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DIREITO CONSTITUCIONAL

PÓS-GRADUAÇÃO

Teoria Geral dos Direitos Fundamentais


Curso
Direito Constitucional

Disciplina
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Autores
Marcelo Novelino
Diogo Caldas Leonardo Dantas LL.M
Leonardo Martins

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Índice ÍNDICE

Tema 01: Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 05

Tema 02: Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais 19

Tema 03: Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos Fundamentais 49

Tema 04: Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição 75
(Princípio da Proporcionalidade)

Como citar este material:

NOVELINO, Marcelo; DANTAS, Diogo; MARTINS, Leonardo.


Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Valinhos: 2016.

© 2016 Kroton Educacional


Proibida a reprodução final ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada em língua
portuguesa ou qualquer outro idioma.

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TEMA 01
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

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LEGENDA
DE ÍCONES

Início
seções
Vamos
pensar
Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

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Aula 01
Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
Objetivos

• Expor o conceito de suporte fático dos direitos fundamentais;

• Esclarecer a ideia de conteúdo essencial;

• Diferenciar restrições e limitações.

Introdução

Quando nos deparamos com discussões sobre a constitucionalidade do aborto de feto


anencefálico, da pesquisa com células tronco embrionárias, do exame de ordem, e muitos
outros casos para os quais a Constituição não dá uma resposta clara, o legislador ou o juiz
precisarão levar em conta os direitos fundamentais em jogo para chegar à melhor resposta
possível. Há inúmeras construções teóricas a respeito de tal tarefa.

O conteúdo da presente aula consiste na apresentação de aspectos teóricos instrumentais


para o entendimento das análises contemporâneas da dogmática dos direitos fundamentais.
Sem o substrato teórico básico aqui apresentado, corre-se sério risco de tratar do tema de
maneira atécnica ou mesmo de não entender as discussões mais relevantes hoje travadas
sobre a matéria.

No Brasil, ainda são poucas as análises mais aprofundadas do tema, o que dificulta o acesso
ao conteúdo por boa parte dos operadores do direito. Destacam-se os estudos de Virgílio
Afonso da Silva e Humberto Ávila.

Inicialmente, é necessário compreender a ideia de suporte fático dos direitos fundamentais.


Assim como nos direitos penal e tributário temos as figuras dos tipos e das hipóteses de
incidência, o direito constitucional trabalha com um conjunto de situações que desencadeiam
consequências jurídicas pelo desrespeito a um direito fundamental.

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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Neste sentido, são trazidos na aula definição e elementos da ideia de suporte fático – aspecto
dos direitos fundamentais que reúne os elementos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental.

Trata-se também de diferentes concepções teóricas a respeito dos elementos que compõem
o suporte fático dos direitos, traçadas por Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva, dando-
se destaque à sofisticação trazida pelo autor paulista à teoria do professor alemão, que
incluiu no suporte fático dos direitos a ideia de que a intervenção no direito fundamental, para
desencadear consequências jurídicas, deve ser vista como carente de base constitucional.

Mas a quem os direitos fundamentais obrigam? Cabe referir as teorias sobre eficácia
horizontal dos direitos fundamentais. A intervenção no direito fundamental poderá se dar
pelo Estado ou por um particular. A esse respeito, temos as teorias indireta e direta. A
partir delas se define se os direitos fundamentais serão aplicados direta ou indiretamente às
relações privadas. Ou seja, se será entendido como preenchido o suporte fático de um direito
fundamental para desencadear consequências jurídicas pela intervenção de particulares
desde que haja intermediação legal ou por incidência direta dos direitos fundamentais na
disciplina das relações privadas.

Distinguem-se direitos de defesa de direitos prestacionais, que exigem, respectivamente,


um não fazer e um fazer do Estado. Portanto, seus suportes fáticos são atendidos quando,
num e noutro caso, o Estado age quando deveria se abster e se abstém, ou não age tanto
quanto a Constituição demanda, quando deveria agir. Ressalve-se, no que tange aos
direitos de defesa, seu respeito, ou não, se apurará pelo atendimento, ou não, ao princípio
da proporcionalidade, enquanto nos direitos prestacionais a análise se dará com base na
proibição de proteção insuficiente.

Tipos de intervenção impactam no suporte fático dos direitos fundamentais de maneira


diferente. Diferem, aqui, restrição e violação. Quando for possível ao Estado encontrar
fundamento constitucional para intervir em um direito, trata-se de hipótese de restrição. Assim,
somente as violações – intervenções sem amparo constitucional – acionarão consequência
jurídica.

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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Passa-se, então, às diferentes vertentes teóricas sobre a amplitude que deve ser dada ao
suporte fático, denominadas teorias de suporte fático amplo, restrito e intermediário. Para cada
uma delas se encontra exemplos na jurisprudência do STF, inobstante deva ser observada
uma prevalência do suporte fático intermediário.

O suporte fático restrito caracteriza-se pela exclusão, através da interpretação, de determinadas


ações, estados ou posições jurídicas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, que
tomam a estrutura de regras, pois o âmbito de proteção só abrange o que é definitivamente
protegido. Como também ocorre com as outras duas concepções, esta não é imune a críticas.

Já adotar um suporte fático amplo leva a não definir os contornos de cada direito com grande
precisão, e os direitos fundamentais serão tidos como princípios, a serem ponderados com
outros direitos. Na ponderação, se definirá o que será definitivamente protegido, mas prima
facie, tudo o que puder ser incluído no âmbito de proteção de um direito será.

Por fim, no suporte fático intermediário, adotado por José Carlos Vieira de Andrade, sustenta-
se a possibilidade de colisões entre direitos, que devem ser resolvidas por ponderação, mas
não se abre mão da possibilidade de tornar o âmbito de proteção mais restrito quando isso for
justificável. Nessa teoria, é possível conceber os direitos fundamentais como regras e como
princípios.

No que se refere à ideia de conteúdo essencial dos Direitos Fundamentais, tomam relevo
as teorias absoluta e relativa. O objetivo principal de se traçar um conteúdo essencial para
um direito é evitar que sua regulamentação desnaturalize ou altere seu conteúdo. Aqui se
traçam limites para as restrições ou limitações que o legislador e o juiz farão ao legislar ou ao
interpretar.

A abordagem pode ser dividida em duas teorias. A teoria absoluta é aquela que divide os
direitos em núcleo duro e periferia. A periferia pode sofrer restrições pelo legislador ou pelo
julgador, mas o núcleo duro é absolutamente intocável.

Por sua vez, a teoria relativa não prega a existência de um núcleo duro, intangível, mas
entende que o conteúdo essencial do direito sempre dependerá das circunstâncias do caso
concreto.

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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

Finalmente, trata-se dos limites e restrições aos Direitos Fundamentais a partir da introdução
às teorias interna e externa, que propõem abordagens diferentes quanto à relação travada
pelos diferentes direitos entre si. A primeira aproxima-se das teorias de suporte fático restrito
e absoluta, enquanto a segunda das de suporte fático amplo e relativa. A teoria interna falará
em um único objeto, o direito, com seus limites imanentes. A teoria externa trata de dois
objetos: o direito fundamental e as restrições feitas a este em virtude da colisão com outros.
Também aqui se terá a distinção entre a concepção dos direitos fundamentais como regras
ou princípios, estando a concepção das normas de direitos fundamentais como regras ligada
à teoria interna e como princípios à teoria externa.

Pela abordagem de tais assuntos, espera-se possibilitar o domínio conceitual necessário


para a compreensão das principais análises sobre a temática dos direitos fundamentais feitas
na doutrina especializada e na jurisprudência, evitando atecnias e as identificando quando
cometidas.

1. Suporte Fático dos Direitos Fundamentais

Define-se suporte fático como o conjunto de elementos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental. A
partir de sua análise, é possível entender como uma intervenção estatal ou privada em um
direito fundamental pode acionar consequências jurídicas, do mesmo modo que a realização
de um fato descrito em um tipo penal movimenta o aparato estatal para que seja aplicada
a sanção nele prevista, ou determinada ação prevista como hipótese de incidência de um
tributo leva o Estado a cobrá-lo.

2. Conteúdo Essencial

A ideia de conteúdo essencial está ligada ao que não pode ser suprimido de um direito
pela regulamentação legal ou pela interpretação.

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Aula 01 | Teoria Geral dos Direitos Fundamentais

3. Limitação/Restrição

Diferenciam-se limitação e restrição a um direito. Afigura-se relevante a compreensão


da diferença entre os conceitos e da compatibilidade teórica de cada um com as teorias de
suporte fático amplo, restrito e intermediário, interna e externa, além das teorias relativa e
absoluta.

Vamos
pensar
Propõe-se como atividade de autoestudo a elaboração de um texto a respeito da
compatibilidade teórica entre os conceitos e correntes teóricas apresentados na aula,
explicando também as incompatibilidades e seus motivos.

Pontuando

• Suporte fático dos direitos fundamentais corresponde ao conjunto de elementos


necessários para a ocorrência das consequências jurídicas decorrentes da inobservância
das normas de direito fundamental.

• Elementos do suporte fático, segundo Robert Alexy: âmbito de proteção + intervenção


estatal

• Elementos do suporte fático, segundo Virgílio Afonso da Silva: âmbito de proteção +


intervenção estatal sem base constitucional.

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Pontuando

• O âmbito de proteção pode consistir em um direito de defesa ou em um direito a


prestações.

• Uma intervenção com fundamento constitucional, da qual fala Virgílio Afonso da Silva,
é uma restrição.

• Caso não tenha base constitucional, será uma violação, apta a acionar consequências
jurídicas.

• A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, direta ou indireta, permite entender como
acionadora de consequências jurídicas também a violação perpetrada por um particular.

• Adotar um suporte fático restrito significa reduzir ao máximo o âmbito de proteção de um


direito, que tomam a estrutura de regras e não de princípios a serem ponderados.

• As de suporte fático amplo não definem os contornos de cada direito com grande
precisão, e os direitos fundamentais serão tidos como princípios, a serem ponderados
com outros direitos.

• No suporte fático intermediário, as normas de direitos fundamentais poderão ser regras


ou princípios, admitindo-se a limitação apriorística do conteúdo de um direito e também a
sua ponderação quando colidir com outros.

• A teoria absoluta dos conteúdos essenciais dos direitos trabalha com um núcleo duro,
intangível, do direito, e uma periferia, que poderá ser suprimida em regulamentações.

• A teoria relativa vale-se do princípio da proporcionalidade para restringir os direitos


fundamentais quando colidem com outros direitos.

• Teoria interna corresponde à ideia de limitações aos direitos fundamentais, cujo conteúdo
é diminuído a priori, não existindo colisões.

• A teoria externa leva-nos a entender que os direitos estão em constante colisão,


e pela ponderação se poderá restringi-los.

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Glossário

Suporte fático: Consiste no conjunto de elementos fáticos necessários para a ocorrência das
consequências jurídicas decorrentes da inobservância das normas de direito fundamental.
Ideia próxima das de tipo penal, do Direito Penal, e de hipótese de incidência, do Direito
Tributário.

Conteúdo essencial: Parte do conteúdo de um direito, que não pode ser suprimido por
regulamentação.

Restrição: Resultado de ponderação que resolve um conflito entre dois ou mais direitos
fundamentais, que prima facie poderiam reger determinada hipótese, mas, ao final do
processo, devem ceder em favor da promoção de outro direito.

Limitação: Processo interpretativo que concebe um direito fundamental de modo a delimitar


seu âmbito de proteção para que não afete outros direitos.

Proporcionalidade: Instrumento da hermenêutica constitucional de controle do arbítrio


estatal, seja de excessos ou da proteção insuficiente de direitos fundamentais. Divide-se em
três subprincípios: a adequação da medida adotada para a consecução do fim pretendido; a
necessidade da medida, no sentido de não haver outra menos gravosa para outros direitos
fundamentais que levasse ao mesmo fim; e a chamada proporcionalidade em sentido estrito,
parte mais fluida, em que se avalia se a promoção do direito fundamental a que se visa
compensa a afetação de outro. Diverge a doutrina sobre a natureza da proporcionalidade,
por alguns vista como um princípio (Daniel Sarmento), por outros como uma regra (Robert
Alexy e Virgílio Afonso da Silva) e, por uma terceira corrente, como um postulado aplicativo
do direito (Humberto Ávila). Inobstante não esteja expressamente positivada, é utilizada para
aferir a constitucionalidade de medidas estatais pelo STF e por cortes constitucionais mundo
afora. Há quem a extraia da cláusula do Estado Democrático de Direito (Paulo Bonavides),
da estrutura dos direitos fundamentais (Virgílio Afonso da Silva) e do devido processo legal,
em seu viés substantivo (STF).

Ponderação: Processo de aplicação de normas-princípio colidentes, que, ao final, restringindo


um ou mais dos princípios, dá origem a uma regra. Consiste na contraposição dos interesses
em jogo, chegando-se ao resultado que leve à maior promoção possível dos princípios

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Glossário

constitucionais. Pode-se dizer que se identifica com o juízo da proporcionalidade em sentido


estrito, último subprincípio da proporcionalidade.

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: Direitos fundamentais aplicados às relações


privadas, e não apenas às relações do Estado com o particular.

Saiba Mais
Tornou-se célebre entre os estudiosos do Direito Constitucional o Caso Lüth, julgado pelo Tribunal Cons-
titucional Federal da Alemanha no final dos anos 50. A partir do julgamento, floresceram ideias como a
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e do uso da ponderação para resolver colisões entre
princípios. Para uma explicação mais detalhada do julgado e de suas implicações, sugerimos o texto que
segue: http://www.conjur.com.br/2014-ago-19/decisao-judicial-tornou-celebridade-internacional

No HC 87.341/PR, o STF decidiu pela licitude de provas colhidas em gravação clandestina feita por emis-
sora de televisão. No caso, um militar teria exigido suborno para incluir rapaz no excesso de contingente
e liberá-lo do serviço obrigatório. Podemos identificar a adoção de um suporte fático amplo pelo STF ao
definir que o direito à privacidade cederia frente ao interesse público de punir os responsáveis.
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=409774

Nos EUA, doutrina e jurisprudência rejeitam as teorias direta e indireta quanto à eficácia dos direitos fun-
damentais, entendendo que estes direitos não incidem nas relações entre particulares, em regra. Assim,
só serão aplicados nos casos em que um particular comporte-se como Estado. Esta teoria é chamada de
doutrina da state action. Para uma breve ilustração da teoria americana, sugerimos o seguinte texto:
http://direitosfundamentais.net/2008/06/18/a-forca-da-state-action-mais-uma-pitada-de-boston-legal/

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Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Podem ser considerados elementos do su- São características de teorias que adotam
porte fático de um direito fundamental, exce- um suporte fático restrito, exceto:
to:
a) Utilizar a ponderação para excluir determi-
a) intervenção estatal; nadas posições do âmbito de proteção dos di-
reitos fundamentais;
b) âmbito de proteção;
b) Excluir, a priori, determinadas condutas ou
c) consequência jurídica;
situações do âmbito de proteção com base em
d) ausência de fundamentação constitucional; critérios abstratos de intuição ou evidência vol-
tados à proteção da essência do direito funda-
e) restrição.
mental;

Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) incluir no âmbito de proteção do direito ape-


nas aquilo que está definitivamente protegido
No que se refere à “intervenção estatal” no por ele;
âmbito de proteção de um direito fundamen-
d) conceber as normas de direitos fundamen-
tal é correto afirmar que:
tais como se tivessem a estrutura de “regras”;
a) trata-se de um conceito idêntico ao de “res-
e) ter como correta a ideia de limitação em vez
trição”;
da de restrição.
b) sempre importará na violação de uma nor-
ma de direito fundamental; Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

c) não faz parte do suporte fático dos direitos Sobre as restrições/limitações aos direitos
fundamentais; fundamentais, é INCORRETO afirmar que:
d) será válida, desde que seja constitucional- a) segundo as teorias internas, por serem os
mente fundamentada; limites imanentes de um direito fundamental fi-
e) só desencadeará consequências jurídicas xados a priori; esses direitos têm sempre um
para aqueles que aceitam a eficácia horizontal caráter definitivo, nunca prima facie;
dos direitos fundamentais. b) Os direitos fundamentais definidos a partir
do enfoque de teorias internas têm a estrutura
normativa de regras.

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Verificação de Leitura

c) Para as teorias externas a interpretação d) Adotarem uma interpretação ampla do âm-


constitucional visando a determinar as situa- bito de proteção (bem protegido) dos direitos
ções protegidas pelos direitos fundamentais fundamentais e estrita de suas restrições;
envolvem duas etapas distintas: primeiro, a
e) Adotar a ideia de restrição em vez da de
identificação do conteúdo inicialmente prote-
limitação.
gido (contorno máximo e esfera de proteção),
determinado da forma mais ampla possível;
em seguida, a definição dos limites externos
decorrentes da necessidade de conciliar o di-
reito com outros direitos e bens constitucional-
mente protegidos;

d) As teorias internas pressupõem uma distin-


ção entre direito prima facie e direito definitivo,
tal como a adotada na teoria dos princípios de
Robert Alexy;

e) As teoria externas são compatíveis com a


ponderação e a aplicação do princípio da pro-
porcionalidade.

Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

As teorias que adotam um suporte fático am-


plo NÃO se caracterizam por:

a) Interpretar o âmbito de proteção de um di-


reito fundamental do modo mais amplo possí-
vel, a fim de compreender qualquer ação, fato,
estado ou posição jurídica que, isoladamente
considerados, possam ser subsumidos nele;

b) Diferenciar a proteção “prima facie” da pro-


teção definitiva;

c) Por conceberem as normas jusfundamen-


tais com a estrutura de princípios;

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Referências

NOVELINO, Marcelo. O suporte fático dos direitos fundamentais. Texto de Leitura Obrigatória da
Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Anhanguera-Uniderp-LFG. Disciplina: Di-
reitos Fundamentais I. Aula 1. Acesso em 14 de agosto de 2015.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2013.

Gabarito

Questão 1

Resposta: Alternativa C.

Resolução: O suporte fático compõe-se do âmbito de proteção, da intervenção estatal (ou


privada, para quem admite a eficácia horizontal dos direitos fundamentais), e, para Virgílio
Afonso da Silva, tal intervenção deve ser sem fundamentação constitucional.

Questão 2

Resposta: Alternativa D.

Resolução: Se a intervenção no âmbito de proteção de um direito ocorrer com o fim de


promover outro direito, ou seja, tiver fundamentação constitucional, ela poderá ser legítima.
Será uma restrição, e não uma violação.

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Gabarito

Questão 3

Resposta: Alternativa A.

Resolução: As teorias de suporte fático restrito não se valem da ponderação, mas da


determinação de limites imanentes aos direitos.

Questão 4

Resposta: Alternativa D.

Resolução: São as teorias externas que pressupõem uma distinção entre direito prima facie
e direito definitivo, entre as quais a desenvolvida por Robert Alexy.

Questão 5

Resposta: Alternativa D.

Resolução: Não há interpretação estrita das restrições nas teorias de suporte fático amplo.
Ao contrário, são feitas a todo momento, já que os conflitos entre direitos fundamentais são
constantes e resolvidos pela ponderação.

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TEMA 02
Funções e Titularidade dos Direitos
Fundamentais

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LEGENDA
DE ÍCONES

Início
seções
Vamos
pensar
Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

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Aula 02
Funções e Titularidade dos Direitos
Fundamentais
Objetivos

O capítulo 2 tem como objetivo estudar os direitos fundamentais segundo a classificação


clássica do jurista Georg Jellinek, o qual separa os direitos fundamentais em três categorias.
Além disso, busca-se analisar as críticas a essa teoria e pesquisar sobre algumas hipóteses
não previstas inicialmente pelo jurista alemão.

Ademais, busca-se estudar a titularidade dos direitos fundamentais e suas modalidades,


em que se confrontam, entre outras coisas, questões problemáticas como a titularidade dos
novos direitos coletivos e das pessoas jurídicas.

1. Introdução

Os direitos fundamentais podem ser classificados de diversas formas. A própria CF


pode ser usada como critério classificador, pois o constituinte realizou algumas distinções
e os agrupou no Título II em capítulos como “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”
(Capítulo I), “Dos direitos sociais” (Capítulo II), “Dos direitos políticos” (Capítulo IV). Não
obstante, algumas classificações na literatura especializada também se destacam, pois
aceitas como construções teóricas que organizam e facilitam os estudos dos direitos
fundamentais. Além disso, algumas teorias fornecem elementos importantes para o estudo
dos direitos fundamentais e estruturam de forma coerente os direitos fundamentais segundo
sua natureza, acentuando um caráter essencial: a sua normatividade.

Nesse contexto, outro elemento importante para o estudo dos direitos fundamentais é a
titularidade, a qual diz respeito em saber a quem a Constituição atribui os direitos protegidos
por ela. Na ordem constitucional brasileira esse tema é complexo e cheio de questões
polêmicas, pois o constituinte brasileiro não foi sistemático em sua positivação. Logo, o
intérprete confronta-se com várias dúvidas hermenêuticas durante o seu estudo, as quais
tentaremos esclarecer a seguir.

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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

2. Funções e Classificação de Categorias

A principal classificação dos direitos fundamentais foi feita pelo jurista alemão Georg
Jellinek, que estudou os direitos fundamentais e os dividiu segundo três espécies: os direitos
de status negativus, os de status positivus e os de status activus.1-2 Essa classificação tem
como ponto de partida a característica dos direitos fundamentais de conferir uma posição
jurídica de direito subjetivo ao indivíduo em relação ao Estado (“direitos públicos subjetivos”),
que fica obrigado a um tipo específico de conduta dependendo da natureza da norma
constitucional pertinente ao caso.3

2.1 Os direitos fundamentais de status negativus


Os direitos fundamentais de status negativus dizem respeito ao “estado de liberdade em
face do Estado”,4 em que o particular pode agir livremente sem qualquer tipo de intervenção
estatal. Essa primeira categoria diz respeito aos direitos fundamentais que possibilitam
aos indivíduos resistirem às ações estatais que interfiram dentro dessa esfera de liberdade
conferida constitucionalmente. Assim, pode-se exigir que a intervenção do Poder Público
cesse ou não seja realizada, no caso de sua iminência.5 Dessa forma, esses direitos geram
uma obrigação negativa ao Estado.

Os direitos dessa categoria são comumente chamados na literatura especializada brasileira


como “direitos de defesa”.6 No entanto, essa expressão pode causar confusões com outros
temas jurídicos, como o direito de defesa processual (ampla defesa). Dessa forma, opta-se
pela expressão “direitos de resistência” pela sua maior precisão terminológica.7

1 Jellinek também previu uma quarta modalidade chamada de status passivus, que equivale aos deveres e será
analisada posteriormente.
2 Essa teoria não está a salvo de críticas, para tanto, cf. Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 269-
275.
3 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 45.
4 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 62.
5 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 62.
6 Gilmar Ferreira Mendes, Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional,
p. 3
7 Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 50-52.

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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

A categoria em questão corresponde à função clássica liberal dos direitos fundamentais


concebida ainda no século XVIII, que buscava limitar a atuação estatal e consubstanciada
nos documentos dessa fase da história (Constituição norte-americana, Declaração francesa
etc.).8

2.2 Os direitos fundamentais de status positivus


Os direitos fundamentais de status positivus foram garantidos já no século XVIII nas
primeiras Declarações dessa época e dizem respeito às previsões constitucionais que
possibilitam que os indivíduos recorram ao Estado e exijam dele prestações positivas.9 Trata-
se da situação cuja liberdade do indivíduo depende do Estado e de medidas estatais para a
sua criação e conservação.10 Nessa modalidade de direitos fundamentais, o Estado deve agir
segundo o estabelecido constitucionalmente e, muitas vezes, intervir na esfera de liberdade
do indivíduo para concretizá-los. Por sua vez, o indivíduo tem o direito de receber algo do
Estado, que pode ser tanto uma prestação material como imaterial.11 Como exemplo dessa
categoria, há os direitos sociais, em que o Estado está obrigado a agir e estabelecer políticas
públicas para melhorar a qualidade de vida da população. Apesar dessa característica, os
direitos sociais não podem ser considerados direitos coletivos, pois são individualizáveis e,
portanto, direitos individuais (dimensão subjetiva).12

Como dito, as prestações podem ser tanto materiais como imateriais. As materiais consistem
no fornecimento de bens ou serviços pelo Estado aos indivíduos. Por sua vez, as imateriais
consistem na edição de uma norma pelo Estado, o qual busca regulamentar algum direito ou
garantia, por exemplo.

8 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.
9 Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 263-264; Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito
constitucional, p. 300.
10 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 63.
11 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.
12 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 52.

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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

2.3 Direitos fundamentais de status activus


O status activus diz respeito à possibilidade do indivíduo participar diretamente da formação
do Estado ou de suas decisões. Os direitos fundamentais dessa natureza permitem que o
indivíduo exerça sua liberdade dentro do Estado e para este. Dessa maneira, a liberdade do
indivíduo fica ao serviço do Estado e este se torna o espaço de exercício daquela.13

Os direitos cívicos são exemplos dessa categoria, os quais são previstos desde as primeiras
Declarações do século XVIII. Inicialmente restrita, a titularidade desses direitos passou por
uma expansão gradual na história, incluindo-se o direito a voto para certas classes sociais,
mulheres, faixas etárias e até mesmo estrangeiros. Igualmente, novas formas de participação
foram desenvolvidas, como mecanismos de democracia direta (referendo e plebiscito, por
ex.).14

2.4 Crítica à teoria de Jellinek


A teoria trialista de Jellinek foi alvo de uma série de críticas por parte da literatura
especializada,15 mas ainda possuindo destaque no estudo dos direitos fundamentais e na
análise da relação entre os indivíduos e o Estado. Nesse contexto, essa teoria busca, por
meio de uma relação binária (indivíduo x Estado), demonstrar como ocorrem as interações
entre duas esferas.

Desse modo, as relações se dão de duas formas: ativamente e passivamente. No caso ativo,
existe o poder de ação do indivíduo, representado pelos direitos políticos; e o dever de ação
do Estado, do qual os direitos sociais são exemplos. Já no caso passivo, há dois deveres
de abstenção. O primeiro diz respeito à imposição ao Estado de não intervir nas esferas
dos direitos de resistência e o segundo o dever do indivíduo não reagir no caso de uma
intervenção estatal em situações em que não há a proteção de um direito fundamental (ou ela
restar justificada). Esse última hipótese diz respeito à categoria que Jellinek classificou como

13 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 65.


14 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 53-52.
15 Nesse sentido, cf. Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 269-275.

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Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

direitos de status passivus, a qual não é incluída na teoria tripartite por não equivaler a algum
direito dos indivíduos mas a seus deveres.16

De todo modo, apesar de ser insuficiente para abordar todas as formas de direitos fundamentais
previstos constitucionalmente, a teoria de Jellinek ainda se mostra mais sólida cientificamente
quando comparada com as demais que são encontradas na literatura especializada brasileira.

Nesse contexto, tem-se a teoria unitária, a qual busca afastar a noção dos direitos sociais
como normas programáticas e, para tanto, não faz distinções entre os direitos fundamentais
e os aproxima tendo em vista a sua natureza constitucional.17

Além disso, há a teoria dualista, que divide os direitos fundamentais nas categorias de direitos
de resistência e direitos prestacionais, ignorando a singularidade dos direitos de status activus
(políticos), os quais são incluídos na espécie de direitos de resistência. Essa abordagem
não leva em consideração a distinção traçada linhas acima de que, enquanto os direitos
de resistência consistem em uma área de livre atuação do indivíduo, na qual o Estado não
pode intervir, os direitos políticos consistem em uma atuação positiva do indivíduo na esfera
estatal.18 Por sua vez, os direitos políticos não se confundem com os direitos prestacionais,
pois aqueles estão sujeitos à livre disposição do titular, enquanto esses são obrigações de
atuação do Estado em prol dos particulares.19

2.5 Os direitos coletivos


A teoria de Jellinek não reconhece a possibilidade de direitos fundamentais possuírem
uma titularidade coletiva, o que deixa de fora dessa abordagem alguns bens protegidos
constitucionalmente.

16 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 54.
17 Por uma lista de referência de autores que seguem esse entendimento, cf Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins,
Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.
18 Por uma lista de referência de autores que seguem esse entendimento, cf Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins,
Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.
19 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria dos direitos fundamentais, p. 55.

24
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Nesse sentido, a CF/88 protege dois tipos de direitos coletivos. Em primeiro lugar, há os
direitos coletivos tradicionais, assegurados desde o começo do constitucionalismo, quais
sejam, os direitos de resistência, prestacionais e políticos que só podem ser exercidos por
uma coletividade. Como exemplo dessa categoria de direitos tem-se a liberdade de reunião
e o direito de criação de um partido político, os quais só podem ser exercidos em grupo. Não
há nem reunião de uma pessoa, nem partido formado por uma pessoa. No entanto, nesse
caso, ainda está a se falar de um direito individual, o qual se enquadra na teoria de Jellinek,
mas que só pode ser exercido coletivamente.20

Em segundo lugar, há os novos direitos coletivos, comumente chamados de difusos. Esses


direitos caracterizam-se pela natureza transindividual e titularidade efetivamente coletiva,21-22
em que a doutrina considera que são materialmente indivisíveis.23 Nesses casos, o exercício
individual do direito é inviável; o particular não pode, por exemplo, desfrutar do meio ambiente
individualmente, pois incompatível com a natureza desse direito. Além do meio ambiente, a
literatura especializada considera que alguns direitos trabalhistas e os direitos do consumidor
seriam exemplos dessa espécie de direitos.24

Apesar da abordagem dada por parte da doutrina, a questão da indeterminação dos titulares
advinda da sua transindividualidade25 não é o real problema dessa modalidade de direitos,
pois que também os direitos fundamentais gozam de característica similar, já que garantidos
por meio de normas dotadas de generalidade. Na realidade, a verdadeira celeuma dos
direitos difusos está em seu conteúdo, pois sua delimitação ainda é alvo de controvérsia
normativa, jurisprudencial e acadêmica. Desse modo, as medidas que o titular de um direito
dessa categoria pode fazer ou exigir em um caso concreto não são claras.26

20 Por um estudo da liberdade de reunião como modalidade de direito coletivo, cf. Leonardo Martins, ADPF 187/DF;
Vladimir da Rocha França, Direito a reunião pacífica na Constituição Federal. Por um estudo dos direitos coletivos, cf.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 56 e ss.
21 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 56-57.
22 Por um estudo dos direitos coletivos na literatura especializada brasileira, cf. Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti
Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73 e ss; Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, p. 33 e ss.
23 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73-74; Teori Albino Zavascki,
Processo coletivo, p. 33-34.
24 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., Curso de direito processual civil, v. 4, p. 73-74.
25 Teori Albino Zavascki, Processo coletivo, p. 53.
26 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 57.

25
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Ademais, em alguns casos, há controvérsia acerca da classificação de determinados bens


de ordem constitucional como direitos difusos. Isso se dá, pois, classicamente, alguns são
considerados como propósitos políticos da atividade estatal, mas na CF são enquadrados
como direitos fundamentais, o que levanta uma série de problemas dogmáticos.27

2.6 As garantias de organização


As garantias de organização asseguram aos indivíduos a criação ou regulamentação,
pelo Estado, de instituições públicas ou privadas, retirando-as da livre disponibilidade do
legislador.28 Dessa maneira, o particular tem o direito a tais instituições, em que pode exigir a
concretização normativa e fática que possibilite o exercício desses direitos.

Os primeiros estudos dessa modalidade de normas constitucionais são atribuídos ao


constitucionalista alemão Carl Schmitt, o qual demonstrou a existência dessas garantias e
que também os direitos fundamentais de status negativus ensejam um custo para o Estado,
pois exigem a criação e manutenção de instituições para a sua proteção.29

A CF também protege algumas garantias de instituições, como a família (art. 226), o casamento
(art. 226, §§ 1º e 2º) e a propriedade (art. 5º, caput e XXII),30 os quais possuem tanto função de
direitos de resistência, como a de garantia aqui estudada. Portanto, no caso do casamento,
por exemplo, protege-se uma série de faculdades individuais (a escolha de casar, com quem
e quando casar etc.), como também se pode exigir que o Estado regulamente esse direito por
meio de lei.31

27 A esse respeito, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 58
28 Bodo Pieroth e Bernhard Schlink, Direitos fundamentais, p. 66.
29 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 58
30 Para um estudo dogmático sobre a propriedade como garantia de organização e suas outras funções, cf. Leon-
ardo Martins, Liberdade e Estado constitucional, p. 180 e ss
31 Leonardo Martins, Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça
constitucional, passim.

26
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

2.7 Deveres fundamentais


A bibliografia de obras que analisam os deveres fundamentais é proporcional ao tratamento
dado pelo constituinte a esse tema: diminuta. Apesar da expressão “dever fundamental”
não ser localizável na CF, mesmo assim o constituinte se preocupou com a questão e
estabeleceu, um capítulo sobre “Direitos e deveres individuais e coletivos”, o qual se ocupa,
quase que em sua totalidade, com os direitos fundamentais. Não obstante, a pouca atenção
dada pelo constituinte e pelos juristas a essa matéria tem como fundamento a natureza do
documento em que ela está inserida. A Constituição, ao estabelecer deveres fundamentais,
vai de encontro ao pensamento liberal que a fundamenta. Além disso, mesmo que previstos
constitucionalmente, os deveres ainda precisariam de uma regulamentação legal para a sua
concretização.32

O outro argumento que influencia a pouca importância dada pelos deveres fundamentais é de
origem histórica. Os deveres fundamentais tiveram um papel central dentro dos ordenamentos
jurídicos nacional-socialista e comunista, em que foram usados para relativizar os direitos
fundamentais e aniquilar as liberdades dos particulares. Esses dois modelos fundamentam o
porquê de existir um descaso com os deveres fundamentais e até uma desconfiança.33

De todo modo, esse tema merece ser estudado, pois ainda recebeu a atenção do constituinte
brasileiro e levanta vários questionamentos, podendo ser enquadrado nas categorias
analisadas a seguir.34

Em primeiro lugar, tem-se os deveres estatais implícitos não autônomos, que seriam deduzidos
dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Esses deveres constituem-
se no outro lado da moeda dos direitos fundamentais, os quais o Estado estaria obrigado
a concretizar, seja positivamente (direitos sociais), seja negativamente (direitos de status
negativus).35 Por serem decorrentes dos direitos fundamentais, o seu estudo aprofundado não
tem utilidade prática, pois resultaria na repetição do pesquisado nos direitos fundamentais.

32 Carl Schmitt, apud Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Deveres fundamentais, p. 326-326.
33 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 531.
34 Por outro modelo de classificação, cf. Jorge Miranda, Direito e deveres fundamentais.
35 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 60-61

27
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Em segundo lugar, há os deveres estatais explícitos e não autônomos, os quais a Constituição


prevê expressamente, mas ainda de forma não autônoma, pois decorrente de um direito
fundamental. Como exemplo, tem-se o dever do Estado de indenizar o condenado por erro
judiciário, previsto no art. 5º, LXXV, CF.36

Em terceiro lugar, há os deveres estatais autônomos chamados de deveres de criminalização,


os quais impõem ao Estado a obrigação de criminalizar determinadas condutas. A CF também
prevê essa modalidade de obrigação estatal. Por exemplo, no art. 5º, XLII, estabelece prática
de racismo como crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão, nos termos
de lei. 37

Nesse contexto, o dever de criminalização implícito é controverso, pois, caso aceito, admitir-se-
ia que há, a nível constitucional, um dever não expresso de o Estado tipificar certas condutas.
Na realidade, nessas hipóteses há a discricionariedade do legislador para implementar tais
criminalizações, não sendo constitucionalmente justificável a sua existência. Desse modo,
cabe ao legislador decidir pela criminalização, o qual deverá justificar-se segundo o critério da
proporcionalidade. Da mesma forma, não há um direito fundamental do cidadão a tipificação
da conduta estabelecida constitucionalmente, o que compete ao legislador regulamentar
quando julgar adequado e necessário.38

Em quarto lugar, discute-se se existiriam deveres não autônomos dos particulares. Tal espécie
consistiria em deveres decorrentes dos direitos fundamentais e que teriam como destinatários
os particulares, os quais teriam o dever de respeitar os direitos fundamentais dos demais
indivíduos. Em suma, haveria uma simetria entre direitos e deveres na Constituição.39

Apesar de ser clara a vinculação do Estado aos direitos fundamentais, é questionável existir
o mesmo vínculo dirigido aos particulares. Isso se dá pelo fato de que tal estrutura limitaria
sensivelmente a autonomia privada e a liberdade de contratar do cidadão e resultaria em
uma grande quantidade de conflitos. Como exemplo, basta imaginar situações envolvendo

36 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Deveres fundamentais, p. 327-328.


37 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 62.
38 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Deveres fundamentais, p. 331-332.
39 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 532-533; Dimitri Dimoulis e Leon-
ardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 63.

28
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

associações e seus membros, em que a junta diretiva expulsa um indivíduo por se expressar
contrariamente a regra do ente coletivo (membro de uma instituição religiosa que emite
opinião contrária a um de seus dogmas, por ex.). Nessa hipótese, há o conflito da faculdade
de expulsar um membro inoportuno inerente à liberdade de associação (art. 5º, XVII, CF)
com a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF). Impedir a expulsão nessas
situações baseando-se no dever dos indivíduos de respeitar os direitos fundamentais dos
demais geraria insegurança jurídica, pois potencialmente inviabilizador do direito à liberdade
de associação.40

Dessa forma, compete ao legislador ordinário regulamentar a solução para tais conflitos
e estabelecer deveres aos particulares, não à Constituição. Assim, impera o princípio da
assimetria entre direitos e deveres, o que é necessário para um “estado de liberdade”.41

Em quinto lugar, há os deveres autônomos dos particulares, os quais são deveres que a
Constituição estabelece e que têm como titulares os particulares. Nesses casos, o constituinte
decidiu por obrigar os indivíduos a uma atuação positiva e uma colaboração na concretização
dos direitos fundamentais de terceiros (por exemplo, o dever de educação incumbido à família
pelo art. 205, CF). No entanto, não há o direito fundamental de terceiros a que os titulares
cumpram com seu dever. De todo modo, os enunciados normativos que preveem os deveres
fundamentais possuem baixa densidade normativa, necessitando-se da atuação do legislador
para a sua regulamentação.42

Ademais, a CF prevê alguns deveres coletivos, os quais têm como espécies os deveres
coletivos tradicionais e os novos deveres coletivos. Os primeiros são aqueles cujos titulares
são um grupo de indivíduos identificáveis (por exemplo, tem-se o dever de prestar serviço
militar estabelecido pelo art. 143, CF). Já os novos deveres coletivos são aqueles em que
os titulares não são identificáveis e se tem como exemplo a segurança pública (art. 144,
CF), a educação (art. 205, CF), a preservação do meio ambiente (art. 225, CF) etc. Esses
deveres também possuem uma baixa densidade normativa, assim, é necessária a atuação
do legislador ordinário para que regulamente e especifique as ações exigidas para a o
cumprimento desse dever.43

40 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 63.
41 J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 533.
42 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 64.
43 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 64-66.

29
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Por fim, questiona-se na literatura especializada se há direitos fundamentais que são


acompanhados de deveres do titular.44 Segundo os defensores desse entendimento,
a propriedade (art. 5º, XXII, CF) teria um dever fundamental a ser preenchido para o seu
exercício, que seria constituído pela função social (art. 5º, XXIII, CF). Por outro lado, há
os que encaram a função social como um limite constitucional de natureza especial que
pode legitimar a restrição da propriedade caso a intervenção seja considerada adequada e
necessária.

O pouco interesse demonstrado pela literatura especializada pelo tema dos deveres
fundamentais pode ser deduzido do estudado até aqui, em que parte significativa fica sujeita
a uma regulamentação do legislador que a operacionalize. De todo modo, a Constituição
nasceu como meio de limitar o Estado e para ser
uma protetora das liberdades, o que ajuda a explicar
o pouco interesse do constituinte e dos juristas sobre
Saiba Mais
o tema. As garantias fundamentais repressivas
são também chamadas de remédios
constitucionais ou ações constitucio-
2.8 Garantias fundamentais nais.1 Nessa categoria, incluem-se o
habeas corpus, o mandado de seguran-
ça, o mandado de segurança coletivo,
As garantias fundamentais são os meios o mandado de injunção, o habeas data
criados pelo constituinte para prevenir ou reprimir e a ação popular. A seu modo, cada
uma protege os direitos fundamentais
violações aos direitos fundamentais.45 As garantias de violações comissivas e omissivas.
preventivas são aquelas que organizam o Estado e
1 Nesse sentido, Dimitri Dimoulis
buscam fiscalizar a ação das autoridades estatais. e Soraya Lunardi. Curso de processo
Desse modo, organizam e limitam o poder estatal, constitucional, p. 375 e ss; Dimitri
Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria
buscando concretizar, por exemplo, a separação geral dos direitos fundamentais, p.
67-68; José Afonso da Silva, Curso
dos poderes (pode-se citar a inafastabilidade da
de dirieto constitucional positivo, p.
jurisdição garantida pelo art. 5º, XXXV, CF). Já as 442; Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso
de direito constitucional, p. 683 e ss.
garantias repressivas buscam impedir ou reparar

44 Essa controvérsia se dá entre Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, em que o primeiro defende a função social
da propriedade como dever, enquanto o segundo entende que a função social é um limite constitucional sui generis a ser
regulamentado pelo legislador. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos funda-
mentais, p. 66; Leonardo Martins, Liberdade e Estado constitucional, p. 197 e ss
45 Em sentido similar, cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p.419-420.

30
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

lesões aos direitos fundamentais (como exemplo, tem-se o habeas corpus e o mandado de
segurança, previstos no art. 5º, LXVIII e LXIX, respectivamente).46

3. Titularidade dos Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais estão inseridos dentro de um documento que regula a relação


entre o indivíduo e o Estado, assim, buscam limitar a intervenção estatal nas áreas de
proteção dos bens assegurados constitucionalmente. Desse modo, estão fundados em uma
relação entre o sujeito ativo (o detentor e titular do direito) e o sujeito passivo (aquele que está
obrigado a respeitar ou concretizar o direito, o destinatário da norma constitucional).47

Apesar de ideia intuitiva, a titularidade dos direitos fundamentais não é assegurada a todos
os indivíduos no ordenamento jurídico brasileiro. A CF estabelece algumas restrições, seja
de modo genérico, seja segundo as peculiaridades de direitos fundamentais específicos.
Dessa forma, nem todo particular pode valer-se de um determinado direito fundamental para
se proteger, antes, é necessário que seja titular do bem assegurado constitucionalmente.
Logo, podem existir direitos fundamentais que são assegurados a somente um grupo em
determinada condição, como os “presos” (art. 5º, LXIV, CF), ou garantidos a um grupo mais
amplo como os “brasileiros” (art. 5º, caput, CF). Essas distinções serão analisadas a seguir.

3.1 O artigo 5º, caput e a “igualdade perante a lei”


O art. 5º, caput, CF estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinções de
qualquer natureza”. Esse direito é assegurado a todos os indivíduos (universalidade), que, ao
estarem sujeitos à aplicação da lei, não podem sofrer qualquer tipo de discriminação, seja de
cor, gênero, idade, nacionalidade etc.

46 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 67-68.
47 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 69.

31
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

3.2 O artigo 5º, caput e os demais direitos protegidos


Ao contrário da “igualdade perante a lei”, o art. 5º, caput assegura a vida, a liberdade,
a igualdade, a segurança e a propriedade a um grupo mais restrito de indivíduos. Esse
enunciado constitucional estabelece como titulares desses direitos somente os brasileiros e
o estrangeiros residentes no país, excluindo, desse modo, os estrangeiros que estejam no
país em caráter transitório sem o intuito de firmar residência (turistas, por ex.).

O termo “brasileiros” presente no art. 5º, caput, CF, deve ser entendimento todo indivíduo de
nacionalidade brasileira sem qualquer distinção quanto ao momento de sua aquisição. Desse
modo, tanto o brasileiro nato, como o brasileiro naturalizado devem ser considerados como
titulares dos direitos fundamentais em questão, independentemente de estarem residindo no
Brasil ou não. Ademais, a Constituição restringiu alguns direitos fundamentais somente aos
brasileiros natos (por exemplo, art. 5º, LI, CF).

Além disso, não se pode considerar que, pelo fato do constituinte ter se referido somente
aos “brasileiros” - plural masculino -, estão excluídas as mulheres da referida previsão
constitucional. As regras do português formal prescrevem que os plurais masculinos englobam
os membros femininos do respectivo conjunto.48

Questão tormentosa diz respeito a definir quem pode ser enquadrado como “estrangeiros
residentes no país”. A condição de residente não demanda sua intenção de morar no local
definitivamente, podendo a permanência ser temporária, exigindo-se que o indivíduo resida
no local por algum tempo. Igualmente, desde que a sua residência seja no Brasil, o indivíduo
pode sair do país temporariamente para os mais diversos fins.49

Nesse contexto, não se sustenta constitucionalmente qualquer entendimento que considere


qualquer estrangeiro, seja em trânsito, seja realizando turismo, como titular dos direitos
fundamentais do art. 5, caput. A vontade do constituinte nessa questão foi clara, excluindo da
proteção constitucional o estrangeiro não residente.

48 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 71.
49 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 71-72.

32
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Além disso, a Constituição silencia-se sobre alguma exigência quanto à legalidade da


permanência no país. Apesar da dúvida que possa pairar sobre a questão, deve-se privilegiar
a interpretação mais favorável à liberdade (in dubio pro libertate) e ao indivíduo e assegurar
também aos estrangeiros que residam ilegalmente no país a guarda constitucional. No
entanto, essa interpretação não exclui qualquer tipo de apuração e sanção pela ilegalidade
da estadia.50

3.3 Os direitos fundamentais assegurados nos incisos do art. 5º, CF


Os incisos do art. 5º, CF asseguram uma longa lista de direitos fundamentais, os quais
possuem distinções segundo os seus titulares. Além disso, esses dispositivos constitucionais
muitas vezes usam expressões distintas do caput do art. 5º, CF, o que pode induzir o intérprete
a considerar que esses direitos fundamentais estão sujeitos a uma sistemática diferente da do
caput. Nesse sentido, basta consultar rapidamente alguns enunciados constitucionais para
perceber a presença dos termos como “homens e mulheres” (inciso I), “ninguém” (inciso II),
“todos” (inciso XVI), “autores” (inciso XXVII) etc.

Não obstante, ao se interpretar tais enunciados normativos deve-se ter em conta a sua relação
com o caput, o qual estabelece a regra geral a ser observada “nos termos seguinte”. Assim,
ao se referir a “todos”, o inciso XVI do art. 5º, CF, por exemplo, está se referindo a “todos” “os
brasileiros e estrangeiros residentes no País”.

Essa interpretação é problemática do ponto de vista da tendência do direito internacional de


universalidade da proteção. No entanto, trata-se da conclusão mais adequada ao previsto
constitucionalmente e à dogmática dos direitos fundamentais.

3.4 A situação dos estrangeiros não residentes no país


A condição de estrangeiro não residente no Brasil, como visto, é extremamente frágil do
ponto de vista constitucional, pois não é considerado titular dos direitos fundamentais asse-
gurados pelo art. 5º da CF. Todavia, é comum encontrar-se na literatura especializada en-
tendimentos que defendem a inclusão desse grupo como titulares de direitos fundamentais.51

50 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 307; Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, p. 71.
51 Nesse sentido, cf. Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 306 e ss.

33
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Nesse contexto, há juristas que defendem tal posicionamento ignorando a previsão


constitucional, em que se argumenta que seria um “despropósito” o estrangeiro não fazer jus
aos direitos fundamentais somente por não ser residente no país. Nesse sentido, há vários
julgamentos do STF, 52 os quais fazem a defesa da expansão da proteção constitucional aos
estrangeiros baseado na inconveniência da tese contrária.53 Esse entendimento não pode
ser defendido quando se faz uma análise dogmática mais precisa. Assim como as normas
constitucionais não estão à livre disposição do legislador, o mesmo se dá com o julgador. A
supremacia constitucional também deve impor-se ao magistrado, que não pode decidir de
forma contrária à vontade do constituinte por discordar da sua escolha.54

Outro posicionamento encontrado na literatura especializada é o que atrela os direitos


fundamentais aos direitos naturais,55 inerentes à condição humana e que não estariam sujeitos
a limitações até mesmo do constituinte. Logo, também os estrangeiros não residentes no
Brasil seriam titulares dos direitos fundamentais. Esse argumento não se sustenta diante da
ascensão do Estado constitucional moderno, em que impera o critério de fundamentalidade
formal. Desse modo, os direitos fundamentais são consagrados na extensão intentada pelo
constituinte, independentemente da sua classificação como direitos humanos, naturais ou de
fundamentalidade material.

Argumento de grande aceitação na doutrina é o da dignidade da pessoa humana.56 Segundo os


defensores desse entendimento, a titularidade dos direitos fundamentais também englobaria
os estrangeiros não residentes pelo fato da CF ter enquadrado a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado brasileiro. Desse modo, tendo em vista o princípio
da universalidade decorrente da dignidade da pessoa humana, também os estrangeiros

52 Seguindo o entendimento do STF, cf. Bernardo Gonçalves Fernandes, Curso de direito constitucional, p. 337-
339; George Marmelstein, Curso de direitos fundamentais, p. 227-230.
53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº. 44.621, relator ministro Cândido Motta Filho,
Primeira Turma, julgado no dia 07/06/1960. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Habeas corpus nº. 72.391. Tribunal Pleno, relator ministro Celso de Mello, julgado no dia 08/03/1995. BRASIL. Supre-
mo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº. 215.267, relator ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado no dia
24/04/2001.
54 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 75.
55 Por uma lista dos defensores desse entendimento, cf. Dimitri Dimoulis e Martins, Teoria geral dos direitos fun-
damentais, p. 75-76.
56 Nesse sentido, cf. Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 306-307.

34
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

não residentes no país seriam titulares dos direitos fundamentais.57 Esse entendimento não
convence por dois motivos. Em primeiro lugar, apesar da grande abstração da dignidade da
pessoa humana, alguns direitos fundamentais não podem ser deduzidos diretamente dela,
vide o caso do habeas data. Em segundo lugar, deve-se destacar a especificidade da norma
do art. 5º, caput, CF, que deve ser aplicada quando conflitante com uma norma mais geral
como a dignidade da pessoa humana (lex specialis derogate legi generales).58

Por fim, há o argumento de que o §2º do artigo 5º da Constituição permitiria considerar os


estrangeiros residentes no exterior com titulares de direitos fundamentais. Isso se daria pelo
fato de que esse dispositivo constitucional asseguraria que a lista de direitos do artigo 5º
não exclui outros decorrentes das normas constitucionais e tratados internacionais, os quais
asseguram direitos a todos, sem distinção.59 Essa
questão já foi tratada parcialmente em passagem
anterior. Os tratados internacionais têm, como regra,
Links
a força de lei ordinária e podem ser revogados por No RE 44.621-SP, o STF estendeu a ti-
tularidade do direito fundamental à pro-
dispositivo de igual natureza, com a exceção do priedade para um estrangeiro não resi-
entendimento firmado pelo STF da supralegalidade dente no país sob o fundamento de que
“Seria um verdadeiro despropósito se o
dos tratados internacionais sobre direitos humanos. estrangeiro não pudesse ver garantida
No entanto, mesmo nessa hipótese, não é possível a sua propriedade no país pelo fato de
nele não residir”. Esse entendimento é
se afastar do disposto no §3º do artigo 5º, o qual seguido ainda hoje. Fonte: <http://re-
somente possibilita a força constitucional dos tratados dir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=144275>
internacionais se eles forem aprovados pelo rito
descrito nesse preceito constitucional.

3.5 A titularidade dos direitos sociais


Os direitos sociais são garantidos sem uma regra sobre a titularidade nos moldes do art.
5º, caput, CF. Desse modo, a titularidade dos direitos sociais possui características distintas
daquela prevista no art. 5º, que não se aplica pelo fato daqueles serem assegurados em

57 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 306-307.


58 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 76-77.
59 Nesse sentido, cf. Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 308; George Marmelstein,
Curso de direitos fundamentais, p. 227-230.

35
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

outro dispositivo constitucional, não existindo a mesma relação que ocorreria nos casos dos
incisos.

Contudo, alguns deles têm como titulares grupos específicos, como os desamparados (art.
6º, caput, “proteção aos desamparados”), as mães e as crianças (art. 6º, caput, “proteção
à maternidade e à infância”). Salvo nesses casos, os direitos sociais previstos pelo art. 6º,
CF não aparentam possuir uma restrição quanto à titularidade, o que induz a conclusão que
a vontade do constituinte foi a de estabelecer, como regra, uma titularidade universal dos
direitos sociais.60 Nesse sentido, algumas normas constitucionais parecem corroborar com
essa interpretação, pois garantem direitos sociais a todos. Por exemplo, os artigos 196 e 205
determinam que a saúde e a educação são direitos de todos, respectivamente.

No entanto, essa conclusão não deixa de ser problemática, pois parece contraditória tanto
com o estabelecido no art. 5º, como em termos políticos. Nesse sentido, a interpretação aqui
realizada fundamentaria a possibilidade de um estrangeiro não residente no Brasil requerer
direitos sociais como a moradia e o lazer, o que não deixa de ser controverso diante dos custos
dos direitos sociais. Essas questões são somente mais um exemplo da falta de sistemática
do constituinte brasileiro.61

No tocante a outros direitos sociais, a análise é mais simples. Os direitos sociais do art. 7º a
9º e 11º são assegurados a todos os trabalhadores rurais e urbanos, não havendo qualquer
restrição quanto à nacionalidade. Desse modo, qualquer um que esteja prestando serviços no
Brasil é titular dos direitos elencados. No entanto, há algumas restrições feitas pelo constituinte,
em que são assegurados certos direitos a determinados grupos de trabalhadores, como, por
exemplo, aos desempregados (art. 7º, II, CF), à gestante (art. 7, XVIII, CF), ao pai (art. 7º,
XIX, CF), à mulher (art. 7º, XX, CF), aos trabalhadores com filhos ou dependentes (art. 7º,
XXV, CF) etc.

Ademais, alguns direitos considerados pela constituinte como sociais não se enquadram nos
de status positivus e são tipicamente de status negativus. Nesse sentido, tem-se o direito à

60 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 554.


61 Nesse sentido, confrontar reflexão feita em: Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fun-
damentais, p. 78-82.

36
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

greve (art. 9º, CF) e o direito à associação profissional e sindical (art. 8º, CF). Além disso,
há alguns direitos de cunho político, pois asseguram a participação dos trabalhadores em
órgãos públicos (art. 10, CF).62

3.6 A titularidade dos direitos políticos


Os direitos políticos têm como titulares os brasileiros natos ou naturalizados. Essa limitação
por causa da nacionalidade se dá pelo §2º do art. 14 da CF proibir os estrangeiros, de modo
geral, de alistar-se como eleitores. Igualmente, além de outras restrições, o §3º do art. 14 da
CF estabelece a nacionalidade brasileira como requisito para a elegibilidade de um indivíduo.

Ademais, a Constituição estabelece algumas limitações pontuais de ordem circunstancial


e etária. Nesse sentido, tem-se a impossibilidade dos conscritos, enquanto no período de
serviço militar obrigatório, de se alistarem como eleitores (art. 14, §2º, CF). Do mesmo modo,
tem-se a impossibilidade dos analfabetos de alistarem-se e elegerem-se (art. 14, §4º, CF). No
tocante às limitações etárias, a candidatura a alguns cargos exige uma idade mínima como,
por exemplo, no caso de Presidente da República e Senador (35 anos).

Os estrangeiros são titulares de direitos políticos em somente duas hipóteses. Em primeiro lugar,
segundo o art. 12, §1º, CF, os portugueses com residência permanente no Brasil possuem os
mesmos direitos dos brasileiros, caso exista reciprocidade por Portugal. Logo, os indivíduos
de nacionalidade portuguesa podem exercer os mesmo direitos dos brasileiros protegidos na
CF se Portugal assegurar proteção similar a estes. Em segundo lugar, os estrangeiros podem
fazer parte de partidos políticos, já que o art. 17, CF não incluiu a nacionalidade brasileira como
requisito para o exercício da atividade partidária. No entanto, a Lei dos Partidos Políticos (Lei
Federal nº. 9.060 de 1995) estabelece como requisito para a filiação aos partidos políticos o
pleno gozo dos direitos políticos, o que possui constitucionalidade questionável.63

62 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 81-82.
63 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 83.

37
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

3.7 A titularidade dos direitos coletivos


Os direitos coletivos dividem-se em duas categorias: os clássicos e os “novos” direitos
coletivos. Os primeiros configuram-se segundo a teoria de Jellinek, valendo para eles as
considerações dos titulares dos direitos fundamentais do art. 5º, CF e seus incisos.

No tocante aos novos direitos coletivos, há algumas questões especiais. A proteção aos
consumidores, consagrada no art. 5º, XXXII, CF, depende da regulamentação pelo legislador
para que se possa determinar quem são os consumidores e, consequentemente, seus
titulares. Apesar de alguns elementos dessa titularidade serem identificáveis, a definição
ainda depende da edição de lei.

Já no caso do direito a um meio ambiente equilibrado, o art. 225, CF assegura a “todos”, sem
fazer qualquer tipo de distinção nos moldes do art. 5º, caput, CF. Logo, conclui-se que tanto
brasileiros e estrangeiros, indistintamente, são titulares desses direitos fundamentais. Nesse
contexto, tem-se encontrado na literatura especializada alguns defensores de que também
os animais e a natureza seriam titulares de direitos. No entanto, tais entendimentos ainda
necessitam de amparo constitucional.64

Por fim, no caso do direito ao desenvolvimento e à solidariedade, tem-se mais projetos políticos
do que realmente direitos, pois extremamente abstratos e de difícil delimitação. No entanto,
pode-se afirmar que tais direitos devem beneficiar a todos e a cada um em separado.65

3.8 A titularidade das garantias fundamentais


As garantias fundamentais, como já abordado, dividem-se em duas modalidades: as
preventivas e as repressivas. As primeiras dizem respeito a normas que buscam limitar a
atuação do Estado a partir de sua própria configuração.

Já no caso das segundas, como regra, elas seguem o abordado no caso da titularidade dos
direitos do art. 5º, CF e seus incisos. No entanto, alguns casos merecem destaques. Nesse
sentido, a ação popular é assegurada em nível constitucional somente aos “cidadãos” (art.

64 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 84.
65 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 84.

38
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

5º, LXXIII, CF), ou seja, aqueles que têm o direito de voto. Igual questão peculiar é a do
mandado de segurança coletivo, o qual é assegurado somente aos partidos políticos com
representação no Congresso Nacional e a entes coletivos laborais e associação “legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados” (art. 5º, LXX, CF).

Apesar dessas restrições feitas pelo constituinte, nada impede que o legislador expanda a
proteção, atribuindo a titularidade a outros grupos não protegidos inicialmente.

3.9 As pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais


A Constituição Federal de 1988 silenciou sobre a questão das pessoas jurídicas serem
titulares de direitos fundamentais. No entanto, essa omissão, contrária a outras Constituições
no mundo (alemã e portuguesa, por ex.), não tem recebido importância da literatura
especializada e até mesmo dos tribunais, que aceitam a titularidade das pessoas jurídicas.66
Em muitos casos, argumenta-se que a proteção às pessoas jurídicas com a atribuição de
direitos fundamentais aumenta a proteção das pessoas físicas, sendo, portanto, amparada
constitucionalmente,67 pois, enquanto a exclusão dos estrangeiros não residentes no Brasil
fica expressa na previsão do art. 5º, caput, CF (“aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País”), não se pode chegar à mesma conclusão no tocante às pessoas jurídicas.

Nesse sentido, seguindo o modelo alemão, tem-se atribuído às pessoas jurídicas os direitos
fundamentais que forem compatíveis com a sua natureza. Logo, alguns direitos como,
por exemplo, a propriedade (art. 5º, caput e XXII, CF) e o direito adquirido e o ato jurídico
perfeito (art. 5º, XXXVI, CF) são atribuíveis às pessoas jurídicas, pois compatíveis com suas
peculiaridades.

Por outro lado, a titularidade dos direitos sociais e de alguns direitos políticos mostra-se inviável,
pois os direitos sociais são assegurados para melhorar a condição de vida dos indivíduos
em sociedade, enquanto os direitos políticos dizem respeito aos indivíduos exercerem sua
cidadania ou ocuparem cargos políticos.68

66 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 311-312.


67 Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 310-311.
68 Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 86.

39
Aula 02 | Funções e Titularidade dos Direitos Fundamentais

Ademais, alguns direitos são assegurados claramente às pessoas jurídicas, como a


possibilidade das associações representarem seus filiados judicial e extrajudicialmente (art.
5º, XXI); ou no caso de alguns direitos assegurados aos sindicatos e partidos políticos (arts.
8º e 17, respectivamente).

Outra questão que é problemática dogmaticamente é a titularidade de pessoas jurídicas de


direito público, as quais consistem em entes do Estado dotados de personalidade jurídica. A
celeuma é evidente, pois o Estado é o principal destinatário das normas constitucionais, não
sendo, como regra, titular de direitos fundamentais.

Não obstante, na Alemanha também se tem aceitado tal possibilidade em situações especiais.
Para tanto, argumentou-se com base na teoria da específica situação de risco para certos
direitos fundamentais, em que a não proteção de certos órgãos públicos poderia ocasionar
a vulneração de alguns direitos fundamentais69. Nesse sentido, baseando-se na experiência
alemã, tem-se aceito a titularidade da liberdade científica para as universidades públicas e o
da comunicação social para os entes públicos de comunicação.70

69 Também foi usada por um tempo a teoria da configuração pessoal-natural do ente coletivo, a qual vem diminu-
indo em defensores sendo, hoje, uma corrente minoritária na Alemanha. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo
Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 88-89.
70 Na Alemanha também se aceita a liberdade religiosa para as igrejas públicas, hipótese que não é aplicável ao
caso brasileiro. Nesse sentido, cf. Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 88-
89. Em sentido similar, Sarlet, Marinoni e Mitidiero, Curso de direito constitucional, p. 312-313; Bodo Pieroth e Bern-
hard Schlink, Direitos fundamentais, p. 93-101.

40
Pontuando

• A teoria de Jellinek tem como ponto de partida a relação entre o indivíduo e Estado e a
posição jurídica de direito subjetivo conferida àquele em face deste. Esse direito subjetivo
varia segundo cada caso, podendo estabelecer um direito de resistência (status negativus),
um direito de ação estatal (status positivus) e um direito de ação ou participação no Estado
(status activus).

• A titularidade dos direitos fundamentais não é universal em todos os casos. A Constituição


estabelece algumas limitações como no caso do art. 5º, caput, CF e seus incisos. No
entanto, o STF tem entendimento que busca universalizar a titularidade.

• Apesar do nome, os direitos coletivos tradicionais são de titularidade individual.

• As pessoas jurídicas somente são titulares de direitos fundamentais quando estes forem
compatíveis com sua natureza jurídica. No caso das pessoas jurídicas de direito público
essa restrição é ainda maior, já que somente é possível quando houver um específico
risco a certo direito fundamental.

Glossário

Resistência: 1 Ação ou efeito de resistir. 2 Causa que contraria a ação de uma força.
Fonte: Dicionário online Michaelis.

41
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) obrigam aos indivíduos a realizarem deter-
minados deveres estabelecidos constitucional-
Marque a alternativa que melhor completa a
mente.
assertiva: “O direito de status positivus asse-
gura...” Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

a) Uma obrigação de não intervenção do Es-


Sobre as garantias constitucionais, é incor-
tado.
reto afirmar que:
b) Um direito de participação do indivíduo no
a) As garantias preventivas organizam o Es-
Estado.
tado e buscam fiscalizar e limitar a ação das
c) Um dever de ação do Estado. autoridades estatais.

d) Uma área de liberdade do indivíduo em b) As garantias repressivas buscam impedir e


face do Estado. reparar lesões aos direitos fundamentais

e) Exclusivamente uma obrigação ao indiví- c) A separação dos poderes é um exemplo de


duo. garantia preventiva.

d) O habeas corpus é um exemplo de garantia


Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
repressiva.
Marque a alternativa que melhor completa a e) A liberdade de manifestação do pensamen-
assertiva: “As garantias de organização...” to é exemplo de garantia repressiva.
a) asseguram aos indivíduos a criação ou re-
gulamentação, pelo Estado, de instituições pú- Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

blicas ou privadas, retirando-as da livre dispo-


Os direitos fundamentais previstos no art. 5º,
nibilidade do legislador.
CF, em regra, são assegurados:
b) estabelecem competências negativas ao
a) Aos brasileiros maiores de 18 anos.
Estado.
b) Aos brasileiros e estrangeiros residentes no
c) possibilitam que o indivíduo participe ativa-
País.
mente da vida do Estado.
c) Aos brasileiros e estrangeiros residentes no
d) estabelecem direitos transindividuais e indi-
exterior.
visíveis.

42
Verificação de Leitura

d) Aos brasileiros e estrangeiros.

e) Aos brasileiros do sexo masculino.

Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

A titularidade de direitos fundamentais pelas


pessoas jurídicas é:

a) Aceita em qualquer hipótese, salvo no caso


dos direitos sociais e políticos.

b) Inaceitável em todos os casos, pois o cons-


tituinte estabeleceu cláusula que veda expres-
samente essa possibilidade.

c) Aceita somente quando o direito fundamen-


tal for compatível com a natureza jurídica da
pessoa jurídica ou quando os direitos tiverem
sido atribuídos diretamente a alguma modali-
dade de pessoa jurídica.

d) Aceita somente no tocante aos direitos as-


segurados no caput do art. 5º, CF.

e) Aceita somente àqueles que foram atri-


buídos expressamente às pessoas jurídicas,
como os direitos das associações, dos sindica-
tos e dos partidos políticos.

43
Referências

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lo: Malheiros, 2006.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Alme-


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DIMOULIS; Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 5ª edição. São
Paulo: Atlas, 2014.

______. Deveres Fundamentais. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBO-
NELL, Miguel. (Org.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. 1ª.ed.Salvador: Jus Podivm,
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______; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 5ª ed. Salvador: JusPodivm,


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FRANÇA, Vladimir da Rocha. Direito de reunião pacífica na Constituição Federal. In: Revista de Di-
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MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional. São Paulo: Atlas, 2012.

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______. Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça cons-
titucional. DIREITO. UnB Revista da Faculdade de Direito da UnB, v. 01, p. 245-279, 2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitu-
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com/revista/REDE-23-JULHO-2010-GILMAR-MENDES.pdf>. Acesso em 5 de maio de 2015.

44
Referências

MIRANDA, Jorge. Direitos e deveres fundamentais. In: Anima: revista eletrônica do Curso de Direito
da Opet. Curitiba: Faculdade Opet, 2ª ed., vol. 2, p. 368-392. Disponível em: [http://www.anima-opet.
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PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais [Trad. António Francisco de Souza e
António Franco]. São Paulo: Saraiva, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito con-
stitucional. São Paulo: Editora RT, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33 ª ed. São Paulo: Malheiros,
2010.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Gabarito

Questão 1

Resposta: Alternativa C.

Resolução: O direito de status positivus causa um dever de ação do Estado, que deve
concretizar o direito fundamental. Dessa forma, as outras opções estão incorretas. Em
primeiro lugar, o direito que gera uma obrigação de não intervenção do Estado e uma área
de liberdade do indivíduo é o direito de status negativus, os quais funcionam como direitos
de resistência. Em segundo lugar, o direito de status activus é o que gera um direito de
participação do indivíduo no Estado. Em terceiro lugar, são os deveres fundamentais que
podem gerar uma obrigação ao indivíduo.

45
Gabarito

Questão 2

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Somente a alternativa “a” é correta. A proteção constitucional das garantias de


organização implica no dever de concretização pelo Estado. A alternativa “b”, na realidade,
descreve características dos direitos de status negativus. Já a alternativa “c” descreve os
direitos de status activus. No tocante à alternativa “d”, têm-se os chamados “novos” direitos
coletivos. Por fim, a alternativa “e” descreve os deveres fundamentais.

Questão 3

Resposta: Alternativa E.

Resolução: Somente a alternativa “e” está incorreta. A liberdade de manifestação do


pensamento não pode ser considerada como uma garantia, enquadrando-se como um direito
de status negativus.

Questão 4

Resposta: Alternativa B.

Resolução: Os direitos fundamentais do art. 5º são assegurados, como regra, aos brasileiros
e estrangeiros residentes no país, excluindo-se, dessa forma, os estrangeiros residentes no
exterior. Além disso, não há qualquer tipo de restrição de ordem etária ou de gênero.

46
Gabarito

Questão 5

Resposta: Alternativa E.

Resolução: Todas as alternativas possuem algum erro com exceção da “c”. Nesse sentido,
a titularidade das pessoas jurídicas não é aceita em qualquer hipótese, necessitando-se que
o direito fundamental seja compatível com a natureza da pessoa jurídica. Logo, também
está equivocada a alternativa “b”, pois a referida cláusula não existe constitucionalmente.
Ademais, alguns direitos foram garantidos expressamente às pessoas jurídicas nos incisos
do art. 5º, CF e outros dispositivos constitucionais, o que invalida a alternativa “d”. Por fim,
também está errada a alternativa “e”, já que as pessoas jurídicas são titulares de direitos
além daqueles atribuídos diretamente a elas. todas as alternativas possuem algum erro com
exceção da “c”. Nesse sentido, a titularidade das pessoas jurídicas não é aceita em qualquer
hipótese, necessitando-se que o direito fundamental seja compatível com a natureza da
pessoa jurídica. Logo, também está equivocada a alternativa “b”, pois a referida cláusula
não existe constitucionalmente. Ademais, alguns direitos foram garantidos expressamente
às pessoas jurídicas nos incisos do art. 5º, CF e outros dispositivos constitucionais, o que
invalida a alternativa “d”. Por fim, também está errada a alternativa “e”, já que as pessoas
jurídicas são titulares de direitos além daqueles atribuídos diretamente a elas.

47
TEMA 03
Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

48
LEGENDA
DE ÍCONES

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seções
Vamos
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Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

49
Aula 03
Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais
Objetivos

Apresentar ao aluno uma visão panorâmica sobre três assuntos pertinentes à dogmática
geral (Parte Geral, Teoria Geral) dos direitos fundamentais, mencionados no título da aula,
enfatizando seus problemas de aplicação e metodológicos.

Habilitar o aluno ao uso do presente instrumentário conceitual jurídico-dogmático, tendo em


vista a solução de problemas específicos em torno da interpretação das normas definidoras
de direitos fundamentais e dos fatos políticos e sociais sobre os quais tais normas incidem
(análise da situação jurídico-constitucional do “caso”).

1. Introdução

Há um claro desiderato teórico e político de que a Constituição deve ter “força normativa”.
O conceito de força normativa de uma Constituição diz respeito à sua capacidade de nortear
os fatos políticos e sociais, não devendo estes ensejar a configuração da interpretação das
normas constitucionais a partir de seus fatores, como principalmente a detenção do poder.
Imprimir força normativa ao sistema de normas constitucionais definidoras de direitos
fundamentais não se faz com uma abordagem meramente descritiva e/ou teórica dos direitos
fundamentais. Para que os direitos fundamentais possam ser concretizados, oponíveis
perante o Poder Judiciário em face de alegadas violações, é preciso, primeiro, aprofundar no
estudo de seus efeitos, tecnicamente falando: de sua eficácia jurídico-normativa, identificando
precisamente seus destinatários, que são os obrigados a cumprir os imperativos deles
decorrentes (sob 2.). Segue a análise da bidimensionalidade dos direitos fundamentais (sob
3.) e, finalmente, a identificação e estudo de seu conteúdo e alcance a partir da interpretação
da hipótese normativa implícita em cada norma definidora de direito fundamental (sob 4.).

50
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

2. Efeitos dos Direitos Fundamentais

O ponto de partida do estudo dos efeitos dos direitos fundamentais é a interpretação da


norma constitucional do art. 5o, §1o, da CF. Ela determina, de maneira inequívoca, que todos
os direitos e garantias fundamentais são direta e imediatamente vinculantes. Trata-se da
determinação constitucional da eficácia imediata dos direitos fundamentais, como normas
jurídicas vinculantes e não meras diretrizes de conduta ou cláusulas programáticas e/ou
simbólicas.

Isso precisa ser mais bem esmiuçado:1

Em primeiro lugar, fica determinado pela referida norma que os direitos fundamentais vinculam
todas as autoridades do Estado, incluindo o Poder Legislativo. Este não pode restringir um
direito fundamental de forma não permitida pela própria Constituição, sob o pretexto de que
detém a competência e a legitimação democrática de criar normas gerais e vinculantes.

Em segundo lugar, a referida norma determina que os titulares dos direitos não precisam
aguardar autorização, concretização ou outra determinação estatal para poder exercer seus
direitos fundamentais. Se o legislador for omisso em regulamentar e/ou limitar um direito, este
poderá ser exercido imediatamente em toda a extensão que a Constituição Federal o definir,
sendo o Poder Judiciário competente para apreciar afirmações de sua violação.

Disso decorre que os direitos fundamentais, como já foi acima aludido, não são simples
declarações políticas ou programas de ação do poder público e tampouco podem ser vistos
como normas de eficácia “limitada” ou “diferida”, ao contrário do que afirma uma corrente
doutrinária brasileira.2

No caso dos direitos fundamentais sociais, o efeito imediato não se manifesta plenamente,
porque consistem em pretensões dos indivíduos diante do Estado e não podem ser exercidos
de maneira imediata, tal como estabelece o §1° do Art. 5° da CF. Mas isso não significa que

1 Cf. em relação aos próximos parágrafos: DIMOULIS; Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos
fundamentais. 5ª edição. São Paulo: Atlas, p. 95 s.
2 Cf. a divisão tripartite “eficácias” (“plena”, “contida” e “limitada”) amplamente difundida na doutrina nacional ofe-
recida por Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6ª edição. São Paulo: Malheiros; e as
demais referências em DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 96 (nota de rodapé 1).

51
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

sua eficácia seja menor do que a eficácia dos direitos fundamentais de liberdade negativa
(status negativus), como são as liberdades clássicas, que serão respeitadas pelos órgãos
estatais, quando estes deixarem de intervir na esfera individual ou social. Por isso, no caso
dos direitos fundamentais sociais, a “aplicabilidade imediata” traduz-se pelo dever do Poder
Legislativo de realizar sua prestação normativa, no sentido de tornar os direitos fundamentais
sociais jurisdicionáveis, criando parâmetros certos e determinados à Administração Pública
e ao Poder Judiciário para concretizá-los. O mesmo ocorre com os direitos difusos, como o
direito fundamental ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, e com os novos direitos
coletivos, como os direitos do consumidor, que são insuficientemente delineados no texto
constitucional.

Isso se explica juridicamente pelo fato de o §1o do art. 5o da CF referir-se a normas “definidoras”
de direitos.3 As normas que definem de forma insuficiente um direito não são imediatamente
aplicáveis na realidade social – não porque isso não seja o objetivo normativo, mas porque
não é possível aplicar um direito sem conhecer as hipóteses e condições específicas de sua
incidência e as formas de seu exercício. Trata-se de normas de baixa densidade normativa
que carecem de configuração pelo legislador ordinário.4

Em relação à aplicabilidade dos direitos fundamentais, parte da doutrina nacional invoca,


a chamada reserva do possível.5 Essa figura é utilizada de maneira muito genérica pela
doutrina e jurisprudência como suposto critério para limitar os deveres estatais de prestação.

Exemplo: um Tribunal reconhece o dever do Estado brasileiro em garantir aos presos dignas
condições de vida, não obstante os patentes sofrimentos enfrentados pelos presos, em razão
do péssimo estado de conservação e da superlotação da maioria dos presídios. Mas se nega
a condenar o Estado ao pagamento de indenização, alegando que, em razão da limitação de
recursos financeiros disponíveis, não foi “possível” ao Estado garantir melhores condições
carcerárias.6

3 Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 96.


4 Cf. ibid., com mais referências.
5 Cf. a seguir: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 98 ss., com suas referências.
6 Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 98.

52
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

A figura da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) nasceu na decisão Numerus


clausus do TCF alemão,7 que avaliava uma intervenção estatal na liberdade profissional de
candidatos ao curso de medicina de uma universidade pública alemã. Tratava-se de uma
redução de posição jurídica individual provocada por mudança legislativa, e não de problema
de direitos sociais.

Nada obstante, também os direitos fundamentais de liberdade (status negativus), que


prescrevem deveres de abstenção de intervenção aos órgãos estatais tiveram seus efeitos
bastante problematizados no direito comparado alemão. Necessário se faz trazer à pauta
o dispositivo da Constituição alemã corresponde ao Art. 5°, §1° da CF para, em seguida,
adentrarmos a uma teoria importada daquele país, a teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.

Segundo o Art. 1, III da Grundgesetz (“Lei Fundamental” = Constituição alemã): “Os direitos
fundamentais a seguir vinculam Legislativo, Poder Executivo e Judiciário como direito
imediatamente vigente”. (grifo nosso). Por sua vez, o primeiro dispositivo da parte orgânica
da Constituição alemã (Grundgesetz) reforçou esse vínculo imediato dos três poderes, ainda
que de maneira escalonada. Segundo o Art. 20, III Grundgesetz: “O Legislativo é vinculado à
ordem constitucional; o Poder Executivo e o Judiciário são vinculados à lei e ao direito.”8

Estudar a eficácia jurídica das normas definidoras de direitos fundamentais pressupõe a


verificação dos seus destinatários, i.e., das pessoas e/ou órgãos a elas vinculados. Como
pessoas ou órgãos vinculados estão obrigados a algo, notadamente a um fazer ou a um não
fazer. Uma vez verificados tais destinatários, procede-se à análise das peculiaridades de
cada vínculo.

7 BVerfGE 33, 303. Tradução e comentários em: MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal Alemão (Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 656 ss.
8 Sobre as formas de citação dos dispositivos da Constituição alemã e mais explicações sobre as notações utiliza-
das, consultar em geral: MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.

53
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

2.1 Destinatários das normas definidoras de direitos fundamentais


Quem deve respeitar os direitos e garantias fundamentais? Em outras palavras, quem são
os sujeitos passivos ou destinatários das obrigações de observância e proteção ativa que
decorrem dos direitos e garantias, por mais abstratos e indefinidos que eles sejam?

A principal função dos direitos fundamentais sempre foi, historicamente falando, a de limitar o
poder do Estado em favor dos indivíduos àquele submetidos. Esta continua sendo sua função
primordial. O destinatário principal do dever de respeitar os direitos dos indivíduos é o Estado
no sentido mais amplo do termo. Nesse sentido amplo, o Estado abarca, portanto, toda e
qualquer autoridade ou órgão que exerça competências estatais, mesmo por intermédio de
concessão de serviço público ou permissão especial.

Assim, os direitos fundamentais correspondem a deveres do Estado, que podem ser tanto
deveres de abstenção de intervir na esfera de liberdade garantida dos indivíduos, como
podem positivar deveres de prestação ou de criação e manutenção de estrutura normativa e
material ou de organização e procedimento.

Os particulares são, por sua vez, vinculados à lei, i.e, têm sua liberdade geral de ação limitada
negativamente e, em casos específicos, positivamente (configuração infraconstitucional
dos deveres fundamentais), pelo princípio da legalidade. Este, sabidamente, preconiza, de
maneira lapidar: “Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”,
segundo o Art. 5°, II da CF.

Logo, os direitos fundamentais de terceiros não os vinculam, pelo menos não diretamente.
Quando o Estado pretende vincular diretamente os particulares entre si a direitos fundamentais
uns dos outros, como no caso dos vínculos ao sigilo da correspondência, à inviolabilidade
de domicílio, ao direito fundamental à vida etc., ele o faz, diretamente, pelo legislador,
principalmente pelo legislador penal. Isso porque o legislador penal tem a competência para
criminalizar algumas condutas de particulares, as quais correspondam a violações de direitos
fundamentais. Em sentido técnico-jurídico dogmático, têm-se aqui a aplicação do princípio da
legalidade e da discricionariedade político-legislativa do legislador e não um vínculo a direitos
fundamentais.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

Repare-se que, acima, utilizou-se, de maneira consciente, um advérbio de modo, qual seja:
“diretamente”. O uso do advérbio de modo foi consciente porque toda a discussão germânica
em torno da concepção teórica do vínculo de particulares a direitos fundamentais, que foi
importada pela doutrina brasileira, pautou-se não só pela resposta à primeira pergunta a
respeito do “se” os direitos fundamentais vinculariam particulares. Com efeito, ela foi além:
precipuamente em caso de resposta afirmativa à primeira pergunta, a discussão germânica
avançou para questionar o “como”, i.e, de que maneira os direitos fundamentais vinculariam
os particulares, se direta ou apenas indiretamente. Indireta ou mediatamente implica a
atuação de um intermediário entre a norma constitucional e o particular que sofreria os efeitos
horizontais.

Todavia, os analisados efeitos “horizontais” foram intitulados na discussão germânica, de


“Drittwirkung” – literalmente: eficácia perante terceiro. Essa eficácia decorreria de uma
Ausstrahlungswirkung – uma “eficácia de irradiação” das normas definidoras de direitos
fundamentais sobre todo o ordenamento jurídico. Imprescindível, portanto, é analisar as
origens da teoria para que seu alcance na dogmática dos direitos fundamentais implícita no
direito constitucional vigente brasileiro possa ser mais bem investigado, expurgando-se todas
as muitas imprecisões e incertezas que circundam a matéria em pauta.

2.1.1 Os particulares como destinatários das normas definidoras de


direito fundamental (efeito horizontal)
Busca-se, neste tópico, determinar, à luz do direito comparado alemão, no qual a discussão
teve seu início, o alcance e as consequências de um efeito horizontal que se consistiria na
aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Como, no Brasil, não há
previsão constitucional a respeito, sua recepção ficou, totalmente, a cargo da jurisprudência e
da doutrina. Ao cabo da análise de tais origens, poder-se-á concluir quão feliz foi a recepção
do referido instituto jurídico estrangeiro, com sua teoria e dogmática.

Os doutrinadores e a jurisprudência na Alemanha sustentaram, após a Segunda Guerra


Mundial, que os direitos fundamentais produzem, além do efeito vertical, o aludido efeito
horizontal.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

A recepção dessa dogmática, no Brasil, tem os vieses teóricos os mais variados.9

Primeiro, o reconhecimento do efeito horizontal foi e é fundamentado, segundo alguns autores,


em uma evidente desproporção de poder social.10 Uma grande empresa é juridicamente um
sujeito de direito igual a qualquer um de seus empregados. Enquanto sujeito de direito, a
empresa tem a liberdade de decidir, unilateralmente, sobre a rescisão contratual. Na realidade,
a diferença em termos de poder social, ou seja, o desequilíbrio estrutural de forças entre as
partes juridicamente iguais é tão grande, que se poderia tratar a parte forte como detentora
de um poder semelhante ao poder do Estado.

Por causa dessa desproporção de forças competitivas, considerou-se necessário estender


o vínculo aos direitos fundamentais também aos particulares. A questão, todavia, é se tal
vínculo direto teria respaldo no sistema constitucional brasileiro. A resposta é negativa. O
teor do §1° do Art. 5°, é bastante claro: as normas definidoras de direitos fundamentais são
oponíveis diretamente (aplicação imediata) somente em face do Estado, i.e., de todos os
órgãos dos três poderes.

Com efeito, os particulares não “aplicam” normas, mas sim diante delas ou as observam ou
as violam. Quando a CF quis proteger um direito fundamental em face de particulares, ela o
determinou expressamente, como o fez, além dos exemplos já trazidos supra, na ordem de
criminalização do racismo do Art. 5°, XLII. Mesmo em tais casos, o legislador penal é ainda o
primeiro chamado a “aplicar” a norma, criando o correspondente tipo penal para a definição
do crime de racismo.

O segundo fundamento da eficácia horizontal é mais plausível e consistente do ponto de


vista jurídico-dogmático. No chamado leading case da Justiça Constitucional alemã (Lüth)
a ser abaixo estudado, perscrutou-se se – e em que medida – deveria ocorrer uma tomada
de influência das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais de resistência
(de status negativus) na interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados do
direito privado e de cláusulas contratuais mais abertas.

9 Cf. com amplas referências: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 103 s.


10 Cf. a seguir: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 104.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

De acordo com esse fundamento, o efeito horizontal se traduz como o vínculo específico do
Judiciário de interpretar tais cláusulas contratuais e o direito privado de maneira orientada
pelas normas definidoras de direito fundamental.11 O direito de resistência* se atualiza
no momento em que o juiz do feito impõe uma interpretação e consequente aplicação de
cláusula ou norma de direito privado, que implique intervenções no direito individual de
liberdade ou igualdade,* ainda que essas cláusulas e normas sejam, em si consideradas, isto
é, abstratamente falando, compatíveis com a Constituição.

O problema que se apresenta é, portanto, saber como se manifesta o efeito horizontal nos
casos concretos, como pode ser alegado e apreciado pelo Poder Judiciário.

Que os direitos fundamentais devam ter alguma relevância em face de particulares, ainda
que tecnicamente isso não possa ser chamado de vínculo, é inegável em face de seu
caráter supremo (fundamentalidade formal) e situação de vulnerabilidade material perante os
chamados poderes sociais com grande potencial lesivo da liberdade e igualdade individuais.
Tecnicamente, porém, o que ocorre é que os particulares, quando envolvidos em uma lide
cível ou penal privada, acabam sofrendo com os efeitos do vínculo do Poder Judiciário aos
direitos fundamentais da parte contrária.

2.1.2 A concepção da dogmática do efeito horizontal indireto pelo


Tribunal Constitucional Federal alemão
Em uma decisão prolatada em 1958 e alcunhada de “Lüth”, o TCF alemão lançou as bases
da teoria da eficácia horizontal.12 Nela precisou-se falar em Drittwirkung em face de uma
questão de interpretação do Código Civil alemão. Tratava-se do julgamento de um pedido de
condenação à obrigação de não fazer cominada com uma indenização por perdas e danos
decorrente de uma “ação imoral”, um típico conceito jurídico indeterminado.

A aplicação dessa norma obrigacional deveria ter sido afastada pelos juízes do caso, se eles
tivessem reconhecido que um direito fundamental (no caso a norma que garante a liberdade
de expressão – Art. 5 I 1 da Grundgesetz) acabaria determinando-o, pela via da necessária

11 Cf. MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional, p. 89, 100-199.


12 BVerfGE 7, 198, 204 ss. Cf. os excertos em: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 259-274.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

interpretação e aplicação do conceito jurídico indeterminado do §826 da BGB (Código


Civil alemão) que fosse orientada pelo direito fundamental citado. A decisão se referiu à
mencionada irradiação dos direitos fundamentais, considerando que todo o direito privado
há de ser interpretado à luz dos direitos fundamentais. Porém, foi tão somente a não correta
compreensão judicial de tal efeito de irradiação que indiciou a violação do Art. 5 I 1 GG e não
a conduta do particular, envolvido na lide, que como autor pedira a condenação do titular do
direito fundamental que, no caso, figurava como réu na ação originária.

Uma objeção sempre lembrada e de difícil contraimpugnação é o comprometimento do papel


do direito privado e alcance da autonomia privada, a qual por sua vez também corresponde
a direito fundamental. Caso os direitos fundamentais devessem valer, indiscriminada e
imediatamente, contra pessoas de direito privado, haveria grave risco de se relativizar todo
o ordenamento jurídico.13 Distingue-se entre efeito horizontal direto e indireto também como
forma de se responder aos críticos da eficácia horizontal em geral.

Segundo a teoria do efeito indireto ou mediato dos direitos fundamentais, os direitos


fundamentais só produziram efeitos para as relações jurídicas de direito privado mediante
normas e cláusulas gerais que contenham conceitos jurídicos indeterminados e que ofereçam
verdadeiras “portas de entrada” (Einbruchsstellen) para o direito constitucional no direito
privado; e isso justamente mediante os conceitos jurídicos indeterminados representados
metaforicamente pela expressão das portas de entrada. Segundo a metáfora, a luz irradiada
de um sistema axiológico-objetivo das normas de direitos fundamentais iluminaria todo o
direito infraconstitucional, precipuamente o privado, cabendo ao juiz tão somente “enxergá-la”,
isto é, levar em consideração tal sistema axiológico configurado pelo constituinte no momento
de interpretar e aplicar as normas que embasam a causa de pedir das partes processuais.

Consolidado e amplamente majoritário é hoje no direito alemão o entendimento segundo o


qual o efeito horizontal tem caráter mediato/indireto. O efeito horizontal indireto refere-se,
precipuamente, à obrigação do juiz de observar o papel (efeito, “irradiação”) dos direitos
fundamentais, sob pena de intervir de forma inconstitucional na área de proteção do direito
fundamental, prolatando uma sentença inconstitucional. No Brasil, pode ser considerado

13 Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 107, com mais referências.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

como fundamento normativo do efeito horizontal o vínculo do Estado como um todo (incluindo
o Judiciário!) aos direitos fundamentais (art. 5o, § 1o, da CF).

2.2 Efeito horizontal na ordem constitucional brasileira


Tudo isso indica que um possível reconhecimento do efeito direto não pode prescindir
da mediação pelo Estado. Seu fundamento jurídico consiste novamente no art. 5o, §1o, da
CF, pois dele também pode ser depreendido, objetivamente, a obrigação de o Estado fazer
respeitar os direitos fundamentais com o afastamento ou a reparação de uma agressão
oriunda de particulares.14

Apesar do caráter direto da aplicação da norma constitucional quando da decisão de


lides entre particulares, as relações entre particulares só ficam submetidas aos direitos
fundamentais mediante atuação (decisão) do Estado, de tal sorte que somente o Estado-juiz
está diretamente vinculado. O particular, ao contrário, está diretamente vinculado somente
ao direito infraconstitucional, sobretudo ao direito privado e penal, do qual é o destinatário
normativo por excelência.

Tal aplicação direta pelo Estado-juiz, portanto, não impugna a tese aqui adotada de que
o efeito horizontal é meramente indireto. Necessita dos media, isto é, da intermediação
das cláusulas gerais do direito infraconstitucional sobre as quais incide o referido “efeito de
irradiação” e, evidentemente, da decisão do juiz, que interpreta e aplica tais cláusulas. É
somente a prestação jurisdicional que aperfeiçoa uma violação de direito fundamental.

Os particulares, como titulares de direitos fundamentais, são em princípio totalmente livres do


vínculo direto aos direitos fundamentais, devendo o legislador, em considerando oportuno e
indicado, estender a eles o vínculo material ao direito fundamental de terceiros por obrigações
legais específicas, as quais, por sua vez, devem ser medidas com base nos parâmetros de
seus direitos fundamentais. Trata-se da vigência do princípio distributivo (Verteilungsprinzip)
segundo o qual é o Estado quem deve justificar a restrição da liberdade e não o titular do
direito fundamental de liberdade seu exercício em dado sentido.

14 Cf. para o texto a seguir: MARTINS; DIMOULIS, op. cit., p. 110-114.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

Pontuando: No ordenamento jurídico brasileiro, vale, como regra geral: o destinatário dos
deveres, que correspondem aos direitos fundamentais, é o Estado, tanto no sentido do dever
de abstenção, como no sentido do dever de ação mediante prestações. Os particulares devem
respeitar os direitos fundamentais na exata medida em que estes forem concretizados por
leis infraconstitucionais (por exemplo, o direito fundamental à vida corresponde à punição do
homicídio). No mais, os direitos fundamentais desenvolvem o referido “efeito de irradiação”
na interpretação da legislação comum, principalmente de cláusulas gerais.

Exemplo:

Em vista do direito fundamental à liberdade de acesso à informação (art. 5o, IX, ou art. 5o, XIV
c.c. XIII, da CF), uma norma de direito condominial, que limite a instalação de aparato técnico
receptor de sinais televisivos, deve ser interpretada pelo juiz de modo a observar a pretensão
de resistência do direito fundamental e das peculiaridades da dogmática específica (status
negativus).15

É raro encontrar-se casos em que a legislação infraconstitucional apresente uma lacuna de


proteção do titular de um direito fundamental, fazendo-se necessário recorrer aos direitos
fundamentais para a consecução da proteção adequada. Mesmo os recentes estudos que
tratam do efeito horizontal no Brasil, sustentando a possibilidade e necessidade do efeito
direto,16 não indicam tais casos, nem parece haver jurisprudência nesse sentido.

Com efeito, as decisões do Supremo Tribunal Federal que costumam ser citadas a respeito
do tema aplicam direitos fundamentais diretamente nas relações entre particulares “de forma
implícita, com argumentação muitas vezes superficial e não específica”, isto é, jurídico-
dogmaticamente inadequada.17

15 Cf. MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão,
(Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 427-438; e a discussão analítica em MARTINS, Leonardo.
Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos
direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 103-106; além das referências em: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.
111 ss.
16 Cf. com várias referências à doutrina pátria: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 110-114. MARTINS, Leonardo.
Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos
direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 90-95.
17 Cf. referências citadas por DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.112, n. rod. 34.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

A mais conhecida decisão do STF sobre o tema


considera que uma empresa privada tem o Links
dever de remunerar igualmente funcionários que Julgamento pelo STF de um Recurso
Extraordinário interposto por um fun-
prestam serviços de natureza, complexidade
cionário da Compagnie Nationale Air
e duração semelhantes. Invoca, para tanto, o France, no qual o STF afirmou a eficá-
cia horizontal direta do direito à igual-
princípio constitucional da igualdade, que proibiria dade, sem enfrentar, todavia, o impacto
discriminações com base na nacionalidade (como de sua decisão no direito fundamental
à autonomia contratual.
ocorreu nesse caso) ou em outros fatores que não
Fonte: <http://redir.stf.jus.
se relacionam à natureza da relação trabalhista.18 br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=213655>
Do ponto de vista jurídico-dogmático, isso é
equivocado. Caso o dever de igual remuneração
de trabalhadores de nacionalidade diferente se encontre proclamado em normas
infraconstitucionais (contrato, estatuto da empresa, convenções coletivas, legislação
trabalhista), não há necessidade de invocar o direito fundamental à igualdade. Se, ao
contrário, a obrigação de igual tratamento de trabalhadores de nacionalidades diferentes não
estiver prevista nas normas infraconstitucionais, não temos lacuna jurídica nem se aplica
diretamente a Constituição. Prevalece a liberdade do empregador que pode estabelecer os
critérios de remuneração de seus funcionários, tal como alguém escolhe seus amigos com
critérios pessoais sem que seja obrigado a tratar “igualmente” ou “sem distinção de qualquer
natureza” todas as pessoas.

Não se trata, como afirma a crítica à tese aqui defendida, de tornar absoluta a essencialmente
privatista e egoística autonomia privada, adotando uma visão “conservadora” e de
questionável “ética”, como querem alguns.19 O objetivo é viabilizar o exercício de vários
direitos fundamentais como, entre outros, ao livre desenvolvimento da personalidade (art.
5o, caput, da CF: “liberdade”) e à livre associação (art. 5o, XVII, da CF). Também por isso,
não faz sentido dizer que o particular tenha o dever de não fazer “distinção de qualquer
natureza”, considerando-o vinculado, diretamente, ao direito de igualdade (art. 5o, caput).

18 RE 161.243, rel. Min. Carlos Velloso, j. 29.10.1996, e sua referência em DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.112, n.
rod. 35.
19 Cf., por exemplo: SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro: Lumen
Juris, p. 279 e 281.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

Mesmo porque a liberdade de contratar é também protegida por direito fundamental que só
pode ser cerceado se for respeitado o sistema de limites constitucionais.

Em outra conhecida decisão do STF, foram feitas extensas referências ao efeito horizontal.20
A Ementa da decisão documenta a explícita adesão do Tribunal à teoria do efeito horizontal
direto: “Os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não
apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em
face dos poderes privados.”

Mas essa consagração do efeito horizontal teve no referido acórdão a qualidade de obiter
dicta, pois não influenciou a decisão final. Uma associação de compositores foi acusada
de desrespeitar a garantia fundamental à ampla defesa de um membro que fora excluído
de maneira compatível com as regras para tanto previstas nos estatutos da associação,
mas sem as mesmas possibilidades de se defender,
tais quais previstas na legislação processual, que Saiba Mais
assegura ampla defesa e contraditório, configurando
No caso Lüth, tratava-se de uma Re-
em detalhes a garantia constitucional, que foi utilizada clamação Constitucional ajuizada con-
como parâmetro do exame de constitucionalidade tra o julgamento da seguinte lide cível:
O cineasta alemão Veit Harlan, conhe-
(art. 5o, LV, da CF). O STF reconheceu que houve cido nos anos 1930 por ter dirigido fil-
violação do direito, mas considerou que isso ocorreu mes antissemitas e colaborado com o
regime nacional-socialista, propôs, em
porque a associação exercia poder público, apesar de 1950, uma ação cominatória contra Eri-
ser pessoa jurídica de direito privado. Em razão disso, ch Lüth, um então respeitado líder cul-
tural. Na lide originária, discutia-se uma
a vinculação ao direito fundamental da ampla defesa convocação ao boicote de um novo fil-
me de Harlan apresentado no Festival
não decorria do efeito horizontal, mas da clássica
“Semana do Cinema Alemão”. Pediu-
vinculação vertical do poder público aos direitos -se a condenação de Lüth a abster-se
de conclamar o público ao boicote. A
fundamentais. causa de pedir foi uma norma do C.C.
alemão (§ 826 BGB), que contém o
Exemplos de conceitos jurídicos indeterminados conceito jurídico indeterminado em
alemão “sittenwidrig”, em português:
no direito privado brasileiro: Boa-fé (art. 113 Código “de maneira imoral” ou “atentatória aos
Civil), bons costumes (art. 13, 122 e 1.336 CC), moral bons costumes”.

20 Em particular no voto do Min. Gilmar Mendes. Cfr. RE 201.819, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11.10.2005. Semelhante
a situação no RE 158.215, rel. Min. Marco Aurélio, j. 30.4.1996, citado por DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p.113, n. rod.
38.

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Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

e bons costumes (1.638 CC), Costumes (Art. 1.735 CC), ordem pública (art. 122 CC), fim
econômico ou social (Art. 187 CC), função social do contrato (Art. 421 e 2.035 CC).

3. Dimensões dos Direitos Fundamentais

Além de funções específicas (aula 2), as normas definidoras de direitos fundamentais


podem ser analisadas a partir de duas dimensões que as caracterizam: a dimensão jurídico-
subjetiva e a dimensão jurídico-objetiva.

3.1. Dimensão subjetiva:


A dimensão subjetiva da norma definidora de direito fundamental é a dimensão da expectativa
do gozo da liberdade, positiva ou negativa, por parte do titular do direito fundamental.

Correspondem à dimensão subjetiva, precipuamente, as seguintes categorias de direitos com


suas respectivas funções:

• Em primeiro lugar, o status negativus ou status libertatis (função clássica dos direitos
fundamentais);

• Os direitos fundamentais que fundamentam pretensões jurídicas próprias do status


positivus (direitos sociais, prestacionais);

• Direitos políticos e de participação (status activus).

3.2 Dimensão objetiva


Das normas definidoras de direitos fundamentais podem ser deduzidos critérios de controle
da ação estatal, independentemente das faculdades subjetivas por elas outorgadas a seus
titulares.

Os principais aspectos e categorias de funções acrescidas aos direitos fundamentais pela


“descoberta” da sua dimensão objetiva são os seguintes:

63
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

• Direitos fundamentais como normas de competência negativa;

• Direitos fundamentais como critérios de interpretação e configuração do direito


infraconstitucional;

• Direitos fundamentais como fundamentos de deveres estatais de tutela contra ameaças


de lesão a direitos fundamentais provenientes de particulares.

O primeiro aspecto é relativo à outra face (dimensão) de qualquer norma jurídica, que outorgue
direitos subjetivos, na medida em que, objetivamente, as normas definidoras de direitos
fundamentais criam competências negativas, i.e., retiram dos órgãos estatais margens de
atuação negativa – em face dos direitos prestacionais que preconizam a atuação do Estado
– e positiva – em face dos direitos fundamentais de resistência ou de status negativus.

O segundo aspecto já foi estudado no tópico anterior. O terceiro aspecto significa um salto
qualitativo na dogmática dos direitos fundamentais, pois ele implica deveres de proteção do
Estado a direitos fundamentais sensíveis, como é caso, por excelência, o direito fundamental
à vida e, também, do direito fundamental à saúde; este último aqui, todavia, como direito de
status negativus. Não se trata de um dever oponível somente contra o próprio Estado, mas
também contra o exercício de direitos fundamentais colidentes, exercidos por particulares, e
como tais, igualmente titulares de direitos fundamentais. Mister se faz, portanto, estudá-lo em
subtópico à parte.

3.3 Deveres estatais de tutela


A análise dos deveres estatais de tutela deve ser feita nas duas etapas a seguir. Como se
trata, novamente, de uma figura importada da doutrina e jurisprudência constitucionais alemãs,
incumbe, primeiro, apontar seu fundamento constitucional positivo a ser encontrado também
no texto ou sistema normativo jusfundamental da CFB. Esclarecido o fundamento, como se
trata de um dever vinculante perscruta-se, aqui também, quais seriam seus destinatários e o
modo de seu cumprimento.

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Fundamentais

3.3.1 Fundamento constitucional


A proteção da vida e da dignidade humanas contra lesões irreparáveis, que são todas
as lesões do direito fundamental à vida por excelência, foi indicado no leading case da
jurisprudência do TCF alemão como o fundamento do dever estatal de tutela.21

Tratava-se de se avaliar uma lei penal derrogadora da criminalização do aborto quando


perpetrado com a anuência e sob uma ordem expressa da gestante até o fim do terceiro mês
de gravidez, quanto à sua constitucionalidade. Como uma lesão da vida é, por excelência
e indubitavelmente, irreparável; e, dada sua íntima ligação ao princípio fundamental da
dignidade humana,22 o TCF vislumbrou, na política liberal levada a termo pelo legislador
penal alemão, uma lesão de um dever de proteção preventiva, que segundo ele decorreria do
caráter jurídico-objetivo de direitos fundamentais mais sensíveis ou vulneráveis.

O dever foi reconhecido em face de contextos envolvendo outros parâmetros jusfundamentais,


tais como o direito fundamental à saúde e à integridade física, os quais restariam comprometidos
por causa da incontrolabilidade de processos de ameaça de lesão perpetradas por particulares
em casos como o da exploração da energia nuclear, do uso da tecnologia da informação etc.

Por fim, também a presença de disparidade gritante de forças e condições competitivas,


principalmente no exercício das liberdades de comunicação social, foi trazida à pauta como
indicadoras da presença de um dever de tutela estatal preventiva.

3.3.2 Cumprimento. Proibição de insuficiência?


O dever estatal de proteção tem como destinatário direto, aqui também, somente o Estado;
e, destarte, todo e qual órgão pertinente a um dos três poderes. Porém, o primeiro Poder
chamado a cumpri-lo é o Poder Legislativo, que deve restringir, vale dizer, intervir na área
de proteção23 ou no livre exercício de direitos fundamentais, do qual derivaria uma concreta

21 Cf. a respeito da 1ª. Decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre a constitucionalidade da criminal-
ização do aborto, os excertos traduzidos e anotados por MARTINS, Leonardo. Cinquenta anos de jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal alemão, (Org.). Montevideu, Uruguai: Fund. K. Adenauer, 2005, p. 266-273.
22 Para a ordem constitucional brasileira cf. art. 1°, III da CF; para a ordem constitucional alemã: Art. 1 I 1 GG, texto
e notações em MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão. São Paulo: Atlas, 2011.
23 Cf. a respeito o texto do próximo tópico abaixo.

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Definidoras de Direitos Fundamentais

ameaça, como no caso do direito fundamental da grávida à liberdade (art. 5°, caput CF) ou
ao livre desenvolvimento da personalidade (Art. 2, I GG). Isso porque há uma necessidade de
agir preventivamente; antes, portanto, que a ameaça de lesão por particulares se concretize;
ou antes que se inicie um incontrolável processo de lesão de direitos mais sensíveis, como o
direito à autodeterminação sobre dados pessoais no contexto da contemporânea sociedade
da informação.

Por isso, é essencial o papel do legislador no cumprimento do dever estatal de tutela derivado
da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Esse reconhecimento, todavia, nada diz
a respeito do “modo” ou do “como” cumprir o dever. Certo é que o legislador deve agir,
como aludido, preventivamente, criando obrigações específicas a particulares, intervindo
abstratamente em seus direitos fundamentais de liberdade.

O legislador pode, por exemplo, proibir uma conduta, sancionando-a, inclusive, penalmente.
Nesse contexto, fala-se, por vezes, em deveres de criminalização. Porém, existem outras
formas menos severas de se cumprir o dever estatal de tutela, como, por exemplo, mediante
a prescrição de condutas que funcionem como prevenção de riscos, principalmente no âmbito
da proteção da saúde humana, em face, por exemplo, da garantia do direito fundamental de
titularidade difusa ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225 da CF).

Parte da doutrina alemã e parte da doutrina brasileira que a recepcionou cunharam, para
a aferição do cumprimento do dever de tutela, uma suposta figura jurídico-dogmática,
alcunhada de “proibição de insuficiência”.24 Esta figura carece, no entanto, de racionalidade
especificamente jurídica, porque, ao contrário do que ocorre com a figura já consolidada
da proibição de excesso que a inspirou, não há parâmetro comparativo capaz de torná-la
determinada ou ao menos determinável.

Com efeito, a intensidade de proteção, que se julga suficiente para a efetiva proteção do
direito fundamental ameaçado por particular, deve ser aferida pelo legislador, fazendo parte de
sua competência constitucional, chamada, no caso, de margem discricionária. Ele responde,
porém, politicamente, pela escolha, tendo em vista critérios de eficiência legislativa (âmbito
da política legislativa). Tal margem discricionária só pode ser limitada, jurídico-racionalmente

24 Cf. a análise em DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 127 s.

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Fundamentais

falando, em vista do objetivo de se poupar ao máximo as liberdades atingidas pela necessária


intervenção com vistas ao cumprimento do dever estatal de tutela, no contexto de uma colisão
entre direitos fundamentais de resistência (ou status negativus), tendo em vista, portanto, tão
somente a chamada proibição de excesso.

Falta, portanto, um critério racional para a aplicação da figura da proibição de insuficiência,


como uma espécie de contraponto ao controle de intervenções estatais em direitos de liberdade,
tal qual ocorre no caso da proibição de excesso. Neste caso, comparam-se as intensidades
dos meios alternativos adequados ao alcance do propósito perseguido pelo Estado, tendo
por objetivo escolher a menos intensa (invasiva). Demarca-se, assim, a linha divisória entre a
intervenção permitida, porque justificada constitucionalmente, e a intervenção abusiva, porque
desproporcional e, portanto, violadora da proibição de excesso e, por consequência, do direito
fundamental trazido como o parâmetro normativo de avaliação da constitucionalidade de um
ato do poder público em sentido amplo, como se verá na parte final da próxima aula.

4. Conteúdo (Hipótese Normativa) das Normas Definidoras de Direitos


Fundamentais

Para a análise do conteúdo das normas definidoras de direitos fundamentais, trazem-se


à pauta alguns conceitos instrumentais também provenientes do direito comparado alemão,
mas que têm encontrado amplo respaldo na doutrina constitucional pátria, apesar de algumas
divergências terminológicas em suas traduções para o vernáculo.

4.1 Área (ou âmbito) de regulamentação


Regulamentação não deve ser entendida aqui no seu sentido jurídico-administrativo, como
espécie de normatização minuciosa de uma lei geral. Pelo contrário, trata-se aqui de aferir o
assunto ou a área da vida social regulado pela norma de direito fundamental, e, destarte, de
um “recorte” da complexa realidade social sobre a qual incide a norma constitucional. Busca-se
determinar a área de regulamentação, neste sentido, como primeira aproximação ou primeiro
passo no exame de uma possível violação de direito fundamental pelo Estado. Para determiná-
la, parte-se de um conceito nuclear prestigiado pelo constituinte na positivação da outorga

67
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas
Definidoras de Direitos Fundamentais

ao indivíduo de um direito fundamental, como, por exemplo, “reunião”, “desenvolvimento da


personalidade”, “propriedade”, “consciência e crença”, “pensamento”, etc.

4.2 Área (ou âmbito) de proteção


Trata-se dos comportamentos ou situações jurídicas específicas, tais quais tutelados pela
norma. Chega-se à determinação da área de proteção com um recorte (deixado de fora = não
protegido), desta vez não de uma área da vida social como um todo, mas de comportamentos
ou situações jurídicas que foram, expressamente, excluídos da proteção pelo constituinte.

Visto de outra perspectiva, o constituinte seleciona, em geral negativamente (aludida técnica


da exclusão expressa), os comportamentos ou situações que pretende proteger por meio, em
primeira linha, de deveres de abstenção ou de prestação.

Exemplo: Reuniões não pacíficas ou cujos membros portem armas não são protegidas ab
initio segundo o Art. 5°, XVI da CF; argumentum e contrario: são protegidas prima facie as
reuniões que satisfaçam os pré-requisitos do caráter pacífico (não paramilitar) e do não porte
de armas pelos reunidos, titulares do direito fundamental.

4.3 Exercício do direito fundamental


Distinguem-se duas formas específicas de exercício de direitos fundamentais, sendo
que, em regra, os direitos fundamentais asseguram ambas. Nesse sentido, há a liberdade
para o exercício positivo efetivo ou potencial (controle normativo abstrato) e a liberdade
para o exercício negativo. No último caso, o direito fundamental pode restar violado caso o
Estado obrigue o titular do direito fundamental a se comportar de acordo com o que a norma
constitucional assegura como “liberdade”, pois o direito fundamental não pode, salvo exceções
expressas, redundar em dever fundamental (“Verteilungsprinzip” e princípio da legalidade).25

Dessa hipótese há de se distinguir a mera desistência do exercício que não é relevante


em termos de verificação de violação de direito fundamental, pois se o titular desistiu do

25 Cf. com várias referências e aprofundamentos: MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional: lei-
tura jurídico-dogmática de uma complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas,
2012, p. 29 ss.

68
Aula 03 | Efeitos, Dimensões e Conteúdo das Normas Definidoras de Direitos
Fundamentais

exercício do direito fundamental sem ter sido obrigado a isso, uma hipótese de violação do
direito fundamental trazido à pauta como parâmetro do exame de constitucionalidade resta
rechaçada já nessa primeira etapa do exame.26

Nas expressas hipóteses em que não houver a garantia ao exercício negativo, haverá dever de
exercício (Ex: sufrágio obrigatório), estando presente um dever fundamental (concomitância
de direito e dever fundamental).

Pontuando

• Conteúdo dos subtópicos 4.1 + 4.2 + 4.3 = Primeiro passo do exame de constitucionali-
dade com base em parâmetros derivados de normas definidoras de direitos fundamentais.
Primeira subsunção.

26 Um exemplo de desistência seria o titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio franquear o acesso
na residência de representante do Estado, policial no mais das vezes, sem ordem judicial. Cf. em suas minúcias: DIMOU-
LIS; MARTINS, op. cit., p. 137-141.

69
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) Vinculam somente os Poderes Executivo e
Judiciário.
Em relação à eficácia horizontal dos direitos
fundamentais pode ser corretamente afirma-
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
do:
Tem-se um exemplo de observância da efi-
a) Diz respeito ao vínculo do legislador aos di-
cácia horizontal indireta de direito fundamen-
reitos fundamentais.
tal:
b) Atualiza-se, apenas indiretamente, pela via
da interpretação judicial. a) Norma declarada inconstitucional em deci-
são definitiva do STF por sancionar opiniões
c) Só pode ser direta. críticas em face do Governo.
d) Conceitos jurídicos indeterminados do direi- b) Norma contratual nula por prescrever tare-
to privado não podem funcionar como “portas fas degradantes similares à condição de escra-
de entrada” do direito constitucional no direito vidão.
privado.
c) Não aplicação de sanção penal por suposto
e) Tem sempre por consequência uma ponde- crime de injúria, em face da suposta conduta
ração entre direitos colidentes a ser feita pelo típica do acusado corresponder ao direito fun-
juiz do feito. damental à liberdade de expressão do pensa-
mento.
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
d) Multa aplicada prevista em lei antidiscrimi-
Sobre direitos fundamentais é incorreto afir- nação.
mar: e) Absolvição da acusação de homicídio por
a) Vinculam, em primeira linha, somente o Es- falta de provas.
tado.
Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) Vinculam, de maneiras diferentes, o Estado
e os particulares. O dever estatal de tutela ou proteção...

c) Vinculam os particulares só indiretamente. a) diz respeito ao dever de concretizar os di-


reitos prestacionais, como o direito social à
d) Vinculam todas as funções (“poderes”) es-
educação.
tatais.

70
Verificação de Leitura

b) estará fundamentado quando, a partir de d) A prisão de manifestantes em passeatas


uma ameaça de lesão a direito fundamental de que estejam armados.
liberdade proveniente de particulares, puder
e) Uma lei de desapropriação.
ocorrer uma lesão irreparável.

c) deve ser implementado, originalmente, pelo


Poder Executivo, pois diz respeito à repressão
de crimes.

d) é cumprido exclusivamente pelo Poder Ju-


diciário, no âmbito de sua competência para
impor a observância dos direitos de liberdade
ao julgar lides.

e) é sempre sinônimo de mandamento de cri-


minalização, como no caso do Art. 5°, XLII da
CF.

Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

Não estará presente uma intervenção em di-


reito fundamental de liberdade relevante do
ponto de vista do controle de constituciona-
lidade:

a) Uma atuação estatal final, direta, imposta


por ato jurídico e imperativa, que impeça ou
sancione uma conduta que faça parte da área
de proteção de direito fundamental de liberda-
de.

b) O sancionamento penal de manifestações


pró-legalização de drogas ou do aborto.

c) Uma decisão judicial que determine toque


de recolher.

71
Gabarito

Questão 1

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A eficácia dos direitos fundamentais diz respeito à definição das pessoas ou
órgãos a quem suas normas definidoras se destinam, no sentido de serem vinculados a elas,
i.e, obrigados a atender seu imperativo (basicamente a um “fazer” ou “não fazer”). Destinatários
diretos são, conforme o sistema constitucional dos direitos fundamentais tal qual vigente na
CFB, somente os órgãos estatais, no exercício das três funções clássicas, e particulares
quando exercem função pública delegada. Só há que se falar em eficácia horizontal e,
com isso, em vínculo de particulares a direitos fundamentais pela via do vínculo da função
jurisdicional, que é responsável pela interpretação e aplicação de todo o ordenamento jurídico
à luz dos direitos fundamentais. Por esta via indireta, os particulares sofrem, materialmente,
os efeitos dos direitos fundamentais oponíveis ao Estado-Juiz.

Questão 2

Resposta: Alternativa E.

Resolução: A Alternativa “E” é a única incorreta, porque os direitos fundamentais vinculam,


antes dos Poderes Executivo e Judiciário, em primeira linha, e precipuamente, o Poder
Legislativo. Trata-se de normas dotadas de supremacia dentro do ordenamento jurídico.

Questão 3

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Também o direito penal há de ser interpretado e aplicado pelo juiz à luz dos
direitos fundamentais. Assim, o juiz penal ao observar o alcance da liberdade de manifestação
do pensamento (Art. 5°, IV da CF) deverá, dependendo do caso, reconhecer que a expressão
supostamente injuriosa corresponde, em verdade, à área de proteção do direito fundamental
referido, não estando presente a antijuridicidade da conduta. Todas as demais alternativas

72
Gabarito

apresentam exemplos ou de eficácia vertical (A) ou e de eficácia horizontal direta (B) ou se


trata da imposição da eficácia direta de leis ordinárias e não – pelo menos não diretamente
(D) – de direitos fundamentais (alternativas D e E).

Questão 4

Resposta: Alternativa B.

Resolução: A ameaça de lesão irreparável a direito fundamental proveniente de particular é um


dos principais fundamentos do dever estatal de tutela ou proteção. Por isso, seu cumprimento
passa, originariamente, pela atuação legislativa em razão de seu caráter preventivo.

Questão 5

Resposta: Alternativa D.

A passeata, que corresponde hipótese do direito fundamental à reunião,


Resolução:
outorgado pelo Art. 5°, XVI da CF, é protegida, desde que estejam presentes as condições
do caráter pacífico e do não porte de armas pelos titulares do direito fundamental. Dissolver
uma reunião de pessoas armadas não atinge, portanto, a área de proteção do referido direito
fundamental, não podendo representar uma intervenção estatal em direito fundamental.

73
TEMA 04
Limites aos Direitos Fundamentais e
Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

74
LEGENDA
DE ÍCONES

Início
seções
Vamos
pensar
Glossário

Pontuando

Verificação
de leitura

Referências

Gabarito

75
Aula 04
Limites aos Direitos Fundamentais e Justifica-
ção Constitucional de sua Imposição (Princípio
da Proporcionalidade)
Objetivos

Apresentar, de maneira sistemática, os tópicos finais (tópicos-chaves) da Teoria Geral dos


Direitos Fundamentais, quais sejam: os conteúdos normativos (área de proteção), os limites
aos direitos fundamentais e o método de aferição da justificação constitucional da imposição
dos limites (princípio da proporcionalidade);

Habilitar o aluno a entender o processo de concretização dos direitos fundamentais a partir


da análise de seus conteúdos e de seus limites constitucionais;

Habilitar o aluno a aplicar o método jurídico para a possível justificação constitucional de


intervenções estatais em direitos fundamentais de liberdade.

1. Introdução

Nesta aula, você será apresentado à dogmática jurídico-constitucional dos limites aos direitos
fundamentais, que somente poderão ser concreta ou abstratamente (por atos normativos)
traçados de maneira justificada constitucionalmente. Para a justificação constitucional há
método jurídico. O elemento essencial do método jurídico é um ônus de argumentação, que
cabe ao sujeito passivo da norma definidora de direito fundamental, o Estado, no exercício
de todas as suas funções clássicas. Ônus este que, para ser cumprido, é disciplinado pelo
princípio, funcionando aqui como critério, da proporcionalidade.

Antes de você aprender a aplicar corretamente o princípio e critério da proporcionalidade, no


subtópico 4.2, você precisará tomar conhecimento de seus pressupostos metodológicos, já
introduzidos na parte final da aula 3.

76
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

2. Intervenção Estatal (Na Área de Proteção)

Depois de ter sido verificado, no primeiro passo do exame, o alcance específico da


proteção prescrita pela norma definidora de direito fundamental; em outras palavras, depois
de definida, com precisão, os fundamentos de sua hipótese normativa, volta-se a análise para
a atitude do destinatário da norma, cuja possível agressão à área de proteção constituirá a
hipótese normativa com a consequência, em princípio, da nulidade do ato inconstitucional.
Em princípio porque como se verá não raramente estarão presentes hipóteses de exclusão
da antijuridicidade específica: a inconstitucionalidade.

Como já visto, o destinatário pode ser um órgão do Legislativo, ao criar normas, ou do


Executivo ou Judiciário, ao interpretá-las e aplicá-las, independentemente de seu ensejo
(cumprir obrigação a ele destinada, no caso da Administração Pública ou resolver lides, no
caso do Judiciário).

As intervenções estatais em direitos fundamentais, técnico-precisamente falando, na


respectivamente já verificada área de proteção, fazem parte, portanto, por assim dizer, da
normalidade da administração dos negócios do Estado em sentido lato (exercício das três
funções estatais clássicas), vale dizer: fazem parte da normalidade do Estado democrático
de direito. Contudo, como até mesmo – e em primeira linha – a função legislativa é exercício
de poder vinculado aos direitos fundamentais, uma vez verificada uma intervenção, esta
deverá passar pelo crivo do controle de constitucionalidade em face do parâmetro prima vista
contrariado da norma definidora de direito fundamental. Todo o processo de concretização
normativa, que respalda o exercício da função regular do Estado (legislação, administração e
prestação jurisdicional de conhecimento) deverá se submeter a um processo de justificação,
em um terceiro passo do exame, para que o vínculo aos direitos fundamentais seja cumprido.
Trata-se, como introdutoriamente salientado, de uma espécie de ônus de argumentação
a ser cumprido pelo Estado. Tal ônus, todavia, somente surge, quando se constata o fato
“intervenção estatal na área de proteção do direito fundamental”.

77
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

2.1 Conceito de intervenção estatal (na área de proteção!):


As intervenções estatais ocorrem, como supramencionado, de um lado, no contexto
do cumprimento das tarefas e funções estatais de disciplinar a vida em sociedade; e, de
outro lado, da reflexividade das normas definidoras de direitos fundamentais. O contexto da
reflexividade diz respeito ao fato de as normas definidoras serem normas produzidas pelo poder
constituinte para a limitação de todos os órgãos estatais. Trata-se, portanto, da aplicação de
regras reflexivas (voltadas ao próprio Estado, autor das regras) para a regulamentação das
liberdades juridicamente ordenadas.1 Busca-se harmonizar as liberdades individuais entre si,
mas também em relação aos bens jurídicos coletivos e difusos, além de eventuais interesses
estatais em sentido estrito, como a garantia da capacidade funcional dos órgãos públicos e
de sua imagem.

A consequência é que uma intervenção estatal não implica, necessariamente, uma violação
do direito fundamental por ela atingido. Há a já aventada possibilidade de justificação
constitucional da intervenção estatal na área de proteção de um direito fundamental, que se
constitui no referido terceiro passo do exame (cf. aula 3 e supra).

Define-se2 uma intervenção como uma ação ou omissão estatal que:

• ou impossibilite, em parte ou totalmente, um comportamento correspondente a um


direito fundamental (comportamento abrangido pela área de proteção do referido direito).
Exemplo: confisco de exemplares de um periódico já antes de sair da gráfica ou já em
circulação como intervenção na liberdade de imprensa; e/ou

• ligue ao seu exercício uma consequência jurídica negativa mediante uma proibição
acompanhada de sanção. Exemplo: definição pelo legislador penal do crime de injúria
como intervenção na liberdade de manifestação do pensamento.

Todavia, o conceito de intervenção estatal pode ser mais bem delineado quando se contrapõem
os seus requisitos tradicionais (“conceito clássico”), marcando o que se pode denominar de

1 Neste sentido, sobretudo POSCHER, Ralf. Grundrechte als Abwehrrechte: Reflexive Regelung rechtlich ge-
ordneter Freiheit. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003; e MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional, p. 28-43.
2 Cf. sobre o texto a seguir: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 143 ss.

78
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

intervenção stricto sensu. Segundo tal conceito, uma intervenção somente estaria presente
se ela reunisse todas as seguintes características:

• ser final, intencional e não representar mera consequência colateral, não intencionada
pelo Estado;

• ser direta e não consequência indireta da ação estatal;

• ser imposta por ato jurídico e não ter efeito meramente fático; e

• ser imperativa, sendo imposta quando e se necessário pela força organizada do Estado.

Esse conceito clássico, bastante restritivo (daí: conceito de intervenção stricto sensu), que fora
vigente do século XIX até meados do século XX, foi sendo continuadamente expandido. Ocorreu
uma ampliação correspondente ao enriquecimento conceitual dos direitos fundamentais
(“funções incorporadas”), ou seja, à ampliação genérica da sua área de proteção.

O conceito hodierno abrange praticamente toda e qualquer ação ou omissão estatal que seja
relevante em face do exercício do direito. Necessário se faz demonstrar tão somente que
o efeito do impedimento parcial ou total do comportamento abrangido ou situação jurídica
contemplada (caso dos direitos fundamentais com uma área de proteção de marca normativa,
como o direito de propriedade ou herança) possa ser atribuído a uma atitude positiva ou
negativa do poder público.

A ampliação do conceito de intervenção é também consequência do desenvolvimento do


conceito dos direitos fundamentais de suas funções clássicas, próprias do Estado liberal,
para o conceito vigente no Estado democrático e social.

Neste ponto, deve ser registrada a seguinte proporção: Quanto mais se amplia o conteúdo de
um direito, maior será a possibilidade de o Estado nele esbarrar por meio de uma ação; ou de
negligenciar uma prestação, por omissão.

Questiona-se, nesse contexto, se há algum limite mínimo de intensidade ou relevância que


a ação ou omissão estatal deva ter para que se possa verificar uma intervenção no sentido
técnico jurídico-constitucional. Não há como se fixar um critério abstrato para tanto: Se a ação

79
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

ou omissão estatal representa ou não uma intervenção no direito fundamental, isso deverá
ser verificado em cada caso, em comento com a análise da área de proteção, pois são os
elementos ou atributos do tipo normativo que nortearão o trabalho do intérprete de verificar
se se trata de uma intervenção a ser justificada constitucionalmente ou de um mero caso de
bagatela ou moléstia da vida quotidiana.

Exemplo: Ficar preso no trânsito por conta de controles feitos pela Polícia Rodoviária
restringe, faticamente, a liberdade de locomoção. Todavia, ainda que seja uma autoridade
pública que tenha causado a moléstia, só poderá ser verificada aqui uma intervenção no
direito fundamental dos motoristas que forem, de fato, parados e controlados pela polícia.

Abranger casos de moléstia cotidiana causada, parcial e muito indiretamente pelo Estado,
poderia tornar toda a dogmática dos direitos fundamentais inócua, pois haveria uma inflação
tamanha de casos de intervenções apta a romper os limites de racionalidade do controle de
constitucionalidade em face dos parâmetros derivados das normas definidoras de direitos
fundamentais.

Conclui-se, nesse estágio do exame, que algumas ações e omissões estatais não representarão
violações de direitos fundamentais e que, em representando intervenções, ainda poderão ser
justificadas na fase final do exame, como se verá abaixo.

Em uma primeira vista panorâmica bastante sintética, poder-se-ia dizer:

• Haverá uma “atuação” ou afetação irrelevante, quando o comportamento que se pretende


livre da intervenção estatal (parâmetros de status libertatis ou status negativus) não se
situar na área de proteção do respectivo direito (exemplo: reunião de pessoas armadas).
Igualmente, deve-se proceder nos casos em que o cerceamento for totalmente indireto,
não querido pelo órgão estatal, não imposto por ato jurídico perante o titular do direito
supostamente violado, não for imperativo (possibilidade do titular de, licitamente, escapar
de uma ordem estatal que, em verdade, pode ser entendida como mera “recomendação”
ou diretriz não vinculante) e/ou de intensidade irrisória. Em tais casos, em não restando
constatada uma “intervenção em área de proteção de direito fundamental”, não há que
se falar em violação. Em outras palavras: a hipótese de violação cai por terra já nessa
segunda fase do exame;

80
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

• Poderá haver intervenção justificada constitucionalmente, quando uma norma


infraconstitucional restringir o direito fundamental de forma permitida pela Constituição.
Exemplo: para exercer a profissão de advogado, o bacharel em Direito – titular do direito
ao livre exercício de qualquer profissão – deve ser submetido a exames, especificados em
lei;

• Poderá estar presente, ainda, uma intervenção justificada, toda vez que a intervenção
representar a concretização de um limite constitucional derivado do chamado direito
constitucional de colisão. Essa concretização é realizada, em primeira linha, pelos titulares
da função legislativa do Estado e o conteúdo da norma limitadora (interventora) deverá ser
analisado e, eventualmente, limitado, tendo em vista o vínculo desses órgãos estatais ao
direito fundamental atingido;

• Igualmente, poderá haver intervenção justificada constitucionalmente, quando os direitos


fundamentais ou um direito fundamental do indivíduo e um bem jurídico coletivo tutelado
no texto constitucional entrarem em conflito no momento da aplicação de normas do direito
infraconstitucional. Diferente, portanto, da hipótese acima em razão do órgão responsável
ser o aplicador e não o criador de norma restritiva. Exemplos: a polícia proíbe uma reunião
para possibilitar o exercício da liberdade de locomoção; o diretor de um presídio abre a
correspondência dos detentos por razões de segurança pública (Cf. “Direito Constitucional
de Colisão”, abaixo).

Nos demais casos de ausência de imposição permitida pela Constituição de limites, a


intervenção corresponderá a uma violação de direito fundamental.

3. Limites aos Direitos Fundamentais

O direito constitucional prevê vários modos de limitação dos direitos fundamentais.3 Nesses
casos, a área de proteção do direito é invadida de forma permitida (intervenção permitida), no
entanto, somente após um processo de justificação constitucional da imposição concreta do
limite previsto na Constituição.

3 Cf. a seguir: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 151 ss.

81
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

Podem ser distinguidas as seguintes espécies de limites: a reserva legal (3.2) e o direito
constitucional colidente (3.3). Antes, porém, deve ser discutida uma terceira figura que, a
despeito da aparência provocada pela atuação da função legislativa do Estado, não implica
intervenção, não podendo corresponder aos limites constitucionais previstos pelo constituinte:
a conformação, configuração ou concretização legislativa infraconstitucional de direito
fundamental. Por fim, há de se fazer mera menção aos limites extraordinários (3.4), porquanto
são irrelevantes na normalidade democrática.

3.1 Configuração infraconstitucional


A configuração infraconstitucional não é um limite constitucional propriamente dito. Deve
ser aqui analisada, sistematicamente, por representar potencial intervenção estatal na área
de proteção. Como alguns direitos fundamentais são enunciados de forma muito genérica ou
seu conteúdo é abstrato, não correspondendo a nenhuma faculdade individual ou coletiva de
natureza comportamental oponível contra o Estado a despeito de configurarem também direito
de status negativus, o legislador pode criar normas condizentes com a proteção. Exemplo:
Garantia da propriedade (art. 5o, caput e inciso XXII, da CF).4 A CF não oferece qualquer
definição do conteúdo do direito fundamental à propriedade, cabe à lei infraconstitucional
concretizar (conformar ou configurar) seu conteúdo. No caso, o constituinte oferece ao
legislador comum um amplo poder de definição. O exercício do direito não é possível sem
uma lei infraconstitucional, pois sem tal definição não se pode conhecer a área de proteção,
principalmente porque a área de proteção do direito fundamental à propriedade tem cunho
normativo e não comportamental, como ocorre com outros direitos fundamentais de liberdade,
como a liberdade de expressão do pensamento do art. 5o, IV, da CF. Do direito de propriedade
como instituto do direito privado podem decorrer vários efeitos concretos, mas ele em si – por
não se confundir com posse ou domínio, ao contrário do que ocorre com a faculdade concreta
do titular da liberdade de opinião de manifestar um juízo de valor sem temer ser punido por
órgãos estatais – não se exerce sem um conjunto complexo de normas infraconstitucionais.

4 Como é o caso, entre outros, também do direito ao casamento (Art. 226 da CF). V. as explicações em: MAR-
TINS, Leonardo. Reconhecimento da união estável homoafetiva como direito fundamental pela Justiça constitucional, in:
DIREITO.UnB Revista de Direito da Universidade de Brasília. v. 01, n. 01, janeiro-junho de 2014, p. 245-279.

82
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

Haverá também mera configuração de conteúdo, quando um direito fundamental mesmo com
área de proteção correspondente a comportamentos individuais – como no caso da liberdade
de imprensa – for regulamentado pelo legislador com o propósito de intensificar sua proteção
em nível legislativo ordinário. Com tal “intensificação” de proteção, podem estar sendo criados
pelo legislador ordinário deveres mais concretos de observância de prerrogativas decorrentes
da liberdade de imprensa em face de órgãos estatais e privados.5 Pode-se dizer também que
ocorre uma ampliação da área de proteção forjada em nível infraconstitucional pelo legislador
ordinário.

Como nem sempre a configuração do conteúdo é tarefa simples, principalmente, no primeiro


caso dos direitos fundamentais com área de proteção de marca ou cunho normativo, deve ser
sempre verificada a eventualidade de a lei concretizadora, sob o pretexto da operacionalização,
limitar o direito, que deveria estar sendo configurado infraconstitucionalmente, de maneira
inconstitucional (intervenção e não simples concretização).

3.2 Reservas legais


Reservas legais são, na dogmática jusfundamental, reservas de competência atribuídas
pelo constituinte ao legislador ordinário e, como tais, uma categoria de limites constitucionais
explícitos a direito fundamental individualmente considerado.

Materialmente falando, implicam ressalvas de caráter restritivo à proteção efetiva (definitiva)


do exercício pleno de um direito fundamental. Com efeito, trata-se de ressalvas que recaem
sobre a faculdade de, em princípio, se comportar de acordo com a norma jusfundamental
ou sobre a garantia de uma situação jurídica (garantia de cunho institucional), tais quais
verificadas pelo intérprete.

Seu motivo e função constitucional relacionam-se com um juízo de valor feito pelo constituinte
originário, segundo o qual um exercício ilimitado de um direito fundamental poderia acarretar
sérios danos a bens jurídicos coletivos ou direitos de terceiros.

5 Cf. MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa re-
lação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 243, 253, 261 s.

83
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

As reservas legais podem ser classificadas em duas espécies a seguir estudadas, dependendo
da presença ou não de requisitos ou predeterminações específicas definidas pelo constituinte
junto à outorga de determinado direito fundamental.

3.2.1 Reservas legais simples


Tem-se uma reserva legal simples quando a Constituição indica tão somente que o exercício
do direito será feito “na forma da lei” ou nos “termos da lei”, sem nenhuma especificação ou
determinação de pressupostos ou condições pertinentes ao conteúdo da lei e/ou formas de
sua aplicação / execução. Cite-se, como exemplo de uma reserva legal simples, a reserva
determinada pelo constituinte originário à liberdade de locomoção prescrita no art. 5o, XV,
da CF, segundo a qual seu exercício relativo à entrada, permanência ou saída com os bens
do titular será exercido (leia-se: limitado) “nos termos da lei”. Em face do art. 5°, §1° da CF,
que determinada, conforme visto, a aplicação imediata das normas definidoras de direitos
fundamentais, a ressalva só pode ser entendida como um limite externo e não como uma
condição apriorística para o exercício do direito fundamental. Não se trata, em absoluto, de
uma suposta necessidade de regulamentação prévia do direito fundamental à livre locomoção
como condição normativa de seu exercício. Se assim fosse, o direito fundamental não vincularia
o legislador, o que já foi suprarrefutado. O legislador pode, em querendo (exame de indicação
e oportunidade consoante a discricionariedade, que lhe foi aberta pelo constituinte), criar
ou não restrições ao exercício desse direito fundamental. Tais restrições deverão, todavia,
atender aos critérios abaixo estudados.

2.2.2 Reservas legais qualificadas


Tem-se uma reserva legal qualificada, quando a Constituição não se limitar a fazer referência
à lei, abrindo uma margem discricionária bastante ampla ao legislador, mas, pelo contrário,
indicar pelo menos um dos seguintes elementos: o tipo, a finalidade ou o meio de intervenção
autorizados, dos quais o legislador poderá se valer, quando de sua concretização da limitação
constitucional do direito fundamental consubstanciado na reserva legal qualificada.

Como exemplo, cite-se a possibilidade aberta pelo constituinte ao legislador (no caso ao
legislador processual penal), no art. 5o, XII, da CF, de restringir o mais pleno exercício do

84
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

sigilo das comunicações telefônicas, desde que o propósito da lei seja contribuir para a
investigação criminal ou assegurar a instrução processual penal.

3.3 Direito constitucional colidente (ou de colisão)


Em não havendo reservas legais que autorizem a limitação pelo legislador de um direito
fundamental, este poderá, ainda, ser limitado pelo chamado direito constitucional de colisão
ou colidente (kollidierendes Verfassungsrecht).6

O recurso a esse limite é, absolutamente, vedado, se o constituinte, ao prever o conflito, no


caso concreto do exercício da liberdade outorgada na norma de direito fundamental, tiver
estabelecido uma reserva legal simples ou qualificada. Nesse caso, a única limitação possível
é aquela decorrente da correta aplicação da reserva legal, com especial observância dos
pressupostos definidos nas reservas legais qualificadas. Não se trata, portanto, de limites
sobrepostos, mas alternativos, sendo o limite do direito constitucional de colisão apenas
permitido no caso dos direitos fundamentais sem reserva.

Como exemplo da incidência do direito constitucional colidente, pode ser mencionada a


inevitável colisão, no caso concreto, de alguns direitos fundamentais outorgados sem reserva
legal, como a liberdade de consciência e crença prevista no Art. 5°, VI da CF ou a liberdade
artística do Art. 5°, IX da CF, com outros bens jurídicos constitucionais. Trata-se de uma
margem discricionária do legislador e das funções administrativa e jurisdicional ainda menor,
pois tão somente normas (bens jurídicos) constitucionais podem servir de limites em tais
casos.

3.4 Limites extraordinários


A Constituição Federal prevê e regulamenta três situações excepcionais de gravidade
crescente. Igualmente crescentes são as limitações de direitos fundamentais permitidas em
cada uma destas.7

6 Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 163 s.


7 Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 166 s.

85
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

a) Estado de defesa (art. 136, §§ 1o e 3o, da CF). Um decreto do Presidente da República


especifica os direitos que deverão ser restringidos e o tipo de restrição. As restrições
podem se referir aos seguintes direitos: reunião, locomoção, sigilo de correspondência e de
comunicação telegráfica e telefônica e atividade econômica relativa a serviços públicos.

b) Estado de sítio conforme art. 137, I, da CF. O estado de sítio permite, além da restrição,
também a suspensão de uma série de direitos fundamentais. Ocorre mediante decreto do
Presidente da República e pode se referir aos seguintes direitos (art. 139 da CF): locomoção,
reunião, sigilo de correspondência e de comunicações, informação e liberdade de imprensa e
rádio-televisiva (liberdade de radiodifusão), inviolabilidade do domicílio e propriedade.

c) Estado de sítio conforme art. 137, II, da CF. Pode sofrer restrição ou suspensão qualquer
direito fundamental. Para tanto, a Constituição Federal não estabeleceu uma permissão
expressa, mas a ampla possibilidade de limitação resulta da formulação do art. 139, caput:
“na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser
tomadas contra as pessoas as seguintes medidas”. Isso significa, aplicando o argumento a
contrario, que, em caso de decretação da mesma medida nas hipóteses especificadas no art.
137, II, da CF, todos os direitos são passíveis de restrições. Essa é a hipótese do estado de
sítio que poderia ser denominada “maior”, pois pode causar, em tese, a total suspensão dos
direitos fundamentais.

4. Limites aos Limites aos Direitos Fundamentais

Uma vez verificada a presença de um limite ao direito fundamental, cuja possível violação
se examina, há de se perscrutar se tal limite foi imposto com observância de limites reflexos da
própria outorga do direito fundamental. Caso contrário, o vínculo de todos os órgãos estatais
a todos os direitos fundamentais, i.e., inclusive aos direitos fundamentais outorgados com
reservas legais, e a própria supremacia da Constituição restariam comprometidos. É preciso,
portanto, traçar o limite ao poder do Estado legislador, Administração Pública e/ou juiz de
limitar um direito fundamental que, por si, já é um limite da atuação do Estado. Chegamos,
portanto, a um limite de terceira ordem.

86
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

Para se desenvolver um limite normativo ao poder do Estado, a começar pelo legislador


justamente autorizado para tanto por intermédio das supraestudadas reservas legais, de limitar
um direito fundamental, é preciso desenvolver critérios metodologicamente disciplinados. O
estudo do direito comparado alemão tem servido à doutrina e à jurisprudência constitucional
brasileira como parâmetro comparativo. Não obstante, é no sistema da CFB que se deverá
buscar a normatividade. O método de aplicação, em havendo compatibilidade, pode ser o
método desenvolvido alhures.

Falou-se muito em vedação de intervenção ou necessária observância do “núcleo essencial” ou


“conteúdo essencial” do direito fundamental (sob 4.1). Todavia, um método consistente pode
ser depreendido do princípio (limite ao limite, por excelência) ou “critério” da proporcionalidade,
quando apresentado sob a perspectiva de sua função metodológica, também alcunhada de
regra do ônus argumentativo (sob 4.2).

De qualquer forma, somente neste tópico se conclui o terceiro passo da justificação constitucional
da intervenção estatal na área de proteção do direito fundamental, que pode ser dividido em
duas subetapas: 1ª) verificação dos limites; e 2ª) aplicação do critério da proporcionalidade
como regra metodológica para o cumprimento do referido ônus argumentativo.

4.1 Vedação de intervenção no “núcleo ou conteúdo essencial”


O art. 19, II, da Grundgesetz (Constituição alemã), traz uma limitação formal de difícil
concretização, ensejando teorias particularmente problemáticas.8 Segundo esse dispositivo,
“em caso algum pode um direito fundamental ser atingido em seu conteúdo essencial”. O
conteúdo essencial funcionaria como limite, isto é, como “obstáculo” de determinadas
restrições aos direitos fundamentais.

O problema reside justamente em saber o que seria esse conteúdo essencial de um direito
fundamental e quais as medidas estatais capazes de atingi-lo. Há duas teses a respeito: a
tese de que tal conteúdo essencial seria relativo, devendo ser fixado em cada caso específico,
e a teoria de seu caráter absoluto.9

8 Cf. sobre esse subtópico: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 168 s.


9 Cf. a discussão e amplas referências em: Cf. DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 168.

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Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

No debate brasileiro, a necessidade de preservar o conteúdo essencial (ou núcleo do


direito) é indicada por muitos doutrinadores,10 considerando que a teoria foi recepcionada
pelo ordenamento jurídico brasileiro e havendo preferência pela teoria relativa. Contudo, a
ausência de disposição expressa, assim como a particular dificuldade em se estabelecer o
conteúdo essencial de um direito fundamental, leva à conclusão de que inexiste tal requisito
limitador das intervenções legislativas. Como se verá, todas as limitações impostas a um
direito fundamental pelo legislador devem satisfazer o critério da proporcionalidade que tutela
conteúdos essenciais do direito limitado.

Portanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade torna prejudicada a discussão do


fundamento e a aplicação de tal conteúdo ou núcleo essencial.

4.2 Princípio da proporcionalidade: Passos (subcritérios) e método


O princípio da proporcionalidade não tem fundamento expresso ou literal sequer na
Grundgesetz, de onde provém boa parte da doutrina constitucional brasileira que recepcionou
o princípio. Em geral, o princípio da proporcionalidade é confundido com uma suposta ordem
de ponderação de princípios, valores, interesses ou bens jurídicos constitucionais ou mesmo
bens jurídicos em geral.

Não obstante, dele não se deriva tal ordem de ponderação. Seu fundamento constitucional é
encontrado nas normas constitucionais que prescrevem o vínculo do legislador aos direitos
fundamentais e a supremacia das normas constitucionais em face de todo o ordenamento
jurídico.

O raciocínio, em sua essência, é simples: Se o legislador está formalmente autorizado a intervir


na área de proteção de direito fundamental, restringindo seu exercício mais amplo, como
seria possível garantir a normatividade ou força normativa suprema dos direitos fundamentais
em face das competências derivadas das reservas legais? Uma resposta bastante plausível
é: Garantir-se-ia, no caso, a supremacia das normas definidoras dos direitos fundamentais a
partir do controle do uso das referidas competências pelo legislador e pelas demais funções
estatais, nos âmbitos de suas atribuições. Controlar o uso das referidas competências

10 Cf. ibid.

88
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

implica aqui, concretamente falando, controlar o conteúdo da lei e não apenas sua forma de
elaboração.

Mas é preciso critério para aferir a constitucionalidade material do uso das competências
legislativas abertas pelos limites da reserva legal ou, na sua falta, do direito constitucional
colidente supraestudados. O indispensável critério só pode ser a verificação e análise da relação
entre meios de intervenção e seus respectivos propósitos em face de sua proporcionalidade,
visando a assegurar o que se convencionou chamar de “proibição de excesso”.

Em suma, se o legislador está formalmente autorizado a intervir, que o faça racional e


parcimoniosamente, poupando o quanto possível a liberdade atingida pela intervenção
legislativa ou das demais funções dentro de suas margens conformadoras. A racionalidade
mencionada corresponde, com enriquecimento conceitual que vai além da garantia de
mera razoabilidade da lei, ao subcritério da adequação (a seguir: 4.2.3) e ao mandamento
de parcimônia corresponde ao subcritério da necessidade (4.2.4). Antes, porém, é preciso
verificar e interpretar as grandezas implícitas na intervenção concretamente verificada.
Essas grandezas devem ser correlacionadas (relação “meios-propósitos”), devendo
atender à proporcionalidade, como cumprimento da regra do ônus argumentativo. Tal ônus
de demonstrar, argumentativamente, a proporcionalidade e de assegurar o cumprimento
da proibição de excesso cabe à autoridade interventora, a começar sempre pela função
legislativa do Estado. Preliminarmente, tanto o propósito (a seguir: 4.2.1) quanto o meio de
intervenção (a seguir: 4.2.2) deverão cumprir certas condições apriorísticas determinadas
pelo tipo de limite constitucional previsto para o direito fundamental intervindo, notadamente
em se tratando de reserva legal qualificada ou de direito constitucional colidente.

Por fim, rechaçado como irracional do ponto de vista estritamente jurídico será o subcritério
da proporcionalidade em sentido estrito (a seguir: 4.2.5), apesar de ser utilizado pela opinião
majoritária da doutrina nacional e estrangeira.

4.2.1 Licitude do propósito


O propósito da intervenção legislativa, administrativa ou judicial há de ser interpretado
a partir de todos os cânones de interpretação conhecidos e, então, verificado. Em todos os

89
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

casos, há de se, primeiro, interpretar o propósito da lei que tenha dado azo à intervenção
administrativa e judicial. Isso porque o propósito do agente da Administração Pública direta
ou indireta deverá, antes de tudo, cumprir o pré-requisito da licitude. Em existindo margem
discricionária administrativa ou judicial, dever-se-á distinguir um propósito autônomo em
relação ao propósito legislativo. Uma vez verificado o(s) propósito(s), este(s) deverá(ão)
ser controlados quanto à sua licitude em face de eventual subversão completa do direito
fundamental ou choque com norma infraconstitucional.

No caso dos limites previstos pelo constituinte serem reservas legais qualificadas por propósito
predeterminado, ou em se tratando de direito constitucional colidente, deve-se examinar se o
propósito verificado é admissível ou não. Os propósitos que não atenderem a tais condições
não estarão habilitados ao exame correlacional infra. Se puder ser encontrado apenas um
propósito e este não atender aos critérios preliminares ora discutidos, a conclusão é que se
trata de uma intervenção não justificada em direito fundamental e, portanto, violadora da
CF. Confirma-se a hipótese violadora já nessa fase preliminar, dispensando-se o exame dos
elementos a seguir.

4.2.2 Licitude do meio


Também o meio de intervenção deve cumprir o pré-requisito prejudicial da licitude e, em
se tratando de reservas legais qualificadas pela predeterminação constitucional do meio de
intervenção, o meio verificado deve corresponder àquele que fora autorizado pelo constituinte.
Em não se verificando a licitude do meio ou a correspondência ao meio expressamente
permitido pelo constituinte, segue-se a mesma consequência supra (hipótese de violação
comprovada, fim do exame já neste estágio do exame preliminar do exame).

4.2.3. Adequação do meio


O primeiro subcritério a correlacionar meios e propósitos é o subcritério da adequação.
Este visa a assegurar a racionalidade da intervenção conforme já introdutoriamente
assertado. Como pode haver mais de um meio adequado ao respectivo propósito, trata-se
aqui, para efeitos de controle, de um exame eliminatório. Questiona-se se o meio escolhido
pela autoridade interventora é, em geral, apto; e, destarte, se ele cumpre o subcritério da
adequação.

90
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação Constitucional de sua Imposição
(Princípio da Proporcionalidade)

A adequação tem, como já aludido, natureza de exame eliminatório. Ela estará presente
sempre que o meio escolhido cumprir os seguintes elementos de sua definição: “Adequado
será um meio se houver uma conexão fundada em hipóteses comprovadas sobre a realidade
empírica entre o estado de coisas conseguido pela intervenção e o estado de coisas, no qual
o propósito puder ser considerado realizado”.11

Em termos mais coloquiais, o meio de intervenção deve fomentar (não necessariamente


garantir a realização do) seu propósito. Trata-se de um prognóstico, a que se chega com
uma análise de dados empíricos nem sempre disponíveis e análises trans e interdisciplinares.
As dificuldades de se chegar ao resultado do prognóstico nada opõem à racionalidade do
subcritério.

De resto, em havendo dúvidas quanto à adequação do meio de intervenção legislativa, vale a


decisão prognóstica do legislador, que então deverá passar no crivo a seguir do subcritério da
necessidade. Em não atendendo o meio escolhido pela autoridade interventora o subcritério
ora em pauta da adequação, chega-se, neste estágio do exame, à confirmação da hipótese
de violação do direito fundamental em razão da não justificação constitucional da imposição
de um limite ao direito fundamental sobre o qual a intervenção se baseia.

4.2.4. Necessidade do meio


O subcritério da necessidade é o último filtro jurídico-racionalmente controlável, equivalente
ao mandamento constitucional da proibição de excesso. Se o subcritério da adequação
tem natureza de exame eliminatório, o presente subcritério da proporcionalidade que é a
necessidade tem natureza de exame classificatório: somente o primeiro colocado se classifica
no sentido de justificar, definitivamente, uma intervenção estatal na área de proteção de
direito fundamental, atendendo à regra do ônus argumentativo. O critério de seleção aqui é a
intensidade dos meios adequados de intervenção e sua comparação.

Note-se que as alternativas de meio, que devem ser trazidas à pauta, têm que atender
ao primeiro subcritério da adequação. Necessário será um meio se, uma vez adequado

11 Cf. SCHLINK, Bernhard. Abwägung im Verfassungsrecht. Duncker & Humblot: Berlin, 1976, p. 193; PIEROTH,
Bodo; SCHLINK, Bernhard; et al., Grundrechte Staatsrecht II. 30ª edição. Heidelberg et al.: C.F. Müller, 2014, p. 72; e
também: DIMOULIS; MARTINS, op. cit., p. 203.

91
Aula 04 | Limites aos Direitos Fundamentais e Justificação
Constitucional de sua Imposição (Princípio da Proporcionalidade)

(cumprindo o requisito eliminatório da adequação), onerar a liberdade implícita no direito


fundamental atingido com a menor intensidade possível. Daí falar-se, nesse contexto, em
“proibição de excesso”.

4.2.5 Proporcionalidade em sentido estrito?


Parte da doutrina e jurisprudência constitucional nacional e estrangeira vai além e
exige que o meio, além de necessário, atenda também a um terceiro subcritério relacional
da proporcionalidade em sentido estrito. A relação meio-fim atenderá ao subcritério da
proporcionalidade em sentido estrito se ela puder ser considerada uma relação ponderada
entre as vantagens e desvantagens para os bens jurídicos em conflito, incluindo ou não sua
importância, seu valor em si, dependendo da teoria dos direitos fundamentais da qual se
parte.

Trata-se do suposto “método” da ponderação. Entretanto, não se trata de um método


racional-jurídico, porque falta à ponderação um critério racional de base empírico-normativa,
disciplinado metodologicamente, como é o caso dos dois subcritérios anteriores. Por isso,
propugna-se aqui por uma recusa fundamentada desse pseudométodo da ponderação (de
princípios, interesses, valores ou bens jurídicos). Ponderação é uma atividade que deve
responder politicamente, não configurando uma concretização válida de normas definidoras
de direitos fundamentais.

Glossário

Reserva: Direito. Cláusulas restritivas. Locução adverbial: sem reserva, sem restrição,
incondicionalmente. Fonte: Dicionário online Houaiss.

Configuração: Forma exterior, aspecto, figura, aparência. Sinônimos: feição, feitio, forma e
formato. Fonte: Dicionário online Houaiss.

92
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) Quando for, como meio, adequada em face
de seu propósito.
Uma intervenção estatal em direito funda-
mental...
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

a) estará presente, entre outros, quando o Es-


Sobre o conceito de reserva legal, não se
tado por um de seus órgãos de quaisquer dos
poderes constituídos impede o exercício do di- pode afirmar:
reito. a) Trata-se de limites previstos pelo constituin-
b) não ocorre quando o Estado prevê uma te a direitos fundamentais.
sanção ao exercício do direito. b) Reservas legais simples não preveem pro-
c) sempre que ocorrer, haverá violação do di- pósitos específicos que justifiquem a interven-
reito fundamental. ção estatal na área de proteção do direito fun-
damental.
d) implicará uma violação do mesmo direito
fundamental atingido. c) Em uma reserva legal qualificada, o cons-
tituinte diminuiu a competência de limitação
e) implicará uma violação de direito funda- pelo legislador ordinário, quando comparada a
mental de terceiro. uma reserva legal simples.

d) Justifica qualquer intervenção estatal na


Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
área de proteção do direito fundamental.
Uma intervenção será justificada, quando
e) Abre uma margem discricionária ao legis-
estiverem presentes os seguintes pressu- lador para harmonizar o exercício de direito
postos (indique a alternativa que contenha fundamental com outros bens jurídicos que po-
todos os pressupostos): deriam restar comprometidos em caso de um
exercício ilimitado de direito fundamental de
a) Limite constitucional ao direito fundamental.
liberdade.
b) Limite constitucional e respeito ao critério
da proporcionalidade no momento de sua apli- Questão 4 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA

cação.
Sobre a classificação das reservas legais,
c) Quando ela for justa e razoável.
pode-se afirmar:
d) Quando for razoável e proporcional em sen-
tido estrito.

93
Verificação de Leitura

a) A reserva legal simples é a que mais res- b) A previsão do Art. 5º, XV (“é livre a loco-
tringe a competência do legislador para intervir moção no território nacional em tempo de paz,
na área de proteção de um direito fundamental. podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,
nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
b) No caso de direitos fundamentais limitados
bens”) é exemplo de reserva legal simples, ao
por uma reserva legal simples, o constituinte
passo que o dispositivo do Art. 5º, XII (“é invio-
predetermina meios e/ou propósitos da inter-
lável o sigilo da correspondência e das comu-
venção que, presentes no caso concreto, po-
nicações telegráficas, de dados e das comuni-
dem legitimar intervenções nos direitos funda-
cações telefônicas, salvo, no último caso, por
mentais.
ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
c) Uma reserva legal qualificada restringe lei estabelecer para fins de investigação crimi-
com mais intensidade do que a reserva legal nal ou instrução processual penal”), é exemplo
simples o poder discricionário legislativo, na de reserva legal qualificada.
medida em que, em geral, predetermina pelo
c) Direitos fundamentais outorgados sem re-
menos um meio ou um propósito permitidos de
serva não são ilimitados, pois podem ser limi-
intervenção.
tados caso outro bem jurídico constitucional
d) A outorga do direito fundamental ao sigilo possa ser, abstrata ou concretamente, atingido
das comunicações telefônicas foi positivada por seu exercício ilimitado, hipótese limitadora
com uma reserva legal simples, pois basta do chamado direito constitucional de colisão
uma mera ordem judicial para se quebrar o ou colidente. Regras meramente procedimen-
protegido sigilo. tais ou bens jurídicos tutelados tão somente
pelo legislador ordinário não podem ser subsu-
e) O Art. 5°, XV da CF tutelou a liberdade de
midos nesse conceito de limite.
locomoção com uma reserva legal qualificada
ao positivar a expressão “nos termos da lei”. d) Uma reserva legal por si só já pode justificar
qualquer intervenção estatal legislativa na área
Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA de proteção do direito fundamental.

Quanto aos limites a direitos fundamentais, e) Tanto a configuração infraconstitucional de


não pode ser, procedentemente, afirmado: reservas legais simples ou qualificadas, quan-
to a imposição concreta de um direito constitu-
a) A regulamentação infraconstitucional da cional colidente deverão observar o critério da
greve do funcionalismo público poderia ser proporcionalidade.
exemplo da configuração infraconstitucional
de uma reserva legal ao direito fundamental de
greve.

94
Gabarito

Questão 1

Resposta: Alternativa A.

Resolução: Uma intervenção estatal em sentido técnico jurídico não implica, necessariamente,
uma violação de direito fundamental. Por isso, as alternativas C, D e E são incorretas. A
intervenção estatal, como medida fática, estará presente sempre que algum órgão estatal
impedir o exercício do direito fundamental ou sancioná-lo, ao contrário do afirmado na
alternativa B.

Questão 2

Resposta: Alternativa B.

Resolução: Os pressupostos da intervenção justificada constitucionalmente são, essencial-


mente, os dois mencionados na alternativa B da presença de um limite e respeito do critério
da proporcionalidade quando de sua aplicação (limite ao poder estatal de limitar um direito
fundamental).

Questão 3

Resposta: Alternativa D.

Resolução: Por intermédio de uma reserva legal, uma das categorias de limite constitucional
a direito fundamental, o constituinte autoriza uma intervenção legislativa na área de proteção
de direito fundamental, mas não qualquer intervenção. Com efeito, o uso da reserva legal pelo
legislador deve observar o princípio e critério de justificação dele derivado da proporcionalidade.

95
Gabarito

Questão 4

Resposta: Alternativa C.

Resolução: Reservas legais qualificadas reduzem a discricionariedade legislativa com maior


intensidade, porque já impõe condições prévias, predeterminando, em geral, os únicos
propósitos ou meios de intervenção admissíveis. Tais predeterminações não são encontradas
nas chamadas reservas legais simples. A escolha de propósitos e meios para sua realização
faz parte, em princípio, da esfera de competência discricionária do legislador.

Questão 5

Resposta: Alternativa D.

Resolução: A mera presença no texto constitucional de uma reserva legal não coloca
à disposição do legislador ordinário a livre determinação da forma constitucionalmente
compatível de um direito fundamental. Pelo contrário, são as eventuais restrições a direitos
fundamentais impostas por sua regulamentação, que deverão passar no crivo do exame
de proporcionalidade para efeitos de uma possível justificação constitucional da intervenção
legislativa.

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