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SÓ MAIS UM SITE SOBRE NEUROLOGIA
RECONHECENDO CRISES DE
EPILEPSIA
RECONHECENDO CRISES DE
EPILEPSIA
Professor de Neurologia/UFSC
www.neurologia.ufsc.br (http://www.neurologia.ufsc.br/)
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INTRODUÇÃO
I – CRISES GENERALIZADAS
CRISES TÔNICO-CLÔNICAS
ATENÇÃO: pacientes com este tipo de crise são freqüentemente supliciados por antiga
crença que atribuía ao engulimento da língua a cianose que geralmente exibem. Com
alarmante freqüência tem suas dentaduras originais danificadas por pessoas que, na
ânsia de puxar sua língua para fora, acabam por destruir dentes, machucar a boca,
colocando objetos estranhos entre os dentes para proteção lingual, e terem seus
próprios dedos mordidos, inconscientemente, pelo sofredor do ataque. O mais hediondo
nesta estória é ver a vítima banguela, agradecendo ao seu ciclano ou beltrano por ter lhe
salvo a vida puxando a língua para fora durante uma crise. Farto de tanta estupidez
mitológica, recomendo ler atenciosamente o que segue, propositadamente escrito em
letras maiúsculas, na expectativa de que ocupe um espaço mais generoso de sua
memória:
4. Retirar com um lenço ou qualquer pano limpo o excesso de secreção da boca;
Atenção: baba não transmite epilepsia. Diga isso aos seus colegas e familiares.
7. Caso a crise não cesse em 2-3 minutos, ou no máximo em cinco minutos, tempo
que habitualmente dura, providencie transporte para remoção ao hospital.
CRISES TÔNICAS
São crises semelhantes ao ataque tônico-clônico; entretanto, não há uma fase clônica,
também chamada convulsiva. Tipicamente, o paciente apresenta súbito enrijecimento
muscular, fixando os membros numa posição de hiper-extensão e, geralmente, há queda
ao solo. Seus braços podem ser elevados e, na imensa maioria das vezes, há mudança
da expressão facial – as pupilas ficam dilatadas e os olhos desviam. A intensidade da
hipertonia pode ser assimétrica, envolvendo mais um membro que outro. Fenômenos
pós ictais, embora similares, não são tão acentuados como aqueles que se seguem a
uma genuína crise tônico-clônica.
CRISES ATÔNICAS
Nesta modalidade de ataque, habitualmente, há uma súbita perda do tônus muscular
com queda do paciente e ferimentos muitas vezes sérios. É o clássico drop attack da
língua inglesa. Todavia, algumas vezes, a repentina abolição do tônus poderá ficar
restrita a determinados músculos e o paciente poderá não sofrer queda. Simplesmente
inclinar a cabeça ou baixar bruscamente o corpo, por exemplo. Caso não aconteça
trauma relevante não se observa sintomatologia pós ictal e a recuperação costuma ser
imediata. Deve ser enfatizado que “drop attacks” podem ser vistos em condições não
genuinamente epilépticas.
CRISES CLÔNICAS
Ocasionalmente, durante uma crise tônico-clônica, poderá faltar uma verdadeira fase
tônica e o ataque ser caracterizado por repetidos abalos clônicos. De maneira análoga
ao visto na típica crise tônico-clônica, a freqüência dos abalos irá diminuindo com a
progressão da crise. Por outro lado, sintomas pós ictais são, geralmente, de menor
intensidade e, igualmente, de menor duração. Atenção: pode haver confusão desta
modalidade de crise com mioclonia, principalmente, quando esta envolver vários grupos
musculares, simultaneamente.
CRISES DE AUSÊNCIA
Atenção:
2. Não raramente estas crianças desenvolvem status epilepticus tipo ausência, isto é,
ficam minutos, literalmente, fora do ar, totalmente irresponsíveis a qualquer estímulo
físico ou verbal.
CRISES MIOCLÔNICAS
Atenção:
II – CRISES PARCIAIS
São ataques que envolvem, pelo menos inicialmente, uma porção limitada do cérebro.
Logo, os sintomas dessas crises refletem a função da área cerebral que lhes dá origem.
Dessa maneira, uma ampla variedade de sintomas podem ser observados como
atributos de ataques parciais, também chamados focais. Repetindo, a natureza do
sintoma apresentado durante tais crises aponta em direção a área do córtex cerebral
suspeita de disfunção elétrica episódica. Exemplificando. Sensação repentina e
inexplicável de medo, sugere uma origem no lobo temporal; por outro lado, sintomas
visuais iniciais são sugestivos de uma origem no lobo occipital; e tremor repetitivo e
episódico de um membro será, muito provavelmente, originário do lobo frontal, e assim
por diante. Ora, qual a importância de identificarmos uma origem parcial/focal das
crises apresentadas por um paciente em particular? Ela nos diz claramente que há um
problema localizado, isto é, restrito a uma pequena área do cérebro responsável pelo
transtorno epiléptico. Assim, uma investigação acurada deveria ser levada a cabo para
identificação do fator causal. Muitas vezes, bastará uma história clínica bem conduzida
para nos esclarecer a correta etiologia. Exemplo disso seriam aquelas epilepsias
parciais manifestas após um insulto neurológico prévio: ataques febris na infância,
trauma de crânio, doenças infecciosas do SNC, etc. Entretanto, quando a história não
for suficientemente esclarecedora, TODOS estes pacientes devem ser submetidos a
exames de imagem capazes de vasculhar a área cerebral suspeita, no afã de detectar a
real causa.
Importante:
MOTORA
Uma outra variedade freqüente é a chamada crise versiva, onde a pessoa acometida
gira a cabeça para o lado ou para trás, como se estivesse procurando algo atrás de si.
Tal giro é totalmente involuntário e pacientes não respondem a tentativas verbais ou
mecânicas de retornar a sua cabeça à posição original, provocando grande tensão em
ambos – sofredor e assistente.
Apesar da pouca atenção que lhe é dada, há um outro tipo comum de crise parcial
motora. Ela poderia ser definida como afasia epiléptica. Durante um típico ataque
afásico motor, o indivíduo bruscamente interrompe a conversação; contudo, preserva
intacta a sua capacidade de entendimento. Durante o episódio ele é incapaz de emitir
qualquer palavra e, por isso, sua face costuma expressar grande ansiedade. Esta crise
resulta do envolvimento da área motora da linguagem, a área de Broca. Ocasionalmente,
uma confusa vocalização repetitiva poderá ser observada. Neste caso, há um provável
acometimento de um outro centro da linguagem, a área de Wernicke, e nesta situação,
ao contrário do observado durante as crises de afasia motora pura, o paciente é
completamente incapaz de entender o que lhe dizem. Todavia, como mantêm sua
capacidade de falar, tenta expressar-se usando um jargão ininteligível.
Atenção: recordo-lhes que distúrbios da fala como os descritos acima, devem ser
diferenciados de duas outras etiologias comuns destes transtornos: enxaqueca e
ataques isquêmicos transitórios.
Finalizando este tópico, algumas palavras sobre crises motoras atípicas; porém, nem
um pouco raras como sugerem alguns livros texto. Alguns pacientes, particularmente,
aqueles sofredores de epilepsias originárias do lobo frontal, podem exibir movimentos
repetitivos excêntricos, como por exemplo: movimentar pernas como se estivessem
pedalando; mover as mãos como se realmente estivessem enrolando um fio em um
novelo; bater palmas; andar em círculos; etc. Grande parte destes pacientes pagaram,
no passado, um alto tributo devido à nossa ignorância em não reconhecê-los
adequadamente como sofredores de genuína epilepsia. Certamente, foram alojados no
generoso baú da histeria e brindados com estapafúrdios tratamentos, como ainda é
praxe para aqueles que são rotulados desta forma.
SENSORIAIS
SENSORIAIS ESPECIAIS
Por outro lado, alguns pacientes podem exibir sintomas auditivos. De maneira similar
aos visuais, estes podem sofrer considerável variação, desde sons grotescos até
manifestações altamente sofisticadas, como por exemplo escutar uma música.
Atenção: pessoas vitimadas por este tipo de crise, habitualmente tem resistência em
apresentar tais sintomas aos familiares e também aos médicos, por temor de serem
interpretados como de natureza psiquiátrica.
PSÍQUICAS
Por outro lado, ataques parciais psíquicos geralmente são acompanhados de uma
alteração qualitativa da consciência e, por conseguinte, vistos no contexto de crises
parciais complexas. Apesar disso, transtornos episódicos da memória, tipo jamais vu ou
deja vu, extremamente comuns e quase nunca objetos de consulta médica, deveriam
ser classificados como parciais simples devido à clareza com que seus sofredores
descrevem o evento. Da mesma forma, as crises manifestas por passagens rápidas de
experiências prévias, uma espécie de flashback cinematográfico. Associados com
turvação da consciência existem uma gama variada de sintomas que embora não
exclusivos de epilepsia são altamente sugestivos dela, tais como: estados de sonho;
prazer ou desprazer extremos; medo intenso; ataques de raiva ou riso (crises
gelásticas); alucinações visuais ou auditivas fantásticas; sensação de
despersonalização; etc. Perceba, por favor, que nem todas estas crises estão
associadas com sintomatologia desagradável; na verdade, algumas delas são
responsáveis por fugazes momentos de felicidade, indescritíveis adequadamente, por
pacientes atemorizados quanto à sua natureza. Infelizmente, nós médicos, por desvio
de formação, somos treinados para enfocar as doenças e não os doentes; enfatizar os
defeitos e não as virtudes, e, por isso, deixamos de vislumbrar este lado fascinante das
crises epilépticas.
AUTOMATISMOS
Durante uma crise parcial complexa (e, menos freqüentemente, após uma crise
generalizada tônico-clônica) poderá haver automatismo. Ele é definido como um
período de comportamento alterado, durante o qual o paciente exibe movimentos
repetitivos e semi-coordenados. Tipos diversos de automatismos têm sido descritos e
uma descrição detalhada dos mesmos nos permite inferir qual a área do cérebro
responsável. Exemplos de automatismos são: movimentos mastigatórios; deglutição
repetitiva; expressão fixa de medo, raiva ou prazer; atividades motoras estranhas, como
andar em círculos ou tocar desajeitadamente em objetos à sua volta; manipulação dos
órgãos genitais ou franca masturbação; despir-se; etc. Relembro que ataques parciais
complexos, com ou sem automatismos, costumam ter uma breve duração – poucos
minutos em sua maioria e, geralmente, seus sofredores são incapazes de qualquer
resposta consciente ao longo destes eventos. Eles também não tem condições de
evocar o que lhes sucede nestes momentos. Entretanto, muitos pacientes, apesar da
consciência turva, são capazes de realizar atos de certa complexidade como dirigir
veículos, trocar pneus, etc. Algumas vezes, eles próprios são surpreendidos por
recuperarem a consciência muito longe do local em que haviam se proposto atingir.
Atenção:
OUTRAS MANIFESTAÇÕES
Ataques de natureza autonômica como vertigem, pilo-ereção e taquicardia não
constituem uma excepcionalidade. Além destes, queixas como desconforto epigástrico
e, mais raramente, dor abdominal, igualmente, podem ser apresentados. Todavia, todos
estes sintomas tem um típico caráter paroxístico e, freqüentemente, estão associados a
algum outro tipo de crise, facilitando o reconhecimento da natureza epiléptica dos
mesmos.
Apesar do risco da banalização do texto, gostaria de deixar muito claro novamente que
crises parciais podem e, freqüentemente, evoluem para crises parciais complexas ou
caminham diretamente em direção à generalização secundária, representada por algum
dos tipos acima mencionados. Desta maneira, para nos certificarmos da origem parcial
de um ataque, aparentemente grande mal (tônico-clônico), há necessidade de uma
pergunta básica: VOCÊ TEM ALGUM AVISO DA CRISE? Usando palavras populares, a
questão que deve ser formulada é: você tem ameaça/ameaço da crise? Caso esta
pergunta elementar não seja feita, a imensa maioria das vítimas de epilepsia continuará
sendo diagnosticada erroneamente como sofredora de epilepsias generalizadas
primárias ao invés de secundárias. Estas, SEMPRE, deverão ter sua causa investigada,
até a exaustão, pelos meios disponíveis.
IV – CRISES REFLEXAS
VI – COMENTÁRIOS FINAIS
Entretanto, o leitor deveria considerar que o cérebro, uma máquina sofisticada, com
aproximadamente 15 bilhões de neurônios conectados e comunicando-se entre si
através de estímulos bioquímicos geradores de potenciais elétricos, está fadado a
apresentar oscilação episódica no seu funcionamento, não importando quem seja o seu
dono nem tampouco o uso que dele faz. Crises de epilepsia nada mais são que a
expressão deste transtorno elétrico afetando o córtex cerebral. Por esta razão, é
extremamente freqüente observarmos pessoas absolutamente normais, descrevendo
reais crises de epilepsia com sintomatologia menor (ataques de deja vu ou jamais vu,
por exemplo) e que, por isso mesmo, jamais serão objetos de uma consulta médica.
Além disso, deveríamos levar em conta, também, que nem sempre crises de epilepsia
são desagradáveis e que muitas delas poderão ser prazerosas, havendo uma recusa
natural destas pessoas em buscarem serviços médicos. Igualmente, muitos sofredores
de crises de natureza psíquica, pôr temor de terem seus sintomas interpretados como
psiquiátricos por profissionais mal informados ou possessão demoníaca por líderes
religiosos diversos, irão resistir em relatar seus estranhos sintomas a terceiros.
Agradecimento:
A senhora Vivien von Hertwig Soares, uma pessoa admirável, foi responsável pela
revisão deste texto e gostaria de tornar público meu sincero agradecimento.