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A INFÂNCIA NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

3.1 A concepção de infância

O sentimento e a valorização atribuídos à infância nem sempre existiram na forma como hoje
são conhecidos e difundidos. O papel e desempenho das crianças estão diretamente ligados às
expectativas dos adultos e, portanto, ao conceito que cada sociedade atribui à infância, assim
“[...] essa idéia de infância está imbuída de significações ideológicas, não só a nível da relação
da criança com o adulto, mas também a nível das relações da criança com a sociedade”
(KRAMER, 1995, p. 21).

Na antiguidade, a figura das crianças estava vinculada com o “mal”, pois acreditava-se que
eram fruto do pecado e que por isso nasciam com “o demônio no corpo”. Assim, carregavam o
estigma da maldade e precisavam ser corrigidas e disciplinadas por meio de punições e
castigos para serem levadas ao caminho do “bem”.

A infância não é valorizada em toda a cultura antiga: é uma idade de passagem, ameaçada por
doenças, incerta nos seus sucessos; sobre ela, portanto, se faz um mínimo investimento
afetivo. (ARIÈS, 1981 apud CAMBI, 1999, p. 82)

O abandono, o sofrimento e os maus tratos marcaram o universo infantil, pois na sociedade


bem como em todas as classes sociais prevalecia autoritarismo dos adultos restando deste
modo para a criança o papel de ser imperfeito e incompleto que necessitava da moralização
feita pelo adulto.

E foram, talvez, bem mais longos os períodos em que a infância foi, não somente ignorada,
mas também rejeitada e, absolutamente, desprezada por toda a sociedade, no que diz
respeito às suas crenças, seus valores e seus costumes, e isso inclui a Igreja e o Estado, que por
extensos períodos da história entrelaçaram seus poderes, como uma só figura, sem maiores ou
mais explícitas definições de limites de função e poder social. (RIZZO, 2006, p. 19)

Até mesmo os pais não se importavam com seus filhos e este desprezo chegou a tal ponto que
se extinguiu qualquer tipo de sentimento fraterno assim, as crianças desempenhavam apenas
um papel marginal nas relações sociais, tanto que:
O desprezo, o desrespeito e a violência contra a infância sempre muito presentes na história
da civilização humana, embora muitas vezes camuflados por confortáveis fantasias que
aliviavam a culpa dos adultos, que maltratavam a criança em nome de Deus ou por outra
justificativa disciplinadora. Aos pais, durante muitos e muitos séculos, até passado muito
próximo, foi permitido bater e aplicar em seus filhos qualquer sorte de castigo ou punição, mas
na Antiguidade este poder era absoluto, defendido e difundido entre todas as classes sociais,
de uma maneira inquestionável, até mesmo pela igreja da época. (RIZZO, 2006, p. 22)

O historiador francês Philippe Ariès analisou a transformação do sentimento de infância a


partir do exame de pinturas, diários de família, testamentos e diversos registros. O autor
ressalta que as crianças eram obrigadas a se portarem como pequenos adultos, pois até
mesmo as feições e os trajes retratados nas obras de arte demonstravam a falta de
conhecimento sobre universo infantil. “É difícil crer que essa ausência se devesse à
incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância
nesse mundo” (ARIÈS, 1981, p. 1).

Desde muito cedo as crianças eram requisitadas para o mundo do trabalho e quando
adoeciam, não tinham acesso a nenhum tipo de cuidado médico. Somente as curandeiras
utilizavam as ervas disponíveis para tratá-las, mas a precariedade do atendimento somada às
péssimas condições de higiene e a falta de cuidados básicos faziam com que a maior parte
delas morressem.

A ausência de homens adultos em razão de serem convocados para as guerras ocasionou o


aumento da exploração da mão de obra infantil. Os maus tratos se tornaram ainda mais
frequentes fazendo aumentar o índice de mortalidade infantil. Foi a partir desse momento que
se começou a pensar em preservar a vida física das crianças, porém somente com o intuito de
utilizá-las como soldados nas guerras.

O que motivou o início da preocupação com os cuidados com a criança foi, na verdade, a
necessidade de preservação das riquezas, das propriedades e do poder do Estado-Igreja. E foi
somente em decorrência deste fato que, algum tempo depois, começou-se a condenar o
aborto, para refazer a criação de homens do povo e abastecer os exércitos. (RIZZO, 2006, p.
27)

A partir do século XVI, no mesmo período em queReforma Protestante contestou a hegemonia


da Igreja Católica, as idéias do pensador suíço Jean Jacques Rousseau influenciaram o
pensamento sobre a infância. Fundavam-se no entendimento de que as crianças nasciam boas
e tornavam-se más por influência do ambiente em que estavam inseridas, possuíam
características próprias com interesses diferentes dos adultos. Para Rousseau, a educação
deveria ser livre de castigos: “A criança descobrirá, por ensaio e erro, o caminho para o bem; a
infância é um período de ensaio do homem” (ROUSSEAU apud RIZZO, 2006, p. 27).

Com a Revolução Industrial o abandono de crianças aumentou, pois “[...] o mais importante
para o povo era sobreviver, deste modo a negligência e o desprezo pela infância tornaram-se
aceitos como regra de costume” (RIZZO, 2006, p. 31).

No ano de 1844, em Paris, Firmim Marbeau criou uma instituição com o intuito de limpar as
ruas do “estorvo” e da “sujeira” provocados pelas crianças abandonadas e, apesar da teoria de
Rousseau ter chamado a atenção para as necessidades da criança e também para as condições
de seu desenvolvimento pouca coisa mudara, pois até mesmo as crianças que pertenciam às
famílias das classes altas da sociedade, continuavam sendo vistas como inferiores, estorvos,
porque ainda esperava-se das mesmas um comportamento de adulto.

No final do século XIX, a criança ainda era concebida como um objeto descartável, sem valor
essencial de ser humano, mas a partir do século XX professores e médicos começaram a
aceitar a idéia de que a criança tivesse necessidades e sentimentos próprios.

No século XX, mais precisamente em 1947, a UNESCO (União para a Educação, a Ciência e a
Cultura das Nações Unidas) apresenta uma nova concepção dos direitos da criança e, em 1959,
foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças que prevê a interação social,
cultural e financeira das mesmas. Porém mesmo com algumas medidas de amparo à criança,
castigos e situações de violência continuam a ocorrer em todas as classes sociais e a sociedade
acaba aceitando impunemente. Assim, para Rizzo “[...] ninguém gosta daquilo que não
conhece bem, e a criança ainda é um tanto desconhecida da maioria da sociedade. Lidam com
ela, temerosa e cheia de dedos” (RIZZO, 2006, p. 40).

Atualmente, procura-se considerar vários aspectos como o social, cultural e econômico ao se


pensar no conceito de infância.

Estudos contemporâneos sobre a infância enfatizam que a criança é um ser social, que possui
história e que além disso, é produtora e reprodutora do meio no qual está inserida, atuando,
portanto, como produtora de história e cultura. (MICARELLO; DRAGO, 2005, p. 133)
A existência de uma concepção abstrata de infância, segundo Kramer, considera somente a
natureza infantil, ignorando o contexto social e as relações de produção presentes na
sociedade no qual a criança está inserida. Assim, segundo a autora:

Considerar a criança como um ser mitificado e angelical é negar sua condição de sujeito
histórico e social, capaz de expressar idéias e sentimentos e de assumir sua condição de sujeito
inventivo. (KRAMER, 2005, p. 133)

O papel destinado às crianças baseia-se na imagem de um ser puro que não tem nenhuma
consciência dos processos sociais, políticos e econômicos porque é considerada incapaz de
opinar e expor seus próprios desejos.

Sua participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, o processo de socialização


no interior da família e da comunidade, as diversas atividades cotidianas (das brincadeiras às
tarefas assumidas) se diferenciam segundo a posição da criança e de sua família na estrutura
sócio-econômica. (KRAMER, 1995, p. 15)

Deste modo, ao entender a criança em relação ao contexto social a valorização da infância está
diretamente vinculada às modificações políticas e econômicas da estrutura social.

É necessário, portanto, compreender que a criança é um ser social, uma pessoa, um “cidadão
de pouca idade”, enraizada numtodo social que a envolve e que nela imprime padrões (de
autoridade, de linguagem e de outros aspectos sociais) diferentes do modelo de criança que
existe nos manuais. (KRAMER, 1989, p. 24)

No Brasil, a legislação que vem sendo gestada desde a promulgação da Constituição Federal de
1988, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, do Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil, os aspectos sociais, econômicos e culturais vem sendo
imprescindíveis para se conceituar a infância.

A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma
organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em
um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se
desenvolve, mas também o marca. (BRASIL, 1998a, p. 21)
Embora tenhamos uma legislação moderna e por meio destas tenham surgido várias ações de
proteção à criança, muitas barbáries ainda acontecem e são admitidas atualmente. O descarte
por assassinato, a venda da filha mulher, o abuso sexual e a freqüente exploração da mão de
obra infantil, retrata que muito há de se fazer para resguardar os direitos das crianças.
Segundo Rizzo, “Mais surpreendente ainda é o fato de que se este desrespeito pela criança
ainda esteja presente em algumas sociedades de hoje” (2006, p. 20).

Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrentam um cotidiano bastante adverso que as
conduz desde muito cedo a precárias condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso e
exploração por parte dos adultos. (BRASIL, 1998a, p. 21)

3.2 O surgimento das creches

A primeira instituição voltada ao amparo de crianças surgiu na Europa Medieval e foi chamada
de “roda dos expostos” ou dos “enjeitados”. De caráter assistencialista e caritativo, tinha como
objetivo encobrir a identidade das mães solteiras que geralmente pertenciam à corte, pois

[...] somente estas tinham do que se envergonhar e motivo para descartar do filho indesejado;
as pobres precisavam dos filhos para ajudar no trabalho, e dos filhos das escravas precisavam
os senhores abastados. (RIZZO, 2006, p. 37)

A prioridade da roda dos expostos não era o atendimento aos pequenos, mas uma tentativa de
resolver determinadas questões que afligiam a sociedade da época.

A roda foi instituída para garantir o anonimato do expositor, evitando-se, na ausência daquela
instituição e na crença de todas as épocas, o mal maior, que seria o aborto e o infanticídio.
Além disso, a roda poderia servir para defender a honra das famílias cujas filhas teriam
engravidado fora do casamento. Alguns autores atuais estão convencidos de que a roda serviu
também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia
métodos eficazes de controle da natalidade. (MARCÍLIO, 2006, p. 74)

Assim, a qualidade do trabalho prestado por esta instituição estava longe de ser considerado
satisfatório, porque “[...] na realidade, a quase totalidade destes pequenos expostos nem
chegavam à idade adulta” (MARCILIO, 2006, p. 55).
Antes do surgimento desta instituição erafreqüente ocostume de abandonar as crianças não
desejadas em bosques, caminhos, portas de igrejas e de casas de família. Quando não eram
recolhidos pelas “almas caridosas” os pequenos ficavam a mercê da própria sorte e também
expostos a todo tipo de perigo. Deste modo, “As crianças que eram encontradas e que não
recebiam a proteção [...] pela roda dos expostos acabavam sendo acolhidas em famílias que as
criavam por dever de caridade ou por compaixão” (MARCÍLIO, 2006, p. 70).

No entanto, muitas famílias substitutas adotavam-nas somente por interesses próprios tendo
em vista uma mão de obra futura e gratuita para ser explorada e utilizada como suplemento
para a renda familiar.

A Revolução Industrial, ocorrida no século XIX, trouxe muitas transformações à todas as


esferas da sociedade. Os trabalhadores do campo passaram a ser requisitados para o trabalho
nas fábricas que foram sendo instaladas nas cidades. Assim, as mulheres que também eram
mães trabalhavam até doze horas por dia para ajudar no sustento da casa.

As modificações sociais verificadas em decorrência das novas, e sempre em mudança,


estruturas de trabalho afetaram profundamente a organização familiar e provocaram o
afastamento da figura materna, que passou a deixar a casa e o filho, para trabalhar fora.
(RIZZO, 2006, p. 32)

Deste modo, a partir da industrialização e da expansão do capitalismo houve a necessidade de


criar um local para deixar os filhos das operárias. Muitas mães por não terem nenhuma
alternativa disponível deixavam seus filhos nas casas de mulheres chamadas “fazedoras de
anjo”. Foram assim denominadas porque a maior parte das crianças deixadas nestes lugares
morriam em conseqüência da falta de higiene e da má alimentação, bem como dos maus
tratos e doenças.

O nascimento da indústria alterou profundamente a estrutura social vigente, modificando


costumes de dentro da família e o papel da mulher dentro de casa, e resultou em grandes
mudanças com relação à proteção da criança. (RIZZO, 2006, p. 31)

A infância continuava a ser ignorada e muitas crianças abandonadas ficavam vagando pelas
ruas. Algumas pessoas, por filantropia, resolveram acolher os “desvalidos” e, assim. “[...] a
sociedade aplaudiu, pois todos queriam ver as ruas limpas do “estorvo” e da “sujeira”
provocados pelas crianças abandonadas” (RIZZO, 2006, p. 32).
Os primeiros espaços destinados ao abrigo dos filhos das operárias foram criados devido à
pressão exercida pelas mulheres trabalhadoras para a criação de um local apropriado para se
deixar os filhos, atendendo aos interesses dos patrões, donos de fábricas, e das reivindicações
do movimento feminista.

Deste modo, em 1844, foi criada em Paris a primeira creche cujo significado em português é
manjedoura, lugar onde comem os animais assemelhando-se desta maneira, a figura das
crianças com a dos animais. Este local não garantia nenhum tipo de atendimento digno para as
crianças porque não supria nem mesmo as necessidades básicas dos pequenos.

Com este objetivo, ignorando-se as demais necessidades da criança, como abrigo, segurança
física e psicológica, carinho, companhia, proteção do adulto e brinquedo foi criada a primeira
instituição, com a específica finalidade de evitar a desgraça em que se tornara o serviço das
gardeuses d’ enfantas, transformado, então, em faiseuses d’ anges (aborteiras). (RIZZO, 2006,
p. 32-33)

Por volta do ano de 1837, começavam a surgir os primeiros jardins de infância criados por
Frederick Froebel. Seu trabalho foi destinado à crianças pobres nas favelas alemãs de Berlim.

O termo “jardim” foi denominado com o intuito de ressaltar a importância do “desabrochar da


infância” e sua criação foi considerado um grande marco no atendimento da primeira infância
no mundo. Porém, esse produto de origem estrangeira passou a destinar-se somente às
crianças de famílias abastadas.

Assim, como Froebel outros pensadores, se destacaram pelos seus trabalhos voltados à
infância. A médica Maria Montessori criou a “Casa Dei Bambini” ou “Casa das Crianças”
direcionada ao atendimento de crianças pobres de um bairro operário na Itália.

Montessori deixou contribuições para o atendimento à criança e, por conseqüência, para a


educação. Um exemplo a ser citado é a importância de se utilizar mobiliários adequados para o
tamanho dos pequenos. Assim, “[...] abriu caminho para uma revolução do conceito de
equipamentos e materiais adequados à educação de crianças, em que ninguém havia pensado
antes (RIZZO, 2006, p. 38).

Froebel iniciando os jardins de infância nas favelas alemãs (Berlim), em pleno surgimento da
Revolução Industrial; Montessori, no final do século XIX e inicio deste século, desenvolvendo
trabalhos de trabalho pré-escolar voltados para crianças pobres de favelas italianas;
MacMillan, contemporânea de Montessori enfatizando a necessidade de assistência médica e
dentária bem como de estimulação cognitiva, para compensar as deficiências das crianças.
(KRAMER, 1995, p. 25).

No início do século XX, começava nos Estados Unidos, a defesa pela institucionalização de
asilos, lares e estabelecimentos para abrigar as crianças pobres e assim, “[...] a educação pré-
escolar do pobre continuou, ainda por muitos anos, sendo de responsabilidade filantrópica, de
caráter assistencialista e eventual” (RIZZO, 2006, p.38).

3.3 Um breve histórico das creches no Brasil

Assim como em outros países, no Brasil “a ideia da infância não existiu sempre e nem da
mesma maneira [...] ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial” (KRAMER,
1995. p. 19).

Por influência de Portugal foi estabelecida a “roda de expostos” que se constituiu em uma das
instituições de mais longa vida na história do atendimento à primeira infância no Brasil. Surgiu
no período colonial (1500-1822), expandiu-se no período imperial (1822-1889) e só foi extinta
com o fim da escravidão (1888).

A tradição passou para o Brasil quando no século XVIII, se reivindicou à coroa a permissão de
se estabelecer uma primeira roda de expostos na cidade de Salvador da Bahia, junto à sua
Misericórdia e nos moldes daquela de Lisboa. (MARCILIO, 2006, p. 59).

A falta de políticas públicas de atendimento à primeira infância fez com que esse papel fosse
ocupado por missionários e, como conseqüência, o assistencialismo passou a ser incorporado
nas instituições de amparo às crianças.

É bem verdade que, na época colonial, as municipalidades deveriam, por imposição das
Ordenações do Reino, amparar toda criança abandonada em seu território. No entanto, esta
assistência não existiu, não criou nenhuma entidade especial para acolher os pequenos
desamparados. As câmaras que amparavam seus expostos limitaram-se a pagar um estipêndio
irrisório para que as amas-de-leite amamentassem e criassem as crianças. (MARCILIO, 2006. p.
53)
Os missionários assumiram o papel das câmaras municipais que procuravam se eximir das suas
atribuições quanto amparo à criança. Marcílio ressalta que “Além disso, ordens religiosas de
caridade fundaram asilos e orfanatos por toda parte” (2006, p. 78).

Durante a colônia, foram implantadas três rodas, a primeira em Salvador, outra no Rio de
Janeiro e a última em Recife. Assim, como o Brasil foi o último país a abolir a escravidão, a roda
dos expostos também sobreviveu até a década de 1850 como foi o caso de Salvador. Deste
modo, considera-se que os avanços na história do atendimento a criança brasileira são tardios,
pois por “[...] quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única instituição
de assistência à criança abandonada em todo o Brasil” (MARCILIO, 2006, p. 53).

Mesmo após a Independência do Brasil as três rodas coloniais continuaram a funcionar, e de


acordo com Lei dos Municípios (1828), toda a cidade que houvesse uma Misericórdia teria que
prestar serviços e assistência aos enjeitados aceitando deste modo a instalação das rodas
nestes locais. Desta forma, “Perdia-se, assim, o caritativo da assistência, para inaugurar-se sua
fase filantrópica, associando-se o público e particular, conforme observado por MARCILIO,
(2006, p. 62).

Segundo a autora, a filantropia passa a substituir o caráter caritativo das instituições de


amparo às crianças e iniciou-se “então [nos inícios da] a nova fase assistencialista filantrópico,
que foi preponderante entre nós até bem recentemente, nos anos de 1960” (MARCILIO, 2006,
p. 78).

A expansão do capitalismo no século XIX provocou grandes transformações nas relações de


trabalho. A crescente urbanização e industrialização deste período ocasionaram a
preocupação em relação à guarda dos filhos das mulheres trabalhadoras, pobres e escravas.
Os patrões não queriam criar os filhos dos negros que já nasciam livres pela Lei do Ventre
Livre, e os donos de fábricas não queriam ter a produção interrompida pela ausência das
mulheres-mães.

Deste modo, a necessidade de se conseguir um local para deixar as crianças enquanto as mães
trabalhavam fez com que fossem criadas as primeiras instituições para acolher os filhos das
operárias. Porém, funcionava de forma precária, sem cuidados básicos de higiene, alimentação
e também sem pessoal preparado para exercer tal tarefa, assim estes “espaços” funcionavam
como depósitos de crianças.
A vinda dos imigrantes europeus para o Brasil a partir do início do século XX incentivou ainda
mais os movimentos em prol da criação de espaços apropriados para as crianças, pois estes
trabalhadores vindos da Europa já tinham um conhecimento mais amplo sobre seus direitos.

As creches foram criadas nessa época e destinavam-se ao atendimento das crianças pobres.
Somente os cuidados com alimentação e higiene eram oferecidos, sendo deste modo ausente
de qualquer caráter educativo.

Já os jardins de infância, produto de origem estrangeira, destinavam-se somente às crianças


que pertenciam às famílias de maior poder aquisitivo. Assim, em 1875 foi criado na cidade do
Rio de Janeiro o primeiro jardim e após dois anos surge outro em São Paulo, mas sob o cuidado
de entidades privadas que cuidavam de crianças mais afortunadas.

Embora houvesse instituições para ricos e outras para pobres, o fato é que no sentido geral
tanto para uma quanto para outra a concepção de infância não mudava, pois os pequenos que
ainda eram considerados como seres inferiores.

Com o objetivo de proporcionar melhorias para a o atendimento à criança no Brasil, Rui


Barbosa apresentou em 1822 um projeto de reforma da instrução no país. Propôs uma
diferenciação entre salas de asilo, escolas infantis e jardins de infância e defendeu a ideia de
que o jardim de infância seria a primeira fase da educação. Posteriormente, sua ideia foi
concretizada com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da educação.

Em 1889, foi criado o Instituto de Proteção e Assistência à Infância que precedeu a criação do
Departamento da Criança em 1919. Ambas consistiram em uma iniciativa governamental,
porém voltadas à saúde pública.

A fundação do Instituto foi contemporânea a uma certa movimentação em torno da criação de


creches, jardins de infância, maternidades e da realização de encontros e publicações. Em
1908, teve inicio a “primeira creche popular cientificamente dirigida” a filhos de operários até
dois anos e, em 1909, foi inaugurado o Jardim de Infância Campos Salles, no Rio de Janeiro.
Enquanto havia creches na Europa desde o século XVIII e jardins de infância desde o século
XIX, no Brasil ambos são instituições do século XX. (KRAMER, 1995, p. 52)

O primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância realizado em 1922 por iniciativa do


Departamento da Criança constituiu um grande avanço para o atendimento à criança no Brasil,
pois procurou tratar de todos os assuntos que se referiam às crianças e, deste modo, suas
finalidades se ampliaram: do atendimento aos menores às campanhas de vacinação e a criação
das creches.

O 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, de 1922, apelara justamente para o apoio das
autoridades governamentais. No intervalo do 1º ao 2º Congresso – realizado em 1933 - foram
introduzidos órgãos novos na aparelhagem da assistência à infância, tais como lactários,
jardins de infância, gotas de leite, consultórios para lactentes, escolas maternais, policlínicas
infantis. (KRAMER, 1995, p. 59)

A partir daí surge às primeiras regulamentações do atendimento de crianças pequenas em


escolas maternais e jardins de infância.

Dos debates que ocorreram a respeito da renovação pedagógica o Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova teve grande importância porque defendia a escola e a educação como função
pública, a existência de escolas para meninos e meninas e ensino elementar laico, gratuito e
obrigatório. As ideias defendidas pelo Manifesto se consolidaram posteriormente na
Constituição Federal de 1988.

Kramer ressalta que “Essa valorização da criança seria gradativamente acentuada nos anos
pós-1930” (1995, p.56). Porém, a criação de diversos órgãos de atendimento à criança
brasileira foi fragmentada:

Ela expressa, sobretudo, a forma estratificada com que a criança é encarada: o problema da
criança é fragmentado e pretensamente combatido de forma isolada, ora atacando-se as
questões da saúde, ora do “bem-estar” da família, ora da educação. (KRAMER, 1995, p. 87)

Segundo a autora, a tendência de fragmentação se manifesta até os dias de hoje no


atendimento das crianças feito pelas creches. Por esse motivo é que ainda é grande o número
de instituições no qual municípios realizam parcerias, ora com entidades religiosas, ora com o
apoio da iniciativa privada.

Associações religiosas e organizações leigas, bem como médicos, educadores e leigos eram
solicitados a realizar juntos com o setor público a proteção e o atendimento à infância, com a
direção e alguma subvenção deste último. (KRAMER, 1995, p. 61)
A falta de verbas e recursos para o investimento na educação das crianças pequenas denuncia
o fato do poder público não se responsabilizar pelo problema causando, deste modo,
acusações entre as diversas áreas de atuação dentre elas a educação, saúde e assistência
social.

Neste quadro, percebem-se duas tendências que até hoje os dias de hoje caracterizam o
atendimento à criança em idade pré-escolar: o governo proclama(va) a sua importância e
mostra(va) a impossibilidade de resolvê-lo dada as dificuldades financeiras em que se
encontra(va), enquanto imprimia uma tendência assistencialista e paternalista à proteção de
infância brasileira, em que o atendimento não se constituía em direito, mas em favor.
(KRAMER, 1995, p. 61)

Apesar da existência de obstáculos a serem superados, a trajetória histórica da concepção de


infância e o surgimento das creches contribuiu para que ocorressem avanços significativos na
Educação Infantil. O desafio está em transformar em práticas reais o direito das crianças à
Educação Infantil de qualidade.

4. O ESPAÇO FÍSICO DAS CRECHES NA PERSPECTIVA LEGAL

A história do atendimento à criança pequena no Brasil foi marcada pelo assistencialismo e pela
guarda de crianças conforme abordado no capítulo anterior. A ausência de políticas públicas e
o descaso do Estado provocaram a falta de planejamento e de criação de infra-estrutura
adequados para o atendimento dessa faixa etária. A escassez de investimentos resultou na
precariedade das instalações de muitas instituições de atendimento às crianças de 0 a 5
anos[1].

Além da precariedade ou mesmo da ausência de serviços básicos, outros elementos referentes


à infra-estrutura atingem tanto a saúde física quanto o desenvolvimento integral das crianças.
Entre eles está a inexistência de áreas externas ou espaços alternativos que propiciem às
crianças a possibilidade de estar ao ar livre, em atividade de movimentação ampla, tendo seu
espaço de convivência, de brincadeira e de exploração do ambiente enriquecido. (BRASIL,
2006a, p. 10)

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a


responsabilizar-se legalmente com vias a garantir o acesso e a permanência das crianças de
zero a cinco anos na escola:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

VII – garantia de padrão de qualidade.

[...]

Art. 208. Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.

Ao analisar a ampliação dos direitos das crianças bem como o conceito de qualidade que se
aplica nos documentos oficiais da educação brasileira, Corrêa (2003) afirma:

Quanto à questão educacional, o aspecto mais relevante da Constituição Federal de 1988 para
a educação infantil está em seu art. 208, inciso IV, ao afirmar que o “dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de: (...) atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos de idade. “Além de outros tópicos importantes no que diz respeito
ao atendimento de 0 a 6 anos na lei maior do país, interessa destacarmos, no seu artigo . 206,
no qual se afirmam os princípios sob os quais o ensino deve ser ministrado, o contido no inciso
VII – “garantia de padrão de qualidade” – como um dos norteadores também para as
instituições de educação infantil. Com base nesses artigos, podemos concluir que, no plano
legal, a oferta de educação infantil não apenas passar a ser uma obrigação do Estado como
também dever ser oferecida com qualidade. (2003, p. 91).
Embora ainda se possa considerar que a Constituição Federal de 1988 constitui-se num grande
avanço para a educação brasileira, muitas instituições de educação infantil encontram-se em
péssimas condições de utilização. Este aspecto nos leva a inferir que os direitos das crianças
nestas circunstâncias acabam por serem ignorados.

Entendemos que a concepção de infância é construída historicamente e transformada à


medida que a sociedade sofre alterações políticas, econômicas, sociais e culturais. Neste
sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069 de 13 julho 1990, passa a
considerar as crianças e adolescentes como sujeitos em desenvolvimento e passíveis de
direitos. Dentre os quais destaca-se a proteção integral no âmbito familiar, escolar, assim
como em outros ambientes de convívio da criança e adolescentes na sociedade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente define os seguintes direitos como fundamentais:


direito à vida familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (cap. III).
Quanto à educação, o direito PE previsto para todas as faixas etárias, incluindo a criança de 0 a
6 anos de idade. Para o que nos interessa mais imediatamente na discussão acerca da
qualidade na educação infantil, destaquemos dois importantes aspectos contidos no ECA. No
art. 5º afirma-se que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de crueldade e opressão,
punido na forma de lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais.” No art. 53, ao tratar do direito à educação, define que esta deve assegurar
entre outros aspectos: “ o direito de ser respeitado por seus educadores”. Para a educação
infantil especialmente, em face das limitações de autodefesa das crianças em razão de sua
pouca idade, isto é absolutamente relevante. Sabe-se que em algumas instituições, práticas
como os castigos de toda natureza, algumas vezes físicos, ainda se fazem presentes. O fato de
haver tal lei contra isso não garante, evidentemente, a sua superação, mas representa, sem
dúvida, um poderoso instrumento de repressão a essas práticas. Ademais, de uma outra
forma, o conteúdo desses artigos reafirma a Constituição, indicando ser possível acionar o
Estado para que ele não apenas cumpra seu dever de oferecer o atendimento a todos que
assim o queiram mas, além disso, que o faça baseado no respeito aos direitos das crianças, ou
seja, com qualidade. (CORRÊA, 2003, p. 91-92)

Posteriormente, à aprovação do ECA (1990) foram criados os Conselhos de Direitos cuja


finalidade consiste em zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

OCONANDA, Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, Lei n. 8.242 de
12 de outubro de 1991, atua nas esferas municipais, estaduais e federais. De caráter
deliberativo, este Conselho, tem a responsabilidade de formular, controlar e possibilitar a
efetivação das políticas públicas para a infância e adolescência. Assim, também os Conselhos
Tutelares são autônomos e têm suas atribuições voltadas para o cumprimento dos deveres e
direitos da criança e do adolescente.

Com relação à educação, destaca-se a importância desses artigos presentes no ECA :

Art. 53- A criança e o adolescente tem o direito à educação, visando ao pleno exercício da
pessoa, preparo para o exercicio da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-
lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II- direito de ser respeitado por seus educadores;

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência. (BRASIL, 1990, art. 53)

Em 1996, após sete anos de discussões e trâmites legais, foi aprovada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Este documento
contribuiu de forma significativa para a mudança de rumos na educação brasileira ao reafirmar
as responsabilidades dos Estados e municípios na busca de qualidade para a Educação Infantil.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional, de 1996, além de ratificar o contido na
Constituição e no Eca quanto à obrigatoriedade de oferecimento de educação infantil em
creches e pré-escolas por parte do Estado (art. 40, inc. IV), em seu art. 29 define como
finalidade da educação infantil “ o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade.” Além disso, afirma que a avaliação nessa etapa da educação “far-se-á
mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso do ensino fundamental”. Pelo que se tem, embora não se explicite
especificamente a temática da qualidade para a educação infantil, o seu conteúdo demonstra
preocupação com a questão ao propor como objetivo o desenvolvimento integral da criança e
uma avaliação de caráter mais qualitativo. (CORRÊA, 2003, p. 92)

As leis e documentos oficiais que se referem à educação brasileira, sobretudo, a respeito da


Educação Infantil, reconhecem a ideia dos direitos das crianças e expressa a busca pela
qualidade deste ensino. Porém, muitas discussões vêm sendo feitas a respeito do que venha a
ser esta qualidade.

Pode-se dizer que todos os estudos sobre o fenômeno educacional implícita ou explicitamente,
perecem discutir, questionar e, no limite, apontar novos métodos, estratégias, meios etc. para
uma melhoria da assim chamada qualidade da educação. O mesmo vale para as políticas
educacionais, especialmente no que diz respeito às chamadas “reformas educacionais” que, ao
menos no plano do discurso, justificam suas propostas e projetos com base na necessária
busca da melhoria da qualidade da educação. Ao mesmo termo, contudo, pode assumir
diferentes significados e posicionamentos tanto ideológicos quanto práticos. (CORRÊA, 2003.
p. 86)

Para Corrêa (2003), a “qualidade” não se traduz em um conceito único, universal e absoluto, é
um conceito relativo baseado em crenças, valores e subjetividades.

[...] tal conceito envolve subjetividades e é passível de múltiplas interpretações. Sua


“definição”, ainda que provisória, deve configurar-se como processo democrático, contínuo e
permanente, que nunca chega a um conceito final e absoluto, devendo ser constantemente
revisado e contextualizado no espaço e no tempo. Mais importante do que uma concepção
exaustiva, é o processo de sua discussão, do qual todos os envolvidos devem participar:
educadores, famílias, crianças. Para além do âmbito técnico (da “excelência”), o conceito deve
ser visto pelo âmbito filosófico: não é a busca da verdade absoluta, é campo de opções.
Tomados esses cuidados, ou seja, estando claro que qualquer conceito de qualidade não é
neutro e que implica opções, quando se toma o eixo da qualidade para avaliar a oferta de
educação – no caso, a infantil – é possível, e necessário, fazer opções para desenvolver
critérios “universais”, embora situados historicamente, que se prestem a nortear essa
avaliação. (CORRÊA, 2003, p. 88)

Em busca de questionamentos sobre a qualidade na educação, Rosemberg (2003) alerta para a


importância do eixo da equidade ao considerar os princípios qualitativos descritos na
legislação brasileira. Segundo a autora, muitas discussões têm sido levantadas a respeito de
uma “qualidade total” baseada nos modelos que são “importados do mundo comercial”, deste
modo:

Tocar nestes modelos, hoje é importante por conta da avalanche de seminários, produções
sobre qualidade e/ ou qualidade total que vem invadindo o país. Os modelos criticados por
Pfeffer e Coote são: o tradicional, o científico, o da excelência e o conservista. Talvez dentre
eles, no Brasil, o mais difundido seja o tradicional que visa prestígio e posições vantajosas. Ele
é perceptível, por exemplo, em toda creche, seja pública ou conveniada, que, ao ali se entrar
tem-se a sensação de um cartão de visitas: para mantê-las as regras são autoritárias; o espaço
é pensado para o visitante. Ele está presente na ampliação de vagas, na extensão da oferta de
creches para engrossar estatísticas de atendimento a custas de redução do per capita. Ele está
presente, quando o programa de creches responde a fins eleitorais, construindo-se prédios
que mais se parecem out-doors. Quando ao invés de investir na melhoria da qualidade de
programas já existentes, se criam novos programas, com nomes pomposos, para marcar a
nova administração. (ROSEMBERG, 1994 apud CORREA, 2003, p. 87)

Em suma, os documentos oficiais não explicam o que seria a qualidade e não especificam
critérios para alcançá-la.

Segundo Corrêa (2003), até o ano de 2003, o governo elaborado políticas de financiamento
para a Educação Infantil. E, mesmo, com a realização de um grande número de seminários e
debates à respeito, nada foi concretizado neste sentido.Por outro lado, segundo o governo:

Na LDB, a construção e a conservação das instalações escolares são incluídas nos orçamentos
de educação. A partir daí, uma série de documentos legais é produzida com o objetivo de
definir critérios de qualidade para infra-estrutura das unidades destinadas à educação da
criança de 0 a 6 anos. (BRASIL, 2006a, p. 10)

Entendemos que as discussões em torno da importância do espaço físico na Educação Infantil


são imprescindíveis e, na medida em que essas questões são levadas em consideração, torna-
se possível visualizar melhores condições de atendimento às crianças pequenas.

Os documentos oficiais destacam a importância de ser realizar investimentos, estudos


abrangentes de infra-estrutura e planejamentos detalhados dos espaços das creches para que,
seja possível suprir as “[...] reais expectativas e necessidades dos usuários (crianças,
professores, funcionários, comunidade e administradores.” (BRASIL, 2006a, p. 34)

No entanto, a situação em que se encontram muitas creches e pré-escolas brasileiras revela


que apesar da LDB/1996 ter proclamado a educação infantil como direito das crianças 0 a 5
anos, a aplicação desses direitos está longe de ser concretizada. Em relação ao financiamento
para esta importante etapa da educação, esta Lei tornou-se omissa e a importância do espaço
físico para a aprendizagem foi deixada em segundo plano ou simplesmente ignorada.
Após a LDB/1996 outros documentos oficiais foram elaborados com intuito de contemplar o
desenvolvimento da criança em todos os aspectos, visto que:

[...] é necessário identificar parâmetros essenciais de ambientes físicos que ofereçam


condições compatíveis com os requisitos definidos pelo PNE, bem como os conceitos de
sustentabilidade, acessibilidade universal e com a proposta pedagógica. Assim, a reflexão
sobre as necessidades de desenvolvimento da criança (físico, psicológico, intelectual e social)
constitui-se em requisito essencial para a formulação dos espaços/lugares destinados à
Educação Infantil. (BRASIL, 2006a, p. 21)

Em 1998, com o objetivo de auxiliar o trabalho educativo junto às crianças pequenas foram
criados os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Divididos em três
volumes e de caráter não obrigatório, esse documento contribuiu para o desenvolvimento
integral das crianças ao enfatizar o respeito à infância e o direito à cidadania. Segundo este
documento,

A busca da qualidade do atendimento envolve questões amplas ligadas às políticas públicas, às


decisões de ordem orçamentária, a implantação de políticas de recursos humanos, ao
estabelecimento de padrões de atendimento que garantam espaço físico adequado, materiais
em quantidade e qualidade suficientes e à adoção de propostas educacionais compatíveis com
a faixa etária nas diferentes modalidades de atendimento, para as quais este Referencial
pretende dar sua contribuição. (BRASIL, 1998, p. 14)

O espaço deve ser pensado de modo que as crianças possam usufruí-lo de maneira plena. No
planejamento e na estruturação do espaço físico, devem-se levar em conta os projetos, as
atividades desenvolvidas e a faixa etária das crianças, pois segundo o Referencial Curricular:

Particularmente as crianças de zero a um ano de idade necessitam de um espaço


especialmente preparado onde possam engatinhar livremente, ensaiar os primeiros passos,
brincar, interagir com outras crianças, repousar quando sentirem necessidade etc. (BRASIL,
1998, p. 69)

O brincar na Educação Infantil consiste em atividade fundamental que proporciona o


desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, a socialização entre outros aspectos, por isso é
necessário que tanto o espaço interno quanto o externo sejam amplos. Nessa perspectiva, faz-
se necessário um espaço planejado, pois
Na área externa, há que se criar espaços lúdicos que sejam alternativos e permitam que as
crianças corram, balancem, subam, desçam e escalem ambientes diferenciados, pendurem-se,
escorreguem, rolem, joguem bola, brinquem com água e areia, escondam-se etc. (BRASIL,
1998, p. 69)

Nestes espaços acontecem as brincadeiras ao ar livre que são muito importantes na Educação
Infantil, uma vez que contribuem para o desenvolvimento das potencialidades das crianças, e
constituem-se em espaços ricos de convivência e de exploração do ambiente.

No entanto, consta nestes nos documentos oficiais que:

[...] 70% dos estabelecimentos não têm parque infantil, estando privadas da rica atividade
neste ambientes nada menos que 54%. É possível que muitos dos estabelecimentos sejam
anexos a escolas urbanas de ensino fundamental onde o espaço externo é restrito e tem que
ser dividido com muitos outros alunos. Dada a importância do brinquedo livre, criativo, e
grupal nessa faixa etária, esse problema deve merecer atenção especial na década da
educação sob pena de termos uma educação infantil descaracterizada pela predominância da
atividade cognoscitiva em sala de aula. (Brasil, 2001, p. 37-38)

Deste modo, é notável a distância existente entre o discurso do governo para melhorar as
condições de atendimento para as crianças pequenas e a realidade em que se encontra o
atendimento para este público.

Não menos importante que os parâmetros, a Resolução CEB, Nº 1, de 7 de abril de 1999 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, ressalta entre outros
aspectos, a importância do uso do espaço físico em conjunto com as propostas pedagógicas e
regimentos para subsidiar a execução e aperfeiçoamento das Diretrizes Curriculares
Nacionais.

As instituições de Educação Infantil devem promover em suas propostas pedagógicas, práticas


de educação e cuidados, que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais,
afetivos, cognitivo/lingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo,
total e indivisível. (BRASIL, 1999)

Ao abordar o conceito de criança, este documento também enfatiza que a propostas


pedagógicas para educação infantil devem “respeitar os seguintes parâmetros norteadores:
a) Princípios Éticos da autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao
bem comum;

b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do


Respeito à Ordem Democrática;

c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de


Manifestações Artísticas e Culturais. (BRASIL, 1999)

Ao refletir à respeito destes princípios nota-se que, segundo as Diretrizes, é necessário pautar
as propostas pedagógicas em princípios de ludicidade e manifestações culturais. Mas, para
que tais princípios se cumpram, é necessário que as propostas pedagógicas contemplem a
importância do espaço físico e o visualizem como um elemento educador.

Ainda segundo as Diretrizes:

As Propostas Pedagógicas e os regimentos das Instituições de Educação Infantil devem, em


clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais,
do uso do espaço físico, do horário e do calendário escolar, que possibilitem a adoção,
execução, avaliação e aperfeiçoamento das diretrizes. (BRASIL, 1999)

Devido à necessidade de se estabelecer as especificidades da Educação Infantil tanto em nível


privado quanto no público, foram estabelecidas as Diretrizes Operacionais (CNE 4/2000,
aprovado em 16/12/2000). De caráter mandatório, exige-se que para uma instituição
funcionar juntamente com o sistema de ensino deve a ter-se com as normas municipais,
estaduais e do distrito federal e segundo este documento,

Os espaços físicos das instituições de educação infantil deverão ser coerentes com sua
proposta pedagógica, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais, e com as
normas prescritas pela legislação pertinente, referentes a: localização, acesso, segurança, meio
ambiente, salubridade, saneamento, higiene, tamanho, luminosidade, ventilação e
temperatura, (de acordo com a diversidade climática regional. (BRASIL, 2000b, p. 628)
Também em relação aos espaços internos e externos os mesmos devem estar coerentes para
atender as diferentes funções da Educação Infantil, sendo também suficiente para a utilização
de mobiliários e equipamentos adequados. Devem contemplar também segundo as diretrizes
operacionais:

Local para repouso individual pelo menos para crianças com até um ano de idade, área livre
para movimentação das crianças, locais para amamentação e higienização e espaço para tomar
sol e brincadeiras ao ar livre. (BRASIL, 2000b, p. 628)

Em 2001, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) que também abordou a questão da
falta de espaço físico nas instituições de atendimento às crianças pequenas. No entanto, não
apresentou avanços em relação à política de financiamento para o atendimento das creches e
pré-escolas. Para Corrêa (2003, p. 95),

A proposta de Plano Nacional de Educação, elaborada durante o 2º Congresso Nacional de


Educação – Coned – defendia o atendimento de 50% em cinco anos e, 100% ao final de uma
década, para a faixa de 4 a 6 anos de idade, trabalhando com um custo aluno/ano de mil
dólares. Essa proposta, porém, foi considerada inviável pelo governo com a antiga desculpa de
que não há recursos disponíveis. Claro está que muitas são as necessidades da população,
além da educação, mas também é preciso ficar claro que o montante destinado à área como
um todo não é apenas mal distribuído e mal utilizado, como quer fazer crer o governo. É
preciso enfatizar que ele é insuficiente: os gastos totais giram em torno de 3,7% do Produto
Interno Bruto - PIB - conforme assinala o projeto de Plano Nacional de Educação (Proposta
pela Sociedade Brasileira, 1997 – PI n. 4. 155/98). Assim, vale ressaltar que o atual governo*
não está preocupado com a educação, e isso não apenas com relação à infantil, pois a
Proposta de Plano Nacional (substitutivo Marchezan), que apontava não para 10%, mas para
7% do PIB destinados à educação, teve este item vetado pelo Sr. Presidente da República, sem
que nenhum outro índice fosse apontado no Plano Nacional de Educação aprovado em lei.
Esse contexto, aliado à precariedade com que se deu a expansão da educação infantil, no país,
propicia as condições para que o debate sobre essa etapa da educação seja marcada por uma
visão dicotomizada: quantidade versus qualidade.

Aproximadamente cinco anos após a aprovação do PNE/2001 o Ministério da Educação (MEC)


em conjunto com Secretaria de Educação Básica (SEB) elaboraram os Parâmetros Básicos de
Infra-estrutura para Instituições de Educação Infantil (Brasil, 2006a).
Este documento ressalta a importância de se considerar a criança como sujeito no processo de
ensino-aprendizagem, reconhecendo as influências que o ambiente educacional exerce neste
mesmo processo.

Dentre as propostas apresentadas, está à criação de um projeto interdisciplinar na construção


das creches que possibilite a participação de todos profissionais envolvidos, ou seja, uma
participação que se traduz no engajamento de engenheiros e arquitetos junto à “[...]
comunidade educacional, representada por crianças, professores, funcionários, familiares,
unidades públicas de Educação Infantil e administrações municipais” (BRASIL, 2006a, p. 7).

Deste modo, considera-se uma nova concepção de projeto que enfatiza a participação de
todos os envolvidos inclusive a comunidade.

Este documento em sua primeira versão e em conformidade com a meta do MEC que
preconiza a construção coletiva das políticas públicas para a educação, foi elaborado em
parceria com educadores, arquitetos e engenheiros envolvidos em planejar, refletir e
construir/reformar os espaços destinados à educação de crianças de 0 a 6 anos. (BRASIL,
2006a, p. 3)

Segundo os Parâmetros de Infra-estrutura, torna-se essencial a elaboração de estudos de


viabilidade e planejamento que incluem desde o projeto arquitetônico, a escolha dos materiais
e até mesmo de acabamentos, para garantir a qualidade do espaço físico e ao mesmo tempo
“[...] estabelecer o perfil da creche ou da pré-escola a ser construída” (BRASIL, 2006a, p. 16).

Este trabalho, portanto, busca ampliar os diferentes olhares sobre o espaço, visando construir
o ambiente físico destinado à Educação Infantil, promotor de aventuras, descobertas,
criatividade, desafios, aprendizagem e que facilite a interação criança-criança-criança-adulto e
deles o meio ambiente. O espaço lúdico infantil deve ser dinâmico, vivo, “brincável”,
explorável, transformável e acessível para todos. (BRASIL, 2006a, p. 8)

Todavia, cabe questionar, como obter recursos suficientes para tal investimento se grande
parte das creches e pré-escolas brasileiras recebem verbas tão irrisórias que sequer
comportam investimentos básicos?

Em algumas regiões do país como o norte e nordeste, a situação geral dos prédios é precária,
faltam desde o saneamento básico até verbas para a alimentação para as crianças.
Rosemberg (1994) alerta para a importância de se refletir e ponderar sobre os vários aspectos
relacionados à expansão do atendimento para toda a faixa etária de zero a cinco anos e
indaga:

É possível propor-se a expansão da cobertura sabendo-se que creches e pré-escolas vêm


sendo usadas por crianças com mais de 7 anos, em desrespeito a preceitos constitucionais? É
possível sugerir-se a expansão do atendimento que atinge, em algumas regiões e programas,
níveis tão baixos de qualidade, que agridem direitos fundamentais da pessoa humana?
(ROSEMBERG, 1994 apud CORRÊA, 2003, p.95).

Para Corrêa (2003) tais questionamentos possibilitam a reflexão sobre as contradições


existentes entre os direitos das crianças consolidados no plano legal, e o desrespeito com que
vem sendo implantadas as políticas de Educação Infantil no Brasil. Evidencia-se um abismo
entre o plano legal que reconhece os direitos da criança e a aplicação real desses direitos.

Como se sabe, as condições de infra-estrutura [...] especialmente em creches, são bastante


precárias se olharmos para o país como um todo, sendo o Sul e o Sudeste regiões com índices
um pouco melhores. São Paulo pode ser considerado um estado privilegiado, especialmente a
capital, com sua rede de pré-escolas, quando se compara o atendimento com os do nordeste,
por exemplo. (CORRÊA, 2003, p. 98)

Também no ano de 2006, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) em conjunto com a


Secretaria de Educação Básica (SEB), Coordenação Geral de Educação Infantil (COEDI) e
Departamento de Políticas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental (DPE) elaboraram os
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil.

Outro avanço louvável é o atual esforço do Ministério da Educação para elaborar padrões de
qualidade para a educação infantil. Esta iniciativa surgiu para suprir a falta de uma definição
clara e consistente de Qualidade e estabelecer indicadores específicos de qualidade que
possam ser quantificados, medidos, monitorados e cumpridos. A iniciativa demonstra que o
governo está consciente de que existe um problema no cumprimento da legislação do setor.
Padrões com parâmetros mensuráveis ajudarão a facilitar o monitoramento das normas
vigentes. (BRASIL, 2009b, p. 50)
Dividido em dois volumes, que tem como referências a promoção da qualidade e de
oportunidade de igualdade educacional nas diferentes regiões do Brasil, este documento
contribui também para a elaboração e construção de políticas públicas para a educação.

Da mesma forma que defendemos uma perspectiva educacional que respeite a diversidade
cultural e promova o enriquecimento permanente do universo de conhecimentos, atentamos
para a necessidade de adoção de estratégias educacionais que permitam às crianças, desde
bebês, usufruírem da natureza, observarem e sentirem o vento, brincarem com água e areia,
atividades que se tornam especialmente relevantes se considerarmos que as crianças ficam em
espaços internos ás construções na maior parte do tempo em que se encontram nas
instituições de Educação Infantil. (BRASIL, 2006b, p. 17)

No plano legal não faltam documentos e nem parâmetros de referência para serem utilizados
pelas unidades de Educação Infantil que buscam melhorias para o atendimento às crianças
pequenas. As creches podem utilizá-los na elaboração de uma infra-estrutura planejada com
vistas a garantir a qualidade do espaço para os seus usuários.

No contexto legal da educação existem várias instâncias que tem suas atribuições definidas.
No nível federal encontra-se o Ministério da Educação (MEC), no estadual incluem-se as
secretarias de estados e Distrito Federal e nos municipios estão as secretarias municipais de
educação.

Todos estes órgãos precisam estar em conformidade com a legislação educacional nacional.
Assim, sendo uma das atribuições dos municípios consiste na “[...] elaboração de padrões de
infra-estrutura para as instituições de educação infantil de acordo com os parâmetros
nacionais e com a Lei de Acessibilidade” (BRASIL, 2006c, p. 22).

Esta Lei que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de
barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e
reforma de edifícios e nos meios de transportes e de comunicação. (Lei n.º 10.098 de
19/12/2000a, art. 1º)

Segundo o documento “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero
a seis anos”, elaborado em 2006, um dos objetivos das diretrizes para a Política Nacional para
a Educação Infantil é: “Garantir espaços físicos, equipamentos, brinquedos e materiais
adequados nas instituições de Educação Infantil, considerando as necessidades especiais e a
diversidade cultural” (BRASIL, 2006d, p. 19).

Neste documento, reconhece-se a condição da criança como sujeito de direitos e, no contexto


educacional, afirma a importância de ter esse mesmo direito efetivado e traduzido
principalmente pela inserção da criança na Educação Infantil. Porém, “[...] somente nos
últimos anos foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever de Estado
(BRASIL, 2006d, p. 7).

Com relação ao espaço físico uma das metas mencionadas nas Diretrizes da Política Nacional
de Educação Infantil consiste em:

Divulgar, permanentemente, padrões mínimos de infra-estrutura para o funcionamento


adequado das instituições de Educação Infantil (creches e pré-escolas) públicas e privadas,
que, respeitando as diversidades regionais, assegurem o atendimento das características das
distintas faixas etárias e das necessidades do processo educativo quanto a:

espaço interno, com iluminação, insolação, ventilação, visão para o espaço externo, rede
elétrica e segurança, água potável, esgotamento sanitário;

instalações sanitárias e para a higiene pessoal das crianças;

instalações para o preparo e/ ou serviço da alimentação;

ambiente interno e externo para o desenvolvimento das atividades, conforme as diretrizes


curriculares e a metodologia da Educação Infantil, incluindo o repouso, a expressão livre, o
movimento e o brinquedo;

mobiliário, equipamento e materiais pedagógicos;

adequação às características das crianças com necessidades especiais.

Adaptar os prédios de Educação Infantil de sorte que, em cinco anos, todos estejam conforme
os padrões de infra-estrutura estabelecidos. (BRASIL, 2006d, p. 21-22)

De âmbito federal, na primeira edição do documento “Critérios para um atendimento em


creches que respeite os direitos fundamentais das crianças” (2009a), as propostas para o
atendimento de qualidade nas creches e pré-escolas para as crianças pequenas são pautados
nos direitos já consolidados, assim segundo Corrêa,
[...] no que se refere às políticas de educação infantil, são alguns dos próprios direitos das
crianças já consolidados: o direito à brincadeira, à atenção individualizada, a um ambiente
aconchegante, seguro e estimulante, ao contato com a natureza, à higiene e à saúde, a uma
alimentação sadia, a desenvolver a criatividade, imaginação e capacidade de expressão, ao
movimento em espaços amplos, à proteção, ao afeto e à amizade, a expressar seus
sentimentos, a uma especial atenção durante o período de adaptação, a desenvolver sua
identidade cultural, racial e religiosa. (CORRÊA, 2003, p. 93)

Na mesma perspectiva, foi elaborada no ano de 2009, a segunda edição do deste documento
no qual Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, destacam o direito das crianças de se
movimentarem em espaços amplos e também de explorarem espaços externos ao ar livre que
possam favorecer o contato mais próximo com a natureza.

Um aspecto importante a ser considerado relaciona-se aos projetos de construções e reformas


dos prédios que, segundo Campos e Rosemberg (2009), precisam estar de acordo com o
número de crianças tendo em vista o bem estar e o desenvolvimento das mesmas. Segundo
esses critérios, uma unidade de atendimento a criança pequena que respeite os direitos
fundamentais das crianças é aquela que:

Os espaços externos permitem as brincadeiras das crianças.

[...] as salas são claras, limpas e ventiladas.

As crianças têm lugares agradáveis para se recostar e desenvolver atividades calmas.

As crianças têm lugares adequados para seu descanso e sono.

Quando fazemos reformas na creche nossa primeira preocupação é melhorar os espaços


usados pelas crianças.

Quando fazemos reformas tentamos adequar a altura das janelas, os equipamentos e os


espaços de circulação às necessidades de visão e locomoção das crianças.

Procuramos garantir o acesso seguro das crianças à creche [...] procura ter plantas e canteiros
em espaços disponíveis.

Nossas crianças podem olhar para fora através das janelas mais baixas e com vidros
transparentes.

O espaço externo da creche e o tanque de areia são limpos e conservados periodicamente de


forma a prevenir contaminações.

Nossas crianças têm o direito de correr, pular e saltar em espaços amplos, na creche ou nas
proximidades.
Nossos meninos e meninas, desde bem pequenos, podem brincar e explorar espaços externos
em espaços amplos.

Nossos meninos e meninas, desde bem pequenos, podem brincar e explorar espaços externos
ao ar livre.

Reservamos espaços livres cobertos para atividades físicas em dias de chuva. (BRASIL, 2009a,
p. 14-23)

A partir do exposto, destacamos que não faltam documentos e parâmetros que abordem a
importância do espaço físico na Educação Infantil. Muitas conquistas vêm sendo alcançadas,
todavia há um longo caminho a se percorrer, visto que o atendimento à criança pequena no
Brasil foi tardio e que é necessário, segundo os Parâmetros de Qualidade para a Educação
Infantil, “superar desafios antigos, esclarecendo questões que ainda suscitam dúvidas nos dias
atuais” (BRASIL, 2006c, p. 3).

Sabemos que não basta transferir as creches para os sistemas de ensino, pois “na sua história,
as instituições pré-escolares destinaram uma educação de baixa qualidade para as crianças
pobres, e isso é que precisa ser superado. (KUHLMANN, 1998 apud BRASIL, 2006b, p. 208)

Longe de atender os direitos das crianças brasileiras, a falta de políticas de financiamento para
a Educação Infantil prejudica a efetivação dos direitos das crianças reconhecidos pela
legislação brasileira.

Muitas reivindicações têm sido feitas no sentido de se trazer para o plano legal a efetivação
dos direitos das crianças. No plano legal, muito esforço tem sido feito no sentido do
reconhecer a importância do desenvolvimento integral da criança. Nesse contexto, o espaço
físico constitui-se em um elemento essencial para a aprendizagem significativa, desde que
também seja adequado às necessidades reais de seus usuários.

Um aspecto importante na trajetória da educação das crianças de 0 a 6 anos, gerado pela


sociedade, é a pressão dos movimentos sociais organizados pela expansão e qualificação do
atendimento.Historicamente, essa demanda aumenta à medida que cresce a inserção
feminina no mercado de trabalho e há uma maior conscientização da necessidade da educação
da criança sustentada por uma base cientifica cada vez mais ampla e alicerçada em uma
diversificada experiência pedagógica. (BRASIL, 2006d, p. 7)

Na última década muitos debates e seminários vêm sendo realizados no sentido de se obter
subsídios para “[...] o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade” (Brasil, 1996, art. 29).

Na realidade, constata-se a falta de investimentos na educação infantil principalmente em


relação à infra-estrutura das creches. Esta precariedade afeta negativamente o atendimento às
crianças pequenas e se traduz em desrespeito aos direitos constitucionais das crianças
previstos em leis como a Constituição Federal (1988), ECA (1990) e LDB (1996).

Segundo o documento “Política de Educação Infantil no Brasil: relatório de avaliação”, em


relação à qualidade:

Os níveis de qualificação dos professores estão melhorando, mas os professores de educação


infantil carecem de formação especializada. Os desequilíbrios são evidentes também na
qualidade. As entidades públicas que prestam serviços de educação infantil, freqüentadas por
crianças pobres, costumam ter qualidade inferior, sobretudo quanto às instalações e ao
ambiente pedagógico, e as entidades particulares de boa qualidade estão disponíveis
principalmente para as crianças das classes média e alta. O problema da qualidade é mais
grave nas creches. O desafio maior é transformá-la em instituições educacionais. (BRASIL,
2009b, p. 26)

Em relação aos investimentos, o mesmo relatório afirma que:

Existem leis e diretrizes que regulamentam a pedagogia da educação infantil, mas o


cumprimento delas continua sendo problemático. A causa disso é que nem todos os serviços
de educação infantil forma integrados ao sistema educacional brasileiro e reconhecidos como
instituições educativas que se encontra estagnado. Conflitos setoriais, limites à capacidade dos
municípios e falta de recursos financeiros são considerados fatores que contribuem para tal
situação. (BRASIL, 2009b, p. 25)

Segundo os resultados desta avaliação sobre a Política de Educação Infantil no Brasil, “Os
gastos com a educação infantil no Brasil diminuíram nos últimos anos em comparação com
outros níveis educacionais. O país tem uma crescente necessidade de mais investimentos na
educação infantil [...]” (BRASIL, 2009b, p. 26).

De acordo com a legislação educacional brasileira, grandes esforços têm sido feitos na busca
de melhorias para ao atendimento das crianças pequenas em creches e pré-escolas. Do
mesmo modo, muitas orientações têm sido dadas no sentido de contribuir também para a
busca e execução de melhorias no espaço físico das creches.

O governo e a sociedade têm grandes desafios a serem enfrentados na educação brasileira,


especialmente no atendimento de crianças de zero a cinco anos de idade. Dentre eles destaca-
se: o não reconhecimento da importância do espaço físico para a aprendizagem, a falta de
conscientização de que o mesmo constitui-se num importante elemento educativo e a
ausência de planejamento voltada para a construção de creches e pré-escolas que respeitem
as necessidades de seus usuários.

Ao conceber o espaço físico das creches como um elemento educativo, entendemos que a sua
utilização reduzida e a disposição inadequada dos mobiliários afeta de modo negativo a
aprendizagem das crianças, reduz a possibilidade de adquirir melhorias na qualidade do
atendimento, prejudica desenvolvimento integral das mesmas e fere os direitos
constitucionais destes cidadãos.

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