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O sentimento e a valorização atribuídos à infância nem sempre existiram na forma como hoje
são conhecidos e difundidos. O papel e desempenho das crianças estão diretamente ligados às
expectativas dos adultos e, portanto, ao conceito que cada sociedade atribui à infância, assim
“[...] essa idéia de infância está imbuída de significações ideológicas, não só a nível da relação
da criança com o adulto, mas também a nível das relações da criança com a sociedade”
(KRAMER, 1995, p. 21).
Na antiguidade, a figura das crianças estava vinculada com o “mal”, pois acreditava-se que
eram fruto do pecado e que por isso nasciam com “o demônio no corpo”. Assim, carregavam o
estigma da maldade e precisavam ser corrigidas e disciplinadas por meio de punições e
castigos para serem levadas ao caminho do “bem”.
A infância não é valorizada em toda a cultura antiga: é uma idade de passagem, ameaçada por
doenças, incerta nos seus sucessos; sobre ela, portanto, se faz um mínimo investimento
afetivo. (ARIÈS, 1981 apud CAMBI, 1999, p. 82)
E foram, talvez, bem mais longos os períodos em que a infância foi, não somente ignorada,
mas também rejeitada e, absolutamente, desprezada por toda a sociedade, no que diz
respeito às suas crenças, seus valores e seus costumes, e isso inclui a Igreja e o Estado, que por
extensos períodos da história entrelaçaram seus poderes, como uma só figura, sem maiores ou
mais explícitas definições de limites de função e poder social. (RIZZO, 2006, p. 19)
Até mesmo os pais não se importavam com seus filhos e este desprezo chegou a tal ponto que
se extinguiu qualquer tipo de sentimento fraterno assim, as crianças desempenhavam apenas
um papel marginal nas relações sociais, tanto que:
O desprezo, o desrespeito e a violência contra a infância sempre muito presentes na história
da civilização humana, embora muitas vezes camuflados por confortáveis fantasias que
aliviavam a culpa dos adultos, que maltratavam a criança em nome de Deus ou por outra
justificativa disciplinadora. Aos pais, durante muitos e muitos séculos, até passado muito
próximo, foi permitido bater e aplicar em seus filhos qualquer sorte de castigo ou punição, mas
na Antiguidade este poder era absoluto, defendido e difundido entre todas as classes sociais,
de uma maneira inquestionável, até mesmo pela igreja da época. (RIZZO, 2006, p. 22)
Desde muito cedo as crianças eram requisitadas para o mundo do trabalho e quando
adoeciam, não tinham acesso a nenhum tipo de cuidado médico. Somente as curandeiras
utilizavam as ervas disponíveis para tratá-las, mas a precariedade do atendimento somada às
péssimas condições de higiene e a falta de cuidados básicos faziam com que a maior parte
delas morressem.
O que motivou o início da preocupação com os cuidados com a criança foi, na verdade, a
necessidade de preservação das riquezas, das propriedades e do poder do Estado-Igreja. E foi
somente em decorrência deste fato que, algum tempo depois, começou-se a condenar o
aborto, para refazer a criação de homens do povo e abastecer os exércitos. (RIZZO, 2006, p.
27)
Com a Revolução Industrial o abandono de crianças aumentou, pois “[...] o mais importante
para o povo era sobreviver, deste modo a negligência e o desprezo pela infância tornaram-se
aceitos como regra de costume” (RIZZO, 2006, p. 31).
No ano de 1844, em Paris, Firmim Marbeau criou uma instituição com o intuito de limpar as
ruas do “estorvo” e da “sujeira” provocados pelas crianças abandonadas e, apesar da teoria de
Rousseau ter chamado a atenção para as necessidades da criança e também para as condições
de seu desenvolvimento pouca coisa mudara, pois até mesmo as crianças que pertenciam às
famílias das classes altas da sociedade, continuavam sendo vistas como inferiores, estorvos,
porque ainda esperava-se das mesmas um comportamento de adulto.
No final do século XIX, a criança ainda era concebida como um objeto descartável, sem valor
essencial de ser humano, mas a partir do século XX professores e médicos começaram a
aceitar a idéia de que a criança tivesse necessidades e sentimentos próprios.
No século XX, mais precisamente em 1947, a UNESCO (União para a Educação, a Ciência e a
Cultura das Nações Unidas) apresenta uma nova concepção dos direitos da criança e, em 1959,
foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças que prevê a interação social,
cultural e financeira das mesmas. Porém mesmo com algumas medidas de amparo à criança,
castigos e situações de violência continuam a ocorrer em todas as classes sociais e a sociedade
acaba aceitando impunemente. Assim, para Rizzo “[...] ninguém gosta daquilo que não
conhece bem, e a criança ainda é um tanto desconhecida da maioria da sociedade. Lidam com
ela, temerosa e cheia de dedos” (RIZZO, 2006, p. 40).
Estudos contemporâneos sobre a infância enfatizam que a criança é um ser social, que possui
história e que além disso, é produtora e reprodutora do meio no qual está inserida, atuando,
portanto, como produtora de história e cultura. (MICARELLO; DRAGO, 2005, p. 133)
A existência de uma concepção abstrata de infância, segundo Kramer, considera somente a
natureza infantil, ignorando o contexto social e as relações de produção presentes na
sociedade no qual a criança está inserida. Assim, segundo a autora:
Considerar a criança como um ser mitificado e angelical é negar sua condição de sujeito
histórico e social, capaz de expressar idéias e sentimentos e de assumir sua condição de sujeito
inventivo. (KRAMER, 2005, p. 133)
O papel destinado às crianças baseia-se na imagem de um ser puro que não tem nenhuma
consciência dos processos sociais, políticos e econômicos porque é considerada incapaz de
opinar e expor seus próprios desejos.
Deste modo, ao entender a criança em relação ao contexto social a valorização da infância está
diretamente vinculada às modificações políticas e econômicas da estrutura social.
É necessário, portanto, compreender que a criança é um ser social, uma pessoa, um “cidadão
de pouca idade”, enraizada numtodo social que a envolve e que nela imprime padrões (de
autoridade, de linguagem e de outros aspectos sociais) diferentes do modelo de criança que
existe nos manuais. (KRAMER, 1989, p. 24)
No Brasil, a legislação que vem sendo gestada desde a promulgação da Constituição Federal de
1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil, os aspectos sociais, econômicos e culturais vem sendo
imprescindíveis para se conceituar a infância.
A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma
organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em
um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se
desenvolve, mas também o marca. (BRASIL, 1998a, p. 21)
Embora tenhamos uma legislação moderna e por meio destas tenham surgido várias ações de
proteção à criança, muitas barbáries ainda acontecem e são admitidas atualmente. O descarte
por assassinato, a venda da filha mulher, o abuso sexual e a freqüente exploração da mão de
obra infantil, retrata que muito há de se fazer para resguardar os direitos das crianças.
Segundo Rizzo, “Mais surpreendente ainda é o fato de que se este desrespeito pela criança
ainda esteja presente em algumas sociedades de hoje” (2006, p. 20).
Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrentam um cotidiano bastante adverso que as
conduz desde muito cedo a precárias condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso e
exploração por parte dos adultos. (BRASIL, 1998a, p. 21)
A primeira instituição voltada ao amparo de crianças surgiu na Europa Medieval e foi chamada
de “roda dos expostos” ou dos “enjeitados”. De caráter assistencialista e caritativo, tinha como
objetivo encobrir a identidade das mães solteiras que geralmente pertenciam à corte, pois
[...] somente estas tinham do que se envergonhar e motivo para descartar do filho indesejado;
as pobres precisavam dos filhos para ajudar no trabalho, e dos filhos das escravas precisavam
os senhores abastados. (RIZZO, 2006, p. 37)
A prioridade da roda dos expostos não era o atendimento aos pequenos, mas uma tentativa de
resolver determinadas questões que afligiam a sociedade da época.
A roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor, evitando-se, na ausência daquela
instituição e na crença de todas as épocas, o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio.
Além disso, a roda poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam
engravidado fora do casamento. Alguns autores atuais estão convencidos de que a roda serviu
também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia
métodos eficazes de controle da natalidade. (MARCÍLIO, 2006, p. 74)
Assim, a qualidade do trabalho prestado por esta instituição estava longe de ser considerado
satisfatório, porque “[...] na realidade, a quase totalidade destes pequenos expostos nem
chegavam à idade adulta” (MARCILIO, 2006, p. 55).
Antes do surgimento desta instituição erafreqüente ocostume de abandonar as crianças não
desejadas em bosques, caminhos, portas de igrejas e de casas de família. Quando não eram
recolhidos pelas “almas caridosas” os pequenos ficavam a mercê da própria sorte e também
expostos a todo tipo de perigo. Deste modo, “As crianças que eram encontradas e que não
recebiam a proteção [...] pela roda dos expostos acabavam sendo acolhidas em famílias que as
criavam por dever de caridade ou por compaixão” (MARCÍLIO, 2006, p. 70).
No entanto, muitas famílias substitutas adotavam-nas somente por interesses próprios tendo
em vista uma mão de obra futura e gratuita para ser explorada e utilizada como suplemento
para a renda familiar.
A infância continuava a ser ignorada e muitas crianças abandonadas ficavam vagando pelas
ruas. Algumas pessoas, por filantropia, resolveram acolher os “desvalidos” e, assim. “[...] a
sociedade aplaudiu, pois todos queriam ver as ruas limpas do “estorvo” e da “sujeira”
provocados pelas crianças abandonadas” (RIZZO, 2006, p. 32).
Os primeiros espaços destinados ao abrigo dos filhos das operárias foram criados devido à
pressão exercida pelas mulheres trabalhadoras para a criação de um local apropriado para se
deixar os filhos, atendendo aos interesses dos patrões, donos de fábricas, e das reivindicações
do movimento feminista.
Deste modo, em 1844, foi criada em Paris a primeira creche cujo significado em português é
manjedoura, lugar onde comem os animais assemelhando-se desta maneira, a figura das
crianças com a dos animais. Este local não garantia nenhum tipo de atendimento digno para as
crianças porque não supria nem mesmo as necessidades básicas dos pequenos.
Com este objetivo, ignorando-se as demais necessidades da criança, como abrigo, segurança
física e psicológica, carinho, companhia, proteção do adulto e brinquedo foi criada a primeira
instituição, com a específica finalidade de evitar a desgraça em que se tornara o serviço das
gardeuses d’ enfantas, transformado, então, em faiseuses d’ anges (aborteiras). (RIZZO, 2006,
p. 32-33)
Por volta do ano de 1837, começavam a surgir os primeiros jardins de infância criados por
Frederick Froebel. Seu trabalho foi destinado à crianças pobres nas favelas alemãs de Berlim.
Assim, como Froebel outros pensadores, se destacaram pelos seus trabalhos voltados à
infância. A médica Maria Montessori criou a “Casa Dei Bambini” ou “Casa das Crianças”
direcionada ao atendimento de crianças pobres de um bairro operário na Itália.
Froebel iniciando os jardins de infância nas favelas alemãs (Berlim), em pleno surgimento da
Revolução Industrial; Montessori, no final do século XIX e inicio deste século, desenvolvendo
trabalhos de trabalho pré-escolar voltados para crianças pobres de favelas italianas;
MacMillan, contemporânea de Montessori enfatizando a necessidade de assistência médica e
dentária bem como de estimulação cognitiva, para compensar as deficiências das crianças.
(KRAMER, 1995, p. 25).
No início do século XX, começava nos Estados Unidos, a defesa pela institucionalização de
asilos, lares e estabelecimentos para abrigar as crianças pobres e assim, “[...] a educação pré-
escolar do pobre continuou, ainda por muitos anos, sendo de responsabilidade filantrópica, de
caráter assistencialista e eventual” (RIZZO, 2006, p.38).
Assim como em outros países, no Brasil “a ideia da infância não existiu sempre e nem da
mesma maneira [...] ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial” (KRAMER,
1995. p. 19).
Por influência de Portugal foi estabelecida a “roda de expostos” que se constituiu em uma das
instituições de mais longa vida na história do atendimento à primeira infância no Brasil. Surgiu
no período colonial (1500-1822), expandiu-se no período imperial (1822-1889) e só foi extinta
com o fim da escravidão (1888).
A tradição passou para o Brasil quando no século XVIII, se reivindicou à coroa a permissão de
se estabelecer uma primeira roda de expostos na cidade de Salvador da Bahia, junto à sua
Misericórdia e nos moldes daquela de Lisboa. (MARCILIO, 2006, p. 59).
A falta de políticas públicas de atendimento à primeira infância fez com que esse papel fosse
ocupado por missionários e, como conseqüência, o assistencialismo passou a ser incorporado
nas instituições de amparo às crianças.
É bem verdade que, na época colonial, as municipalidades deveriam, por imposição das
Ordenações do Reino, amparar toda criança abandonada em seu território. No entanto, esta
assistência não existiu, não criou nenhuma entidade especial para acolher os pequenos
desamparados. As câmaras que amparavam seus expostos limitaram-se a pagar um estipêndio
irrisório para que as amas-de-leite amamentassem e criassem as crianças. (MARCILIO, 2006. p.
53)
Os missionários assumiram o papel das câmaras municipais que procuravam se eximir das suas
atribuições quanto amparo à criança. Marcílio ressalta que “Além disso, ordens religiosas de
caridade fundaram asilos e orfanatos por toda parte” (2006, p. 78).
Durante a colônia, foram implantadas três rodas, a primeira em Salvador, outra no Rio de
Janeiro e a última em Recife. Assim, como o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, a roda
dos expostos também sobreviveu até a década de 1850 como foi o caso de Salvador. Deste
modo, considera-se que os avanços na história do atendimento a criança brasileira são tardios,
pois por “[...] quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única instituição
de assistência à criança abandonada em todo o Brasil” (MARCILIO, 2006, p. 53).
Deste modo, a necessidade de se conseguir um local para deixar as crianças enquanto as mães
trabalhavam fez com que fossem criadas as primeiras instituições para acolher os filhos das
operárias. Porém, funcionava de forma precária, sem cuidados básicos de higiene, alimentação
e também sem pessoal preparado para exercer tal tarefa, assim estes “espaços” funcionavam
como depósitos de crianças.
A vinda dos imigrantes europeus para o Brasil a partir do início do século XX incentivou ainda
mais os movimentos em prol da criação de espaços apropriados para as crianças, pois estes
trabalhadores vindos da Europa já tinham um conhecimento mais amplo sobre seus direitos.
As creches foram criadas nessa época e destinavam-se ao atendimento das crianças pobres.
Somente os cuidados com alimentação e higiene eram oferecidos, sendo deste modo ausente
de qualquer caráter educativo.
Embora houvesse instituições para ricos e outras para pobres, o fato é que no sentido geral
tanto para uma quanto para outra a concepção de infância não mudava, pois os pequenos que
ainda eram considerados como seres inferiores.
Em 1889, foi criado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância que precedeu a criação do
Departamento da Criança em 1919. Ambas consistiram em uma iniciativa governamental,
porém voltadas à saúde pública.
O 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, de 1922, apelara justamente para o apoio das
autoridades governamentais. No intervalo do 1º ao 2º Congresso – realizado em 1933 - foram
introduzidos órgãos novos na aparelhagem da assistência à infância, tais como lactários,
jardins de infância, gotas de leite, consultórios para lactentes, escolas maternais, policlínicas
infantis. (KRAMER, 1995, p. 59)
Dos debates que ocorreram a respeito da renovação pedagógica o Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova teve grande importância porque defendia a escola e a educação como função
pública, a existência de escolas para meninos e meninas e ensino elementar laico, gratuito e
obrigatório. As ideias defendidas pelo Manifesto se consolidaram posteriormente na
Constituição Federal de 1988.
Kramer ressalta que “Essa valorização da criança seria gradativamente acentuada nos anos
pós-1930” (1995, p.56). Porém, a criação de diversos órgãos de atendimento à criança
brasileira foi fragmentada:
Ela expressa, sobretudo, a forma estratificada com que a criança é encarada: o problema da
criança é fragmentado e pretensamente combatido de forma isolada, ora atacando-se as
questões da saúde, ora do “bem-estar” da família, ora da educação. (KRAMER, 1995, p. 87)
Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos, educadores e leigos eram
solicitados a realizar juntos com o setor público a proteção e o atendimento à infância, com a
direção e alguma subvenção deste último. (KRAMER, 1995, p. 61)
A falta de verbas e recursos para o investimento na educação das crianças pequenas denuncia
o fato do poder público não se responsabilizar pelo problema causando, deste modo,
acusações entre as diversas áreas de atuação dentre elas a educação, saúde e assistência
social.
Neste quadro, percebem-se duas tendências que até hoje os dias de hoje caracterizam o
atendimento à criança em idade pré-escolar: o governo proclama(va) a sua importância e
mostra(va) a impossibilidade de resolvê-lo dada as dificuldades financeiras em que se
encontra(va), enquanto imprimia uma tendência assistencialista e paternalista à proteção de
infância brasileira, em que o atendimento não se constituía em direito, mas em favor.
(KRAMER, 1995, p. 61)
A história do atendimento à criança pequena no Brasil foi marcada pelo assistencialismo e pela
guarda de crianças conforme abordado no capítulo anterior. A ausência de políticas públicas e
o descaso do Estado provocaram a falta de planejamento e de criação de infra-estrutura
adequados para o atendimento dessa faixa etária. A escassez de investimentos resultou na
precariedade das instalações de muitas instituições de atendimento às crianças de 0 a 5
anos[1].
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
Art. 208. Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.
Ao analisar a ampliação dos direitos das crianças bem como o conceito de qualidade que se
aplica nos documentos oficiais da educação brasileira, Corrêa (2003) afirma:
Quanto à questão educacional, o aspecto mais relevante da Constituição Federal de 1988 para
a educação infantil está em seu art. 208, inciso IV, ao afirmar que o “dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos de idade. “Além de outros tópicos importantes no que diz respeito
ao atendimento de 0 a 6 anos na lei maior do país, interessa destacarmos, no seu artigo . 206,
no qual se afirmam os princípios sob os quais o ensino deve ser ministrado, o contido no inciso
VII – “garantia de padrão de qualidade” – como um dos norteadores também para as
instituições de educação infantil. Com base nesses artigos, podemos concluir que, no plano
legal, a oferta de educação infantil não apenas passar a ser uma obrigação do Estado como
também dever ser oferecida com qualidade. (2003, p. 91).
Embora ainda se possa considerar que a Constituição Federal de 1988 constitui-se num grande
avanço para a educação brasileira, muitas instituições de educação infantil encontram-se em
péssimas condições de utilização. Este aspecto nos leva a inferir que os direitos das crianças
nestas circunstâncias acabam por serem ignorados.
OCONANDA, Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, Lei n. 8.242 de
12 de outubro de 1991, atua nas esferas municipais, estaduais e federais. De caráter
deliberativo, este Conselho, tem a responsabilidade de formular, controlar e possibilitar a
efetivação das políticas públicas para a infância e adolescência. Assim, também os Conselhos
Tutelares são autônomos e têm suas atribuições voltadas para o cumprimento dos deveres e
direitos da criança e do adolescente.
Art. 53- A criança e o adolescente tem o direito à educação, visando ao pleno exercício da
pessoa, preparo para o exercicio da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-
lhes:
V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência. (BRASIL, 1990, art. 53)
Em 1996, após sete anos de discussões e trâmites legais, foi aprovada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Este documento
contribuiu de forma significativa para a mudança de rumos na educação brasileira ao reafirmar
as responsabilidades dos Estados e municípios na busca de qualidade para a Educação Infantil.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, de 1996, além de ratificar o contido na
Constituição e no Eca quanto à obrigatoriedade de oferecimento de educação infantil em
creches e pré-escolas por parte do Estado (art. 40, inc. IV), em seu art. 29 define como
finalidade da educação infantil “ o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade.” Além disso, afirma que a avaliação nessa etapa da educação “far-se-á
mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso do ensino fundamental”. Pelo que se tem, embora não se explicite
especificamente a temática da qualidade para a educação infantil, o seu conteúdo demonstra
preocupação com a questão ao propor como objetivo o desenvolvimento integral da criança e
uma avaliação de caráter mais qualitativo. (CORRÊA, 2003, p. 92)
Pode-se dizer que todos os estudos sobre o fenômeno educacional implícita ou explicitamente,
perecem discutir, questionar e, no limite, apontar novos métodos, estratégias, meios etc. para
uma melhoria da assim chamada qualidade da educação. O mesmo vale para as políticas
educacionais, especialmente no que diz respeito às chamadas “reformas educacionais” que, ao
menos no plano do discurso, justificam suas propostas e projetos com base na necessária
busca da melhoria da qualidade da educação. Ao mesmo termo, contudo, pode assumir
diferentes significados e posicionamentos tanto ideológicos quanto práticos. (CORRÊA, 2003.
p. 86)
Para Corrêa (2003), a “qualidade” não se traduz em um conceito único, universal e absoluto, é
um conceito relativo baseado em crenças, valores e subjetividades.
Tocar nestes modelos, hoje é importante por conta da avalanche de seminários, produções
sobre qualidade e/ ou qualidade total que vem invadindo o país. Os modelos criticados por
Pfeffer e Coote são: o tradicional, o científico, o da excelência e o conservista. Talvez dentre
eles, no Brasil, o mais difundido seja o tradicional que visa prestígio e posições vantajosas. Ele
é perceptível, por exemplo, em toda creche, seja pública ou conveniada, que, ao ali se entrar
tem-se a sensação de um cartão de visitas: para mantê-las as regras são autoritárias; o espaço
é pensado para o visitante. Ele está presente na ampliação de vagas, na extensão da oferta de
creches para engrossar estatísticas de atendimento a custas de redução do per capita. Ele está
presente, quando o programa de creches responde a fins eleitorais, construindo-se prédios
que mais se parecem out-doors. Quando ao invés de investir na melhoria da qualidade de
programas já existentes, se criam novos programas, com nomes pomposos, para marcar a
nova administração. (ROSEMBERG, 1994 apud CORREA, 2003, p. 87)
Em suma, os documentos oficiais não explicam o que seria a qualidade e não especificam
critérios para alcançá-la.
Segundo Corrêa (2003), até o ano de 2003, o governo elaborado políticas de financiamento
para a Educação Infantil. E, mesmo, com a realização de um grande número de seminários e
debates à respeito, nada foi concretizado neste sentido.Por outro lado, segundo o governo:
Na LDB, a construção e a conservação das instalações escolares são incluídas nos orçamentos
de educação. A partir daí, uma série de documentos legais é produzida com o objetivo de
definir critérios de qualidade para infra-estrutura das unidades destinadas à educação da
criança de 0 a 6 anos. (BRASIL, 2006a, p. 10)
Em 1998, com o objetivo de auxiliar o trabalho educativo junto às crianças pequenas foram
criados os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Divididos em três
volumes e de caráter não obrigatório, esse documento contribuiu para o desenvolvimento
integral das crianças ao enfatizar o respeito à infância e o direito à cidadania. Segundo este
documento,
O espaço deve ser pensado de modo que as crianças possam usufruí-lo de maneira plena. No
planejamento e na estruturação do espaço físico, devem-se levar em conta os projetos, as
atividades desenvolvidas e a faixa etária das crianças, pois segundo o Referencial Curricular:
Nestes espaços acontecem as brincadeiras ao ar livre que são muito importantes na Educação
Infantil, uma vez que contribuem para o desenvolvimento das potencialidades das crianças, e
constituem-se em espaços ricos de convivência e de exploração do ambiente.
[...] 70% dos estabelecimentos não têm parque infantil, estando privadas da rica atividade
neste ambientes nada menos que 54%. É possível que muitos dos estabelecimentos sejam
anexos a escolas urbanas de ensino fundamental onde o espaço externo é restrito e tem que
ser dividido com muitos outros alunos. Dada a importância do brinquedo livre, criativo, e
grupal nessa faixa etária, esse problema deve merecer atenção especial na década da
educação sob pena de termos uma educação infantil descaracterizada pela predominância da
atividade cognoscitiva em sala de aula. (Brasil, 2001, p. 37-38)
Deste modo, é notável a distância existente entre o discurso do governo para melhorar as
condições de atendimento para as crianças pequenas e a realidade em que se encontra o
atendimento para este público.
Não menos importante que os parâmetros, a Resolução CEB, Nº 1, de 7 de abril de 1999 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, ressalta entre outros
aspectos, a importância do uso do espaço físico em conjunto com as propostas pedagógicas e
regimentos para subsidiar a execução e aperfeiçoamento das Diretrizes Curriculares
Nacionais.
Ao refletir à respeito destes princípios nota-se que, segundo as Diretrizes, é necessário pautar
as propostas pedagógicas em princípios de ludicidade e manifestações culturais. Mas, para
que tais princípios se cumpram, é necessário que as propostas pedagógicas contemplem a
importância do espaço físico e o visualizem como um elemento educador.
Os espaços físicos das instituições de educação infantil deverão ser coerentes com sua
proposta pedagógica, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, e com as
normas prescritas pela legislação pertinente, referentes a: localização, acesso, segurança, meio
ambiente, salubridade, saneamento, higiene, tamanho, luminosidade, ventilação e
temperatura, (de acordo com a diversidade climática regional. (BRASIL, 2000b, p. 628)
Também em relação aos espaços internos e externos os mesmos devem estar coerentes para
atender as diferentes funções da Educação Infantil, sendo também suficiente para a utilização
de mobiliários e equipamentos adequados. Devem contemplar também segundo as diretrizes
operacionais:
Local para repouso individual pelo menos para crianças com até um ano de idade, área livre
para movimentação das crianças, locais para amamentação e higienização e espaço para tomar
sol e brincadeiras ao ar livre. (BRASIL, 2000b, p. 628)
Em 2001, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) que também abordou a questão da
falta de espaço físico nas instituições de atendimento às crianças pequenas. No entanto, não
apresentou avanços em relação à política de financiamento para o atendimento das creches e
pré-escolas. Para Corrêa (2003, p. 95),
Deste modo, considera-se uma nova concepção de projeto que enfatiza a participação de
todos os envolvidos inclusive a comunidade.
Este documento em sua primeira versão e em conformidade com a meta do MEC que
preconiza a construção coletiva das políticas públicas para a educação, foi elaborado em
parceria com educadores, arquitetos e engenheiros envolvidos em planejar, refletir e
construir/reformar os espaços destinados à educação de crianças de 0 a 6 anos. (BRASIL,
2006a, p. 3)
Este trabalho, portanto, busca ampliar os diferentes olhares sobre o espaço, visando construir
o ambiente físico destinado à Educação Infantil, promotor de aventuras, descobertas,
criatividade, desafios, aprendizagem e que facilite a interação criança-criança-criança-adulto e
deles o meio ambiente. O espaço lúdico infantil deve ser dinâmico, vivo, “brincável”,
explorável, transformável e acessível para todos. (BRASIL, 2006a, p. 8)
Todavia, cabe questionar, como obter recursos suficientes para tal investimento se grande
parte das creches e pré-escolas brasileiras recebem verbas tão irrisórias que sequer
comportam investimentos básicos?
Em algumas regiões do país como o norte e nordeste, a situação geral dos prédios é precária,
faltam desde o saneamento básico até verbas para a alimentação para as crianças.
Rosemberg (1994) alerta para a importância de se refletir e ponderar sobre os vários aspectos
relacionados à expansão do atendimento para toda a faixa etária de zero a cinco anos e
indaga:
Outro avanço louvável é o atual esforço do Ministério da Educação para elaborar padrões de
qualidade para a educação infantil. Esta iniciativa surgiu para suprir a falta de uma definição
clara e consistente de Qualidade e estabelecer indicadores específicos de qualidade que
possam ser quantificados, medidos, monitorados e cumpridos. A iniciativa demonstra que o
governo está consciente de que existe um problema no cumprimento da legislação do setor.
Padrões com parâmetros mensuráveis ajudarão a facilitar o monitoramento das normas
vigentes. (BRASIL, 2009b, p. 50)
Dividido em dois volumes, que tem como referências a promoção da qualidade e de
oportunidade de igualdade educacional nas diferentes regiões do Brasil, este documento
contribui também para a elaboração e construção de políticas públicas para a educação.
Da mesma forma que defendemos uma perspectiva educacional que respeite a diversidade
cultural e promova o enriquecimento permanente do universo de conhecimentos, atentamos
para a necessidade de adoção de estratégias educacionais que permitam às crianças, desde
bebês, usufruírem da natureza, observarem e sentirem o vento, brincarem com água e areia,
atividades que se tornam especialmente relevantes se considerarmos que as crianças ficam em
espaços internos ás construções na maior parte do tempo em que se encontram nas
instituições de Educação Infantil. (BRASIL, 2006b, p. 17)
No plano legal não faltam documentos e nem parâmetros de referência para serem utilizados
pelas unidades de Educação Infantil que buscam melhorias para o atendimento às crianças
pequenas. As creches podem utilizá-los na elaboração de uma infra-estrutura planejada com
vistas a garantir a qualidade do espaço para os seus usuários.
No contexto legal da educação existem várias instâncias que tem suas atribuições definidas.
No nível federal encontra-se o Ministério da Educação (MEC), no estadual incluem-se as
secretarias de estados e Distrito Federal e nos municipios estão as secretarias municipais de
educação.
Todos estes órgãos precisam estar em conformidade com a legislação educacional nacional.
Assim, sendo uma das atribuições dos municípios consiste na “[...] elaboração de padrões de
infra-estrutura para as instituições de educação infantil de acordo com os parâmetros
nacionais e com a Lei de Acessibilidade” (BRASIL, 2006c, p. 22).
Esta Lei que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de
barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e
reforma de edifícios e nos meios de transportes e de comunicação. (Lei n.º 10.098 de
19/12/2000a, art. 1º)
Segundo o documento “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero
a seis anos”, elaborado em 2006, um dos objetivos das diretrizes para a Política Nacional para
a Educação Infantil é: “Garantir espaços físicos, equipamentos, brinquedos e materiais
adequados nas instituições de Educação Infantil, considerando as necessidades especiais e a
diversidade cultural” (BRASIL, 2006d, p. 19).
Com relação ao espaço físico uma das metas mencionadas nas Diretrizes da Política Nacional
de Educação Infantil consiste em:
espaço interno, com iluminação, insolação, ventilação, visão para o espaço externo, rede
elétrica e segurança, água potável, esgotamento sanitário;
Adaptar os prédios de Educação Infantil de sorte que, em cinco anos, todos estejam conforme
os padrões de infra-estrutura estabelecidos. (BRASIL, 2006d, p. 21-22)
Na mesma perspectiva, foi elaborada no ano de 2009, a segunda edição do deste documento
no qual Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, destacam o direito das crianças de se
movimentarem em espaços amplos e também de explorarem espaços externos ao ar livre que
possam favorecer o contato mais próximo com a natureza.
Procuramos garantir o acesso seguro das crianças à creche [...] procura ter plantas e canteiros
em espaços disponíveis.
Nossas crianças podem olhar para fora através das janelas mais baixas e com vidros
transparentes.
Nossas crianças têm o direito de correr, pular e saltar em espaços amplos, na creche ou nas
proximidades.
Nossos meninos e meninas, desde bem pequenos, podem brincar e explorar espaços externos
em espaços amplos.
Nossos meninos e meninas, desde bem pequenos, podem brincar e explorar espaços externos
ao ar livre.
Reservamos espaços livres cobertos para atividades físicas em dias de chuva. (BRASIL, 2009a,
p. 14-23)
A partir do exposto, destacamos que não faltam documentos e parâmetros que abordem a
importância do espaço físico na Educação Infantil. Muitas conquistas vêm sendo alcançadas,
todavia há um longo caminho a se percorrer, visto que o atendimento à criança pequena no
Brasil foi tardio e que é necessário, segundo os Parâmetros de Qualidade para a Educação
Infantil, “superar desafios antigos, esclarecendo questões que ainda suscitam dúvidas nos dias
atuais” (BRASIL, 2006c, p. 3).
Sabemos que não basta transferir as creches para os sistemas de ensino, pois “na sua história,
as instituições pré-escolares destinaram uma educação de baixa qualidade para as crianças
pobres, e isso é que precisa ser superado. (KUHLMANN, 1998 apud BRASIL, 2006b, p. 208)
Longe de atender os direitos das crianças brasileiras, a falta de políticas de financiamento para
a Educação Infantil prejudica a efetivação dos direitos das crianças reconhecidos pela
legislação brasileira.
Muitas reivindicações têm sido feitas no sentido de se trazer para o plano legal a efetivação
dos direitos das crianças. No plano legal, muito esforço tem sido feito no sentido do
reconhecer a importância do desenvolvimento integral da criança. Nesse contexto, o espaço
físico constitui-se em um elemento essencial para a aprendizagem significativa, desde que
também seja adequado às necessidades reais de seus usuários.
Na última década muitos debates e seminários vêm sendo realizados no sentido de se obter
subsídios para “[...] o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade” (Brasil, 1996, art. 29).
Segundo os resultados desta avaliação sobre a Política de Educação Infantil no Brasil, “Os
gastos com a educação infantil no Brasil diminuíram nos últimos anos em comparação com
outros níveis educacionais. O país tem uma crescente necessidade de mais investimentos na
educação infantil [...]” (BRASIL, 2009b, p. 26).
De acordo com a legislação educacional brasileira, grandes esforços têm sido feitos na busca
de melhorias para ao atendimento das crianças pequenas em creches e pré-escolas. Do
mesmo modo, muitas orientações têm sido dadas no sentido de contribuir também para a
busca e execução de melhorias no espaço físico das creches.
Ao conceber o espaço físico das creches como um elemento educativo, entendemos que a sua
utilização reduzida e a disposição inadequada dos mobiliários afeta de modo negativo a
aprendizagem das crianças, reduz a possibilidade de adquirir melhorias na qualidade do
atendimento, prejudica desenvolvimento integral das mesmas e fere os direitos
constitucionais destes cidadãos.