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E-book de

PROCESSO COLETIVO
Organizado por CP Iuris
ISBN 978-85-5805-032-6

PROCESSO COLETIVO

1º Edição

Brasília
CP Iuris
2019
Sumário
1. ORIGEM: ...................................................................................................................................4
2. TUTELA COLETIVA NO BRASIL: ..................................................................................................5
3. CLASSIFICAÇÃO DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS: ..............................................................6
4. DIREITOS ACIDENTALMENTE COLETIVOS, DIREITOS PSEUDOINDIVIDUAIS E DIREITOS
PSEUDOCOLETIVOS: .....................................................................................................................7
5. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO: ...................................................................8
5.4. Princípio da participação: ................................................................................................14
6. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E LITICONSÓRCIO NO PROCESSO
COLETIVO: .............................................................................................................................15
7. LEGITIMIDADE: .......................................................................................................................19
8. COISA JULGADA:..............................................................................................................27
9. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA: .............................................................34
10. EXECUÇÃO ............................................................................................................................36
11. CONCLUSÃO .........................................................................................................................38
1. ORIGEM:

A origem está associada aos chamados direitos transindividuais. Para que se


possa proteger a coletividade, devem-se fazer adaptações no sistema processual, em
especial nos institutos da legitimidade e da coisa julgada.
A necessidade de tutelar a coletividade e, consequentemente, criar instrumentos
para tanto se amolda à fase de evolução metodológica do processo denominada
instrumentalismo.
A doutrina aponta, basicamente, duas fontes de surgimento das ações coletivas:

➢ Ação Popular (tradição romano-germânica), existente à época do Império


Romano, cuja finalidade era a proteção do interesse público, sendo que a
legitimação ativa pertencia ao cidadão. O cidadão poderia agir em nome da
coisa pública. Essa fonte de ação coletiva influenciou os países que adotam a
civil law.

➢ Ações coletivas das classes (direito anglo-saxão): a legitimação não era


conferida exclusivamente a um único indivíduo, mas sim a uma coletividade
que “representaria” os seus membros. Essa fonte de ação coletiva influenciou
os países que adotam a common law. Destacam-se, aqui:

– Ações coletivas na Inglaterra medieval do séc. XII: defesa dos


membros de uma comunidade que compartilhavam entre si o
mesmo direito.

- Tribunais de equidade: passaram-se a admitir as ações


representativas (bill of Peace). É a origem remota da Class action
norte-americana

A tutela coletiva corresponde à segunda onda renovatória do acesso à justiça


(Mauro Cappelletti).

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2. TUTELA COLETIVA NO BRASIL:

No Brasil, a tutela da coletividade decorre de um microssistema formado por


diversos diplomas normativos. Também encontra previsão na CF, haja vista que o
capítulo I do título II da CF/88 dispõe expressamente sobre os “direitos e deveres
individuais e coletivos”.
Os principais diplomas que tratam da tutela coletiva são estes:

a) CF;
b) Ação Popular (Lei nº 4717/65);
c) Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85);
d) Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92);
e) CDC (Lei nº 8.078/90);
f) ECA (Lei nº 8.069/90);
g) Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03);
h) Mandado de Segurança coletivo (Lei nº 12.016/09);
i) Estatuto da pessoa com deficiência (Lei nº 13.146/15).

O microssistema da tutela coletiva no Brasil tem por característica marcante a


flexibilidade. Isso significa que os diplomas normativos são intercambiantes. Assim,
ainda que determinada ação coletiva verse sobre direito ambiental, será possível valer-se
do instituto da coisa julgada previsto no CDC. Os diplomas se comunicam entre si. É o
que a doutrina chama de princípio da integração.
Por fim, a doutrina ainda distingue o chamado processo coletivo comum do
processo coletivo especial.

➢ Processo coletivo comum: o processo se dedica às ações para a tutela dos


interesses metaindividuais, tutelando-se um direito coletivo concreto.
Exemplos: Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85); Ação Popular (Lei nº
4.717/65); Ação de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92); Mandado
de Segurança Coletivo (lei 12.016) etc.

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➢ Processo coletivo especial: refere-se às ações objetivas para controle
abstrato de constitucionalidade. Exemplo: ADI, ADC, ADPF etc.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS:

Inicialmente, impende destacar que não há na lei distinção entre direito coletivo e
interesse coletivo. Porém, é possível distingui-los da seguinte forma: interesse é o bem
da vida pretendido; já o direito é o reconhecimento, pelo ordenamento, daquele interesse.
O ordenamento jurídico brasileiro, contudo, trata-os como sinônimos.
Quando se fala em classificação dos interesses metaindividuais, a quase totalidade
dos estudiosos sobre o assunto classifica tais interesses a partir da relação jurídica em
litígio dos destinatários do interesse em jogo e, finalmente, da divisibilidade ou não
do bem da vida tutelado.
Atualmente, a matéria encontra respaldo no Artigo 81 do Código de Defesa do
Consumidor. Segundo Hermes Zaneti Jr., tem-se uma fusão entre o direito subjetivo
envolvido e a tutela jurisdicional buscada:

➢ Interesses ou direitos difusos: são transindividuais, de natureza indivisível,


de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de
fato. Exemplo: fábrica que está emitindo gases tóxicos; usina nuclear;
vazamento de óleo; rompimento e barragem etc.
➢ Interesses ou direitos coletivos: são transindividuais, de natureza indivisível,
de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base. Aqui, as pessoas atingidas
são determináveis. Note que, aqui, os interessados não estão ligados por um
mesmo fato, mas sim por um vínculo comum de natureza jurídica. Exemplo:
escola que está fazendo revista íntima em alunos; categoria profissional
atingida por um ato administrativo etc..
➢ Interesses ou direitos individuais homogêneos: são os decorrentes de
origem comum. Os interesses são divisíveis. Seus titulares são identificados e
identificáveis. São, em verdade, direitos individuais ligados por uma causa
comum. Proteção de direitos individuais com dimensão coletiva. Exemplo:

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restituição de valores decorrentes de abusividade em cláusula de contrato
bancário de abertura de conta-corrente; ex.: acidente aéreo.

4. DIREITOS ACIDENTALMENTE COLETIVOS, DIREITOS


PSEUDOINDIVIDUAIS E DIREITOS PSEUDOCOLETIVOS:

➢ Direitos acidentalmente coletivos: para Barbosa Moreira, direitos


acidentalmente coletivos são os direitos individuais homogêneos, pois,
em verdade, não são propriamente integrantes da categoria dos direitos
coletivos, e sim direitos individualmente tratados como coletivos em face
da sua própria dimensão coletiva. Exemplo: direito de consumidores
lesados por uma cláusula contratual de instituição financeira. Cada um
poderá ingressar com ação individual; contudo, o ordenamento admite a
tutela, de forma coletiva, desses direitos individuais

➢ Direitos pseudoindividuais: segundo Kazuo Watanabe, trata-se de ações


individuais, cujos efeitos acabam atingindo a coletividade. Exemplo: ação
individual objetivando cessar a emissão de gases de uma determinada
fábrica. Embora ajuizada no plano individual, acabará por beneficiar a
coletividade.

➢ Direitos pseudocoletivas: para que uma ação seja considerada como


coletiva, devem-se observar dois requisitos: 1º) predominância das
questões comuns sobre as individuais; 2º) utilidade da ação coletiva no
caso concreto. Sempre que a ação nominada como coletiva não observar
tais requisitos ela será, em verdade, uma ação “pseudocoletiva”, pois
apenas apresentará várias pretensões individuais em uma só ação coletiva.
Em outras palavras, será uma ação individual proposta por um “substituto
processual”.

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5. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO:

5.1. Competência adequada:

A competência para a ação coletiva dependerá da lei aplicada ao caso


(competência na lei do mandado de segurança, lei de improbidade administrativa,
competência originária dos tribunais etc.). Entretanto, quando não for o caso de previsão
em alguma lei específica, deve-se observar a regra prevista no art. 2º, da LACP, bem
como no art. 93 do CDC.

➢ Art. 2º da LACP:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local


onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para
processar e julgar a causa.
Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo
para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma
causa de pedir ou o mesmo objeto.

➢ Art. 93 do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente


para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de
âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos
de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de
Processo Civil aos casos de competência concorrente. = prevenção
(comp. concorrente).

5.1.1. Competência absoluta ou relativa?

O art. 2º da LACP estabelece uma hipótese de competência territorial absoluta.


Parte da doutrina chama de competência territorial funcional, com base nas lições de
Chiovenda.

5.1.2. O art. 93 do CDC se limita às ações envolvendo relação de consumo?

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Para o STJ, o art. 93 do CDC não se limita aos direitos individuais homogêneos e
muito menos às demandas que versam sobre relação de consumo. Aplica-se, portanto, a
todas as ações civis públicas.

5.1.3. Competência da Justiça Federal sem vara federal no local do dano:

Para o STF, não se aplica a regra do art. 109, § 3º, da CF, que se limita às ações
previdenciárias. Ademais, o art. 93 do CDC expressamente ressalva a competência da
justiça federal (“Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa
a justiça local:”)

5.1.4. Forum shopping e fórum non conveniens:

➢ Forum shopping: quando há mais de um foro com competência


concorrente. Exemplo: “foro da Capital do Estado ou no do Distrito
Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as
regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente”
(art. 93, II, do CDC).

➢ Fórum non conveniens: à luz da teoria da competência adequada, o juízo


para o qual foi distribuída a ação coletiva, uma vez verificando que outro
juízo com competência concorrente é o mais adequado para julgar o caso,
poderia recusar a prestação jurisdicional. Não tem previsão legal no direito
brasileiro.

5.2. Princípio da indisponibilidade da demanda coletiva:

A Ação Civil Pública é pautada sobre os princípios da obrigatoriedade e da


indisponibilidade. Dessa forma, verificando a existência dos elementos exigidos em lei
para a propositura da Ação Civil Pública, o Ministério Público, diferentemente dos
demais colegitimados, não tem discricionariedade para deixar de agir.

5.2.1. Meios de controle da observância do princípio da indisponibilidade:

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➢ Função atribuída ao Conselho Superior do MP para rever pedido de
arquivamento do inquérito civil, formulado por Promotor de Justiça
(art. 9º e seus parágrafos da Lei 7347/85).

Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências,


se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação
civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das
peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas
serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3
(três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público,
seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as
associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que
serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de
informação.
§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e
deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme
dispuser o seu Regimento.
§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de
arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público
para o ajuizamento da ação.

➢ Legitimidade ativa concorrente dos outros colegitimados, que


poderão propor Ação Civil Pública quando o Ministério Público não
o fizer, caso em que atuará como fiscal da ordem jurídica, na forma
do art. 5º, §1º da Lei 7.347/85.

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação


cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia
mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio
público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica,
à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos
ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte,
atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

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➢ Possibilidade de o MP assumir a titularidade da ação coletiva em caso
de desistência ou abandono da ação pela associação autora (art. 5º, §
3º, da Lei nº 7.347/85):

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por


associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado
assumirá a titularidade ativa.

5.2.2. Princípio da indisponibilidade X independência funcional do MP:

Trata-se de obrigatoriedade temperada, diante do princípio da independência


funcional, pois o órgão de execução do MP (Promotor de Justiça) pode entender que não
é caso de ação coletiva. Nesse caso, após manifestação de arquivamento e remessa dos
autos ao Conselho Superior do MP (art. 9º da Lei nº 7.347/85), este órgão não pode
obrigar o Promotor de Justiça a ingressar com a ACP. Deverá, pois, designar outro
membro para tal desiderato.
Por outro lado, tratando-se de execução/cumprimento de sentença, não há que se
falar em obrigatoriedade temperada, pois o art. 15 da Lei nº 7.347/85 impõe ao MP
promover a execução.

Art. 15. Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da


sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a
execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual
iniciativa aos demais legitimados.

5.2.3. Princípio da indisponibilidade da demanda coletiva e desistência da ação:

O Ministério Público pode desistir da ação coletiva proposta? Como se trata de


uma obrigatoriedade temperada, a doutrina entende que é possível. Entretanto, há
divergência quanto às consequências da desistência. Vejamos as correntes:

➢ 1ª Corrente: aplicação do art. 9º da LACP (envio ao Conselho Superior


do MP);

➢ 2ª Corrente: aplicação do art. 28 do CPP (envio ao PGJ);

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➢ 3ª Corrente: extinção do feito, nos termos do art. 485, VIII, do CPC. É a
corrente mais consentânea com o microssistema de tutela da coletividade,
ou seja, é a primeira.

Por fim, impende destacar que se o MP pode desistir da ação, por via
consequencial, não está obrigado a apelar da sentença.

5.3. Princípio da não-taxatividade e atipicidade da ação e do processo coletivo:

A compreensão deste princípio envolve a inteligência de três importantes


dispositivos legais:

➢ Art. 129, III, da CF: “São funções institucionais do Ministério Público:


III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”. (grifei)

➢ Art. 1º, IV da Lei nº 7.347/85: “Regem-se pelas disposições desta Lei,


sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados: IV - a qualquer outro interesse difuso
ou coletivo”. (grifei).

➢ Art. 83 do CDC: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por


este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela”. (grifei)

Vê-se, assim, que não há uma taxatividade ou tipicidade de ações para a tutela dos
direitos e interesses coletivos. Logo, não é o nome dado à ação que revelará a sua natureza
coletiva, mas sim os direitos tutelados.
É importante registrar ainda que a despeito da redação do art. 3º da Lei nº
7.347/85, é plenamente possível a cumulação de pedido de condenação em dinheiro com
pedido de obrigação de fazer

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Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou
o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

A possibilidade de cumulação, a despeito da conjunção alternativa prevista no


supracitado dispositivo decorre do princípio da não-taxatividade (atipicidade). Vejamos:

INFORMATIVO 526 DO STJ:

Na hipótese de ação civil pública proposta em razão de dano ambiental, é possível que a
sentença condenatória imponha ao responsável, cumulativamente, as obrigações de
recompor o meio ambiente degradado e de pagar quantia em dinheiro a título de
compensação por dano moral coletivo. Isso porque vigora em nosso sistema jurídico o princípio
da reparação integral do dano ambiental, que, ao determinar a responsabilização do agente por
todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, permite a cumulação de obrigações de fazer, de
não fazer e de indenizar. Ademais, deve-se destacar que, embora o art. 3º da Lei 7.347/1985
disponha que "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer", é certo que a conjunção "ou" - contida na citada norma, bem
como nos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981 - opera com valor aditivo, não introduzindo,
portanto, alternativa excludente. Em primeiro lugar, porque vedar a cumulação desses remédios
limitaria, de forma indesejada, a Ação Civil Pública - importante instrumento de persecução da
responsabilidade civil de danos causados ao meio ambiente -, inviabilizando, por exemplo, as
condenações em danos morais coletivos. Em segundo lugar, porque incumbe ao juiz, diante das
normas de Direito Ambiental - recheadas que são de conteúdo ético intergeracional, o qual é
atrelado às presentes e futuras gerações -, levar em conta o comando do art. 5º da LINDB, segundo
o qual, ao se aplicar a lei, deve-se atender "aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum". O corolário desse bem comum é a constatação de que, em caso de dúvida ou outra
anomalia técnico redacional, a norma ambiental demanda interpretação e integração de acordo
com o princípio hermenêutico in dubio pro natura, haja vista que toda a legislação de amparo dos
sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos há sempre de ser compreendida da
maneira que lhes seja mais proveitosa e melhor possa viabilizar, na perspectiva dos resultados
práticos, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. Por fim, a interpretação sistemática
das normas e princípios ambientais leva à conclusão de que, se o bem ambiental lesado for
imediata e completamente restaurado, isto é, restabelecido à condição original, não há que se
falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro, de restauração in
natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no âmbito da
responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado. Por isso não exaure os

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deveres associados aos princípios do poluídor-pagador e da reparação integral do dano. Cumpre
ressaltar que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente
falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado
à coletividade, às gerações futuras e aos processos ecológicos em si mesmos considerados). Em
suma, equivoca-se, jurídica e metodologicamente, quem confunde prioridade da recuperação in
natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de
repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro
(obrigação de dar), e abstenção de uso e nova lesão (obrigação de não fazer). REsp 1.328.753-
MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 28/5/2013.

5.4. Princípio da participação:

“No processo coletivo, existe menor participação no processo e uma maior


participação pelo processo” (Ada Pelegrini Grignover). Isso porque no processo coletivo,
o titular do direito material, via de regra, não tem legitimidade para o processo coletivo,
que fica a cargo dos legitimados extraordinários previstos na lei. Porém, embora não
tenham legitimidade para o processo, serão beneficiados pela sentença proferida no
processo coletivo.

Princípio do ativismo judicial:

O processo coletivo permite uma atuação mais efetiva do julgador. O Brasil adota
um sistema misto (dispositivo e inquisitivo) de estruturação do processo, permitindo,
muitas vezes, atuação de ofício do juiz (ex.: determinação, de ofício, de produção de
prova – art. 370 do CPC).
O princípio do impulso oficial, todavia, está mais relacionado ao impulso oficial,
haja vista que prepondera o princípio do dispositivo (art. 2º do CPC).
Por fim, esse ativismo pode ser extraído de dois dispositivos importantes:

➢ Art. 7º da Lei nº 7.347/85: “Se, no exercício de suas funções, os juízes e


tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura
da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências
cabíveis”.

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➢ Art. 139, X, do CPC: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições
deste Código, incumbindo-lhe: X - quando se deparar com diversas
demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a
Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se
referem o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei
no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a
propositura da ação coletiva respectiva”.

6. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS E LITICONSÓRCIO NO PROCESSO


COLETIVO:

6.1. Assistência:

Prevista nos arts. 121 a 123 do CPC, trata-se de modalidade de intervenção de


terceiros. No âmbito do processo coletivo, a assistência deve ser aferida em dois planos:
a) o dos direitos difusos e coletivos em sentido estrito; b) o dos direitos individuais
homogêneos. Vejamos:

a) Direitos difusos e coletivos em sentido estrito:

Tratando-se de direitos difusos e coletivos em sentido estrito, o particular não


pode ser assistente simples ou litisconsorcial. Contudo, o colegitimado para o processo
coletivo poderá ingressar como assistente. Nesse caso, será uma assistência litisconsorcial
(litisconsórcio unitário facultativo ulterior), pois se trata de colegitimação (art. 5º, § 2º,
da Lei nº 7.347/85).
Tratando-se de colegitimação, pergunta-se: é possível litisconsórcio entre
Ministérios Públicos? Segundo o STJ, é plenamente possível, porém deve-se observar
algumas balizas. Vejamos:

“Em ação civil pública, a formação de litisconsórcio ativo facultativo


entre o Ministério Público Estadual e o Federal depende da
demonstração de alguma razão específica que justifique a presença de
ambos na lide” (STJ, INF 585 - REsp 1.254.428-MG);

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“Pode ser admitido litisconsórcio ativo facultativo entre o Ministério
Público Federal, o Ministério Público Estadual e o Ministério
Público do Trabalho em ação civil pública que vise tutelar pluralidade
de direitos que legitimem a referida atuação conjunta em juízo” (STJ,
INF 549 - REsp 1.444.484-RN).

b) Direitos individuais homogêneos:

Tratando-se de direitos individuais homogêneos, é possível a assistência de


particular, conforme permissão do art. 94 do CDC:

Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de
que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes,
sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social
por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

6.1.1. Assistência em ação popular:

O legitimado ativo na ação popular é o cidadão eleitor (art. 1º, § 3º, da Lei nº
4.717/65). Logo, qualquer outro cidadão poderá ingressar na ação popular como
assistente. Nesse sentido é o § 5º do art. 6º da Lei 4.717/65:

“§ 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou


assistente do autor da ação popular”.

Nesse caso, a assistência também será litisconsorcial.


Questão interessante é saber se o MP poderia ser assistente em ação popular.
Como o MP não possui legitimidade ativa, a primeira ideia é a de que isso não seria
possível. Entretanto, boa parte da doutrina entende que a CF conferiu ao MP uma atuação
multifacetária, razão pela qual não haveria óbice à sua participação, como assistente, na
ação popular. Tal raciocínio é extraído do art. 9º da Lei nº 4.717/65, in verbi:

Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da


instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no
art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao
representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa)
dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
(grifei)

O STJ ainda não julgou caso com esta problemática

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6.2. Intervenção móvel (ou migração polar):

Trata-se da possibilidade que determinada pessoa possui de atuar como assistente


do autor mesmo quando for demandada. É o que ocorre na Ação de Improbidade
Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta
dias da efetivação da medida cautelar.

§ 3o No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério


Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei
no4.717, de 29 de junho de 1965.

Por sua vez, o § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717/65 dispõe:

§ 3º A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato


seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou
poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse
público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Assim, a pessoa jurídica de direito público terá três opções: 1ª) manter-se no polo
passivo e responder à ação; 2ª) abster-se de responder; 3ª) não responder e deslocar-se do
polo passivo para o polo ativo, passando a atuar ao lado do autor.

6.3. Denunciação da lide:

Via de regra é possível em demandas coletivas. Há, entretanto, uma vedação legal
específica, contida no art. 88 do CDC:

Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste código, a ação de
regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a
possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a
denunciação da lide.

Mas o supracitado dispositivo traz mesmo uma hipótese de denunciação da lide?


O art. 13 do CDC refere-se à responsabilidade solidária.

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Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo
anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem
ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante,
produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado
poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis,
segundo sua participação na causação do evento danoso.

Por se tratar de responsabilidade solidária, parte da doutrina defende que não seria
caso de denunciação da lide, mas sim chamamento ao processo. Ademais, embora o art.
13 do CDC esteja inserido na seção que trata da responsabilidade por fato do produto ou
serviço, o entendimento que vem prevalecendo é o de que a proibição do art. 88 do CDC
não se restringe à aludida seção.
Por fim, não se pode perder de vista que a alegação quanto à impossibilidade de
denunciação da lide em demandas envolvendo relação de consumo tem o propósito de
proteger o consumidor. Ressalta-se, então, que se o juiz admitiu e o consumidor não se
insurgiu, não cabe ao fornecedor alegar a regra do art. 88 em seu benefício. É esse o
entendimento do STJ:

INFORMATIVO 592, STJ:

Descabe ao denunciado à lide, nas relações consumeristas, invocar em seu benefício a regra
de afastamento da denunciação (art. 88 do CDC) para eximir-se de suas responsabilidades
perante o denunciante. Cingiu-se a controvérsia em analisar a exclusão de corréu denunciado
à lide em relação consumerista quando a insurgência não é arguida pelo consumidor. De fato, o
Superior Tribunal de Justiça já uniformizou entendimento de que a vedação à denunciação da
lide prevista no art. 88 do CDC não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do
produto (art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil
por acidentes de consumo. Foi propósito do legislador não permitir a denunciação da lide de modo
a não retardar a tutela jurídica do consumidor, dando celeridade ao seu pleito indenizatório,
evitando a multiplicação de teses e argumentos de defesa que dificultem a
identificação da responsabilidade do fornecedor do serviço. Assim, se, de um lado, a
denunciação da lide (CPC/1973, art. 70) é modalidade de intervenção de terceiros que favorece
apenas o réu denunciante (fornecedor, no caso), na medida em que este objetiva a
responsabilização regressiva do denunciado, de outro lado, a norma do art. 88 do CDC

18
consubstancia-se em regra insculpida totalmente em benefício do consumidor, atuando em prol
do ressarcimento de seus prejuízos o mais rapidamente possível, em face da responsabilidade
objetiva do fornecedor. Na hipótese, porém, de deferimento da denunciação sem insurgência
do consumidor legitimado a tal, opera-se a preclusão, sendo descabido ao corréu fornecedor
invocar em seu benefício a regra de afastamento da denunciação. Trata-se de direito subjetivo
público assegurado ao consumidor para a facilitação de sua defesa. REsp 913.687-SP, Rel. Min.
Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 11/10/2016, DJe 4/11/2016.

6.3. Chamamento ao processo, incidente de desconsideração da personalidade


jurídica e amicus curiae:

Todas as demais modalidades de intervenção de terceiros são plenamente


admitidas. Não há nenhuma peculiaridade para o processo coletivo.

7. LEGITIMIDADE:

A legitimidade para o processo coletivo encontra-se prevista nos arts. 5º da Lei nº


7.347/85 e 82 do CDC.
Quanto à natureza jurídica da legitimidade ativa, há três correntes:

➢ 1ª corrente: Trata-se de legitimação extraordinária por substituição


processual. Os legitimados agem em nome próprio na defesa de interesses
alheios. (BARBOSA MOREIRA)

➢ 2ª corrente: Trata-se de legitimação ordinária. Tal teoria busca explicar a


legitimidade das associações para a defesa dos fins associativos. Defende
que ao ajuizar uma ação coletiva, o legitimado defende, em nome próprio,
um interesse também próprio. (KAZUO WATANABE)

➢ 3ª corrente: Trata-se de legitimação autônoma. Para esta corrente, a


legitimidade extraordinária se refere às ações individuais. Isso porque nas
ações coletivas não se pode identificar o titular do direito. Logo, a
legitimidade é autônoma. (NELSON NERY JR)

19
Vem prevalecendo na doutrina e na jurisprudência a 1ª corrente (legitimação
extraordinária por substituição processual). Contudo, em relação às associações, veremos
mais adiante que há duas situações que não podem ser confundidas.

7.1. Legitimados:

7.1.1. Cidadão:

Sua legitimação é limitada à ação popular (art. 1º, caput, da Lei 4.717/65);

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou


a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do
Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas,
de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de
sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados
ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de
instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público
haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do
patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio
da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de
quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres
público

7.1.2. Ministério Público:

A legitimidade decorre das suas atribuições institucionais (art. 129, III, CF; art.
5º, I, da Lei nº 7347/85; art. 82, I, do CDC).

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


(...);
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.

Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, o Ministério Público tem


legitimidade para ajuizar ação coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos. Para
a doutrina, tal possibilidade deve observar dois requisitos: a) tratar-se de direito
indisponível; ou b) quando for direito disponível e houver repercussão social.

INFORMATIVO 563 DO STJ

20
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MP PARA AJUIZAR AÇÃO
COLETIVA EM DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DOS
BENEFICIÁRIOS DO SEGURO DPVAT. O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar
ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro
DPVAT. Isso porque o STF, ao julgar o RE 631.111-GO (Tribunal Pleno, DJe 30/10/2014),
submetido ao rito do art. 543-B do CPC, firmou o entendimento de que Órgão Ministerial tem
legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos
dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado presente na tutela
jurisdicional das vítimas de acidente de trânsito beneficiárias pelo DPVAT, bem como as
relevantes funções institucionais do MP. Consequentemente, é imperioso o cancelamento da
súmula 470 do STJ, a qual veicula entendimento superado por orientação jurisprudencial do STF
firmada em recurso extraordinário submetido ao rito do art. 543-B do CPC. REsp 858.056-GO,
Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 27/5/2015, DJe 5/6/2015.

Por outro lado, o STJ entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade
para ajuizar ação coletiva objetivando obter informações de consumidores protegidas pelo
sigilo bancário. Isso porque trata-se de interesse personalíssimo que diz respeito ao
próprio consumidor.

INFORMATIVO 607 DO STJ

O exercício da legitimação extraordinária, conferida para tutelar direitos


individuais homogêneos em ação civil pública, não pode ser estendido para abarcar a
disposição de interesses personalíssimos, tais como a intimidade, a privacidade e o sigilo
bancário dos substituídos. O ponto nodal da discussão consiste em analisar a possibilidade de o
Ministério Público, na condição de legitimado extraordinário em ação civil pública, obter
informações de consumidores protegidas pelo sigilo bancário, com o objetivo de colher provas
que demonstrem a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições
financeiras. Inicialmente, cabe salientar que a relação nominal de clientes que contrataram
determinadas operações num período temporal determinado, encaixa-se com perfeição no dever
de sigilo definido na legislação complementar específica. Muito embora não se trate de proteção
absoluta, as limitações impostas ao dever legal de sigilo devem ser interpretadas de forma
restritiva e sempre com muita prudência. Assim, se, por um lado, é fato que o sigilo bancário deve
ceder quando contrastado com as legítimas expectativas de obtenção de receitas públicas ou com

21
o exercício monopolista do poder sancionador do Estado, nos casos de prática de ilícitos penais e
administrativos. Por outro lado, não se pode ignorar que as informações prestadas no bojo de
processos judiciais ou administrativos deve observar a restrição de acesso às partes, que delas não
podem "servir-se para fins estranhos à lide" (art. 3º, da LC n. 105/2001). Observe-se que, quando
não se está diante de qualquer conduta imputável ao cliente bancário, mas de mera tutela de
interesse do consumidor, não se olvida que a proteção do sigilo possa ser objeto de afastamento
em benefício do titular do direito, uma vez que não pode a instituição financeira negar acesso
àquelas informações a seu cliente. Isso porque a proteção é instaurada em prol do consumidor,
daí que, por consequência lógica, não pode ser a ele mesmo oposta. Por outra via, porém, não se
pode pretender alargar a legitimidade para o afastamento temporário do sigilo legalmente
assegurado, a fim de abarcar o Ministério Público, enquanto autor de uma ação civil pública, a
dispor de uma garantia personalíssima e requerer a divulgação irrestrita de dados protegidos.
Ainda que o intuito declarado pelo parquet seja tão somente o de colher provas que demonstrem
a utilização reiterada da venda casada como prática de mercado pelas instituições financeiras, não
se pode chancelar tamanha invasão indiscriminada à intimidade do consumidor. Desse modo,
enquanto legitimado extraordinário, não é dado ao MP atuar de forma dispositiva, abrindo mão
de interesses personalíssimos, em nome de quem é por ele substituído na demanda. Por fim, deve-
se ainda assentar que a publicidade que deve ser dada à propositura de ação civil pública não tem
a propriedade de flexibilizar direitos a privacidade e intimidade com intuito, ao fim e ao cabo, de
facilitar o trabalho investigativo do parquet, aproveitando-se da natural assimetria de poder do
Estado frente os particulares. REsp 1.611.821-MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por
unanimidade, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017.

7.1.3. Associações:

Trata-se de legitimação que decorre de previsão expressa dos arts. 5º, V, da Lei nº
7.347/85 e 82, IV, do CDC. Para que a associação proponha uma ação coletiva, devem
ser observados três requisitos:

➢ Constituição nos termos da lei civil: registro perante o Registro Civil das
P.Js;

➢ Existência jurídica há pelo menos 1 ano: Exceção:

22
“O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz,
nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, OU pela relevância do bem jurídico a
ser protegido” (art. 82, § 1º, do CDC). (grigei)

➢ Pertinência temática: os interesses tutelados devem ser afins aos


interesses sociais da associação, conforme previsão estatutária (ex.:
associação dos produtores de algodão não tem, em tese, legitimidade para
ajuizar ação coletiva para discutir questões envolvendo direitos dos
consumidores).

➢ Representação adequada (adequacy of representation): No direito


norte-americano, além da pertinência temática, exige-se a chamada
representação adequada, ou seja, a demonstração de que o legitimado
tenha essa adequação representativa.

Segundo Eurico Ferraresi, “o requisito da representatividade adequada tem origem


no sistema da common law, apresentando-se como uma decorrência natural da proteção
do due process. Os países do common law exigem que o autor coletivo represente
adequadamente os interesses do grupo, diante da ausência dos interessados não
identificados e que sequer serão ouvidos em juízo. Por este motivo, é que os tribunais
redobram a atenção no momento de verificarem a capacidade do autor coletivo”.1
Com efeito, podem ser apontados dois grandes sistemas de aferição da
representatividade adequada:

➢ Ope iudicis: o controle da representatividade é feito pelo juiz (países da


common law);

➢ Ope legis: a lei define a pertinência, e o juiz controla apenas a existência


dos requisitos legais (países da civil law). Pela leitura do art. 82, § 1º do
CDC, é o sistema adotado no Brasil.

1
10. FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança
coletivo: instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.112.

23
Não obstante a redação do § 1º do art. 82 do CPC, o STJ vem, a cada dia, exigindo
maior representatividade do autor da ação coletiva.

INFORMATIVO 572 DO STJ

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AFASTAMENTO DE OFÍCIO DA PRESUNÇÃO DE


LEGITIMAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO COLETIVA.
Quando houver sintomas de que a legitimação coletiva vem sendo utilizada de forma
indevida ou abusiva, o magistrado poderá, de ofício, afastar a presunção legal de legitimação
de associação regularmente constituída para propositura de ação coletiva. Embora o
anteprojeto da Lei 7.347/1985, com inspiração no direito norte-americano, previsse a verificação
da representatividade adequada das associações (adequacy of representation) ao propor que a
legitimação fosse verificada no caso concreto pelo juiz, essa proposição não prevaleceu. O
legislador optou por indicar apenas quesitos objetivos: a) estar a associação constituída há pelo
menos 1 ano; e b) incluir, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. Nesse passo, segundo entendimento doutrinário, o legislador
instituiu as ações coletivas visando tutelar interesses metaindividuais, partindo da premissa de
que são, presumivelmente, propostas em prol de interesses sociais relevantes ou, ao menos, de
interesse coletivo do legitimado ativo que se apresenta, ope legis, como representante idôneo do
interesse tutelado. De outro lado, ressalte-se que, muito embora a presunção iuris et de iure seja
inatacável - nenhuma prova em contrário é admitida -, no caso das presunções legais relativas
ordinárias admite-se prova em contrário, apreciadas segundo o critério ou sistema de provas das
leis processuais. Por isso, de regra, toda presunção legal permite prova contrária. Assim, segundo
entendimento doutrinário, "qualquer regra jurídica pode pôr a presunção e há de entender relativa,
se a regra, que a criou, não diz que é absoluta, isto é, se explícita ou implicitamente, não exclui a
prova em contrário". Ciente disso, convém mencionar que o art. 125, III, do CPC (correspondente
ao art. 139, III, do CPC/2015) estabelece que é poder-dever do juiz, na direção do processo,
prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça. Nessa esteira de entendimento,
o STF (AI 207.808 AgR-ED-ED, Segunda Turma, DJ 8/6/2001) já se manifestou no sentido de
que o magistrado deve repelir situações que culminem por afetar - ausente a necessária base de
credibilidade institucional - o próprio coeficiente de legitimidade político-social do Poder
Judiciário. Portanto, contanto que não seja exercido de modo a ferir a necessária imparcialidade
inerente à magistratura, e sem que decorra de análise eminentemente subjetiva do juiz, ou mesmo
de óbice meramente procedimental, é plenamente possível que, excepcionalmente, de modo

24
devidamente fundamentado, o magistrado exerça, mesmo que de ofício, o controle de idoneidade
(adequação da representatividade) para aferir/afastar a legitimação ad causam de
associação. REsp 1.213.614-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1º/10/2015, DJe
26/10/2015.

7.1.3.1. Natureza jurídica da legitimidade da associação:

A natureza jurídica dependerá do tipo de ação ajuizada pela associação. Isso


porque o STF entendeu que as associações não agem em substituição processual, mas
sim como representantes do associado que deu expressa autorização para a
propositura da ação (STF, INF 746 - RE 573232/SC). Tal entendimento é fruto da
interpretação feita ao art. 5º, XXI, da CF/88.

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas,


têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou
extrajudicialmente.

A autorização, segundo o STF, pode ser expressa e individualizada ou


mediante votação em assembleia. Contudo, não é admissível a mera previsão, de
forma genérica, de autorização no estatuto social.
Se, após o ajuizamento da ação coletiva, a associação vier a ser dissolvida, não
será possível a sua sucessão processual, no polo ativo, por outra associação, ainda que os
interesses discutidos na ação coletiva sejam comuns a ambas (STJ, INF 570 - REsp
1.405.697-MG). Basta notar que os associados autorizaram a primeira associação, não a
segunda que está pretendendo suceder aquela.
Ainda em relação à legitimidade ativa, para o STJ, a associação não tem
legitimidade para defender os interesses dos associados que vierem a se agregar, somente
após o ajuizamento da ação de conhecimento. Isso significa que somente os associados à
época da propositura da ação poderão se beneficiar com a sentença coletiva.
Por fim, entende o STJ, ainda, que o servidor não filiado não detém legitimidade
para executar individualmente a sentença de procedência oriunda de ação coletiva -
diversa de mandado de segurança coletivo - proposta por associação de servidores (STJ,
INF 565 - REsp 1.374.678-RJ).
Analisados os principais aspectos da legitimidade das associações, pergunta-se:
em qualquer tipo de ação coletiva a atuação da associação se dará como representante dos

25
associados? A resposta há de ser negativa. Isso porque o art. 5º, LXX, da CF, prevê que
“o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com
representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em
defesa dos interesses de seus membros ou associados” (grifei).
Note que o dispositivo não exige autorização dos associados para a impetração do
MS coletivo pela associação. Isso significa que quando se tratar de MS coletivo, a
associação não atuará como representante dos associados, mas sim como verdadeira
substituta processual (legitimação extraordinária).

7.1.4. Pessoas jurídicas da administração pública:

Tem legitimidade para ajuizar ação coletiva as pessoas jurídicas que compõem a
administração púbica direta e indireta. A legitimidade da União, Estados, Municípios e
Distrito Federal está prevista nos arts. 5º, III, da Lei nº 7.347/85 e 82, II, do CDC. Já a
legitimidade das empresas públicas e sociedades de economia mista está prevista nos arts.
5º, IV, da Lei nº 7.347/85 e 82, III, do CDC.
A doutrina majoritária entende que em se tratando de pessoa jurídica da
administração pública, direta ou indireta, deve haver a demonstração da pertinência
temática para que a legitimidade seja admitida. Exige-se, assim, a pertinência entre o
interesse tutelado e os limites territoriais de atuação da pessoa jurídica ou de suas
finalidades institucionais.

7.1.5. Defensoria Pública:

A legitimidade da Defensoria Pública está prevista no art. 5º, II, da Lei nº


7.347/85. Parte da doutrina enxerga no inciso do III do art. 82 do CDC (“órgãos da
administração pública”) também a legitimidade da Defensoria Pública para o processo
coletivo.
A despeito da controvérsia que se formou sobre o tema, o STF, na ADI 3.943/DF
reconheceu a constitucionalidade da previsão legal da legitimidade da Defensoria
Pública.

26
O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar os requisitos legais para a atuação
coletiva da Defensoria Pública, encampa exegese ampliativa da condição jurídica de
"necessitado", de modo a possibilitar sua atuação em relação aos necessitados jurídicos
em geral, não apenas dos hipossuficientes sob o aspecto econômico. (AgInt no REsp
1510999/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 08/06/2017, DJe 19/06/2017).
Com efeito, à luz do entendimento do STJ, podem ser apontadas, dentre outras, as
seguintes hipóteses de legitimidade da Defensoria Pública:

➢ ACP em defesa de direitos difusos, coletivos, e individuais homogêneos


(STF, ADI n. 3.943/DF);

➢ ACP para discutir regras de edital de vestibular (AgInt no REsp


1573481/PE);

➢ ACP para discutir cláusulas contratuais de planos de saúde, na defesa


de idosos (EREsp 1192577/RS);

➢ ACP para defender interesses difusos, coletivos em sentido estrito e


individuais homogêneos de consumidores lesados em razão de
relações firmadas com as instituições financeiras (AgRg no REsp
1572699/MT);

➢ Legitimidade da DPU para propor ação civil pública em defesa de


direitos individuais homogêneos, a exemplo dos mutuários do SFH
(STJ, REsp 1449416/SC).

8. COISA JULGADA:

8.1. Conceito:

Coisa julgada é a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito


não mais sujeita a recurso (art. 502 do CPC).

27
8.2. Regime jurídico da coisa julgada coletiva:

O regime jurídico da coisa julgada coletiva é extraído do art. 103 do CDC, que
funciona como regra geral do microssistema da tutela coletiva. Vejamos as hipóteses:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de


provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com
idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo
único do art. 81:

Trata-se de coisa julgada erga omnes e secundum eventum probationis. Será


formada nos processos envolvendo direitos difusos. Isso significa que se o pedido for
julgado improcedente por insuficiência de provas, será possível a repropositura da ação.
Seria, então, possível que o mesmo autor da primeira ação ajuizasse nova ação
com prova nova? Tendo em vista a ausência de proibição legal, doutrina majoritária
defende que sim. Logo, julgado improcedente o pedido por insuficiência de prova, será
possível a repropositura da ação por qualquer legitimado, inclusive o autor da primeira
ação.
Não se pode perder de vista que a repropositura da ação depende de prova nova
capaz de possibilitar uma nova análise quanto ao direito discutido (mérito). Note que ao
prever o regime secundum eventum probationis o legislador buscou proteger o valor
justiça em detrimento do valor segurança jurídica.
É entendimento doutrinário, ainda, que a insuficiência de prova não precisa
constar do dispositivo da sentença; basta decorrer do conteúdo, como um todo, da decisão
de mérito. Em outras palavras, fundamentando o juiz a improcedência na ausência de
provas, a coisa julgada será secundum eventum probationis. Não precisa constar
expressamente no dispositivo “julgo improcedente por ausência de provas”.

II - ultrapartes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo


improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se
tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81:

28
Trata-se de coisa julgada ultra partes e secundum eventum probationis. Será
formada nos processos envolvendo direitos coletivos em sentido estrito (por isso
ultrapartes e não erga omne).
Aplica-se, aqui, tudo o que foi dito no inciso anterior.
Registre-se, contudo, que o § 1º do art. 103 do CDC dispõe que os efeitos da coisa
julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos
integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as
vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81:

A doutrina diverge quanto ao regime de coisa julgada nas ações coletivas


envolvendo direitos individuais homogêneos. O STJ, entretanto, firmou entendimento no
sentido de que nas ações coletivas intentadas para a proteção de interesses ou direitos
individuais homogêneos, a sentença fará coisa julgada erga omnes apenas no caso de
procedência do pedido. No caso de improcedência, os interessados que não tiverem
intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título
individual. Em outras palavras, tratando-se de direitos individuais homogêneos, a
improcedência do pedido, ainda que por ausência de prova, impede a repropositura da
ação coletiva, permitindo-se, tão somente, o ajuizamento de ações individuais por parte
daqueles que não atuaram como assistentes na ação coletiva.

RECLAMAÇÃO. PROCESSO COLETIVO. DIREITOS


INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EFEITO VINCULANTE.
INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO SUPOSTAMENTE
DESRESPEITADO. AUTORIDADE. CIRCUNSCRIÇÃO AO CASO
CONCRETO. SUCEDÂNEO DE RECURSO. DESCABIMENTO. 1.
Reclamação proposta com fundamento no art. 105, I, "f", da
Constituição Federal, contra decisão proferida pelo Juízo da 6ª Vara
Cível da Comarca de Natal/RN, rejeitando a preliminar de coisa julgada
e determinando o regular processamento de demanda coletiva. 2.
Acórdão desta Corte Superior no qual se decidiu que a improcedência
de ação coletiva intentada para a proteção de direitos individuais
homogêneos, não importando se resultante ou não de insuficiência
probatória, impede a repropositura de demanda coletiva com o mesmo
objeto, resguardado o direito dos interessados que não tiverem
intervindo no processo como litisconsortes de propor ação de
indenização a título individual. 3. A reclamação fundada no art. 105, I,
"f", da Constituição Federal não se presta à reforma de decisões
contrárias à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. É

29
impossível estender a autoridade da decisão proferida por esta Corte a
todas as demais ações em curso nos outros Estados da Federação e no
Distrito Federal, seja porque não dotado o acórdão de efeito vinculante,
seja por envolver, formalmente, processos distintos submetidos a
diferentes órgãos jurisdicionais. 5. Reclamação não conhecida. Pedido
de reconsideração prejudicado. (Rcl 32.937/RN, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
28/06/2017, DJe 01/08/2017).

Trata-se de entendimento que decorre do texto dos §§ 2º e 3º do art. 103 do CDC,


in verbis:

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do


pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como
litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com


o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as
ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas
individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente
o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão
proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

Note, assim, que em caso de procedência, a coisa julgada será erga omnes, pois
beneficiará os indivíduos que foram lesados pelo ato que gerou a propositura da ação
coletiva. Trata-se da chamada extensão dos efeitos da coisa julgada ao plano individual
in utilibus, ou seja, o indivíduo poderá se valer da coisa julgada para requerer, no plano
individual, a liquidação e execução (cumprimento) da sentença coletiva.
Essa possibilidade de aproveitamento da coisa julgada coletiva no plano
individual é denominada de transporte in utilibus da coisa julgada e será estudado no
próximo item:

8.3. Transporte in utilibus da coisa julgada:

Ao propor a ação sobre direitos coletivos em sentido estrito ou direitos individuais


homogêneos, os autores de eventuais ações individuais serão informados da propositura
da ação coletiva. A partir da ciência, terão o prazo de 30 dias para requererem a suspensão
da ação individual, a fim de que possam ser beneficiados pelos efeitos de eventual
procedência da ação coletiva. Caso o autor da ação individual não requeira a suspensão

30
desta, não poderá ser beneficiado pelos efeitos da coisa julgada produzidos na ação
coletiva.
É o que se infere do texto do art. 104 do CDC. Vejamos:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo


único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais,
mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem
os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das
ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta
dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

O art. 104 do CDC revela dois importantes sistemas:

➢ Sistema opt-in: quando o indivíduo requer a suspensão, no prazo de 30


dias, da sua ação individual para que possa se beneficiar dos efeitos de
eventual sentença coletiva de procedência. Trata-se de sistema que
permite a inclusão do indivíduo como beneficiário dos efeitos da coisa
julgada coletiva.

➢ Sistema opt-out: se o indivíduo não quiser aguardar o resultado do


processo coletivo, basta não requerer a suspensão do seu processo
individual no prazo de 30 dias. Estará ele exercendo o que a doutrina
chama de direito à autoexclusão do processo coletivo.

8.4. Limitação territorial da coisa julgada:

Os efeitos da coisa julgada coletiva estão limitados ao âmbito territorial do órgão


prolator da decisão? Pela leitura do art. 16 da Lei nº 7.347/85, sim. Vejamos:

Art. 16 da LACP: “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos
limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido
for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova”.

O referido dispositivo, cuja redação é fruto da alteração promovida pelo art. 2º da


Lei nº 9.494/97 (que disciplina a tutela antecipada contra a fazenda pública) tem o claro

31
objetivo de proteger a Fazenda Pública. A mesma regra consta do art. 2º-A da Lei nº
9.494/97.
Trata-se de regra muito criticada, pois apresenta uma limitação territorial à coisa
julgada, o que não poderia existir, haja vista o direito tutelado (transindividual) e a
necessidade de unidade da jurisdição e do próprio direito.
Num primeiro momento, a 2ª Seção do STJ, no EREsp 411.529/SP, entendeu quo
art. 16 aplicar-se-ia a qualquer espécie de direito tutelado pelo microssistema coletivo,
inclusive o direito individual homogêneo. O entendimento que vinha prevalecendo,
portanto, era o da aplicação literal do art. 16 (limitação territorial);
A Corte Especial do STJ, no REsp 1.243.887/PR, Rel. Luís Felipe Salomão, fez
uma interpretação do art. 16 da LACP, à luz dos arts. 93 e 103 do CDC, para afastar a
limitação territorial. Segundo o Relator, o aludido dispositivo confunde institutos
jurídicos (coisa julgada e competência territorial) e é incompatível com a natureza dos
direitos tutelados.
Esta é a posição atual do STJ (ausência de limitação territorial) dos efeitos da coisa
julgada coletiva.

DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS
METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO X
BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.
EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL. FORO COMPETENTE.
ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA
SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL.
IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO
AOS ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA
JULGADA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. A liquidação e a
execução individual de sentença genérica proferida em ação civil
coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário,
porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a
lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi
decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano
e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468,
472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC). 1.2. A sentença genérica proferida
na ação civil coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o
Banestado ao pagamento dos chamados expurgos inflacionários sobre
cadernetas de poupança, dispôs que seus efeitos alcançariam todos os
poupadores da instituição financeira do Estado do Paraná. Por isso
descabe a alteração do seu alcance em sede de liquidação/execução
individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim, não se
aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n. 9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori Albino Zavascki.

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3. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp
1243887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE
ESPECIAL, julgado em 19/10/2011, DJe 12/12/2011).

8.5. Coisa julgada na ação de improbidade administrativa:

A doutrina majoritária faz a seguinte divisão:

➢ Em relação ao capítulo da sentença que condena o réu ao


ressarcimento ao erário: aplica-se o microssistema coletivo. A coisa
julgada será secundum eventum probationis. Logo, se o pedido for julgado
improcedente por ausência de prova, será possível o ajuizamento de nova
ação para se buscar o ressarcimento ao erário.

➢ Em relação ao capítulo da sentença que condena o réu às demais


sanções do art. 12 da Lei nº 8.429/92: Segue a regra da coisa julgada
individual comum. Mesmo que o pedido seja julgado improcedente por
ausência de prova, não será admitida a propositura de uma nova ação de
improbidade. Não incide a regra da coisa julgada secundum eventum
probationis.

8.6. Coisa julgada no mandado de segurança coletivo:

O mandado de segurança coletivo está previsto na Lei nº 12.016/09. Para se


compreender o regime de coisa julgada, primeiro se deve analisar a legitimidade para a
impetração do mandamus.
Dispõe o art. 21 da Lei nº 12.016/09:

Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por


partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa
de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade
partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação
legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano,
em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos
seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que
pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização
especial.

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Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança
coletivo podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou
categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma
relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os
decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da
totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Note que pelo dispositivo supracitado, o mandado de segurança coletivo poderá


tutelar direitos coletivos em sentido estrito ou direitos individuais homogêneos, não
havendo previsão quanto à tutela de direitos difusos.
Quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, nada há de novo, pois o art. 22 da
Lei nº 12.016/09 “no mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada
limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante”.
O problema do mencionado dispositivo reside na omissão quanto ao regime da
coisa julgada. Seria secundum eventum litis ou secundum eventum probationis?
Para Daniel Amorim Assumpção Neves, o regime da coisa julgada no mandado
de segurança coletivo será secundum eventum probationis, sendo, portanto, admissível a
repropositura da ação com fundamento em prova nova. Contudo, em relação às pretensões
individuais, a coisa julgada será secundum eventum litis, pois caso a segurança seja
negada no mandado de segurança coletivo (improcedência), tal resultado não atinge as
pretensões individuais, podendo, então, os indivíduos impetrar mandado de segurança
individual, desde que observado o prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias2.
No mesmo sentido é a doutrina da Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr3.

9. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO DA SENTENÇA COLETIVA:

9.1. Conceito e natureza da liquidação:

2
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo, volume único, 3ª
edição, revista e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 368-370.
3
DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil, volume 4, 11ª
edição. Salvador: Juspodivm, 2017, p.439-441.

34
A sentença proferida em processo coletivo é um título executivo judicial (art. 515
do CPC). Nas ações coletivas, a sentença será, via de regra, genérica (art. 95 do CDC).
Logo, será necessária a sua prévia liquidação antes de se iniciar a fase de cumprimento
(execução).
Quando se tratar de execução coletiva, a liquidação terá por objetivo a aferição do
quantum debeatur. Contudo, quando se tratar de liquidação individual da sentença
coletiva, a liquidação ganha contornos mais amplos. É que a liquidação servirá, a um só
tempo, para a aferição da titularidade do crédito (o indivíduo deve demonstrar que foi
atingido pelo ato e, consequentemente, beneficiado pela sentença coletiva) assim como
aferição do quantum debeatur.
Diante dessa peculiaridade, é que a doutrina a denomina de liquidação
imprópria.

9.1. Legitimidade:

Estão legitimados ao pedido de liquidação tanto o credor quanto o devedor


(vencedor e vencido do processo).

9.2. Competência:

O órgão jurisdicional competente depende do momento em que a liquidação é


requerida.

➢ Iniciado o processo executivo e havendo necessidade de liquidação


incidental, a competência será do próprio juízo da execução.

➢ Tratando-se de liquidação que não se dá nos mesmos autos da ação de


conhecimento (ex.: liquidação individual de sentença coletiva), a
competência será do juízo competente para a execução. Assim, deverá a
parte verificar, em primeiro lugar, qual o juízo competente para o seu
pedido de execução. Verificada a competência, esse mesmo juízo será o
competente para a liquidação.

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➢ Tratando-se de liquidação como fase subsequente à fase de
conhecimento, por uma questão óbvia, a competência será do juízo que
processou e julgou o feito (competência funcional).

9.3. Liquidação quando se tratar de direitos difusos e coletivos em sentido estrito:

A sentença proferida em ação coletiva que verse sobre direitos difusos e coletivos
em sentido estrito pode ser líquida ou ilíquida, independentemente de o autor ter
formulado pedido determinado ou genérico.
Sendo a sentença ilíquida, a execução pressupõe a prévia liquidação, que será por
arbitramento ou artigos.

9.4. Liquidação quando se tratar de direitos individuais homogêneos:

Tratando-se de direitos individuais homogêneos, a sentença será, via de regra,


ilíquida. Isso porque não se pode precisar qual o valor devido a cada indivíduo atingido
pelo ato. A sentença genérica, nos direitos individuais homogêneos, é a melhor saída, a
fim de se permitir maior efetividade aos direitos protegidos.
Não obstante, é possível que em uma determinada ação coletiva, o valor da
indenização dependa apenas de mero cálculo aritmético, a ser realizado por cada
indivíduo. Nesse caso, a fase de liquidação é dispensável, nos termos do § 2º do art. 209
do CPC (“Quando a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético, o credor
poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença”). Isso, contudo, não retira o
caráter “genérico” da sentença que versa sobre direitos individuais homogêneos.

10. EXECUÇÃO

Uma vez liquidada a sentença coletiva, o seu beneficiário poderá requerer a


execução (cumprimento de sentença). São, basicamente, quatro regimes de execução da
sentença coletiva. Vejamos objetivamente:

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➢ Execução coletiva: tratando-se de sentença coletiva fundada em direitos
difusos ou coletivos em sentido estrito, a execução será, via de regra,
coletiva, ou seja, o legitimado extraordinário requererá o cumprimento da
sentença, objetivando a satisfação do direito reconhecido na sentença. O
ideal é que a execução possibilite a obtenção de uma tutela específica (ex.:
tutela inibitória ou obrigação de fazer). Quando a execução tiver por objeto
a obrigação de pagar quantia certa, o valor auferido deverá ser revertido
para a pessoa jurídica de direito público lesada ou, quando não for o caso,
o valor será revertido ao fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85.

➢ Execução individual: quando se tratar de execução de sentença coletiva


fundada em direitos individuais homogêneos, a execução será realizada
individualmente pelos beneficiados pela sentença. Caberá ao indivíduo
requerer a liquidação da sentença e, consequentemente, execução, que
seguirá as regras de cumprimento de sentença previstas no CPC.

➢ Execução por fluid recovery: muitas vezes a aferição do quantum


dependem da iniciativa do próprio indivíduo atingido pelo ato lesivo e
beneficiado pela sentença coletiva. Contudo, é possível que, na prática,
tais indivíduos não tenham interesse na execução (ex.: o valor que será
aferido na liquidação será muito pequeno, considerando-o
individualmente). Note que o valor poderá ser irrisório quando
considerado individualmente, mas não quando considerado coletivamente.
Eis a razão de ser da execução por fluid recovery. Estabelece o art. 100 do
CDC que “decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados
em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados
do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida”.
Nesse caso, o produto da indenização devida reverterá para o fundo criado
pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985 (art. 100, parágrafo único, do
CDC).

O art. 100 do CDC criou uma espécie de legitimação extraordinária subsidiária,


pois somente pode ser exercia após 1 ano.

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➢ Execução pseudocoletiva: o STF entende que os legitimados do art. 82
do CDC têm legitimidade tanto para a ação de conhecimento quanto para
a liquidação e execução, ainda que a ação verse sobre direitos individuais
homogêneos. Note que, em verdade, uma vez sentenciado, o interesse
passa a ser puramente individual. Diante disso, a doutrina chama essa
forma de execução pseudocoletiva (ou execução individual plúrima)

Impende destacar que ainda que transcorrido o prazo de um ano (art. 100 do CDC),
o lesado poderá requerer a liquidação e execução no plano individual. A inobservância
do referido prazo não gera perda do direito à liquidação e execução individual, mas apenas
compõe o suporte para o exercício da legitimação extraordinária subsidiária.
Por fim, registre-se que o STF firmou entendimento no sentido de que a liquidação
e execução dos acórdãos por ele proferidos em ações coletivas devem ser realizadas
perante o juízo de primeiro grau. Em outras palavras, não compete ao STF processar a
liquidação e execução de acórdão por ele proferidos em ações coletivas.

Questão de ordem em cumprimento de sentença em mandado de


segurança. Artigo 102, I, m, da CF/88. Interpretação teleológica.
Ausência de competência, no caso, para processar a demanda. Questão
de ordem resolvida pela incompetência da Corte. 1. Para atração da
competência da Corte com base na alínea m do art. 102, I, da CF/88
(execução de seus julgados), se faz necessário perquirir sobre a
manutenção da ratio que justificou, até a prolação da sentença, o exame
da demanda pela Corte. 2. Questão de ordem resolvida no sentido de
que não compete originariamente ao STF a execução individual de
sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em
sede mandamental coletiva, cabendo essa atribuição aos órgãos
competentes de primeira instância. 3. Aplicação do entendimento, no
caso, da remessa dos autos ao juízo federal de primeira instância. (Pet
6076 QO, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado
em 25/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 25-
05-2017 PUBLIC 26-05-2017)

11. CONCLUSÃO

O presente material não tem a pretensão de esgotar as discussões travadas no


âmbito da disciplina direito processual coletivo. Contudo, buscaram-se apresentar os
principais temas e discussões que vêm sendo objeto de arguição em provas de concurso,

38
servindo, ainda, de material de apoio para revisão do conteúdo ministrado em sala de aula
no curso CPIURIS.

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