expressão
supostamente injuriosa corresponde, em verdade, à área de proteção do direito fundamental
referido, não estando presente a antijuridicidade da conduta. Todas as demais alternativas
72
Gabarito
Questão 4
Resposta: Alternativa B.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
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TEMA 04
Limites aos Direitos Fundamentais e
Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
74
LEGENDA
DE ÍCONES
Início
seções
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
75
Aula 04
Limites aos Direitos Fundamentais e Justifica-
ção Constitucional de sua Imposição (Princípio
da Proporcionalidade)
Objetivos
1. Introdução
Nesta aula, você será apresentado à dogmática jurídico-constitucional dos limites aos direitos
fundamentais, que somente poderão ser concreta ou abstratamente (por atos normativos)
traçados de maneira justificada constitucionalmente. Para a justificação constitucional há
método jurídico. O elemento essencial do método jurídico é um ônus de argumentação, que
cabe ao sujeito passivo da norma definidora de direito fundamental, o Estado, no exercício
de todas as suas funções clássicas. Ônus este que, para ser cumprido, é disciplinado pelo
princípio, funcionando aqui como critério, da proporcionalidade.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
77
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
A consequência é que uma intervenção estatal não implica, necessariamente, uma violação
do direito fundamental por ela atingido. Há a já aventada possibilidade de justificação
constitucional da intervenção estatal na área de proteção de um direito fundamental, que se
constitui no referido terceiro passo do exame (cf. aula 3 e supra).
• ligue ao seu exercício uma consequência jurídica negativa mediante uma proibição
acompanhada de sanção. Exemplo: definição pelo legislador penal do crime de injúria
como intervenção na liberdade de manifestação do pensamento.
Todavia, o conceito de intervenção estatal pode ser mais bem delineado quando se contrapõem
os seus requisitos tradicionais (“conceito clássico”), marcando o que se pode denominar de
1 Neste sentido, sobretudo POSCHER, Ralf. Grundrechte als Abwehrrechte: Reflexive Regelung rechtlich ge-
ordneter Freiheit. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003; e MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional, p. 28-43.
2 Cf. sobre o texto a seguir: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 143 ss.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
intervenção stricto sensu. Segundo tal conceito, uma intervenção somente estaria presente
se ela reunisse todas as seguintes características:
• ser final, intencional e não representar mera consequência colateral, não intencionada
pelo Estado;
• ser imposta por ato jurídico e não ter efeito meramente fático; e
• ser imperativa, sendo imposta quando e se necessário pela força organizada do Estado.
Esse conceito clássico, bastante restritivo (daí: conceito de intervenção stricto sensu), que fora
vigente do século XIX até meados do século XX, foi sendo continuadamente expandido. Ocorreu
uma ampliação correspondente ao enriquecimento conceitual dos direitos fundamentais
(“funções incorporadas”), ou seja, à ampliação genérica da sua área de proteção.
O conceito hodierno abrange praticamente toda e qualquer ação ou omissão estatal que seja
relevante em face do exercício do direito. Necessário se faz demonstrar tão somente que
o efeito do impedimento parcial ou total do comportamento abrangido ou situação jurídica
contemplada (caso dos direitos fundamentais com uma área de proteção de marca normativa,
como o direito de propriedade ou herança) possa ser atribuído a uma atitude positiva ou
negativa do poder público.
Neste ponto, deve ser registrada a seguinte proporção: Quanto mais se amplia o conteúdo de
um direito, maior será a possibilidade de o Estado nele esbarrar por meio de uma ação; ou de
negligenciar uma prestação, por omissão.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
ou omissão estatal representa ou não uma intervenção no direito fundamental, isso deverá
ser verificado em cada caso, em comento com a análise da área de proteção, pois são os
elementos ou atributos do tipo normativo que nortearão o trabalho do intérprete de verificar
se se trata de uma intervenção a ser justificada constitucionalmente ou de um mero caso de
bagatela ou moléstia da vida quotidiana.
Exemplo: Ficar preso no trânsito por conta de controles feitos pela Polícia Rodoviária
restringe, faticamente, a liberdade de locomoção. Todavia, ainda que seja uma autoridade
pública que tenha causado a moléstia, só poderá ser verificada aqui uma intervenção no
direito fundamental dos motoristas que forem, de fato, parados e controlados pela polícia.
Abranger casos de moléstia cotidiana causada, parcial e muito indiretamente pelo Estado,
poderia tornar toda a dogmática dos direitos fundamentais inócua, pois haveria uma inflação
tamanha de casos de intervenções apta a romper os limites de racionalidade do controle de
constitucionalidade em face dos parâmetros derivados das normas definidoras de direitos
fundamentais.
Conclui-se, nesse estágio do exame, que algumas ações e omissões estatais não representarão
violações de direitos fundamentais e que, em representando intervenções, ainda poderão ser
justificadas na fase final do exame, como se verá abaixo.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
• Poderá estar presente, ainda, uma intervenção justificada, toda vez que a intervenção
representar a concretização de um limite constitucional derivado do chamado direito
constitucional de colisão. Essa concretização é realizada, em primeira linha, pelos titulares
da função legislativa do Estado e o conteúdo da norma limitadora (interventora) deverá ser
analisado e, eventualmente, limitado, tendo em vista o vínculo desses órgãos estatais ao
direito fundamental atingido;
O direito constitucional prevê vários modos de limitação dos direitos fundamentais.3 Nesses
casos, a área de proteção do direito é invadida de forma permitida (intervenção permitida), no
entanto, somente após um processo de justificação constitucional da imposição concreta do
limite previsto na Constituição.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
Podem ser distinguidas as seguintes espécies de limites: a reserva legal (3.2) e o direito
constitucional colidente (3.3). Antes, porém, deve ser discutida uma terceira figura que, a
despeito da aparência provocada pela atuação da função legislativa do Estado, não implica
intervenção, não podendo corresponder aos limites constitucionais previstos pelo constituinte:
a conformação, configuração ou concretização legislativa infraconstitucional de direito
fundamental. Por fim, há de se fazer mera menção aos limites extraordinários (3.4), porquanto
são irrelevantes na normalidade democrática.
4 Como é o caso, entre outros, também do direito ao casamento (Art. 226 da CF). V. as explicações em: MAR-
TINS, Leonardo. Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça constitucional, in:
DIREITO.UnB Revista de Direito da Universidade de Brasília. v. 01, n. 01, janeiro-junho de 2014, p. 245-279.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
Haverá também mera configuração de conteúdo, quando um direito fundamental mesmo com
área de proteção correspondente a comportamentos individuais – como no caso da liberdade
de imprensa – for regulamentado pelo legislador com o propósito de intensificar sua proteção
em nível legislativo ordinário. Com tal “intensificação” de proteção, podem estar sendo criados
pelo legislador ordinário deveres mais concretos de observância de prerrogativas decorrentes
da liberdade de imprensa em face de órgãos estatais e privados.5 Pode-se dizer também que
ocorre uma ampliação da área de proteção forjada em nível infraconstitucional pelo legislador
ordinário.
Seu motivo e função constitucional relacionam-se com um juízo de valor feito pelo constituinte
originário, segundo o qual um exercício ilimitado de um direito fundamental poderia acarretar
sérios danos a bens jurídicos coletivos ou direitos de terceiros.
5 Cf. MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa re-
lação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 243, 253, 261 s.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
As reservas legais podem ser classificadas em duas espécies a seguir estudadas, dependendo
da presença ou não de requisitos ou predeterminações específicas definidas pelo constituinte
junto à outorga de determinado direito fundamental.
Como exemplo, cite-se a possibilidade aberta pelo constituinte ao legislador (no caso ao
legislador processual penal), no art. 5o, XII, da CF, de restringir o mais pleno exercício do
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
sigilo das comunicações telefônicas, desde que o propósito da lei seja contribuir para a
investigação criminal ou assegurar a instrução processual penal.
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Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
b) Estado de sítio conforme art. 137, I, da CF. O estado de sítio permite, além da restrição,
também a suspensão de uma série de direitos fundamentais. Ocorre mediante decreto do
Presidente da República e pode se referir aos seguintes direitos (art. 139 da CF): locomoção,
reunião, sigilo de correspondência e de comunicações, informação e liberdade de imprensa e
rádio-televisiva (liberdade de radiodifusão), inviolabilidade do domicílio e propriedade.
c) Estado de sítio conforme art. 137, II, da CF. Pode sofrer restrição ou suspensão qualquer
direito fundamental. Para tanto, a Constituição Federal não estabeleceu uma permissão
expressa, mas a ampla possibilidade de limitação resulta da formulação do art. 139, caput:
“na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas”. Isso significa, aplicando o argumento a
contrario, que, em caso de decretação da mesma medida nas hipóteses especificadas no art.
137, II, da CF, todos os direitos são passíveis de restrições. Essa é a hipótese do estado de
sítio que poderia ser denominada “maior”, pois pode causar, em tese, a total suspensão dos
direitos fundamentais.
Uma vez verificada a presença de um limite ao direito fundamental, cuja possível violação
se examina, há de se perscrutar se tal limite foi imposto com observância de limites reflexos da
própria outorga do direito fundamental. Caso contrário, o vínculo de todos os órgãos estatais
a todos os direitos fundamentais, i.e., inclusive aos direitos fundamentais outorgados com
reservas legais, e a própria supremacia da Constituição restariam comprometidos. É preciso,
portanto, traçar o limite ao poder do Estado legislador, Administração Pública e/ou juiz de
limitar um direito fundamental que, por si, já é um limite da atuação do Estado. Chegamos,
portanto, a um limite de terceira ordem.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
De qualquer forma, somente neste tópico se conclui o terceiro passo da justificação constitucional
da intervenção estatal na área de proteção do direito fundamental, que pode ser dividido em
duas subetapas: 1ª) verificação dos limites; e 2ª) aplicação do critério da proporcionalidade
como regra metodológica para o cumprimento do referido ônus argumentativo.
O problema reside justamente em saber o que seria esse conteúdo essencial de um direito
fundamental e quais as medidas estatais capazes de atingi-lo. Há duas teses a respeito: a
tese de que tal conteúdo essencial seria relativo, devendo ser fixado em cada caso específico,
e a teoria de seu caráter absoluto.9
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
Não obstante, dele não se deriva tal ordem de ponderação. Seu fundamento constitucional é
encontrado nas normas constitucionais que prescrevem o vínculo do legislador aos direitos
fundamentais e a supremacia das normas constitucionais em face de todo o ordenamento
jurídico.
10 Cf. ibid.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
implica aqui, concretamente falando, controlar o conteúdo da lei e não apenas sua forma de
elaboração.
Mas é preciso critério para aferir a constitucionalidade material do uso das competências
legislativas abertas pelos limites da reserva legal ou, na sua falta, do direito constitucional
colidente supraestudados. O indispensável critério só pode ser a verificação e análise da relação
entre meios de intervenção e seus respectivos propósitos em face de sua proporcionalidade,
visando a assegurar o que se convencionou chamar de “proibição de excesso”.
Por fim, rechaçado como irracional do ponto de vista estritamente jurídico será o subcritério
da proporcionalidade em sentido estrito (a seguir: 4.2.5), apesar de ser utilizado pela opinião
majoritária da doutrina nacional e estrangeira.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
casos, há de se, primeiro, interpretar o propósito da lei que tenha dado azo à intervenção
administrativa e judicial. Isso porque o propósito do agente da Administração Pública direta
ou indireta deverá, antes de tudo, cumprir o pré-requisito da licitude. Em existindo margem
discricionária administrativa ou judicial, dever-se-á distinguir um propósito autônomo em
relação ao propósito legislativo. Uma vez verificado o(s) propósito(s), este(s) deverá(ão)
ser controlados quanto à sua licitude em face de eventual subversão completa do direito
fundamental ou choque com norma infraconstitucional.
No caso dos limites previstos pelo constituinte serem reservas legais qualificadas por propósito
predeterminado, ou em se tratando de direito constitucional colidente, deve-se examinar se o
propósito verificado é admissível ou não. Os propósitos que não atenderem a tais condições
não estarão habilitados ao exame correlacional infra. Se puder ser encontrado apenas um
propósito e este não atender aos critérios preliminares ora discutidos, a conclusão é que se
trata de uma intervenção não justificada em direito fundamental e, portanto, violadora da
CF. Confirma-se a hipótese violadora já nessa fase preliminar, dispensando-se o exame dos
elementos a seguir.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)
A adequação tem, como já aludido, natureza de exame eliminatório. Ela estará presente
sempre que o meio escolhido cumprir os seguintes elementos de sua definição: “Adequado
será um meio se houver uma conexão fundada em hipóteses comprovadas sobre a realidade
empírica entre o estado de coisas conseguido pela intervenção e o estado de coisas, no qual
o propósito puder ser considerado realizado”.11
Note-se que as alternativas de meio, que devem ser trazidas à pauta, têm que atender
ao primeiro subcritério da adequação. Necessário será um meio se, uma vez adequado
11 Cf. SCHLINK, Bernhard. Abwägung im Verfassungsrecht. Duncker & Humblot: Berlin, 1976, p. 193; PIEROTH,
Bodo; SCHLINK, Bernhard; et al., Grundrechte Staatsrecht II. 30ª edição. Heidelberg et al.: C.F. Müller, 2014, p. 72; e
também: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 203.
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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)
Glossário
Reserva: Direito. Cláusulas restritivas. Locução adverbial: sem reserva, sem restrição,
incondicionalmente. Fonte: Dicionário online Houaiss.
Configuração: Forma exterior, aspecto, figura, aparência. Sinônimos: feição, feitio, forma e
formato. Fonte: Dicionário online Houaiss.
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Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) Quando for, como meio, adequada em face
de seu propósito.
Uma intervenção estatal em direito funda-
mental...
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
cação.
Sobre a classificação das reservas legais,
c) Quando ela for justa e razoável.
pode-se afirmar:
d) Quando for razoável e proporcional em sen-
tido estrito.
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Verificação de Leitura
a) A reserva legal simples é a que mais res- b) A previsão do Art. 5º, XV (“é livre a loco-
tringe a competência do legislador para intervir moção no território nacional em tempo de paz,
na área de proteção de um direito fundamental. podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,
nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
b) No caso de direitos fundamentais limitados
bens”) é exemplo de reserva legal simples, ao
por uma reserva legal simples, o constituinte
passo que o dispositivo do Art. 5º, XII (“é invio-
predetermina meios e/ou propósitos da inter-
lável o sigilo da correspondência e das comu-
venção que, presentes no caso concreto, po-
nicações telegráficas, de dados e das comuni-
dem legitimar intervenções nos direitos funda-
cações telefônicas, salvo, no último caso, por
mentais.
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
c) Uma reserva legal qualificada restringe lei estabelecer para fins de investigação crimi-
com mais intensidade do que a reserva legal nal ou instrução processual penal”), é exemplo
simples o poder discricionário legislativo, na de reserva legal qualificada.
medida em que, em geral, predetermina pelo
c) Direitos fundamentais outorgados sem re-
menos um meio ou um propósito permitidos de
serva não são ilimitados, pois podem ser limi-
intervenção.
tados caso outro bem jurídico constitucional
d) A outorga do direito fundamental ao sigilo possa ser, abstrata ou concretamente, atingido
das comunicações telefônicas foi positivada por seu exercício ilimitado, hipótese limitadora
com uma reserva legal simples, pois basta do chamado direito constitucional de colisão
uma mera ordem judicial para se quebrar o ou colidente. Regras meramente procedimen-
protegido sigilo. tais ou bens jurídicos tutelados tão somente
pelo legislador ordinário não podem ser subsu-
e) O Art. 5°, XV da CF tutelou a liberdade de
midos nesse conceito de limite.
locomoção com uma reserva legal qualificada
ao positivar a expressão “nos termos da lei”. d) Uma reserva legal por si só já pode justificar
qualquer intervenção estatal legislativa na área
Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA de proteção do direito fundamental.
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Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa A.
Resolução: Uma intervenção estatal em sentido técnico jurídico não implica, necessariamente,
uma violação de direito fundamental. Por isso, as alternativas C, D e E são incorretas. A
intervenção estatal, como medida fática, estará presente sempre que algum órgão estatal
impedir o exercício do direito fundamental ou sancioná-lo, ao contrário do afirmado na
alternativa B.
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
Questão 3
Resposta: Alternativa D.
Resolução: Por intermédio de uma reserva legal, uma das categorias de limite constitucional
a direito fundamental, o constituinte autoriza uma intervenção legislativa na área de proteção
de direito fundamental, mas não qualquer intervenção. Com efeito, o uso da reserva legal pelo
legislador deve observar o princípio e critério de justificação dele derivado da proporcionalidade.
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Gabarito
Questão 4
Resposta: Alternativa C.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
Resolução: A mera presença no texto constitucional de uma reserva legal não coloca
à disposição do legislador ordinário a livre determinação da forma constitucionalmente
compatível de um direito fundamental. Pelo contrário, são as eventuais restrições a direitos
fundamentais impostas por sua regulamentação, que deverão passar no crivo do exame
de proporcionalidade para efeitos de uma possível justificação constitucional da intervenção
legislativa.
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