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UFRJ
RIO DE JANEIRO
Dezembro de 2022
Introdução
Este ensaio autoetnográfico trata da minha experiência como pessoa cuidada por uma
doméstica, ou, nas palavras dela, como sua “filha emprestada”. De origem nortista e
periférica, ela - a quem, aqui, chamarei pelo pseudônimo de Margarida -, acompanhou a
minha vida até o recente momento da sua morte, pouco antes da escrita deste texto.
Essa relação contraditória fundamenta-se na esfera do racismo, do sexismo e das
desigualdades sociais, pilares inerentes ao capitalismo. Como esses elementos socialmente
estruturantes são tão encarnados na esfera da família brasileira, percebo que debater a vida das
domésticas na célula familiar é central, não só da perspectiva das pessoas vulneráveis, mas a
partir de uma visão crítica dos beneficiados desse trabalho, implicados no processo. Assim, a
partir dos debates sobre família, gênero e racismo, analisarei a minha experiência com
Margarida, sujeita do entrelugar de central e marginal na maternidade, e que construiu, em
minha vida, um lugar estranhado de filha. Proponho, assim, criar inteligibilidades acerca do
tema e contribuir para o entendimento do papel das domésticas brasileiras e seus impactos na
constituição subjetiva dos envolvidos.
Antes, quero esclarecer a opção epistemológica pela autoetnografia, suas
possibilidades de produção de saberes e relações com o tema.