“Echoes” é uma canção da banda britânica Pink Floyd lançada em 1971
no disco Meddle. A versão da peça que será analisada será a versão lançada em 1972 no filme “Live at Pompeii”. Essa versão é interessante pois assim se torna possível uma abordagem audiovisual. “Echoes” é uma canção que que apresenta elementos estilísticos da música psicodélica e rock progressivo. Vale salientar também a clara influência do Reggae que aparece em determinado trecho da peça. Sendo uma canção longa, em torno dos 23 minutos, esses diferentes recursos estilísticos aparecem ao longo da canção para se criar diferentes ambiências e auxiliarem o desenvolvimento da música como um “storytelling”. A banda aqui utiliza diversos aparatos técnicos para se criar uma sonoridade específica. O experimentalismo utilizado tanto no processo de gravação quanto na criação de timbres e texturas é sobressalente ao longo da peça. A primeira nota da música é executada em um piano acústico com o microfone ligado à uma caixa Leslie onde o resultado é um timbre bem característico que lembra o som de uma gota de água. Em determinada seção da música surge um som de vento que na verdade é feito pelo baixo ao se passar um slide sobre as cordas. Um efeito muito específico é feito pela guitarra ao se ligar um pedal de Wah Wah de modo invertido, nessa ligação é gerado um feedback e ele foi usado como recurso técnico. Esses são alguns elementos de experimentalismo que são explorados pela banda para se criar a atmosfera da música. É notável como os elementos técnicos citados anteriormente corroboram para ressaltar o caráter expressivo da música em relação a letra. A letra é poética e seu sentido não é muito concreto, porém é válido perceber que ela trata do trajeto de evolução humano e da relação social que a humanidade tem que advém a partir desse processo evolutivo. A canção nos revela a princípio uma paisagem pré-histórica, do princípio da vida e do ambiente onde ela surge: a água. Os instrumentos contribuem para a formação da imagem desse cenário aquático, como dito anteriormente, o piano ligado a caixa Leslie lembra o som de gotas de água, a guitarra com o pedal de Wah Wah invertido gera sons parecidos com o de baleias remetendo ao ouvinte a um ambiente marítimo. Esses sons e ambientes primitivos vão adquirindo ao longo da música caráter mais harmônico e melódico representando a evolução do homem. Na performance do filme “Live at Pompeii” a banda toca nas ruínas de uma arena na cidade de Pompéia, na Itália, cidade essa que foi consumida por um vulcão ainda na Antiguidade. O show não tem público e a impressão que fica é que a banda faz um show para os “fantasmas” da histórica cidade. Esse conceito dialoga com o conceito da música. A própria edição de imagem fortalece ainda mais a conexão entre música e visual ao inserir entre as imagens da banda performando cenas da cidade vazia e esculturas remetentes ao longínquo tempo no qual a cidade teve seu apogeu. É como se através daquelas construções a cidade de Pompéia ecoasse até nós com sua cultura e movimento. Imagens de lamas escaldantes e paisagens completamente naturais reforçam ainda mais a criação atmosférica de um ambiente pré- histórico e livre da ação humana, assim como as lamas borbulhantes possam simbolizar o emergente nascimento e aurora do homem nas águas primordiais.
- Cais (Milton Nascimento)
Link: https://www.youtube.com/watch?v=dtZVQGa9eDw
“Cais” é uma canção de Milton Nascimento lançada no disco Clube da
Esquina de 1972. A canção foi composta pelo próprio Milton Nascimento e a letra foi escrita por Ronaldo Bastos. A música apresenta arranjos minimalistas, mas de muito requinte e beleza. A música é basicamente conduzida pelo violão e voz. Os outros instrumentos aparecem como que pra colorir mais a sonoridade dos dois instrumentos que conduzem a canção, mas sem tirar seus protagonismos. Outros instrumentos que aparecem aqui são o órgão, o baixo tocado com o arco, percussão e o piano que encerra a música na última seção. Um grande destaque dessa música é a própria voz do cantor que passeia pela bela melodia com diferentes dinâmicas e nuances interpretativas. Além de gerar mais variação e tornar a melodia mais interessante, essas nuances salientam ainda mais o caráter expressivo da letra e obra como um todo. A letra fala nos apesenta a um eu-lírico em estado de melancolia que tem os seus sonhos e desejos, mas que estes são suplantados por medo e incerteza. O mar é usado como uma metáfora para os sonhos do eu-lírico, onde se lançar a ele é sofrer riscos, mas, também, é buscar a felicidade. Ao que tudo indica no final o autor perde o medo de se lançar. Os arranjos criam uma paisagem sonora totalmente coerente com o conteúdo lírico. O violão dedilhado de uma maneira suave junto as percussões que ora se apresentam com bastante reverb dão a sensação de espacialidade e serenidade, mas também melancolia. Ajuda a evocar na mente do ouvinte a imagem de alguém que observa o mar com um misto de emoções, um pulsante interesse e curiosidade de desbravar aquela vasta imensidão, mas ao mesmo tempo o medo paralisante do desconhecido. O desenho melódico somado a interpretação do cantor nos conduzem as diferentes sensações que o eu-lírico atravessa. Para exemplificar usaremos o verso “E sei a dor de me lançar” onde, previamente, a melodia vem se encaminhando para um ponto culminante que logo é frustrado com Nascimento cantando o verso de maneira pesarosa e cansada. Na repetição da parte A, já com uma outra letra, o verso correspondente ao citado anteriormente é “E sei a vez de me lançar” onde dessa vez é cantado com uma nota mais longa e de maneira mais enérgica, tornando esse verso o ponto alto da melodia e representando o desprendimento do eu-lírico da costa e o se lançar no mar em busca dos seus sonhos. A instrumentação segue o mesmo percurso alterando a dinâmica conforme a melodia sugere. Após esse ponto alto da melodia a música se encerra com um ostinato tocado ao piano. Esse tema, que segue uma continuidade direta do último verso, representa, enfim, o se lançar ao mar e buscar a felicidade. O piano passeia por várias sensações, ora melancólico, ora esperançoso, ora tranquilo, ora sombrio. Talvez esses diferentes climas representem a vida com todos os seus declives e elevações, da mesma forma que o mar apresenta diferentes estados de turbulência. É curioso notar que esse arranjo final de piano aparece em outras canções do compositor, mas atenhamo-nos a uma canção que aparece no mesmo disco de “Cais”: “Por um gosto de sol”. O trecho de piano de Cais aparece no final da canção como um “Outro”, assim como em “Cais, mas dessa vez com instrumentação diferente contando com arranjos de cordas. Interessante que o conteúdo da letra dessa canção também falar de revisitar sonhos e a reaparição desse trecho no disco nessa música específica talvez confirme que ela seja o tema que representa o se aventurar em mares desconhecidos a fim de encontrar sonhos e propósitos. Afinal, como diz uma outra canção de Nascimento: “sonhos não envelhecem”.