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Prezados colegas de trabalho e pesquisa do Núcleo de Estudos da


Violência,

Meu nome é Mayara Amaral dos Santos e venho por meio desta
manifestar o meu interesse na vaga de pesquisadora no Projeto “Novas Formações
de Vida Coletiva nas Periferias de São Paulo: Mães Solo, Pais Ausentes, Violência
e Circulação de Moradias”.

No ano de 2016, me formei em Sociologia pela Fundação Escola de


Sociologia e Política de São Paulo, e escrevi a monografia “Brasilândia: outras
formas de gestão da violência”, na qual analiso como a juventude pobre, preta e
periférica reagiu a dois episódios de violência (chacinas de jovens negros), no
Jardim Elisa Maria, bairro no qual nasci e cresci, e no qual atualmente sou
professora da rede pública.
No ano de 2018, comecei a trabalhar junto a professora Teresa
Caldeira, na pesquisa Heterogeneidades Periféricas: Novas formas de vida coletiva,
cursei Métodos Qualitativos na FGV, com a mesma professora, e o professor Ciro
Biderman. Deste trabalho, nasceu o artigo no qual a professora Teresa fez questão
de que eu fosse a autora, lapidando para que nós sujeitos periféricos nos
constituíssemos enquanto autores de nossas próprias histórias. Nesta pesquisa
meu foco foi a educação na periferia, em especial na Brasilândia, “Trânsitos
educacionais na Brasilândia”, no qual analisei a relação entre cursinhos populares,
escola pública e coletivos de cultura, para o fortalecimento do processo educacional
e de resistência na periferia.
Desta pesquisa, fui convidada pelo professor Dr. Sérgio Adorno, para
compor o Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas, sendo
pesquisadora FAPESP, no qual junto a coordenadora Caren Ruotti, e o coordenador
Vitor Blotta, passei por uma formação que me permitiu enxergar a educação na
periferia como um todo, vislumbrando outras áreas da cidade que tem um contexto
muito parecido com o da Brasilândia, no caso o Jardim Horizonte Azul, na região
Sul, onde atuei na E. E. Profº Amélia Kerr, e na EMEF Bernardo O’Higgins, na
região do Jabaquara. A escola na região da Brasilândia na qual atuamos era E. E.
Ubaldo Costa Leite, foi muito frutífera a relação com esta escola, pois, logo em
seguida veio a pandemia, e nós fizemos projetos para conscientização da
população com relação ao vírus, o PODHE produziu material educativo que ajudou
muito nossa comunidade, em uma verdadeira relação de amor para conosco da
Brasilândia. Também formulamos um repositório online com atividades para os
alunos das escolas públicas que estavam tendo aulas online. Neste mesmo período,
conseguiu o apoio do Itaú pelo projeto Benfeitoria, para fazer máscaras para
Brasilândia, no qual conseguimos fazer mais de 30 mil máscaras, a situação era de
calamidade pública, meus vizinhos morreram, muitas pessoas que eu conhecia não
conseguiram um leito de UTI e morreram em casa sem acesso a um oxigênio. A
pandemia constitui um trauma nas periferias que precisará ser reelaborado.

Atualmente curso mestrado em Ciências Sociais e Humanas na


UFABC. O tema específico é o jongo, dança advinda de Congo/Angola, trazida
pelos escravizados, uma elaboração acerca da história do povo negro e favelado,
além de pensar como se constituem espaços de segurança (COLLINS, 2016) 1 para
mulheres negras na periferia. Outro tema abordado por mim foi o Projeto
Observatório de Direitos Humanos em Escolas, e as oficinas experenciadas pelos
alunos junto ao Jongo, tema de sua dissertação de mestrado. A principal ideia aqui
era analisar como o jongo poderia de forma efetiva interferir nas relações
interpessoais das crianças de 11 anos, que vivenciam diversas situações de
racismo dentro da sala de aula, dos professores e também dos próprios colegas de
sala que praticavam a perseguição insistente com os alunos negros. Após as
atividades com o jongo, refletindo sobre suas identidades, os alunos alcançaram um
estágio de entendimento e empatia do grupo.
Desta forma acredito que eu poderia contribuir para com a pesquisa
sobre mães sólo, por ter um olhar sensibilizado tanto pela minha formação no
PODHE, quanto na pesquisa sobre heterogeneidades periféricas. Temas que
aprofundam situações de desigualdade no contexto de vulnerabilidades, pelo qual
mães sólos são drasticamente prejudicadas, pois estão com sobretrabalho, de
forma que situações como trabalhar, cuidar das crianças, não as permite que vivam
suas próprias vidas, pessoas que estão desgastadas e impossibilitadas de atingir
1COLLINS, Patricia Hill . Aprendendo com a outsider within*: a significação sociológica do
pensamento feminista negro** . Revista Sociedade e Estado – Volume 31 Número 1 Janeiro/Abril
2016
seus propósitos, suas subjetividades estão baseadas no cuidado do outro, ou seja,
estão a servir o Estado com mais um trabalhador, mas não há apoio para isto, de
forma que sacrificam tempo de suas vidas, ampliando a situação atual de
desigualdades que vivemos.
Questões que por vezes, com investimento em políticas públicas a
situação poderia ser atenuada, ou mesmo equalizada. Como temos observado o
programa Bolsa Família, que forneceu renda para as mães, de forma que as
situações de extrema pobreza fossem reduzidas, porém não extinguidas. Com esse
programa pudemos observar que as famílias saíram de uma situação de
insegurança alimentar, que foi atenuada pela pandemia de COVID-19.
Relacionado a moradia, estas mulheres muitas vezes estão
submetidas a relações de violência e precariedade em puxadinhos nas casas de
seus pais, ou sogros, o que faz com que estejam subjugadas sexualmente, muitas
delas adentrando em quadros de depressão e ansiedade, sem que seja reconhecido
estes quadros na periferia de forma que elas são medicadas, mas não analisadas.
As moradias também estão em situação precária, ou seja, com mofo, sem acesso a
saneamento básico, e sujeitas a altos níveis de violência devido ao conflito da
polícia com o tráfico. Durante a pandemia foram muitas ocupações de terrenos
como da Eletropaulo e Sabesp que foram invadidos. Essas invasões nem sempre
estão organizadas por movimentos sociais, em sua maioria quem as organiza é o
tráfico de drogas, que controla quem entra e quem sai desse espaço. Na ocupação
na região do Carumbé/ Jd. Damasceno, presenciamos situações trágicas em que
um homem foi espancado quase até a morte por um marmitex, devido ele ter
pegado o marmitex de uma criança e estar bebado. O projeto que acompanho e que
ajudei na implementação chama-se O Amor Agradece, hoje coordenado por minha
amiga e companheira de profissão Socióloga Marisa de Oxum.
Neste contexto, a realidade é que 48,7% das chefes do lar são
mulheres2, nas periferias, em sua maioria mulheres negras. Nem sempre o pai
ausente é devido ao abandono do lar. Mas porque são homens negros, alvo da
polícia, homens negros que estão em situação de vulnerabilidade, e se vem
condicionados ao mercado do tráfico de drogas. Homens negros que estão viciados
em drogas como cocaína, crack, e álcool. Homens negros que hoje compõe a
2 Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/01/23/maes-empreendedoras-
pesquisa-revela-que-487percent-das-familias-sao-chefiadas-por-mulheres.ghtml. Acesso em :
09/05/2023
maioria das pessoas em situação de rua de São Paulo, hoje com mais de 52 mil
pessoas em situação de rua. População esta que esta sendo reduzida a nada, a
extermínio, genocídio, pelo governo de São Paulo, em que estão sendo alvo da
polícia com bombas, não tem acesso á tratamento para sua doença, e sofrem o
preconceito da sociedade que não está inserida na lógica da Cracolândia.
Outra questão que aflige os homens negros, é a prisão, 66,7% dos
homens presos são negros3,. Os que não foram assassinados pela polícia por
estarem envolvidos no Tráfico de Drogas, estão presos. Além, dos casos de
trabalhadores que por seu fenótipo são confundidos com bandidos e acabam sendo
executados (FELTRAN, 2008). Temos em vista, o Movimento Mães de Maio, que
cobram do Estado justiça por seus filhos negros que são vítimas de policiais, muitos
deles nem estando envolvidos no crime.
Em minha monografia, intitulada Brasilândia: outras formas de gestão
da violência (2017), analiso como os grupos de cultura enfrentaram políticamente o
Estado de São Paulo, em manifestações públicas, pedindo resposta pelo
assassinato de jovens negros, que eram seus familiares e amigos.
A questão racial e de gênero estão imbricadas nesta pesquisa, de
forma que não apenas analisar o contexto da mãe sólo, se faz necessário
compreender a masculinidade negra (OLIVEIRA, 2016), que aflige os homens
negros e periféricos, que se fazem ausentes nesse contexto.
Acredito que eu, por ser moradora de favela desde quando nasci,
analiso e compreendo as camadas presentes nesta temática. De forma a acessar
nas entrevistas qualitativas, as dimensões psicológicas, que em nuances anunciam
as diversas vivências das mulheres negras periféricas, por eu ser também uma
mulher negra e periférica, de um contexto de pobreza, e vulnerabilidade na região
do Jardim Elisa Maria em São Paulo, na Brasilândia. Por diversas vezes presenciei
um contexto de pai presente, dentro de minha casa, porém um contexto de
microviolências diárias, que minaram em uma infância insegura, física e
psicologicamente.

3 Dos 657,8 mil presos em que há a informação da cor/raça disponível, 438,7 mil são negros (ou
66,7%). Os dados são referentes a 2019. Disponivel em:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/10/19/em-15-anos-proporcao-de-negros-nas-prisoes-
aumenta-14percent-ja-a-de-brancos-diminui-19percent-mostra-anuario-de-seguranca-publica.ghtml.
Acesso em: 09/05/2023
A partir do conceito de escrevivência de Conceição Evaristo (2020),
acredito se fazer capaz para o sujeito analisado descrever as camadas de violência
a qual foi submetido, e também capacitá-lo para produzir análises mais empáticas
destes contextos.
Estudo a periferia e as nossas vidas para compreender quem sou
(KILOMBA, 2008), minha escrita é para cura. Cura minha e dos meus. Do lugar de
onde venho muitas pessoas não são amadas, desde sua infância, repetindo o
trauma colonial posto para nosso povo. E reproduzem o desamor por meio de seu
sofrimento cotidiano. O sofrimento não é inerente ao ser, o vazio do neurótico pode
ser preenchido por muitas coisas, uma delas é o direito à vida, o direito a comer,
manter o corpo vivo, e de ter sua subjetividade respeitada e garantida, sua
existência preservada em corpo, mas também em alma e espírito. Por isso, em
minhas pesquisas destaco a importância da produção artística e intelectual dos
sujeitos e sujeitas periféricos e periféricas. Para não sermos reduzidos a uma massa
que reproduz e produz fazendo a roda do capitalismo girar todos os dias. Sistema
que produz o epstemicídio de nosso povo preto e periférico (CARNEIRO, 2005).
O corpo da periférica antropóloga (NASCIMENTO, 2019) também se
faz necessário ser imbricado na pesquisa, pois a mesma serve como lente, como
dicionário que traduz as emoções e reelabora as memórias vivenciadas em seu
contexto de subalternidade. Uma estrutura arquitetada na qual a mulher está
submetida ao sistema, seja pela religião, pela sexualidade, pela família, ou pela
pobreza e falta de acesso ao trabalho digno.
Muitos podem ser os ângulos de análise desta pesquisa. Acredito que
os dados quantitativos deem conta de esclarecer e confirmar as hipóteses geradas
pelas entrevistas qualitativas. Mesmo tendo o olhar de uma pesquisadora negra e
periférica, que por vezes irá iluminar o olhar sobre detalhes das camadas de
subjetividade dos nossos interlocutores, no caso interlocutoras. Proporcionando a
esta pesquisa uma observação profunda das camadas subjetivas do contexto
analisado.
Meu objetivo com esta proposta não é dar direcionamento a esta
pesquisa, mas realizar uma construção conjunta a professora Teresa Caldeira sobre
a forma de narrar nossa história, bem como já foi experenciado na Pesquisa
Trânsitos Educacionais na Brasilândia, na qual a mesma proporcionou ao grupo um
lugar de protagonista de nossa história. Neste momento mais experiente e com uma
maior dimensão do objeto estudado, espero poder contribuir com o projeto de forma
que o conhecimento construído em parceria da Professora Teresa Caldeira, e junto
ao NEV e ao projeto PODHE, sirvam como base para que eu possa conseguir
continuar desenvolvendo esta análise sobre a vida cotidiana na periferia e as
relações de raça, gênero e desigualdades podem ser abordadas pela produção
sociológica contemporânea.

Atenciosamente,
Mayara Amaral dos Santos

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