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COLÉGIO PEDRO II

Pró-Reitoria de Pós Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura


Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Educação Psicomotora
Coordenação: Katia de S. A. Bizzo Schaefer
Disciplina: Educação Psicomotora na Educação Básica
Turma 6: 2022/2023
Pós-Graduanda: Tainã Xavier de Araújo

Este ensaio se constitui na avaliação final da disciplina Educação Psicomotora na Educação


Básica. Oferecida pela Pró-Reitoria de Pós Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura do Colégio
Pedro II, compõe a grade curricular do curso de Pós-Graduação em Educação Psicomotora. Possui
como objetivo a minha reflexão pessoal sobre os percursos trilhados no período de estudos, bem
como os aprendizados e as contribuições dos conhecimentos na minha prática pedagógica.

A Educação Psicomotora é uma das linhas da Psicomotricidade, um campo de investigação


científica transdisciplinar que se consolidou no século XIX, na Europa, a partir da Neurologia. Ao
longo do século XX, diversos autores provenientes de distintas áreas de conhecimento, contribuíram
para a ampliação desta ciência. A Psicomotricidade Educacional ou Educação Psicomotora tão
jovem aqui no Brasil, vêm ganhando forma e se expandindo, e até se reelaborando com relação ao
contexto europeu de onde surgiu.

Estamos num momento político, cultural e epistemológico onde as várias percepções rígidas
que ainda estruturam a sociedade estão sendo colocadas em cheque. O objeto de estudo do nosso
campo em questão, o corpo humano se tornou um dos principais focos de problematização. Se antes
o indivíduo universal era considerado o homem europeu, adulto, branco, neurotípico, racional nos
moldes cartesianos, hoje o principal desafio é visibilizar e repensar os indivíduos em suas
diversidades e necessidades específicas.

Na área da pedagogia, a instituição escolar como conhecemos hoje, também está inserida nesse
contexto de mudanças pós-moderno e pós pandêmico. Ainda somos herdeiros da escola burguesa
europeia do século XVIII que tanto disseminou a disciplinarização e a higiene de comportamentos
considerados anormais. Ainda carregamos os valores da família monoparental patriarcal que
estabeleceu uma hierarquia, entre homem, mulher e criança e uma relação de servidão com base na
violência. E também somos frutos do colonialismo, que gerou indivíduos fragmentados, sem
nenhuma consciência de si, sem ancestralidade, e quase nenhuma afetividade fora da branquitude
hegemônica.
Durante alguns anos eu tive uma visão bem mecânica e impessoal sobre o processo de ensino-
aprendizagem. Porém ao longo do percurso na disciplina Educação Psicomotora na Educação
Básica e das leituras bibliográficas eu pude olhar para a linguagem mais primordial que existe: o da
afetividade.

Uma das leituras da disciplina que mais me envolveu foi o livro do biólogo Humberto Maturana,
Amar e Brincar. Na minha concepção inicial, o conceito de cultura se constituía no “conjunto de
idéias, valores, hábitos e símbolos transmitidos de geração em geração”. Porém o autor Maturana
define a cultura também como coordenações de coordenações de emoções. Ou seja, segundo o
pesquisador, não é a racionalidade que move o relacionar dos seres humanos e sim a emoção. (…)
É a emoção que define a ação. É a emoção a partir da qual se faz ou se recebe um certo fazer que
o transforma numa ou outra ação, ou que o qualifica como um comportamento dessa ou daquela
classe.(MATURANA, 2004, pg.7)

A seguir vou contar um pouco da minha história e de onde eu vim. E também relatar quais foram os
fatores afetivos que levaram para a Arte Educação.

Quem sou eu?

Meu nome é Tainã, sou uma mulher preta e periférica. Até os 5 anos de idade eu morei na Vila
Cruzeiro, uma comunidade que hoje pertence ao “Complexo do Alemão”. Na época dos meus pais,
essa região era composta por “morros autônomos”, mas ao longo do tempo as comunidades
cresceram muito e ganharam uma denominação única, principalmente na grande mídia.

No dois primeiros anos da educação infantil, eu e minha irmã não estudamos num espaço
institucional e sim na casa de uma educadora. Lembro que a escola dela ficava nos fundos da
residência, na parte baixa da comunidade, que era considerada uma área mais privilegiada. .

No último ano da educação infantil estudamos numa instituição localizada no Méier, um bairro de
classe média, e depois de muitos anos descobri que era uma associação que prestava auxilio às
crianças carentes. No caso, minha mãe trabalhava como costureira numa confecção próxima e nós
passávamos o dia inteiro nessa escola. Algumas crianças dormiam lá e só voltavam pra casa no final
de semana. Esse lugar marca até hoje a minha memória, lembro que era um lugar grande com
bastante área verde e também das comidas que serviam, como sopa e leite com aveia.

Em dezembro de 1994, nós viemos morar em Campo Grande, e estudamos alguns anos em escolas
particulares de bairro, sempre em condições financeiras instáveis, pois só meu pai trabalhava fora
de casa. E em alguns anos, nós estudávamos em unidades da rede pública. Dessa época eu lembro
muito dos atos de bullyings, de racismo, etc.
No ensino médio eu e minha irmã passamos a estudar separadas, pois ela foi aprovada em uma
escola federal e eu estudei em uma escola estadual perto de casa. Essa época foi muito difícil, mas
eu não tinha consciência. , As matérias eram muito chatas, os professores e a direção era muito
distantes e a escola parecia uma prisão. Só tinha gente pra controlar o acesso dos adolescentes nos
espaços e puseram até um portão no corredor pra restringir nossa passagem na área da secretaria e
diretoria. Eu passava mais tempo na internet acompanhando as primeiras blogueiras. Na minha
casa, fiquei bem esteriotipada como aquela jovem “que não queria nada”, ao contrário da minha
irmã que era mais “esforçada”.

Aos 17 anos, fui estudar num pré-vestibular comunitário a contragosto, por causa da minha irmã.
Esse lugar me ajudou muito a despertar a minha consciência social, política, etc. Principalmente por
conta de um professor de história que tínhamos, um homem negro muito politizado e radical. Ele
parecia ter muita euforia pelo que fazia e as falas polêmicas dele prendia a atenção da turma durante
a aula inteira. Quando entrei no curso preparatório, eu queria fazer Moda mas acabei me
apaixonando ainda mais pelas Ciências Humanas. Frequentei esse pré vestibular durante 4 anos e
ele passou a ser minha segunda casa.

Os trabalhos com Arte Educação

Em 2010 comecei a minha graduação, a partir da História da Arte. Não consegui me adaptar e
migrei para Educação Artística três anos depois. Meu interesse não era ficar aprisionada dentro do
ambiente teórico da academia e sim interagir com pessoas de fora dela. Uma das professoras do
curso de licenciatura também me inspirou bastante. Era uma mulher branca já madura e muito
politizada que também dava aulas de arte na rede estadual de ensino. Ela sempre foi muito engajada
politicamente, era envolvida com teatro e na época da ditadura (1964-1985) teve que sair do Brasil.
Essa professora tinha uma relação muito próxima com as pessoas da turma, e eramos tratados já
como colegas de profissão. Em diversos momentos fui em eventos a convite dela, até depois que eu
me formei.

Em 2012 comecei a grafitar, após um curso em uma ONG e passei a conhecer muitos artistas de
vários estados e países. Frequentei comunidades periféricas e tinha muito interesse pelas questões
sociais.

Em 2015, através da mesma ONG, eu conheci outras três mulheres e um ano depois criamos o
Coletivo AMO Crew (Afro Mulheres de Opinião). Nesse momento da minha vida eu me envolvi
bastante com questões etnico-raciais, dei oficinas em escolas da rede pública, assisti seminários e
atuei bastante. Pude conviver com a potência das crianças periféricas em dias de multirão de graffiti
aos domingos.
E pude ver também a euforia dos alunos das oficinas ao contato com as tintas. Eles apresentavam
muito desejo de rabiscar, transgredir as regras e deixar libertar a agressividade. Nas paredes,
queriam marcar os seus nomes, nomes de artistas, músicas, etc.

Em 2019, uma série de fatores me despertaram o desejo de seguir para a Educação Infantil. E um
deles foi o livro Pretagogia da professora Sandra Petit Haydée que me inspirou a entrar na
faculdade de Pedagogia à distância.

Diante de toda essa trajetória em construção, é inevitável negar a relevância do meio social na
minha vida. Foram muitas violências (de todos os níveis) e diversas opressões que herdei desde a
época dos meus avós. Nossa sociedade foi formada a partir de relações caóticas e nessa rede existe
muitos afetos negativos, abusos, perda do autorrespeito, fruto de projetos políticos que só mantêm o
privilegio de poucos. Hoje além da graduação em Pedagogia, estou aprendendo sobre o maternar na
prática com a minha sobrinha.

É muito importante que a infância seja um período de vínculos positivos, pois o processo educativo
não se manifesta apenas no “adestramento” cognitivo. As crianças assimilam desde cedo as
emoções dos adultos nos quais possuem mais vínculo. O aprendizado ocorre na linguagem tônica,
no cuidado, no acolhimento e principalmente na confiança para a criança manifestar sua
autoexpressão através do fazer e do brincar.

Hoje eu vejo que nos grandes gestos de revolução também estão contidos os micromovimentos.

Referências Bibliográficas

MATURANA, Humberto; VERDEN-ZOLLER, Gerda. Amar e Brincar: Fundamentos


Esquecidos do Humano Do Patriarcado à Democracia. Editora Palas Athena. São Paulo, 2004)

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