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Guerra Fria: Música, cultura e sociedade.

John Lennon Lima e Silva1

O período que se inicia pós segunda guerra mundial, é determinado, sobretudo,


pelo clima de tensão envolvendo as potências vencedoras: Estados Unidos e União
Soviética. Nesse início do pós-guerra, as hostilidades foram pequenas, pois existiam
muitos problemas a serem solucionados, como a reconstrução da Europa, arrasada pelo
conflito. Entretanto, a luta ideológica seria inevitável: os americanos defendiam o
capitalismo e os soviéticos, o socialismo. Era o início da bipolaridade mundial, momento
em que ambos passaram a disputar áreas ou zonas de influência.

A disputa ideológica é determinada principalmente pelo campo simbólico, criando


mecanismos para o estimulo da propaganda pró capitalista ou socialista. Essas
simbologias alcançam principalmente o cenário cultural, criando percepções defendidas
a partir do viés ideológico de cada potência e se manifestando em produções
cinematográficas, musicais entre outras. Nesse sentido, analisar o papel da música no
contexto da guerra fria, nos permite extrair uma compreensão mais acentuada do período,
pautados principalmente por artistas que ecoaram através de suas músicas uma crítica ao
antigo conflito e aos seus líderes.

Cabe aqui salientar que a maioria das produções partem de uma demanda
“ocidental”, visto que diversos fatores influenciaram para a maior expansão da indústria
fonográfica americana e europeia, como o rigor do regime soviético e a chamada “cortina
de ferro”, nos quais vetavam duramente qualquer elemento de cultura americana e
ocidental. Deste modo, tornou-se difícil uma análise de músicas do período da guerra fria,
produzidas em solo soviético ou por adeptos. Talvez uma pesquisa minuciosa possa
resgatar um pouco dessa memória.

Entre as ferramentas adotadas para se compreender a história, a música sempre


fez parte desse modelo alternativo que introduz através de sua poesia, ritmo e melodias,
uma gama de informações culturais, artísticas e históricas. Pensando nisso, essa
alternativa musical tem grande representação quando trabalhada historicamente, por
possuir um discurso que relaciona o momento no qual é elaborada com a perspectiva da

1
Historiador, especialista em história contemporânea e mestrando em Psicologia Social pela Universidade
Federal do Pará – Brasil
ORCID - https://orcid.org/0000-0001-8059-0538
linguagem e das representações. Entretanto devemos compreender mais sobre a música e
suas representações e que as mesmas não são criadas a partir da neutralidade, e sim
construída por lugares e tempos diferentes, dentro de uma determinada realidade social,
onde essas darão a instrumentação necessária para a constituição social de quem as
compôs.

Muitas produções musicais no período da guerra fria se colocam principalmente


pela criticidade desenvolvida contra os regimes que eram impostos aos que eram
submetidos ao imperialismo bipolar e suas contradições. Pensando nisso, busca-se uma
produção musical capaz de dialogar melhor com essas perspectivas e fornecer alguns
vestígios da realidade do período.

A música “Wind of Change” (Ventos da mudança) da banda alemã “Scorpions” é


uma das produções mais famosas da banda e que foi composta no período pós queda do
muro de Berlin e tem uma simbologia que é refletida através de uma letra que inspira
como o seu próprio nome sugere: mudança. A música é marcada também por um forte
apego a um passado recente de quem escreve. Os trechos de sua melodia nos revelam essa
questão:

“Eu sigo o Moskva


Até ao Parque Gorky
Escutando o vento da mudança
Uma noite de verão em agosto
Soldados passando
Escutando o vento da mudança

O mundo está se fechando


Você já pensou
Que nós poderíamos estar tão unidos, como irmãos
O futuro está no ar
Eu posso sentir isso em todos os lugares
Soprando com o vento da mudança

Leve-me à magia do momento


Na noite de glória
Onde as crianças de amanhã sonham
No vento da mudança

Andando pela rua


Distantes memórias
Estão enterradas no passado, para sempre

Eu sigo o Moskva
Até ao Parque Gorky
Escutando o vento da mudança
Leve-me à magia do momento
Na noite de glória
Onde as crianças de amanhã compartilham seus sonhos,
Com você e comigo” (...)

Observamos aqui a mensagem através da simbologia musical, que introduz a


crítica e acentua a problemática através de uma reflexão sobre a memória do locutor e a
perspectiva de uma possível mudança. O tom esperançoso nos mostra um caráter que
rejeita elementos de uma memória de pouca aceitabilidade e afeição. A melodia nos
permite inferir que o período no qual o locutor nos insere dentro da canção, é algo que
sucede um longo momento ruim, no qual foi superado, e portanto, inspira a mudança e a
esperança de tempos melhores.
Essa perspectiva reproduz exatamente o que a guerra fria resultou a partir do olhar
de quem viveu de perto a divisão do mundo e a inibição do sentido de liberdade que a
crise criou. Além disso, a música transparece um pedido coletivo de renovação da
igualdade, apoiado por um clamor de união. Tais características se encaixam
perfeitamente com o cenário da divisão de Berlim pelo “muro da vergonha”, assim
chamado na época. Essa ambientação é capaz de introduzir todos as ligações necessárias
com a música e articular elementos que envolvem: privação, memória, esperança,
igualdade e renovação.
Portanto, a música se torna uma ferramenta importante para a compreensão desse
período histórico e nos insere dentro da mentalidade que perpetuou uma briga ideológica
de dimensões globais. O sentido de liberdade e igualdade são características que marcam
o processo histórico do período, e dialoga com a crítica em relação a vontade dos povos
por tempos melhores, longe de qualquer imposição ou privação.
SITES CONSULTADOS

<https://www.letras.mus.br/scorpions-e-berliner-philharmoniker/67359/traducao.html>

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