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Disciplina: Psicologia Social Básica

Professor: Filipe Boechat


Nome: Débora Muramoto Alves de Castilho DRE: 122065679

O pensamento psicossociológico existe, há muito, para compreender a complexidade


da vida em sociedade. No entanto, a Psicologia Social, ciência que estuda os saberes que
pretendem compreender esse pensamento, apresenta uma curta história, cujos primórdios
dividem-se em um período pré-institucional e institucional. No presente texto, faz-se uma
tentativa de esboçar pontos importantes dessa trajetória, em seu período pré-institucional.
Procura-se apontar as suas contradições por meio da ótica do materialismo histórico e
dialético, principalmente acerca de questões relevantes que, até hoje, encontram eco. Para
traçar esse caminho, parte-se da ciência localizada na História, diferenciando as suas
perspectivas socialista e capitalista. A primeira aparece como uma força responsiva, que
atende às demandas da sociedade; já a segunda, em oposição, serve ao capital. Essa última,
porém, estabeleceu-se como hegemônica após o declínio da ordem socialista, marco que
afetou diretamente a sociologia e a psicologia social desenvolvidas nos países que aderiram
ao sistema capitalista. Dessa maneira, desde o século XIX, ápice do mundo capitalista, tais
conhecimentos apresentaram-se como forças reacionárias, à serviço das necessidades de uma
classe burguesa dominante. Por essa razão, suas questões foram, por vezes, mal postas e, suas
soluções, apresentadas de maneira equivocada, sob uma perspectiva individualista. Essa
visão, influenciada pela tradição cristã, distorce como se dá a organização da coletividade,
pois coloca o indivíduo como precursor das sociedades e não o contrário quando, na
realidade, é impossível vir ao mundo fora de uma ordem social prévia. Assim, esse contexto
impacta uma nascente psicologia centrada no individual e distanciada, consequentemente da
materialidade da vida. Neste momento, ascende o proletariado como um fenômeno de massas
alienado do processo produtivo em expansão do qual fazia parte. Logo, as contradições desse
sistema que produz desigualdades são expostas na forma de luta de classes mas, desse
cenário, surgem teorizações da psicologia social burguesa que negam esse fato: a psicologia
dos povos, a psicologia das massas e as teorias do comportamento social.
De início, apresenta-se a Psicologia dos Povos, que trabalha com uma noção
específica de coletivismo: há uma alma da totalidade, supra-individual, a qual a alma de cada
um dos sujeitos está atrelada. Essa estrutura seria, portanto, composta pelas almas dos
sujeitos, porém ela guardaria, em si, uma essência regida por leis a priori. Percebe-se que,
apesar dessa concepção considerar a dimensão social da humanidade, ela está diretamente
relacionada a uma visão determinista de comportamento, a qual considera o povo como um
fato social posto. Dessa maneira, o homem age dentro da sociedade, porque é um ser social, e
dentro dela as suas ações e modos de ser estarão pré-determinados. A título de exemplo,
pode-se comparar a Psicologia dos Povos com os traços do nacionalismo neofascista do
bolsonarismo e seu lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". O paralelismo da frase
torna Brasil e Deus equivalentes, ambos uma totalidade espiritual, absoluta e supra-individual
a qual a sociedade brasileira está subordinada, numa relação vertical e problemática, já que os
desígnios divinos, estruturados pelas leis dessa autoridade máxima, não só ignoram a
dinâmica material de constituição de uma sociedade - que é dialética -, como são propalados
por um autocrata como Jair Bolsonaro e, certamente, chegam a seus seguidores recheados de
violência. Tais leis configurariam a coesão do grupo que, na prática, percebe-se que é frágil,
pois vemos como o bolsonarismo se fragmenta e se recompõe com certa frequência. Portanto,
ao pensar uma estrutura coletiva, essa visão desconsidera a historicidade dos seres humanos,
já que somos todos localizados no espaço e no tempo e, por isso, nossas relações dependem
de laços baseados em construções dialógicas substanciais erigidas a longo prazo e não na
verticalidade de uma estrutura supra-individual. Assim, essa perspectiva positivista ignora a
dialética da existência, porque considera a unidade de um grupo como algo natural, evidente
e unilateral.
A Psicologia das Massas, ainda no século XIX e tendo Gustave Le Bon como
principal expoente, por sua vez, pretende estudar a classe operária, sobretudo a
revolucionária, a partir de uma lente liberal-burguesa. Seus teóricos, preconizavam que as
interrelações humanas estão subordinadas à imitação instintiva e passageira mobilizada por
afetos necessariamente irracionais, característicos do grupo. As massas causariam a perda da
racionalidade e passariam a agir sob o efeito quase hipnótico da emoção irrefletida, em
oposição ao comportamento das elites, contidas e racionais. Haveria a perda da
individualidade no coletivo, a determinação das atitudes pelas emoções, a redução da
inteligência e da responsabilidade pessoal, essa última, levando o sujeito a praticar atos que,
muitas vezes, ele não faria fora do contexto das massas. Elas são caóticas e desordenadas,
incapazes de coordenar qualquer projeto e, por isso, necessitam de um líder, o que lhes
confere coesão. Partindo desses traços, pode-se pensar no bordão da famosa YouTuber
Gabriela Prioli, figura pública completamente alinhada à ideologia da classe dominante,
“menos emoção e mais razão”. Em vídeos que propagam os ideais individualistas do
capitalismo contemporâneo, ela, costumeiramente, condena comportamentos seletivamente
apontados como demasiadamente emotivos, não coincidentemente, os comportamentos em
grupo, tais como a indignação política e de repúdio a opressões. Tal posicionamento, não
raro, condena e diminui a validade do ódio da classe trabalhadora, como quando ela
caracterizou como histeria coletiva posicionar-se contra a cobrança de mensalidades nas
universidades públicas ou contra a opção política do regime de paridade de preços da
Petrobrás, o qual favorece investidores e afeta bruscamente o preço da gasolina brasileira e as
cadeias produtivas do país. Essa concepção, por consequência, prioriza o indivíduo,
preferencialmente isolado e circunscrito por toda a sua racionalidade. Dentro da lógica dessa
teoria, as massas necessitariam da razão iluminada e controlada da burguesia para
manterem-se organizadas. Essa visão nega que seres humanos sejam capazes de coexistir em
grupo e, principalmente, que há antagonismos de classe na sociedade capitalista, os quais
desembocam em conflitos que não são resolvidos com a demonização das massas
trabalhadoras e na sua consequente preleção ao indivíduo.
Por fim, nas teorias do comportamento como instinto, do início do século XX,
lançadas em Londres por William McDougall, há uma concepção biologizante do
comportamento humano. O que os seus teóricos se propuseram a investigar é o instinto ou a
propensão a determinadas posturas em sociedade, forças que estariam ligadas a características
psicofísicas transmitidas hereditariamente. Esses instintos são, exclusivamente, as causas
inatas do comportamento social, teoria que, igualmente às anteriores, provou-se
materialmente equivocada.
Fica claro, portanto, que as teorias iniciais do período pré-institucional da Psicologia
Social, alinhadas à ordem dominante do capitalismo global, apresentam, todas, problemas.
Tais questões se dão por desconsiderarem o funcionamento dialético das sociedades, em que
os comportamentos não são nem pré-determinados por leis supostamente naturais, muito
menos ditados por instintos e determinações biológicas, mas aprendidos na vida coletiva. No
entanto, observar que até hoje reverberam os pressupostos epistemológicos dessas
abordagens fundamentalmente reacionárias é importante para identificar a mobilização
ideológica de forças dominantes interessadas em manter a sua hegemonia.

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