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Modernidade, Pós Modernidade e Cultura de Massa: Reflexões sobre Colonialidade e

Emancipação
John Lennon Lima e Silva1

A importância do trabalho de Mignolo – Colonialidade, o lado mais escuro da


modernidade- nos permite entender sobre o fenômeno da modernidade e suas manifestações a
nível global. Essa avaliação é pontuada, sobretudo, pela compreensão dos estudos pautados na
complexidade de um conceito que se apresenta intimamente ligado aos processos de
colonização e descolonização. Para isso, o texto se pontua primeiramente a entender uma
concepção nova, carregada de simbologia e elementos importantes: que é a colonialidade.

Deste modo, Mignolo reflete sobre essa nova perspectiva, a partir das causas que
levaram a sua existência, se lançando na estruturação baseada no questionamento modernidade
x colonialidade. Assim, o autor enfatiza que não se pode entende-las separadamente,
introduzindo as orientações de acordo com a compreensão do que o texto intitula de Matriz
Colonial de Poder, que pressupõe um olhar da perspectiva colonizadora, e, portanto, europeia,
determinada através da sua narrativa desde o século XV, no chamado Renascimento até a sua
consolidação no século XXI.

Sendo assim, o autor divide seu entendimento dentro de dois cenários: um denominado
policentrico e não capitalista, e, portanto, nascente de uma variação de forças atuantes, que
coexistiam com autonomia um do outro. Além de um cenário contemporâneo, ligado pela
economia capitalista, que se conecta e determina o fenômeno da globalização. A partir desse
ponto, a conceituação estabelecida nos permite conhecer melhor os processos de construção da
figura nacionalista e pós nacionalista, que no texto é trabalhada separadamente com o intuito
de caracterizar as particularidades desse fenômeno tanto do lado Europeu, como do lado
colonial. O pós- nacionalismo para os não europeus, é perpetuado como um movimento de
resistência as manifestações globais em pró de um nacionalismo que orienta os movimentos por
identidade locais, buscando desvincular a ideia de uma única modernidade dominante.

1
Historiador, especialista em história contemporânea e mestrando em Psicologia Social pela Universidade Federal
do Pará – Brasil
ORCID - https://orcid.org/0000-0001-8059-0538
Esse ponto central da obra é de suma importância para a compreensão das estruturas que
fundamentam o movimento moderno, baseados em uma supra estrutura e nos chamados meta-
discursos, que estabelecem padrões a serem seguidos e que legitimam a dominação dos
conquistadores em relação aos dominados, esse contexto pode ser avaliado por Bauman como
resultante do processo de transição do discurso da decadência da modernidade para a chamada
“pós-modernidade”:

“O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e


realocação dos ‘poderes de derretimento’ da modernidade. Primeiro, eles
afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio
das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua
alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações , constelações
, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho,
para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de ‘quebrar a
forma’ na história da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de
fronteiras e capaz de tudo desmoronar [...] Na verdade, nenhum molde foi
quebrado sem que fosse substituído por outro, as pessoas foram libertadas de
suas velhas gaiolas apenas para ser administradas e censuradas caso não
conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados,
contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré fabricados da nova
ordem: nas classes, as molduras que encapsulavam a totalidade das condições
e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e estratégias
realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade para
encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar seguindo fielmente
as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para
aquele lugar. (BAUMAN. ZYGMUNT. Modernidade liquida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. Ed. 2001: 13)

Essa perspectiva aparece no texto de modo que possamos entender a estruturação de


uma análise tanto econômica quanto epistemológica. A econômica ressalta o domínio europeu
sobre as regiões do novo mundo, que consolidou a lógica da superprodução voltada para
abastecer os mercados com recursos. A filosófica se deu principalmente pela dominação do
conhecimento e das técnicas, portanto, sobre a própria natureza, justificando assim a retórica
por trás da modernidade de valor eugênico e racista, concluindo o poder sobre o tempo e o
espaço, que exclui qualquer traço da cultura nativa, tida como inferior.

Desta forma, para construir o entendimento da matriz colonial de poder estabelecida por
Mignolo, necessitasse de uma estrutura capaz de determinar onde as forças que legitimaram o
poder dominante atuam, e encontraremos o que foi determinado pelo autor de “monstro de
quatro de cabeças e duas pernas” composta por: Domínio econômico, da autoridade, do gênero
e sexualidade, assim como o domínio do conhecimento e subjetividade dos povos conquistados.
Essa retórica é sustentada principalmente pelo discurso racial e patriarcal, foi introduzida dentro
das estruturas coloniais, a partir de uma imposição teológica cristã, e, portanto, geradora de
uma consciência que não levou em conta o saber, crença, gênero ou qualquer manifestação
singular dos povos.

Deste modo, as ações descoloniais, pressupõe o esforço contínuo de superar essa lógica
colonizadora, imposta sobretudo, pela imposição do MCP. Essa sistematização foi responsável
pela desvalorização de tudo que remetia ao “não moderno”, ou seja, tudo aquilo que fosse
predominantemente atrasado, não racional, não cristão, não europeu. Isso potencializou a
desvalorização do saber cultural, regional e impôs uma cultura dominante e qualificada e,
portanto, moderna. Essa perspectiva foi absolutamente importante em todos os processos de
consolidação do pensamento ocidental, principalmente na transformação da ideia de trabalho,
que passou de uma percepção de sobrevivência para o processo da escravidão e assalariados.
Diante disso, o homem passa a viver em razão do trabalho, norteado por uma concepção
acumulativa e capitalista.

Com o advento da revolução industrial, essas concepções foram ainda mais


aprofundadas, e o MCP introduz a perspectiva de transformação tecnológica como pressuposto
do progresso e da modernização, marginalizando os “estagnados” como ultrapassados e menos
evoluídos. A natureza nesse sentido, passa a ter um papel de matriz produtora de recursos,
justificando a dominação do homem sobre a mesma. Esse ponto tem suma importância na
consolidação do pensamento de Mignolo, pois ele traça a partir desses elementos, a lógica da
colonialidade construída através de etapas do discurso moderno, justificadas pela concepção
positiva de progresso, desenvolvimento, modernização e democracia e divididas em dois
planos: uma justificada pela salvação da alma, e outra o controle dos corpos. Essa concepção
de controle é enfatizada na obra de Deleuze (1992), que nos permite entender sobre como a
dominação dos corpos é gerado através da disciplina e da dominação:

“[...] sucedia as sociedades de soberania [...]. Mas as disciplinas,


por sua vez, também conheceram uma crise, em favor de novas
forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam depois
da Segunda Guerra Mundial: sociedades disciplinares é o que já
não éramos mais, o que deixávamos de ser. [...] São as sociedades
de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. [...]
Não se deve perguntar qual regime mais duro, ou mais tolerável,
pois é cada um deles que se enfrentam as liberações e sujeições.
” (DELEUZE. G. Conversações. 1992. P.224.)
Esse conceito é trabalhado também por Michel Foucault, que em suas reflexões,
enfatiza que o “moderno” tem ampla incidência de um fator de “controle” na sociedade,
diferentemente do que era usual na sua época: a análise da teoria crítica de que as sociedades
pós-modernas eram sociedade do “espetáculo”. Para Foucalut elas são sociedade do controle,
da disciplina, da normalização, tudo dentro do campo do poder e da política. Todo esse estudo
se enquadra dentro da perspectiva que Mignolo justifica como criação da biopolítica
Foucotiana.

“[...] nos séculos XVII e XVIII, ocorre um fenômeno importante: o


aparecimento, ou melhor, a invenção de uma mova mecânica de poder, com
procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos
diferentes, o que é absolutamente incompatível com as relações de soberania.
Esse novo mecanismo de poder apoia-se mais nos corpos e seus atos do que na
terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo
e trabalho, mais do que bens e riquezas. É um tipo de poder que se exerce
continuamente através da vigilância [...] Este novo tipo de poder [...] é uma das
grandes invenções da sociedade burguesa. Ele foi um instrumento fundamental
para a constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é
correspondente, esse poder não soberano, alheio a forma da soberania, é o
poder disciplinar.” (FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da
prisão 41ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2013: p. 290-291.)

O pensamento que se consolida até aqui é principalmente o que justifica a normalização


do MCP em uma esfera do meta-discurso. Mignolo separa essas normalizações e reflete como
o pensamento da matriz é estabelecido pelos “nós-históricos-estruturais”, que nascem dentro
do discurso dominante e se pré-dispõe em todas as esferas de controle em detrimento do mais
forte, mais desenvolvido e mais apto a modernidade. Esses nós se localizam desde o discurso
racial, a geração de uma coletividade global, a idealização da concepção de trabalho, hierarquias
de gênero e religiosas, assim como a hierarquia estética, epistêmica e linguística. Essas
atribuições, consolidam o discurso moderno, e exclui as manifestações de grupos
desprivilegiados, que não fazem parte de uma centralização da matriz. Deste modo, a obra
pressupõe a resistência a essas manifestações, enquadrando o processo de descolonização.

Devemos compreender sobretudo, como esse discurso trazido até aqui por Mignolo se
enquadra dentro do discurso moderno, e dentro das ordenações que validam uma filosofia da
história capaz de compreender as transformações do tempo, das relações de poder e da história
das lutas de classe. Para isso, Leda Dantas, em sua obra “Pós-Modernidade e Filosofia da
História”, faz um ensaio sobre as percepções de Karl Marx dentro da modernidade e as críticas
voltadas ao projeto de emancipação justificadas dentro do Materialismo Histórico. A ideia de
emancipação discutida aqui, é articulada sobre o processo histórico no qual os homens são
submetidos em busca da autodeterminação, ou seja, da liberdade, e desenvolvimento do
potencial humano, sem as amarras criadas pelas contradições das sociedades capitalistas.

Entretanto, a autora define essa emancipação não por um ato de liberdade individual,
mas por uma lógica universal, onde os indivíduos conseguem a unificação, resolvendo as
contradições fundamentais. Esse movimento universal está inserido dentro da própria trajetória
da história dos homens, que segundo Marx, é onde estaria a verdadeira força motriz da
emancipação e, portanto, guiaria a humanidade a libertação. Porém, as críticas a essa
conceituação são bem pontuais, e estabelecem um entendimento sobre os estudos da
“colonialidade” de Mignolo.

Para os críticos da leitura de Marx, essa emancipação criada a partir de uma história
única e universal, consolida uma sociedade igualitária, mas que descartaria qualquer traço das
individualidades e regionalismo dos indivíduos, sendo assim, excludente e autoritária. Essa
desconsideração das diferenças é totalmente rejeitada pelo círculo pós-moderno, que busca
quebrar esses paradigmas da meta narrativa, e prevê uma história além dessa concepção
unitária. Portanto, criamos aqui uma relação com a perspectiva moderna do MCP, que também
pressupõe essa exclusão, em pró de uma força que geraria uma única conceituação de
desenvolvimento e progresso, e descartaria qualquer manifestação que fugisse dessa regra.

REFERENCIAS

BAUMAN. Zygmunt. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2001

DANTAS, Leda. Pós-Modernidade e Filosofia da História. Millenium, p. 178-187, 2004.

DELEUZE, Gilles. “Post-Scriptum sobre as sociedades de controle”. In: Conversações(1972 –


1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da prisão 41ª. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
2013

MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira


de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, p. 1-18, junho/2017.

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