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NEUROLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 1

Epilepsia
INTRODUÇÃO
PROF. MARCELO MUNIZ

• Características gerais:

o Cerca de 65 milhões de pessoas no mundo possuem epilepsia

▪ No Brasil, há 4 casos a cada 1000 habitantes

o As crises podem ter manifestações muito diferentes

o A epilepsia produz eventos paroxísticos e estereotipados

▪ Para dizer que uma pessoa tem epilepsia, devemos caracterizar um evento paroxístico bem definido pelo
menos 2 vezes

o A epilepsia pode acontecer em qualquer momento da vida, mas tem uma predileção por criança/adolescente
e pessoas com mais de 50-60 anos → Incidência bimodal

• Definição:

o Pelo menos 2 crises estereotipadas não provocadas que ocorrem em um intervalo maior de 24 horas

▪ 1 crise só não caracteriza epilepsia (é apenas uma convulsão isolada)

▪ Crises convulsivas podem ser provocadas por trauma, distúrbio do sódio, distúrbio do cálcio,
medicamentos, privação do sono, substâncias exógenas etc. (não caracterizam epilepsia)

o Uma crise não provocada tem uma chance de pelo menos 60% de recorrência em 10 anos

• Etiologia:

o Etiologia de epilepsia → 70% dos pacientes com epilepsia não têm causa definida e 30% têm (na maioria das
vezes doença genética, malformações, cisticercose, tumores etc.)

o Etiologia de crises sintomáticas agudas (não epilepsia) → Traumatismo craniano (16%), doença
cerebrovascular (16%) e infecção (15%) são as principais causas

▪ Outras causas → Encefalopatia, eclâmpsia, tóxica, metabólica, síndrome de retirada (de medicações e
outras drogas, como benzodiazepínicos), tumor cerebral etc.

DIAGNÓSTICO
• Diagnóstico:

o Diagnóstico de epilepsia é clínico → História clínica é a base para o diagnóstico

▪ A maior parte das vezes, o médico não vai ver o paciente tendo crise → Então, a história vai depender
muito do informante (se é um bom informante por exemplo)

▪ Vídeos caseiros podem ajudar

▪ Na maior parte das vezes precisamos de descrição de testemunhas, como familiares

▪ É necessária o fazer a descrição do início do evento e perguntar sobre possíveis desencadeantes (privação
de sono, medicamentos etc.)
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▪ Com a história devemos definir se é crise, definir se é provocada, sintomática aguda ou reflexa e classificar
o tipo de crise, tipo de epilepsia e, por vezes, a etiologia

o Exames complementares → Ajudam principalmente a definir a causa, mas também podem ser usados para
confirmar ou descartar a epilepsia em suspeitas principalmente de pseudocrises (encenação)

▪ Se o paciente tem uma crise durante o eletroencefalograma (EEG), ele pode dar a certeza do diagnóstico

• Diagnósticos diferenciais:

o Enxaqueca → É uma condição paroxística, mas geralmente causa plegia (paciente perde força)

o Distúrbios do sono → Mais raro (parassonia, sonambulismo, movimentos periódicos à noite etc.)

o Síncope → É o grande diagnóstico diferencial, principalmente se não há testemunha da síncope (não dá para
saber se foi síncope ou epilepsia)

o CNEP (Crises Não Epiléticas) → Simulação de crise epilética

o Delirium → Estado confusional agudo

o Estereotipias e TIC → Manias de movimentos estereotipados, é mais psiquiátrico, paciente com ansiedade

o Transtorno do pânico → Paciente com pavor pode tremer e confundir com convulsão

PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS


• Síncope:

o Existem 2 tipos de síncope (vasovagal e cardíaca)

▪ Síncope vasovagal → Mais comum

❖ Paciente desfalecendo, se sente mal, tem tontura, fica muito pálido, sua frio

❖ Recupera rápido e recupera totalmente a consciência

❖ Desencadeada por longos períodos de pé, desidratação, mudança na postura, calor e emocional

❖ Gera uma visão borrada, diaforese, palidez da visão, ouvir barulho e desconforto abdominal

▪ Síncope cardíaca

❖ Perda súbita de consciência, palidez, atonia e postura tônica

❖ Desencadeada por medo, exercício ou surpresa

❖ Geralmente tem história familiar

o É impossível diferenciar uma síncope vasovagal de uma síncope cardíaca clinicamente, isso será feito com os
exames laboratoriais

▪ Pode haver uma suspeita pelos sintomas → Ex.: Palpitações/angina (fala mais a favor de síncope cardíaca)

o Usamos algumas características para tentar diferenciar sincope de crise epilética

▪ Muitos pacientes com síncope podem ter o diagnóstico errôneo de epilepsia por convulsionarem (a
convulsão pode ocorrer na síncope por algum sintoma, por exemplo hipotensão severa)

▪ Se o foco epilético for temporal mesial, o paciente pode fazer uma crise autonômica (palidez, suor frio,
hipotensão etc.) e geralmente tem a parada de comportamento

▪ O paciente da síncope não costuma ter parada de comportamento, rapidamente ele desmaia/cai

▪ Normalmente síncope fecha o olho e epilepsia arregala o olho


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▪ Na síncope, o paciente cai mole e acorda rápido, na convulsão cai duro e depois faz abalos clônicos

o Cuidado com síncope no idoso → Fazer sempre EEG

• CNEP (Crises Não Epiléticas de Origem Psicogênica):

o Não é uma crise verdadeira → É uma crise “epilética” forjada pelo paciente

o Não é uma coisa estereotipada, muda muito os movimentos

o O vídeo-EEG é um exame muito importante nesse caso, porque ele filma o paciente enquanto faz um
eletroencefalograma por certo período de tempo, podendo confirmar se os movimentos são forjados ou é
realmente uma crise epilética (se não há correlação do EEG e dos movimentos, não é epilepsia)

o Atenção → Grande parte dos pacientes da CNEP também têm o diagnóstico de epilepsia

o Diferente da epilepsia verdadeira, o curso de CNEP geralmente é flutuante, o paciente mexe a cabeça, faz
báscula/movimento de quadril, arqueamento das costas e piscamento palpebral

▪ Costuma mudar o padrão de movimento durante a crise

o É considerado um tipo de transtorno somatoforme

ABORDAGEM
• Abordagem de 1ª crise:

o É crise epilética?

▪ Se sim → É uma crise sintomática aguda? É uma crise provocada?

❖ Se sim → Tratar as causas que provocaram

❖ Se não → Investigar história prévia de crises (possível epilepsia)

▪ Se não → Investigar outras etiologias (síncope vasovagal/cardiogênica, CNEP, distúrbio de sono etc.)

• Classificação das crises:

o Crises de início focal (antigamente chamadas de crises parciais) → É inicialmente unilateral

▪ É o tipo de crise predominante na vida adulta

▪ Podem ser perceptivas (o paciente percebe tudo e sabe relatar) ou disperceptivas (o paciente não percebe
o que está acontecendo e não lembra depois)

▪ Ex.: Paciente relata que começa na mão, vai subindo pelo braço e rosto, mas logo passa (crise focal
motora clônica chamada classicamente de Dravet-Jacksoniana)

▪ Podem ter início motor (automatismos, atônicas, clônicas, espasmos, hipercinéticas, mioclônicas e
tônicas) ou não motor (autonômicas, como cólicas; parada comportamental; cognitivas e sensoriais)

▪ A crise de início focal pode se generalizar (crise focal com generalização secundária) → Tem um início focal
evoluindo para tônico-clônica bilateral e inconsciência

o Crises de início generalizado → É rapidamente bilateral

▪ Crise primariamente generalizada é mais comum em bebês, crianças e adolescentes (< 18 anos)

▪ O paciente já inicia com uma crise generalizada

❖ Motoras → Tônico-clônicas, clônicas, tônicas, mioclônicas, mioclôno-tônico-clônica, mioclôno-atônicas,


atônicas e espasmos
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❖ Não motoras / crise de ausência (comuns) → Típicas, atípicas, mioclônicas e mioclônicas palpebrais

▪ Nas crises generalizadas, o paciente sempre estará inconsciente

▪ A crise de ausência lembra muito a parada comportamental → É um quadro súbito de desligamento


geralmente por alguns segundos (é um lapso de consciência)

❖ Está relacionada apenas a faixas etárias menores, não falar isso para adultos (na vida adulta só existe
parada comportamental, nas crianças pode ocorrer os dois)

❖ É bem rápida e quando passa a criança não sente nada e nem percebe (já a parada comportamental a
pessoa se sente mal depois)

❖ As crises de ausência geralmente são desencadeadas por hiperventilação

o Crises de início desconhecido → Muito específico (não é necessário saber para a graduação)

▪ Motoras → Tônico-clônicas e espasmos

▪ Não motoras → Parada comportamental

INVESTIGAÇÃO DA CAUSA
• Lesão estrutural:

o De 20 a 30% dos pacientes com epilepsia terão alterações estruturais

o O exame de eleição é a ressonância magnética

▪ TC pode ser usada para descartar urgências (sangramentos, AVC, abscesso cerebral etc.)

o O principal achado é no lobo temporal (esclerose temporal mesial) → É uma lesão bem discreta (requer um
bom radiologista para esse achado)

▪ É vista uma atrofia de hipocampo com hipersinal em FLAIR

▪ É um marcador de epilepsia

▪ OBS.: Paciente com apenas 1 crise só de convulsão e com esclerose temporal mesial já é indicação para
uso de anticonvulsivante contínuo (pois é certo que terá outras crises)

o Mais raramente, podem ser vistos tumores → Ganglioglioma, degeneração do neuroepitélio temporal,
astrocitoma de baixo grau etc.

▪ Geralmente são tumores benignos e com predileção pelo lobo temporal

• Estudo genético:

o Muito específico e acadêmico (não é necessário saber para a graduação)

o Normalmente não se pede teste genético de rotina, apenas para caracterizar algumas síndromes na infância

▪ Dependendo do tipo de epilepsia, há necessidade de teste genético para diagnóstico

▪ Mais comum na rotina do neuropediatra

• Doença infecciosa:

o Tuberculoma

o Herpes vírus → Causa muito epilepsia

▪ Gera uma apresentação na RM parecida com a encefalite límbica

▪ Na suspeita, pede um PCR e já inicia o tratamento com o aciclovir antes do resultado


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• Diagnóstico:

o O diagnóstico de epilepsia pode ser dado por eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética (RM)

o O ideal é um EEG precoce (24 horas depois da crise) → Muito difícil, principalmente na realidade brasileira

o O EEG vai ajudar a caracterizar o tipo de crise, principalmente o Vídeo-EEG

o O EEG só é alterado fora da crise em 25% dos pacientes → Quanto mais próximo da crise for feito, melhor

TRATAMENTO
• Características do tratamento:

o Anticonvulsivantes / Medicação anticrise (MAC)

▪ Receitar apenas para pacientes que preencham o diagnóstico de epilepsia → Não dar quando o paciente
tem 1 crise só e TC normal

o Tratar com apenas 1 remédio e que seja um anticonvulsivante adequado para o paciente

▪ Idealmente → Monoterapia, menor dose possível, menos efeito colateral e controle das crises

▪ Evitar politerapia → Se for feita, que ela seja racional

o A escolha do medicamento é feita de acordo com o perfil do paciente e o tipo de crise

▪ Tem remédios que só funcionam para crises focais e tem remédios de amplo espectro (para crises focais e
crises generalizadas)

▪ Mulheres em idade fértil → Não receitar Divalproato (gera malformação fetal) e evitar anticonvulsivantes
que aumentam metabolismo hepático (aumenta o clearance de anticoncepcionais e tende à gravidez)

❖ Nesse caso, a lamotrigina é uma excelente escolha

▪ Paciente com Alzheimer ou TDAH → Não receitar Topiramato (diminui muito a atenção)

o Para todo paciente com epilepsia que vai iniciar o tratamento, devem ser pedidos alguns exames
laboratoriais (hemograma, TGO, TGP, ureia, creatinina, amilase, TSH, sódio etc.)

o Basicamente temos 2 tipos de medicamentos, os que inibem os receptores estimulantes (sódio/cálcio) e os


que estimulam os inibidores (GABA) → Diminuem a função do cérebro, para diminuir o foco (hiperatividade)

• Medicamentos:

o Medicações de amplo espectro → Levetiracetam, Clobazam, Felbamato, Lamotrigina, Brivaracetam,


Rufinamida, Topiramato, Ácido Valproico (Valproato/Divalproato) e Zonisamida

▪ Lamotrigina, Levetiracetam, Ácido Valproico e Topiramato são os mais usados

o Medicações para epilepsia focal e focal evoluindo para crise tônico-clônica bilateral → Carbamazepina,
Etosuximida, Gabapentina, Lacosamida, Oxcarbazepina, Fenobarbital, Fenitoína, Primidona e Vigabatrina

▪ Não devem ser usados para crises generalizadas

• Politerapia e efeitos colaterais:

o Devemos lembrar dos mecanismos de ação para saber fazer uma politerapia racional quando necessária
(para não acumular efeitos colaterais)

▪ Bloqueadores de canal de sódio → Fenitoína e Carbamazepina são os principais, mas há também


Oxcarbazepina, Lamotirgina, Lacosamida e Rufinamida

❖ Oxcarbamazepina dá muita hiponatremia (sempre dosar sódio e evitar ao máximo no idoso)


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❖ Fenitoína e carbamazepina dão muita hepatopatia

❖ Com carbamazepina devemos ter cuidado também com hipotireoidismo

▪ Bloqueadores de canal de cálcio → Etosuximida, Gabapentina e Pregabalina

❖ Etosuximida é para tratar crise de ausência

❖ Gabapentina e pregabalina são fracos para epilepsia, mas ótimos para tratar a dor

▪ Ligante da vesícula sináptica 2A → Levetiractam e Brivacetam

❖ São os medicamentos mais específicos

▪ GABAérgicos → Fenobarbital, Primidona, Vagabatrina e Benzodiazepínicos (Clonazepam, Clobazam e


Nitrazepam)

o Ácido Valproico pode dar pancreatite (dosar sempre amilase)

• Observações:

o Abordagem de uma pessoa em convulsão no dia a dia → Decúbito lateral e proteção da cabeça

o Epilepsia e direção → O paciente epilético não pode dirigir por um tempo após ter tido uma crise (tem que
ser comprovado pelo menos 1 ano sem crises e regulamentado com o Detran, inclusive com termo assinado
pelo médico)

o Retirada da medicação → Em epilepsia primária, devemos tratar por pelo menos 3 anos, se após isso o
paciente com EEG e RM normais não teve crise, diminuir o anticonvulsivante pela metade e repetir o EEG em
3 meses, se o resultado for normal pode ser feita a retirada

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