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Uma primeira questão a respeito dos temas da disciplina que me despertou

inquietudes sobre as quais eu não sabia explicar claramente, até então, foram as
considerações a respeito do mito colonial de origem. Para mim, que cursei um Ensino Médio
formatado por apostilas de historiografia da Filosofia e da Literatura, com seus resumos
simplificados e reducionistas, além de já ter passado por outra graduação e um mestrado na
área de Humanas, cujo arcabouço teórico também orbitou em torno de uma perspectiva
linear ocidental de conhecimento, o questionamento crítico do progresso explicativo é tardio,
porque recente.
Fez parte dele, por exemplo, ouvir na aula de Filosofia para Psicologia que a Filosofia
que hoje se conhece, chegada até nós por meio de fragmentos, não se iniciou na Antiga Grécia
com Tales de Mileto, nem a Filosofia surgiu como um estudo proposital para se entender a
natureza e promover de uma cisão entre o mito e o logos. Saber que Tales fora um dos
pensadores de seu tempo que não só havia sido influenciado pelo conhecimento desenvolvido
por outros povos, como também jamais abandonou o mito, me fez confirmar desconfianças
de, inclusive, afirmações que ouvi numa disciplina anterior, daa presente graduação. Essa
matéria, ainda permeada por uma narrativa que favorece um projeto ocidental de
superioridade branca europeia - o que não é sua exclusividade -, travestida de uma
neutralidade quase laboratorial, repetiu e reforçou, praticamente, toda a minha formação
pregressa. Uma das afirmativas mais forçosas é a da Matemática como a ciência por
excelência, emergida após a consolidação de uma Revolução Científica, no século XVIII,
marcando uma mudança de postura subjetiva, da passividade à atividade, e da completa
ausência de espiritualidade porque racional. Racionalidade, essa, própria da cultura
europeia. Ora, como isso pode ser verdadeiro tendo em vista que civilizações anteriores à
Revolução Científica - como Maias ou Egípcios - também desenvolveram conhecimentos,
dentre muitos, o matemático, sem se preocupar com uma separação com seus mitos? Mitos
constituintes da vida cotidiana, fato em conformidade com o que foi falado em sala a respeito
do entendimento dos gregos de uma vida povoada por daímones, em consonância com o
divino. A narrativa do mito ao logos , é, portanto, um mito de origem construído dentro do
horizonte colonial que, de forma problemática, orienta nossas vidas e oferece, até hoje, a
segurança falseada por uma historicidade artificial e norteada pela ideia de progresso.
Um outro ponto que me parece importante que, talvez, complemente esse
esvaziamento subjetivo da negação da dimensão espiritual e metafísica proposta pela ciência
do Ocidente, é o entendimento da centralidade da linguagem oral da cultura grega e como,
me parece, ele reverbera até hoje nos processos de disputa e dominação coloniais. A visão
grega, diferente de uma concepção seriada ainda atual, que vê a escrita como a evolução da
oralidade, entende que a performance da fala exprime a alma do sujeito e aquilo que é vivido.
Há limitações na escrita, pois ela não dá conta de fabricar e guardar o conhecimento com a
devida dramaticidade dialógica do oral, o que me lembra quando Franz Fanon, no capítulo 1
de “Pele negra, máscaras brancas”, diz que falar é existir para o outro. Seria isso que
observamos, por exemplo, quando vemos brasileiros enxergando-se como europeus,
esforçando-se em aprender a língua de um outro, viver para relacionar-se com o outro e
aparentar uma outridade. Dessa maneira, analogamente a uma filosofia grega edificada no
diálogo, o sujeito colonizado procura se reconstruir, por meio da fala, diante do seu
colonizador e assume a fala do outro que o domina, como uma tecnologia de sobrevivência e
forma de escapar ao rebaixamento cultural que lhe é imposto - algo que, inclusive, viola a
noção de diálogo. Como a fala é intimamente ligada à memória, o dominador ganha quando
consegue abafar a fala do dominado, suprimindo as reminiscências de indivíduos que
conectavam-se por suas palavras faladas comuns e constituíam-se como sociedade.

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