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Resumo: Este artigo vai tratar da questão das crianças e dos adolescentes infratores, seus descaminhos e o descaso do mundo da
educação com essa realidade. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica na produção científica da área, associada à militância em
Direitos Humanos dos autores, que irá dialogar com a realidade desses jovens, que invisíveis, muitas vezes foram postos pra fora
da Escola ou não lograram a honra de passar por ela e, em grande parte das vezes, não tiveram o direito de completar dezoito anos.
Uma discussão em torno do papel da Educação nessa problemática tão desesperadamente triste, onde o extermínio toma o lugar da
exclusão; fator que ao invés de suscitar a compaixão da sociedade, acaba por despertar estranhos sentimentos de vingança, que
acabam resultando no desejo de redução da maioridade penal, através da admissibilidade, pela CCJ, da PEC 171/93. Trata-se de
oferecer uma contribuição teórica ao debate sobre exclusão, pobreza, violência e ausência do Estado e, principalmente, na
formulação de argumentos contra redução da maioridade penal; invocando nesse debate o papel de uma educação humanizada e
amorosa, que seja capaz e enxergar esse enorme contingente de jovens que teimam em nascer e morrer sem que a Escola se dê ao
trabalho de se ocupar deles. O trabalho contará com a interlocução teórica de autores que discutem Direitos Humanos, Direito à
Educação, História da Educação, Educação Inclusiva e Humanística, Sabrina Dias, Erving Goffman, Howard Becker, Manuel
Sarmento e Rita Marchi, Humberto Maturana, Azoilda Trindade, Dermeval Saviani, Luiz Antônio Senna, dentre outros.
da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora do Projeto de Pesquisa e Extensão,“Do Cárcere à
Universidade”.
expostas acima, e nem é socializada por agentes únicos - Família e Escola - como chama a
atenção Dias (2012) que os identifica como: “detentoras do monopólio da socialização” (Dias 2012:72), e em tempo, já
apontava para novas agências de socialização em um mundo heterogêneo. Assim, chega-se ao ponto de interpretar que a
infância ameaçadora, nem socializada é, ou seria.
Antes de tratar dos pormenores quanto às possíveis desassistências, faz-se
necessário identificar na sociedade, eventuais agências que contribuem para legitimar a infância. Logo, reflete-se
também nesse estudo, sobre a agência midiática, que via áudio visual e meios televisivos acabam “determinando” o que
não pode faltar para uma infância saudável e feliz. As novelas, minisséries e outros meios de entretenimento traçam um
perfil comportamental e vinculado ao consumo desse mercado específico, e que através de brinquedos, roupas,
materiais escolares customizados, correspondendo aos modelos transmitidos pela mídia, corroboram com a formulação
de uma determinada ideia, bastante tendenciosa, de infância “feliz”. Há também como determinante de infância legítima
as questões da alimentação, trazendo uma série de guloseimas que “marcam” a infância; produtos que “toda criança tem
que consumir”, produzindo o sentimento de que quem não consumiu tais produtos, nem ao menos criança foi, ou
possuiu infância.
Assim, esse texto se inclina para as crianças que não vivenciaram um lar, uma
família, Escola, religião, roupas de marcas e brinquedos, alimentos e guloseimas diversas. Chico Buarque em “PIVETE”
canta a trajetória desse infante sonhador. Um adolescente que luta por um trocado trabalhando no sinal, e faz uso de um
canivete ou de uma bereta, que é um modelo de arma, que transita pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro. Essa criança
que sobe em morros vai ao ponto de venda de substâncias criminalizadas, que se “maloca”, e já que não possui casa, é
também uma criança que “sonha aquela mina, dorme gente fina e acorda pinel” (Chico Buarque – PIVETE 1978).
O que estaria sob ameaça seria um grupo específico de jovens que sofre inúmeros
tipos de violências, que padecem com o fato de serem vilipendiadas quanto aos seus direitos, e que nesse ponto, são
criminalizadas, pois como observou Sarmento e Marchi (2012) há uma incongruência onde observa-se “ um duplo
constrangimento: a criança ‘de rua’ está excluída dos seus direitos ‘de criança’, mas é juridicamente e simbolicamente
penalizada por isso” (Sarmento e Marchi 2012:7) e só passa a ser penalizada, por ser uma representação de ameaça, pelo
fato de ser uma “não criança” (Sarmento e Marchi 2012).
O rei, o bedel, o juiz e toda personificação de controle que venha para conter
qualquer tentativa de desvio, não foram suficientes para que os moldes ideais para a infância moderna ajustassem as
crianças ao contexto social.
As crianças e os adolescentes de um contexto social empobrecido e, dessa forma,
vulneráveis, foram excluídos dos seus direitos por questões de falta de acesso aos bens culturais que têm direito, e não
conseguiram viver em uma infância como a idealizada pelos princípios da Modernidade, devido as suas limitações, em
especial, as econômicas.
São crianças desprovidas de toda uma assistência fraternal, de questões afetivas e,
consequentemente, excluídas economicamente. Essas crianças vivem numa distorção de vivência familiar, com os
conceitos de família deturpados, sem reconhecimento de seus possíveis responsáveis, pois além das formas já
mencionadas, eventualmente podem ter vivido em abrigos e em casas de outros parentes, mas sem uma pessoa
responsável que os protegesse, ou viveram sob a convivência de “responsáveis” que eventualmente foram vítimas e
autores de violências, que estão sob a vulnerabilidade dos vícios, e do desemprego e que refletem as consequências
nocivas desses problemas sociais sobre essas crianças, que tornam-se estigmatizadas. Na opinião de Goffman (1963) a
pessoa estigmatizada sofre com a sua não aceitação pelos demais, pois “não conseguem lhe dar o respeito e a
consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social haviam levado a prever e que ela havia previsto
receber” (Goffman, 1963: 18).
Em meio a essa perversa realidade familiar, essas crianças e jovens
estigmatizados e “ameaçadores” vivem em casas, que quase nunca são um “lar doce lar”. Antes, são moradias situadas
em “aglomerados de subnormais”, termo que é utilizado pelo IBGE para designar as favelas e moradias insalubres, onde
há certa inconstância em morar permanentemente no mesmo lugar. Sãos esses meninos e meninas que vivem situações
de remoções, são despejados de suas casas por conflitos de facções entre si e entre milicianos, que perdem suas
moradias por causa de fenômenos da natureza e de um Estado que não cumpre o seu papel de proteger, permitindo que
famílias pobres se instalem em locais de risco, que sofrem constantes remanejamentos por causa do preço do aluguel; e
nesse nomandismo continuo em suas vivências é que precisam manter-se firmes para se estabelecerem como crianças
normais e viverem uma infância tranquila.
Estabelecer um ponto firme para quem vive em oscilação, e em estado de
completa anomia, é um desafio imenso, e por conta de toda a complexidade da questão,
o se faz e a real experiência do mundo com suas regularidades. Estes autores lançam um
desafio aos professores, como tarefa pessoal, de perceber tudo o que implica essa coincidência contínua do ser, do fazer
e do conhecer, e aconselham a
deixarmos de lado a nossa atitude cotidiana de pôr sobre nossa experiência um
selo de inquestionabilidade, como se ela refletisse um mundo absoluto. O central
na convivência humana é o amor, as ações que constituem o outro como um
legítimo outro na realização do ser social que tanto vive na aceitação e no
respeito por si mesmo quanto na aceitação e respeito pelo outro (Maturana e
Varela, 2003: 31).
Corroborando com essa ideia Trindade (2000) complementa as afirmações acima
dizendo que “os educadores(as), professores(as), têm que ter uma confiança inabalável na potência da vida dos seus
alunos, olhá-los e serem capazes de se fascinarem com a vida e as múltiplas possibilidades que ela nos apresenta. O
respeito é a palavra chave, a categoria mais relevante da prática de uma educação para toda a vida.
É ainda Trindade (1999) que aconselha os professores a olharem os alunos como
capazes e maiores, que vai alertá-los dizendo que a sua ação precisa ter o objetivo de superestimá-los, de modo a investi-
los das suas múltiplas possibilidades, e essa atitude pode, junto com os outros fatores, ajudar para que eles se acreditem,
assim, capazes. Ela nos instiga dizendo que “aprendemos este preconceito relativo ao que seja um ser humano ideal e
quando nos deparamos com nossos alunos reais ou abrimos mão dessa idealização ou passamos a exercer o nosso
racismo, machismo; passamos a estigmatizar e individualizar nossa realidade” (Trindade, 2000:11).
Na opinião de Trindade (2000), é necessário que esses jovens tenham em seu
caminho alguém em quem possam confiar, alguém que seja capaz de dizer “vai, vá”; alguém que diga “vem”; ou alguém
que seja capaz de dizer “vamos”.
O que mais impressiona nessa história de exclusão e negação dos direitos dos
jovens de estarem na Escola e não sob a ameaça de serem encarcerados é que o século XX foi incrivelmente produtivo
no que se refere à criação de leis que garantissem os direitos da criança e do adolescente. Criou-se a Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948), a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), a Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996), além dos princípios constitucionais impressos na Carta Magna de 1988. Perversamente oposto a essa
proficuidade a situação do século XXI é diametralmente oposta a todo esse aparato que deveria garantir o acesso, a
permanência e
o sucesso delas na Escola. Guiada pela ideia de controle a Escola busca a dominação, que
nega e exclui o outro. Pensa-se equivocadamente que o conhecimento permite o controle, o que é absolutamente falso. A
educação para a compreensão, para a tolerância, para a amorosidade, está ainda muito ausente das práticas pedagógicas
vigentes.
Assim, enquanto a Escola não for capaz de se (re)fazer, de se (re)ver, os
adolescentes pobres e negros estarão vivendo no fio de uma navalha, como alvo fácil de uma sociedade raivosa, e um
Estado omisso, de uma polícia militarizada, cruel e violenta.
A luta por uma Escola que se importe e esteja disposta a se envolver na questão
desses jovens está aí, e não é simples nem fácil! Mas é possível, muito instigante, necessária e por demais
revolucionária.
E mais uma vez vale ouvir Chico Buarque e Sivuca (1978):
Vem, me dê a mão,
A gente agora já não tinha medo.
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido.
(João e Maria - Chico Buarque e Sivuca, 1978)
E que a Escola um dia seja capaz de acabar com o medo de todas as crianças,
jovens, adolescentes, professores e professoras, construindo um mundo justo e fraterno, onde cada pessoa, seja “obrigada
a ser feliz”!
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