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RECONHECENDO CRISES DE
EPILEPSIA

RECONHECENDO CRISES DE
EPILEPSIA
 

Dr. Paulo Cesar Trevisol Bittencourt

Professor de Neurologia/UFSC

Presidente do Centro de Estudos do Hospital Universitário/UFSC

Clínica de Epilepsia do Hospital Regional de São José/SC

www.neurologia.ufsc.br (http://www.neurologia.ufsc.br/)

Endereço:

Centro de Estudos do Hospital Universitário

Universidade Federal de Santa Catarina

88040 970 Florianópolis/SC

E mail: pcb@neurologia.ufsc.br (mailto:pcb@hu.ufsc.br)

INTRODUÇÃO

Dificuldades para uma identificação correta do tipo de crise apresentado por um


paciente em particular fazem parte do cotidiano de todo médico. Entretanto, saliento
que uma definição precisa do tipo de crise e também da sua etiologia são pré requisitos
essenciais para o sucesso de qualquer proposta terapêutica. Relembro-lhes que
epilepsia não é a única condição geradora de ataques. Enxaqueca, histeria e arritmias
cardíacas diversas, entre outras, deveriam ser consideradas, sempre, no diagnóstico
diferencial. As duas primeiras, não raramente, podem coexistir com genuína epilepsia, e
as informações clínicas são cruciais para a diferenciação segura. Considere cefaléia
recidivante como um forte indício de enxaqueca, principalmente diante de uma história
familiar positiva. Devido às similaridades entre ambas, pode ser afirmado,
convictamente, que enxaqueca e epilepsia são primas irmãs. Possivelmente por
mecanismos distintos, nas duas detecta-se alterações episódicas da atividade elétrica
do córtex cerebral. Por outro lado, tenha sempre em conta que sofrimento psíquico
importante no passado, particularmente história de abuso sexual sugere, fortemente, a
possibilidade de ataques neuropsicogênicos, uma expressão mais elegante e inteligente
que as habitualmente usadas como histeria, ou a infeliz pseudo-crise de inspiração
anglo-saxã ou a terceiro-mundista piti. Gostaria de lhes afirmar que crises histéricas são
bem reais e expressam enfermidade psíquica séria; logo, todos aqueles identificados
como sofredores desta modalidade de ataque deveriam ser contemplados com a mais
ampla serenidade profissional e encaminhados para atenção psicológica.
Definitivamente eles não são falsos doentes ou farsantes como alguns professores
néscios insistem em apregoar; além disso, está muito bem documentado, atualmente,
que insultos psíquicos repetitivos patrocinam alterações orgânicas diversas. Uma
observação importante: algumas crises desta natureza podem mimetizar originais
ataques de epilepsia, e vice versa, particularmente, quando estes são originários dos
lobos frontais. Além destas possibilidades, arritmias cardíacas deveriam igualmente ser
consideradas, e, ao contrário do que dizem muitos livros texto, em qualquer faixa etária
e não somente nos pacientes idosos. Aqui, novamente, deve ser enfatizado que o
exame clínico fornece indícios para a sua suspeição, sugerindo qual o teste mais
apropriado para sua confirmação.

Admitindo que estamos diante de alguém com crises epilépticas recorrentes, o


diagnóstico de epilepsia deve ser ponderado. O segundo passo é estabelecer qual o tipo
de crise. Esta é uma informação crucial que irá influenciar decisivamente na escolha do
tratamento ideal. Muitas vezes, pacientes sofredores desta condição apresentam mais
de um tipo de crise, neste caso, devemos identificar qual delas é a mais freqüente. Além
disso, temos que nos esforçar para classificar sindromicamente todos os pacientes
vitimados por epilepsia, bem como determinarmos qual sua etiologia. É fato bem
documentado, atualmente, a existência de diversas síndromes epilépticas bem distintas
entre si, tendo um único aspecto em comum: crises de epilepsia. Enquanto algumas
delas, de tão benignas que são, não requerem tratamento de nenhuma espécie, outras
exigem meticulosa avaliação para decidir qual a melhor terapia, se farmacológica ou
cirúrgica. Finalmente, temos que discernir crise de status epilepticus. Enquanto crises
epilépticas, geralmente, duram segundos ou até poucos minutos, o status deve ser
diagnosticado quando uma crise se prolonga indefinidamente, ou quando se repete a
intervalos regulares; isto é, mal cessa um episódio outro se inicia, evidenciando a
necessidade do uso de medicação para suprimi-las. Desgraçadamente, muitos
especialistas dizem que devemos esperar trinta minutos para estabelecer o diagnóstico
desta séria complicação; simplesmente ignore-os. Obviamente, há tantos tipos
possíveis de status epilepticus quanto de crises epilépticas; desta maneira, temos
status bem distintos, sejam generalizados (tônico-clônicos, mioclônicos, ausência) ou
parciais (simples ou complexos).

Para facilitar um reconhecimento das crises de epilepsia, baseado em uma versão


simplificada da classificação proposta pela Liga Internacional contra Epilepsia, faremos
comentários sobre as características clínicas dos tipos mais freqüentes de crises
epilépticas. Como poderão verificar na seqüência, esta não é uma tarefa difícil que deva
ser considerada exclusiva de profissionais especializados no tema. Todo médico
perspicaz, e, principalmente, bem educado reúne condições para isso.

TIPOS DE CRISES EPILÉTICAS

Fundamentalmente, conforme o distúrbio elétrico inicial, as crises de epilepsia são


divididas em duas categorias principais: são chamadas de generalizadas quando a
descarga exagerada inicial envolve, simultaneamente, ambos os hemisférios cerebrais;
e parciais quando sintomas focais são identificados no seu início. Entretanto, muitas
vezes, as crises parciais são de duração extremamente fugaz e um reconhecimento
clínico adequado é impossível ser feito, sugerindo ser um ataque generalizado. Contudo,
em tais casos um eletroencefalograma (EEG) de bom padrão técnico poderá ser
decisivo, evidenciando a origem focal/parcial de uma crise aparentemente generalizada.
Ataques parciais devem ser subdivididos em simples e complexos. A diferença básica é
que nos primeiros sempre a consciência é mantida, enquanto, no segundo sempre há
alteração da mesma.

Enfatizando este problema, relembro ser corriqueiro observar indivíduos apresentando


crises parciais, terem erroneamente classificadas suas crises como generalizadas.
Embora esta seja a situação mais comum, o contrário também está longe de ser uma
raridade. Explicação para este equívoco comum são muitas; todavia, acredito que o
precário conhecimento científico de outrora, resultou em ensino deficiente sobre
epilepsia e suas manifestações. Exemplificando. Até recentemente professores
educadores de médicos referiam-se a esta condição de uma maneira exageradamente
simplista, classificando as crises como pequeno e grande mal, e ponto final. Aliás, até
hoje, diversas escolas médicas persistem perpetuando está idéia francamente
distorcida que não contempla a imensa variedade de crises/síndromes epilépticas
exibidas pela população sofredora do problema. Mais além, a frágil relação médico-
paciente dos tempos modernos impede que determinadas crises parciais,
particularmente aquelas de natureza psíquica, por temor que os sintomas sejam
considerados de natureza psiquiátrica, sejam apresentadas pelos pacientes aos seus
médicos.
E o bizarro é que este fenômeno ocorre até entre médicos. Recordo-me bem de uma
paciente médica contando seu sofrimento em uma roda social… Paulinho, eu tinha
ataques repentinos de um cheiro horrível; vasculhava a casa; minha roupa; pedia ao meu
marido que mostrasse seus calçados; e, subitamente, como por encanto, tudo
desaparecia. Fui levando assim até que um dia tive um ataque tipo grande mal. Isto é,
começou com aquele cheiro desagradável e fui encontrada, no meu consultório,
inconsciente, com a língua machucada e toda urinada (crise parcial secundariamente
generalizada). Pessoalmente, interpretava como maluquice aquilo que estava sentindo
episodicamente. Tu não achas que se falasse a um colega ele não me mandaria
consultar um médico psiquiatra?

Curiosamente, uma imensa variedade de crises parciais poderiam ser enquadradas no


contexto descrito acima.

I – CRISES GENERALIZADAS

São ataques que do ponto de vista clínico-eletroencefalográfico apresentam


comprometimento inicial de todo o córtex cerebral. Enfatizamos: não deverá haver foco
demonstrável no EEG. Acredita-se que a consciência é, invariavelmente, afetada nesta
modalidade de crise, mesmo que por tempo exageradamente fugaz, em algumas vezes.
Tais crises são subdivididas nos seguintes tipos clínicos:

CRISES TÔNICO-CLÔNICAS

É a chamada “convulsão”; aliás, esta é a única modalidade de crise merecedora desta


denominação; assim, evite o erro comum de considerar esta expressão como sinônimo
de crise epiléptica, pois, realmente, não o é. Convulsão é, tão somente, um dos tipos de
crises e está bem longe de ser a mais freqüente delas. Na nomenclatura antiga eram
chamadas de “grande mal”, expressão de mau gosto ainda muito empregada. Quando
primárias, a crise inicia-se com um grito e perda imediata da consciência com queda ao
solo. Em seqüência rápida, o paciente exibe difusa rigidez muscular, fase tônica,
acompanhada de intensa cianose secundária ao espasmo muscular que impede troca
dos gases pulmonares e promove acúmulo de gás carbônico. Este estágio, que,
habitualmente toma poucos segundos, é seguido por abalos clônicos dos quatro
membros e respiração ofegante. Os movimentos clônicos/convulsivos duram
segundos, as vezes poucos minutos, e, imediatamente após, um relaxamento dos
esfíncteres vesical/anal pode acontecer e neste caso há liberação de urina e/ou fezes.
Respiração barulhenta, chamada em medicinês de estertorosa, é o passo seguinte.
Nesta fase é comum pacientes expelirem saliva, na maior parte das vezes
sanguinolenta, em virtude dos ferimentos provocados na mucosa oral ou na língua,
ocorridos durante a fase tônica. A consciência é recuperada lentamente e a imensa
maioria destas pessoas irão referir cefaléia e mialgias difusas no pós crise. Fraturas
ósseas, ocasionalmente, acontecem, seja pela queda ou pela violenta contração
muscular, e devem ser pesquisadas na eventualidade de dor localizada persistente.

ATENÇÃO: pacientes com este tipo de crise são freqüentemente supliciados por antiga
crença que atribuía ao engulimento da língua a cianose que geralmente exibem. Com
alarmante freqüência tem suas dentaduras originais danificadas por pessoas que, na
ânsia de puxar sua língua para fora, acabam por destruir dentes, machucar a boca,
colocando objetos estranhos entre os dentes para proteção lingual, e terem seus
próprios dedos mordidos, inconscientemente, pelo sofredor do ataque. O mais hediondo
nesta estória é ver a vítima banguela, agradecendo ao seu ciclano ou beltrano por ter lhe
salvo a vida puxando a língua para fora durante uma crise. Farto de tanta estupidez
mitológica, recomendo ler atenciosamente o que segue, propositadamente escrito em
letras maiúsculas, na expectativa de que ocupe um espaço mais generoso de sua
memória:

LÍNGUA 1: DEVEMOS INSPECIONAR A BOCA DESTAS PESSOAS POR DUAS RAZÕES: A


PRIMEIRA DELAS PARA NOS CERTIFICARMOS QUE O MESMO NÃO USA PRÓTESE
DENTÁRIA, E, NESTE CASO, OBSERVAR SE A MESMA ESTÁ EM POSIÇÃO CORRETA;
POIS, DURANTE TAIS CRISES, PODERÁ HAVER DESLOCAMENTO DA PRÓTESE, COM
OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS. A SEGUNDA PARA RETIRAR EXCESSO DE SECREÇÃO,
QUE, PORVENTURA, ESTEJA CONTRIBUINDO PARA DIFICULTAR AINDA MAIS SUA
RESPIRAÇÃO.

LÍNGUA 2: ESTES PACIENTES QUANDO MACHUCAM SUA LÍNGUA O FAZEM NO


MOMENTO INICIAL DA CRISE, NA FASE TÔNICA. LOGO, A COLOCAÇÃO DE QUALQUER
OBJETO ENTRE OS DENTES, ALÉM DE SER IDIOTAMENTE EXTEMPORÂNEA, PODERÁ
PREJUDICAR AINDA MAIS SUA RESPIRAÇÃO.

LÍNGUA 3: É VERDADE, A LÍNGUA HUMANA ASSEMELHA-SE AO TAL BOMBRIL – MIL E


UMA UTILIDADES, PORÉM, DEFINITIVAMENTE, ELA NÃO SE PRESTA A MATAR ALGUÉM
DURANTE UMA CRISE DE EPILEPSIA. A CIANOSE OBSERVADA NESTE TIPO DE CRISE,
REPITO, É CONSEQÜÊNCIA DO ACÚMULO DE CO2, E NÃO DE PROBLEMAS COM A
LÍNGUA! POR ISSO TUDO, SUGIRO AO LEITOR ABOLIR DE SUA MENTE PREOCUPAÇÃO
COM A LÍNGUA DO PACIENTE. EM RESUMO, FERIMENTOS NA LÍNGUA E MUCOSA
ORAL, NESTE TIPO DE CRISE, DEVERIAM SER INTERPRETADOS COMO INEVITÁVEIS E,
QUANDO ACONTECEREM, ATITUDES PARA A PREVENÇÃO DE INFECÇÃO SECUNDÁRIA
SÃO AS ÚNICAS QUE DEVERIAM SER RECOMENDADAS.

Entretanto, reconheço a dramaticidade de tais crises, onde segundos parecem minutos,


e esses parecem horas. O que deveria ser feito, então, durante as mesmas?
Basicamente, estes seriam os passos:
1.      Procurar manter a serenidade;

2.      Proteger a cabeça do indivíduo;

3.          Retirar/afrouxar peças de roupa que porventura estejam dificultando sua


respiração por estarem aderidas ao tórax, impedindo sua expansão;

4.      Retirar com um lenço ou qualquer pano limpo o excesso de secreção da boca;

Atenção: baba não transmite epilepsia. Diga isso aos seus colegas e familiares.

5.      Cessado os movimentos convulsivos, colocá-lo em decúbito lateral para prevenção


de aspiração, no caso de vômitos;

6.          Afugentar da área os habituais curiosos mórbidos, ávidos por contemplar


desgraça alheia;

7.      Caso a crise não cesse em 2-3 minutos, ou no máximo em cinco minutos, tempo
que habitualmente dura, providencie transporte para remoção ao hospital.

Finalmente, gostaria de chamar sua atenção para um aspecto largamente


negligenciado. Crises desse tipo poderão ser primárias, conforme descrito acima, ou
secundárias. Ela será sempre secundária quando algum aviso/sintoma/aura permitir ao
paciente a PERCEPÇÃO de que a crise está INICIANDO. Qual a importância disso?
Enquanto crises primariamente generalizadas apontam em direção a um defeito
geneticamente herdado, crises secundariamente generalizadas nos dizem que há uma
disfunção localizada e, possivelmente, adquirida da eletricidade cortical. O sintoma que
antecede a crise acusa o local do cérebro responsável pela descarga inicial.
Exemplificando: sensação repentina de medo/raiva/prazer sugerem uma origem nos
lobos temporais; tremor de um braço/perna são originárias do lobo frontal; dor terá uma
origem parietal, e assim por diante.

CRISES TÔNICAS

São crises semelhantes ao ataque tônico-clônico; entretanto, não há uma fase clônica,
também chamada convulsiva. Tipicamente, o paciente apresenta súbito enrijecimento
muscular, fixando os membros numa posição de hiper-extensão e, geralmente, há queda
ao solo. Seus braços podem ser elevados e, na imensa maioria das vezes, há mudança
da expressão facial – as pupilas ficam dilatadas e os olhos desviam. A intensidade da
hipertonia pode ser assimétrica, envolvendo mais um membro que outro. Fenômenos
pós ictais, embora similares, não são tão acentuados como aqueles que se seguem a
uma genuína crise tônico-clônica.

CRISES ATÔNICAS
Nesta modalidade de ataque, habitualmente, há uma súbita perda do tônus muscular
com queda do paciente e ferimentos muitas vezes sérios. É o clássico drop attack da
língua inglesa. Todavia, algumas vezes, a repentina abolição do tônus poderá ficar
restrita a determinados músculos e o paciente poderá não sofrer queda. Simplesmente
inclinar a cabeça ou baixar bruscamente o corpo, por exemplo. Caso não aconteça
trauma relevante não se observa sintomatologia pós ictal e a recuperação costuma ser
imediata. Deve ser enfatizado que “drop attacks” podem ser vistos em condições não
genuinamente epilépticas.

CRISES CLÔNICAS

Ocasionalmente, durante uma crise tônico-clônica, poderá faltar uma verdadeira fase
tônica e o ataque ser caracterizado por repetidos abalos clônicos. De maneira análoga
ao visto na típica crise tônico-clônica, a freqüência dos abalos irá diminuindo com a
progressão da crise. Por outro lado, sintomas pós ictais são, geralmente, de menor
intensidade e, igualmente, de menor duração. Atenção: pode haver confusão desta
modalidade de crise com mioclonia, principalmente, quando esta envolver vários grupos
musculares, simultaneamente.

CRISES DE AUSÊNCIA

Tais crises eram chamadas no passado de “pequeno mal”. Não há pródromo e os


pacientes, habitualmente crianças, são geralmente incapazes de perceber a ocorrência
dos eventos. Há, classicamente, uma súbita interrupção da consciência que dura uns
poucos segundos; apesar da manutenção da postura, a atividade motora cessa e a
criança permanece estática e irresponsível a qualquer estímulo. Um restabelecimento
imediato e pleno da consciência segue-se imediatamente após a crise, permitindo a
pessoa retornar à atividade que estava exercendo nos momentos que precederam a
mesma. Porém, como estas crises costumam se repetir diversas vezes, ao longo do dia
(10-50-100 vezes), há uma natural queda na performance escolar. Freqüentemente não
há outros sinais durante a crise; porém, em algumas vezes podem ser notados discretos
movimentos tônicos ou clônicos de pálpebras e boca, bem como leve queda da cabeça.

Muitas vezes teremos dificuldade em diferenciar clinicamente crises de ausência de


alguns ataques parciais originários do lobo temporal. Diante deste dilema, um recurso
prático seria submeter o paciente a hiperventilação; pois alcalose induzida pela mesma
tem o dom de desencadear os típicos ataques de ausência clássica nos seus
sofredores. Além disso, nos casos em que o teste da hiperventilação não resultar
positivo, o eletroencefalograma será de extrema utilidade, pois enquanto crises de
ausência estão associadas a surtos de complexo ponta-onda de 3 ciclos por segundo,
ataques parciais estarão relacionados a pontas emanadas dos lobos temporais. Deve
ser salientado também, que, não raramente, uma prolongada crise de ausência poderá
ser seguida de automatismos; entretanto, não serão tão acentuados ou elaborados
como aqueles eventualmente observados durante crises parciais complexas. Além
disso, quando existirem outros achados semiológicos concomitantes, como por
exemplo, abalos clônicos ou automatismos, a ausência deveria ser classificada como
atípica e, nesta situação, uma origem parcial/focal, deveria ser interrogada.

Atenção:

1.Como esta modalidade de crise epiléptica incide, fundamentalmente, em crianças,


não é raro serem as professoras da escola primária as primeiras observadoras destes
episódios; freqüentemente, antes dos pais. Professoras atentas percebem a queda no
rendimento escolar das crianças acometidas por esta condição e, habitualmente,
referem que as mesmas estão tendo tics durante a aula. Apesar deste diagnóstico ser
errôneo, o mérito do mesmo é que ele sugere uma avaliação neurológica esclarecedora.
Recordo-lhes que em um passado não muito distante, essas crianças sofriam punição
física como “tratamento” para as suas crises não reconhecidas apropriadamente.
Infelizmente, muitos profissionais mal treinados, médicos inclusive, corroboraram para
esse desatino, recomendando palmadas para tratar o que identificavam como criança
muito mimada, rotulada na sociedade açoriana com a terrível expressão de ganjenta.

2. Não raramente estas crianças desenvolvem status epilepticus tipo ausência, isto é,
ficam minutos, literalmente, fora do ar, totalmente irresponsíveis a qualquer estímulo
físico ou verbal.

CRISES MIOCLÔNICAS

Consistem em curtos abalos de um ou vários grupos musculares, e, por isso, são


chamados, também, de mioclonias. O abalo pode ser único ou múltiplo e, neste caso,
eles se repetem rapidamente. Suas vítimas, habitualmente se referem aos mesmos
como tremeliques ou choques. Caso a mioclonia acometa algum dos membros
superiores e se, naquele momento, o paciente estiver segurando algum objeto, este,
habitualmente, será arremessado à distância do corpo. Como esta modalidade de crise
ocorre preferencialmente no período matinal, na literatura inglesa esta situação é
graciosamente referida como a síndrome do pires voador. E na verdade, estes pacientes
destroem parte da louça familiar até terem sua condição reconhecida. Durante as aulas
são igualmente identificados como molestadores pelas professoras por ficarem
atirando lápis/caneta contra seus colegas de classe. Obviamente acabam sendo
injustamente castigados por pais, avós, irmãos e professoras. Durante tais crises
poderá haver queda ao solo, desde que músculos dos membros inferiores sejam
envolvidos; porém, a recuperação costuma ser imediata. Um outro aspecto
freqüentemente observado nestas pessoas é a sua peculiar hipersensibilidade a luz
intermitente; isto é, podem apresentar mioclonias em resposta a estímulos luminosos
incessantes. Assim, ficam especialmente vulneráveis durante festas em boates
modernas quando ao estímulo luminoso se adiciona álcool, poderoso agente
mioclonizante. Sofredores de mioclonias são geralmente rotulados como nervosos por
amigos e familiares e até mesmo por médicos, em razão disso, acabam por desenvolver
complexos socialmente limitantes.

Atenção:

1. Ataques mioclônicos são encontrados em várias síndromes epilépticas distintas;


contudo, é a Epilepsia Mioclônica Juvenil (EMJ), também chamada de síndrome de
Janz, a principal síndrome onde estas crises são observadas. EMJ é uma condição
benigna, facilmente controlada por medicação adequada. 

2. Algumas vezes, os abalos mioclônicos seguem se repetindo de maneira


incontrolável, por vários minutos. É o que chamamos de status epilepticus tipo
mioclônico. Como, muitas vezes, são indivíduos jovens e com aparência saudável,
com alarmante freqüência acabam sendo estupidamente diagnosticados como
histéricos. 

3. Crises epilépticas mioclônicas deveriam ser diferenciadas das mioclonias não


epilépticas encontradas em várias outras condições neurológicas. Para uma melhor
compreensão deste tópico, recomendo-lhes leitura do artigo MIOCLONIA e
EPILEPSIA, disponível na página www.neurologia.cjb.net
(http://www.neurologia.cjb.net/) . 

II – CRISES PARCIAIS

São ataques que envolvem, pelo menos inicialmente, uma porção limitada do cérebro.
Logo, os sintomas dessas crises refletem a função da área cerebral que lhes dá origem.
Dessa maneira, uma ampla variedade de sintomas podem ser observados como
atributos de ataques parciais, também chamados focais. Repetindo, a natureza do
sintoma apresentado durante tais crises aponta em direção a área do córtex cerebral
suspeita de disfunção elétrica episódica. Exemplificando. Sensação repentina e
inexplicável de medo, sugere uma origem no lobo temporal; por outro lado, sintomas
visuais iniciais são sugestivos de uma origem no lobo occipital; e tremor repetitivo e
episódico de um membro será, muito provavelmente, originário do lobo frontal, e assim
por diante. Ora, qual a importância de identificarmos uma origem parcial/focal das
crises apresentadas por um paciente em particular? Ela nos diz claramente que há um
problema localizado, isto é, restrito a uma pequena área do cérebro responsável pelo
transtorno epiléptico. Assim, uma investigação acurada deveria ser levada a cabo para
identificação do fator causal. Muitas vezes, bastará uma história clínica bem conduzida
para nos esclarecer a correta etiologia. Exemplo disso seriam aquelas epilepsias
parciais manifestas após um insulto neurológico prévio: ataques febris na infância,
trauma de crânio, doenças infecciosas do SNC, etc. Entretanto, quando a história não
for suficientemente esclarecedora, TODOS estes pacientes devem ser submetidos a
exames de imagem capazes de vasculhar a área cerebral suspeita, no afã de detectar a
real causa.

Crises parciais estão divididas em duas categorias principais. Serão chamadas de


parciais simples quando não há alteração da consciência, isto é, pacientes são capazes
de descrever a fenomenologia epiléptica que lhes acomete; e de parciais complexas
quando uma diminuição qualitativa importante da consciência é notada. Na verdade,
nota-se muitas vezes uma abolição completa da consciência nesta modalidade de crise
parcial que, freqüentemente, é acompanhada de automatismos bizarros diversos. Crises
parciais complexas eram chamadas, até recentemente, de crises do lobo temporal ou
de crises psico-motoras. Tais expressões são inapropriadas, haja vista que nem todas
as crises psico-motoras terão uma origem nos lobos temporais, assim como nem todas
as crises originárias destes lobos irão cursar com manifestações psico-motoras.

Importante:

1. Ataques parciais simples e/ou complexos são as mais freqüentes modalidades de


crises epilépticas. Aproximadamente, 80% do total das crises de epilepsia serão do tipo
parcial.

2. Pacientes que desenvolvem Status Epilepticus Parcial Complexo são freqüentemente


diagnosticados equivocadamente como esquizofrênicos.

3. É bastante comum observar sofredores de epilepsia apresentarem inicialmente


ataques parciais simples, evoluindo seqüencialmente para ataques parciais complexos
e não raramente para ataques secundariamente generalizados tônico-clônicos.
Ocasionalmente, um sentido inverso ao descrito acima também poderá ser visto.

4. Tenha claro em sua mente que muitos sofredores de epilepsia apresentam


unicamente crises parciais sem nunca terem qualquer episódio de generalização
secundária; isto é, nunca apresentarão o estereótipo do epiléptico conforme
amplamente difundido pelo rico folclore. Para fixar repito: muitos nunca apresentarão a
famosa crise tipo grande mal, ensinada até recentemente nas escolas médicas como a
típica crise de epilepsia.

5. Um fenômeno chamado paralisia de Todd poderá ser, eventualmente, visto no pós-


crise de pessoas que apresentam crises parciais. Ele se manifesta com perda de função
transitória da área do cérebro responsável pela descarga epiléptica. Desta forma,
pacientes poderão apresentar desde paralisia de um membro ou de um hemicorpo (a
original forma de paralisia de Todd); anestesia com distribuição similar; cegueira;
sintomas disfásicos com incapacidade para falar ou compreender, e assim por diante.
Caracteristicamente, os sintomas se desvanecem após algumas horas de grande
ansiedade para todos os envolvidos.
CRISES PARCIAIS MAIS FREQÜENTES

MOTORA

Na maioria das vezes, consiste em abalos repetitivos afetando um determinado grupo


muscular. Caracteristicamente, ele é unilateral e poderá exibir uma seqüência clássica,
marchando em segundos do dedo para a mão, desta para o antebraço/braço, deste para
a perna ipsilateral e, finalmente, atingir a face. Esta é uma crise jacksoniana típica.
Porém, nem sempre observa-se esta regularidade na progressão e, muitas vezes, a crise
irá se restringir a uma das fases descritas. Além disso, alguns pacientes poderão
apresentar movimentos musculares incessantes de um membro, configurando uma
condição denominada epilepsia parcial contínua.

Uma outra variedade freqüente é a chamada crise versiva, onde a pessoa acometida
gira a cabeça para o lado ou para trás, como se estivesse procurando algo atrás de si.
Tal giro é totalmente involuntário e pacientes não respondem a tentativas verbais ou
mecânicas de retornar a sua cabeça à posição original, provocando grande tensão em
ambos – sofredor e assistente.

Apesar da pouca atenção que lhe é dada, há um outro tipo comum de crise parcial
motora. Ela poderia ser definida como afasia epiléptica. Durante um típico ataque
afásico motor, o indivíduo bruscamente interrompe a conversação; contudo, preserva
intacta a sua capacidade de entendimento. Durante o episódio ele é incapaz de emitir
qualquer palavra e, por isso, sua face costuma expressar grande ansiedade. Esta crise
resulta do envolvimento da área motora da linguagem, a área de Broca. Ocasionalmente,
uma confusa vocalização repetitiva poderá ser observada. Neste caso, há um provável
acometimento de um outro centro da linguagem, a área de Wernicke, e nesta situação,
ao contrário do observado durante as crises de afasia motora pura, o paciente é
completamente incapaz de entender o que lhe dizem. Todavia, como mantêm sua
capacidade de falar, tenta expressar-se usando um jargão ininteligível.

Atenção: recordo-lhes que distúrbios da fala como os descritos acima, devem ser
diferenciados de duas outras etiologias comuns destes transtornos: enxaqueca e
ataques isquêmicos transitórios.

Finalizando este tópico, algumas palavras sobre crises motoras atípicas; porém, nem
um pouco raras como sugerem alguns livros texto. Alguns pacientes, particularmente,
aqueles sofredores de epilepsias originárias do lobo frontal, podem exibir movimentos
repetitivos excêntricos, como por exemplo: movimentar pernas como se estivessem
pedalando; mover as mãos como se realmente estivessem enrolando um fio em um
novelo; bater palmas; andar em círculos; etc. Grande parte destes pacientes pagaram,
no passado, um alto tributo devido à nossa ignorância em não reconhecê-los
adequadamente como sofredores de genuína epilepsia. Certamente, foram alojados no
generoso baú da histeria e brindados com estapafúrdios tratamentos, como ainda é
praxe para aqueles que são rotulados desta forma.

SENSORIAIS

Sensações parestésicas como formigamento e dormência, excepcionalmente dor


franca, podem se manifestar quando o córtex sensitivo (lobo parietal) for envolvido.
Estes sintomas serão sempre unilaterais, acometendo um membro ou hemicorpo. Além
disso, podem exibir uma típica marcha jacksoniana, conforme descrito anteriormente.

Atenção: ataques parciais exclusivamente parestésicos exigem diferenciação


diagnóstica com outras condições nosológicas, sendo particularmente necessário
questionar as possibilidades de enxaqueca e vasculopatias diversas.

SENSORIAIS ESPECIAIS

Um grande percentual de crises parciais podem ser incluídas nesta categoria. É,


bastante provável, que aquelas que expressam-se por sintomatologia visual sejam as
mais freqüentes. Estas poderão variar na sua complexidade dependendo do
envolvimento do córtex visual primário ou associativo. Podem ser referidas desde luzes
brilhantes intermitentes até imagens complexas ou alucinações bem estruturadas.
Recordo-me de uma paciente jovem que apresentou, durante anos, súbitas visões de
répteis como única expressão da sua epilepsia parcial. Muito provavelmente, um
psiquiatra ortodoxo teria uma interpretação distinta e iatrogênica para as suas cobras
episódicas.

Por outro lado, alguns pacientes podem exibir sintomas auditivos. De maneira similar
aos visuais, estes podem sofrer considerável variação, desde sons grotescos até
manifestações altamente sofisticadas, como por exemplo escutar uma música.

Finalizando, devemos considerar as crises de natureza olfativa. Mudanças bruscas e


recorrentes do olfato, quando tiverem uma origem epiléptica, sempre apontarão em
direção à parte interna do lobo temporal (uncús), como local originário da crise.
Sintomas olfativos variam individualmente e podem ser apresentados como um aroma
agradável e freqüentemente indescritível ou um cheiro horrível.

Atenção: pessoas vitimadas por este tipo de crise, habitualmente tem resistência em
apresentar tais sintomas aos familiares e também aos médicos, por temor de serem
interpretados como de natureza psiquiátrica.

PSÍQUICAS

Estas crises constituem as manifestações mais fascinantes das epilepsias e, a despeito


de serem pouco relatadas, possivelmente, são as mais comuns também. Aliás, a
história da humanidade está repleta de episódios sugestivos de que tais crises,
juntamente com as do tipo sensoriais especiais, marcaram a evolução da nossa
espécie; influenciando destinos e, igualmente, gerando desatinos. Certamente foram
responsáveis por fatos e invenções geniais também. Curiosamente, é possível suspeitar
que diversas religiões influentes e igualmente inúmeras seitas minoritárias tiveram sua
criação embasada por ataques epilépticos desta natureza. Fugazes imagens
fantásticas, um aspecto comum em muitas delas, contribuíram para a rica mitologia
que lhes oferece sustentação popular (por favor, exclua deste pensamento, credos
modernos de bem nítida e exclusiva inspiração pecuniária). Diz o adágio popular, que a
criatura sempre se volta contra o seu criador; tragicomicamente, elas retribuíram ao seu
criador (EPILEPSIA!) com a disseminação na sociedade de sofismas e fantasias
discriminatórias sobre epilepsia e epilépticos em geral, paradoxalmente alimentadas por
muitos profissionais da saúde. Assim, é bastante provável que a equivocada
interpretação religiosa da fenomenologia epiléptica tenha originado o brutal preconceito
vigente, responsável pelas graves limitações sociais enfrentadas pelos seus sofredores.
Diante desta realidade, pode ser encarado como natural a habitual negação destes
sintomas durante as excessivamente dinâmicas consultas médicas da atualidade. Eles
somente aparecerão na sua plenitude quando é criado um clima de absoluta confiança
e cumplicidade entre paciente e terapeuta. Aqui, mais que nunca, educação e simpatia
são pré-requisitos imprescindíveis para a obtenção de uma anamnese realmente
esclarecedora.

Por outro lado, ataques parciais psíquicos geralmente são acompanhados de uma
alteração qualitativa da consciência e, por conseguinte, vistos no contexto de crises
parciais complexas. Apesar disso, transtornos episódicos da memória, tipo jamais vu ou
deja vu, extremamente comuns e quase nunca objetos de consulta médica, deveriam
ser classificados como parciais simples devido à clareza com que seus sofredores
descrevem o evento. Da mesma forma, as crises manifestas por passagens rápidas de
experiências prévias, uma espécie de flashback cinematográfico. Associados com
turvação da consciência existem uma gama variada de sintomas que embora não
exclusivos de epilepsia são altamente sugestivos dela, tais como: estados de sonho;
prazer ou desprazer extremos; medo intenso; ataques de raiva ou riso (crises
gelásticas); alucinações visuais ou auditivas fantásticas; sensação de
despersonalização; etc. Perceba, por favor, que nem todas estas crises estão
associadas com sintomatologia desagradável; na verdade, algumas delas são
responsáveis por fugazes momentos de felicidade, indescritíveis adequadamente, por
pacientes atemorizados quanto à sua natureza. Infelizmente, nós médicos, por desvio
de formação, somos treinados para enfocar as doenças e não os doentes; enfatizar os
defeitos e não as virtudes, e, por isso, deixamos de vislumbrar este lado fascinante das
crises epilépticas.

AUTOMATISMOS
Durante uma crise parcial complexa (e, menos freqüentemente, após uma crise
generalizada tônico-clônica) poderá haver automatismo. Ele é definido como um
período de comportamento alterado, durante o qual o paciente exibe movimentos
repetitivos e semi-coordenados. Tipos diversos de automatismos têm sido descritos e
uma descrição detalhada dos mesmos nos permite inferir qual a área do cérebro
responsável. Exemplos de automatismos são: movimentos mastigatórios; deglutição
repetitiva; expressão fixa de medo, raiva ou prazer; atividades motoras estranhas, como
andar em círculos ou tocar desajeitadamente em objetos à sua volta; manipulação dos
órgãos genitais ou franca masturbação; despir-se; etc. Relembro que ataques parciais
complexos, com ou sem automatismos, costumam ter uma breve duração – poucos
minutos em sua maioria e, geralmente, seus sofredores são incapazes de qualquer
resposta consciente ao longo destes eventos. Eles também não tem condições de
evocar o que lhes sucede nestes momentos. Entretanto, muitos pacientes, apesar da
consciência turva, são capazes de realizar atos de certa complexidade como dirigir
veículos, trocar pneus, etc. Algumas vezes, eles próprios são surpreendidos por
recuperarem a consciência muito longe do local em que haviam se proposto atingir.

Finalmente, observo-lhes que ataques desta natureza podem se prolongar demasiado,


configurando o que chamamos de status epilepticus parcial complexo ou status
psicomotor. A maioria dos desafortunados que desenvolvem esta complicação irão
recuperar a consciência em clínicas psiquiátricas, porque, lamentavelmente, muitos
profissionais ainda não estão familiarizados com esta condição.

Atenção:

1. Automatismos originários dos lobos frontais, freqüentemente, causam grande


confusão diagnóstica, até mesmo entre epileptologistas de bom padrão técnico. Nesta
situação é comum os pacientes terem plena consciência dos movimentos anormais e
estabelecerem uma comunicação de bom padrão com seus interlocutores. Assim,
quando instados a darem um basta nos movimentos classicamente repetitivos,
respondem não ser possível fazê-lo. O histérico diagnóstico de histeria é imediatamente
levado a cabo pelos profissionais da saúde e na ânsia de abortá-los, bofetões não
raramente são a terapêutica instituída.

2. Para que não paire nenhuma dúvida: masturbação consciente, um recurso da


sexualidade em momentos de prazerosa reflexão sensual, apesar de estupidamente
condenada por líderes religiosos de distintos credos, é absolutamente NORMAL e não
deveria ser confundida como sintoma de epilepsia ou da famigerada disritmia cerebral
(http://www.neurologiahoje.kit.net/disritmia.htm).

OUTRAS MANIFESTAÇÕES
Ataques de natureza autonômica como vertigem, pilo-ereção e taquicardia não
constituem uma excepcionalidade. Além destes, queixas como desconforto epigástrico
e, mais raramente, dor abdominal, igualmente, podem ser apresentados. Todavia, todos
estes sintomas tem um típico caráter paroxístico e, freqüentemente, estão associados a
algum outro tipo de crise, facilitando o reconhecimento da natureza epiléptica dos
mesmos.

III – CRISES SECUNDARIAMENTE GENERALIZADAS

Pessoas com crises generalizadas (tônico-clônicas, tônicas, clônicas, atônicas), que


clinicamente manifestam uma aura imediatamente antes da perda da consciência, isto
é, são capazes de identificar/descrever o sintoma epiléptico inicial, devem ser
reconhecidos como sofredores de crises parciais secundariamente generalizadas. Aura
é um termo antigo para o que hoje é definido como crise parcial simples e, não
raramente, este componente parcial é de duração tão fugaz que somente um
eletroencefalograma criterioso será capaz de identificar a origem focal de uma crise
aparentemente generalizada primária. Tal aspecto não deveria ser negligenciado pelos
profissionais responsáveis pelo atendimento de pessoas com epilepsia, pois a
identificação de que suas crises têm uma origem parcial/focal torna imperativa a busca
da sua etiologia.

Apesar do risco da banalização do texto, gostaria de deixar muito claro novamente que
crises parciais podem e, freqüentemente, evoluem para crises parciais complexas ou
caminham diretamente em direção à generalização secundária, representada por algum
dos tipos acima mencionados. Desta maneira, para nos certificarmos da origem parcial
de um ataque, aparentemente grande mal (tônico-clônico), há necessidade de uma
pergunta básica: VOCÊ TEM ALGUM AVISO DA CRISE? Usando palavras populares, a
questão que deve ser formulada é: você tem ameaça/ameaço da crise? Caso esta
pergunta elementar não seja feita, a imensa maioria das vítimas de epilepsia continuará
sendo diagnosticada erroneamente como sofredora de epilepsias generalizadas
primárias ao invés de secundárias. Estas, SEMPRE, deverão ter sua causa investigada,
até a exaustão, pelos meios disponíveis.

IV – CRISES REFLEXAS

Raramente, algumas pessoas podem desenvolver por mecanismos ainda incógnitos


certas formas peculiares de crises epilépticas. Elas somente irão se manifestar diante
de estímulos específicos. Na Índia, por exemplo, há descrições de ataques de epilepsia
desencadeados por métodos inusitados que ainda não foram identificados em outras
sociedades. Entre os hindus, aparentemente, não é raro indivíduos terem crises de
epilepsia durante banho com água quente ou induzidas por comerem arroz. Entretanto,
estes relatos anedotários ainda carecem de comprovação científica. Já aqui, no
ocidente, há casos muito bem documentados de crises epilépticas desencadeadas por
hábitos tão inocentes como: leitura, música ou até por pensamento. Leve em conta isso
diante de pessoas cujas crises manifestam-se exclusivamente através de tais
estímulos. Apesar de crises reflexas poderem assumir qualquer modalidade de ataque
epiléptico, a maioria delas tem nos abalos mioclônicos a sua forma usual de
apresentação.

V – CRISES NÃO CLASSIFICÁVEIS

É notável perceber que um expressivo número de crises apresentadas por pacientes


com epilepsia exibirão características mistas dos diversos tipos acima descritos.
Entretanto, isso não deveria nos desencorajar a tentar uma classificação das crises que
afetam um determinado indivíduo; inclusive, com esforço para enquadrar seus sintomas
nas síndromes epilépticas previamente descritas. Tenha claro em sua mente que isto é
possível na imensa maioria deles. E que este é um aspecto crucial na decisão de
escolher qual o melhor tratamento.

VI – COMENTÁRIOS FINAIS

A prevalência de epilepsia, como problema de saúde, é estimada entre 0,5 – 3% da


população em geral. Ela é aparentemente menor nos países escandinavos e maior nas
sociedades ditas terceiro mundistas. No Brasil, há indícios de que 1 – 2% da população
é acometida por alguma das formas de epilepsia que necessitarão de assistência
médica.

Entretanto, o leitor deveria considerar que o cérebro, uma máquina sofisticada, com
aproximadamente 15 bilhões de neurônios conectados e comunicando-se entre si
através de estímulos bioquímicos geradores de potenciais elétricos, está fadado a
apresentar oscilação episódica no seu funcionamento, não importando quem seja o seu
dono nem tampouco o uso que dele faz. Crises de epilepsia nada mais são que a
expressão deste transtorno elétrico afetando o córtex cerebral. Por esta razão, é
extremamente freqüente observarmos pessoas absolutamente normais, descrevendo
reais crises de epilepsia com sintomatologia menor (ataques de deja vu ou jamais vu,
por exemplo) e que, por isso mesmo, jamais serão objetos de uma consulta médica.
Além disso, deveríamos levar em conta, também, que nem sempre crises de epilepsia
são desagradáveis e que muitas delas poderão ser prazerosas, havendo uma recusa
natural destas pessoas em buscarem serviços médicos. Igualmente, muitos sofredores
de crises de natureza psíquica, pôr temor de terem seus sintomas interpretados como
psiquiátricos por profissionais mal informados ou possessão demoníaca por líderes
religiosos diversos, irão resistir em relatar seus estranhos sintomas a terceiros.

Na verdade, há diversas evidências sugestivas de que crises epilépticas fortuitas serão


exteriorizadas por 100% (cem porcento) dos seres humanos ao longo das suas vidas,
não importando à qual raça, sexo ou qualificação sócio-econômico-cultural pertençam.
Aliás, inúmeros inexplicáveis sintomas neurológicos fugazes do cotidiano poderiam ser
racionalmente atribuíveis a crises de epilepsia, ou a transtornos da eletricidade cortical
– se preferirem uma denominação mais simpática. Infelizmente, investigadores e
médicos não focam estes aspectos, resultando numa interpretação ainda bastante
primitiva do que seja epilepsia e suas manifestações, predominando uma visão calcada
em dogmatismos idiotas de franca inspiração religiosa antes que científica.

Por outro lado, a humanidade é repleta de indivíduos ególatras que, estupidamente,


idealizam serem perfeitos, ignorando que a perfeição não existe e que todos nós, sem
exceção, possuímos algum defeito, seja ele de fábrica ou adquirido. Desgraçadamente,
muitos deles ostentam títulos universitários, são professores e até chefes de estado,
enfim, muitos são pessoas importantes na sociedade. Aparentemente sadios e
corretos, estimulam atitudes discriminatórias contra grupos expressivos da população
rotulados como deficientes, incrementando, ainda mais dificuldades existenciais
àquelas pessoas. Particularmente, apreciaria muito que reconhecessem a magnitude do
fenômeno epilepsia e suas distintas formas de apresentação, interrompendo a negativa
visão mitológica que disseminam. Admitindo preconceito como o dileto filho bastardo
da mama ignorância e que ele per si é o responsável por um pesado tributo imposto
aqueles que sofrem de epilepsia, uma redução significativa das limitações sociais
enfrentadas pelas vítimas desta condição poderia ser vislumbrada com a propagação
das informações aqui veiculadas, e esta meta e esperança foram minha maior
motivação durante a redação deste artigo.

Florianópolis, um dia qualquer de dezembro de 2001.

Paulo Cesar Trevisol Bittencourt

Agradecimento:

A senhora Vivien von Hertwig Soares, uma pessoa admirável, foi responsável pela
revisão deste texto e gostaria de tornar público meu sincero agradecimento.

Orgulhosamente mantido com WordPress (http://wordpress.org/).


Tema: Flat 1.0.4 de Themeisle
(https://themeisle.com/themes/flat/).

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