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Abordagens diagnóstica e terapêutica ambulatorial das epilepsias

Histórico do estudo das epilepsias

• Hipócrates → era conhecida como “’doença sagrada”, mas Hipócrates dizia que poderiam haver
fatores externos causadores da doença.

• Avicena → termo “epilepsia”, do grego que significa “ser tomado, possuído”.

• Thomas Willis e Versalius → estudo da anatomia humana.

• John Hughlings Jackson → bases fisiopatológicas da epilepsia.

o Hipótese que poderia ser desencadeada por uma descarga elétrica em alguma área cerebral,
e que isso poderia determinar o tipo de crise.

• Charles Locock → brometo de portássio.

o Em 1912, desenvolve-se o fenobarbital.

• Victor Horsley → primeira cirurgia de epilepsia.

• Hans Berger → registro do EEG.

• Henri Gastaut → primeira classificação das crises epilépticas (1969).

• Desenvolvimento do vídeo-EEG → 1980.

• Desenvolvimento das técnicas de neuroimagem → 1970/80.

• Estudos genéticos → a partir da década de 1990.

Definições importantes

• Crise epiléptica: fenômenos clínicos, caracterizados pela presença de sintomas/sinais transitórios


decorrentes de atividade neuronal excessiva e hiperssincrônica.

o Pode ser decorrente, além da epilepsia, de injúrias agudas ao cérebro, como injúrias
metabólicas, tóxicas ou febris.

• Epilepsia: doença que consiste em uma predisposição aumentada e permanente para ocorrência
de crise epiléptica.

o Definição de 2014: usadas para fim de tratamento.

▪ 2 crises espontâneas (ou reflexas) com intervalo acima de 24h.

• Crises reflexas: causadas por algum estímulo externo ou atividades realizadas


pelo indivíduo.

▪ 1 crise espontânea (ou reflexa) e chance de ocorrência de nova crise estimada em


60%.

• Pacientes que têm anormalidade no EEG e/ou alteração estrutural que propicie
o desencadeamento de uma nova crise.

▪ Diagnóstico de síndrome epiléptica.

o Epilepsia resolvida: Indivíduo que está sem crise há 10 anos, sem uso de fármacos há 5 anos.
Epidemiologia

• Prevalência → entre 1 e 2%.

• Faixa etária

o Países desenvolvidos → aumenta com a idade.

o Países em desenvolvimento → picos na adolescência e na idade adulta.

o Cerca de 50% dos casos têm início da infância ou na adolescência.

• Prognóstico

o Há remissão das crises após o uso de 1 ou 2 fármacos em 60% dos pacientes.

o Entre 40% que são refratários, 20% dos pacientes têm indicação de terapias alternativas →
em especial o tratamento cirúrgico.

Etiopatogenia e fisiopatologia

• Epileptogênese → transformação de uma rede cerebral normal, em uma rede neural hiperexcitável.
Resulta em uma predisposição a formação de uma crise epiléptica.

o Um insulto cerebral inicial (alteração genética, trauma, hipóxia, tumor) → leva a uma
reorganização neuronal (que leva um tempo), a qual resulta na formação da rede neural
hiperexcitável.

▪ Não existem medicamentos que impeçam a epileptogênese → os fármacos são ditos


anticrise.

• Crises epilépticas → podem ter origem focal ou generalizadas.

o Nas crises focais (um hemisfério cerebral), há diminuição da inibição de vias inibitórias
gabaérgicas e/ou aumento da ativação por vias ativadoras glutamatérgicas.

▪ A entrada de cálcio intracelular tem um papel na despolarização dessas vias.

o Nas crises generalizadas (bilateral, desde o início) → a ativação de circuitos talamocorticais


(ricos em GABA) estimulam um córtex hiperexcitável.
Semiologia das crises epilépticas

• Informação das testemunhas → os pacientes podem não perceber as crises.

• Vídeos das crises → no caso de crises recorrentes, podem auxiliar o diagnóstico.

• Sintomas precedentes à perda de consciência

o Sintomas não motores, em especiais sensoriais, cognitivos e psíquicos podem ser o começo
da crise.

• Alteração de consciência

o Tempo de duração → a perda de consciência é (em geral) entre 1 e 3 minutos.

o Fenômenos motores → movimentos repetitivos, clonias, automatismos.

▪ Útil para diferenciação com síncope.

• Sinais pós-crise

o Sinal de mordedura de língua → alto valor preditivo para crise tônico-clônica.

o Sinal de liberação esfincteriana → são mais comuns em crise tônico-clônica do que em


síncopes.

o Confusão mental

o Amnésia

• Relação com o ciclo sono-vigília

o Crises que ocorrem durante o sono tem maior morbidade.

o Crises generalizadas são mais comuns após o despertar.

• Estereotipia dos eventos → os eventos são parecidos entre si?

• Pesquisa de fatores desencadeantes

o Febre alta → crianças.

o Fenômenos de hipóxia.

• Impactos sociais e ocupacionais → úteis para guiar o tratamento.

• Antecedentes obstétricos e perinatais → grande parte das causas de insulto cerebral ocorre nesse
período. Esses insultos podem se manifestar como crises epilépticas anos depois.

o Infecções congênitas;

o Estados de hipóxia neonatal.

• Doenças prévias

• Desenvolvimento neuropsicomotor

• Comorbidades psiquiátricas e somáticas → maior prevalência de transtornos psiquiátricos entre


os epilépticos, sobretudo de depressão.

• Exame neurológico → em geral, normal.

o Podem ter alterações cognitivas → MINI-MENTAL.


Classificação quanto ao tipo das crises epilépticas (nível 1)

• Início focal → podem ser perceptivas (manutenção da consciência) ou disperceptivas e ter início
motor ou início não motor (precedida por sintomas sensoriais, cognitivos ou psíquicos).

o Crise focal que evolui para tônico-clônica bilateral.

• Início generalizado → podem ser motoras (mioclonias, tônica, atônica, tônico-clônica) ou de


ausência.

• Início desconhecido → podem ser motoras ou não motoras.

• Não classificadas

Diagnósticos diferenciais

• Síncopes;

• Acidente isquêmico transitório → duração maior e geralmente sem perda de consciência;

• Enxaquecas com aura → alucinações visuais são mais brilhantes, seguidas dos sintomas de
enxaqueca (cefaleia, náuseas, vômitos, fotofobia, fonofobia).

o Na crise epiléptica de início focal com alucinações visuais → são coloridas e geométricas.

• Parassonias do sono não-REM (sonambulismo, terror noturno e despertar confusional);


• Crises não epilépticas psicogênicas → transtorno conversivo.

Exames Complementares

• Eletroencefalograma

o Pode ser normal;

o Deve ser feito durante o sono (com privação de sono).

▪ Durante o sono, há a sincronização da atividade elétrica cerebral → aumenta a


sensibilidade do exame.

o A hiperventilação pode aumentar a sensibilidade do exame, sobretudo nas crises de ausência


e focais.

▪ Alcalose respiratória → vasoconstrição cerebral → aumento da chance de


desencadear atividade na região epileptogênica.

o Fotoestimulação intermitente → pode aumentar a sensibilidade em alguns tipos de epilepsia.

o Utilidade → identificar o padrão (tipo de epilepsia), podendo caracterizar síndrome


epiléptica.

▪ Pode ser feita durante o uso de fármacos anticrise.

▪ Permite diferenciar: crises focais de crises generalizadas.


• Neuroimagem estrutural → investigação etiológica.

o TC de crânio → baixa sensibilidade (usado no PS ou na contraindicação de RNM).

o RNM de encéfalo → principalmente nas crises focais, devemos prestar atenção especial a
área que suspeitamos desencadear a crise.

o Algumas etiologias:

▪ Esclerose mesial temporal → uma das principais causas de epilepsia focal em


adultos.

▪ Malformação cortical → alterações muito sutis podem não ser vistas na RNM.

• Em geral não são vistas na TC.

▪ Neurocisticercose → principal causa de epilepsia focal no Brasil.

▪ Tumor → 5% das epilepsias, mais comum a partir da 2ª década de vida.

• Investigação genética → pode ser feita se:

o Ausência de causa estrutural;

o Sem definição de síndrome epiléptica;

o Início no período neonatal ou na infância;

o Refratariedade ao tratamento medicamentoso;

o Dismorfismo associado;

▪ Alterações cromossômicas

o Transtorno do movimento e/ou sinais neurológicos associados;

▪ Coreia, ataxia, ...

o Crises desencadeadas pelo jejum;

▪ Deficiência de GLUT1 → gera crises semelhantes às de ausência em jejum.

o Deterioração neurológica, não atribuída às crises ou aos fármacos.


Classificação das epilepsias quanto ao tipo de crise (nível 2) → podem ser focais, generalizadas, focais e
generalizadas combinadas ou desconhecidas.

Síndromes epilépticas (nível 3) → para o diagnóstico de uma síndrome epiléptica, devemos levar em
consideração:

• Idade de início → neonatal, primeira infância, segunda infância, adolescência ou idade adulta;
• Semiologia das crises;
• Padrão eletroencefalográfico;
• Achados neurológicos;
• Exame de neuroimagem

Classificação etiológica das epilepsias (nível 4)

• Genética;

• Estrutural;

o Neurocisticercose;

o Causas vasculares;

o Esclerose mesial temporal → tende a ser refratária, necessitando de tratamento cirúrgico;

o Malformações corticais → costumam começar na infância.

• Infecciosa;

o Costumam desenvolver status epiléptico no começo do quadro.

• Imunológica;

• Metabólica;

• Desconhecida.

Comorbidades psiquiátricas

• São mais comuns nas epilepsias de lobo temporal (relação com o sistema límbico).

• Depressão > TAG/síndrome do pânico > esquizofrenia

• Os critérios diagnósticos e tratamento são iguais ao da população normal.

Tratamento

• Princípios gerais

o O tratamento é direcionado ao tipo de crise e não à etiologia da crise → não há fármacos que
ajam diretamente nas etiologias.

▪ Exceção → algumas síndromes epilépticas de etiologia genética.

o Iniciar o fármaco para o tipo de crise em monoterapia → titular até a dose mínima efetiva.

▪ Aumentar a dose até a máxima tolerada, conforme resposta.

• Individual para cada paciente.

o Usar ácido fólico em mulheres em idade fértil.


• Orientações gerais para os pacientes

o Suspensão de bebidas alcóolicas.

o Sono regular → em especial em crises de início generalizado.

o Evitar estímulos fóticos em crises fotossensíveis.

o Diário das crises e do ciclo menstrual.

o Proibir direção de veículos → somente se fizer uso regular do fármaco e sem crise há 1 ano.

• Fármacos anticrise (FAC)

o Interação com citocromo P450

▪ Indutores fortes → fenobarbital, fenitoína, carbamazepina, primidona, pereampanel.

▪ Indutores fracos → topiramato, lamotrigina, clobazam, oxcarbazepina.

▪ Não indutores → ácido valpróico, etossuximida, levetiracetam, lacosamida,


gabapentina, pregabalina, vigabatrina, clonazepam, zonisamida.

• Ácido valpróico é inibidor do citocromo P450.

• Tratamento das crises de início focal

o Tratamento em primeira linha → carbamazepina, oxcarbazepina, levetiracetam, lamotrigina


ou fenitoína.

▪ Se atingir dose máxima tolerada sem resposta → tratamento de segunda linha.

o Tratamento em segunda linha (2ª monoterapia) → usar outra droga da primeira linha.

▪ Se atingir dose máxima tolerada sem resposta → tratamento de terceira linha.

o Tratamento de terceira linha → associação de outro FAC ao da 2ª monoterapia.

▪ Se estiver usando carbamazepina, oxcarbazepina ou fenitoína → usar clobazam ou


levetiracetam.

▪ Se estiver usando levetiracetam → usar carbazepina ou lamotrigina.

▪ Se estiver usando lamotrigina → usar levetiracetam ou clobazam.

▪ Se atingir dose máxima tolerada sem resposta → encaminhar a centro de cirurgia


de epilepsia.

• Pode ser associada lacosamida.

• Tratamento das crises de início generalizado

o Tratamento de primeira linha → ácido valpróico, divalproato de sódio, fenobarbital,


levetiracetam ou lamotrigina.

▪ Divalproato de sódio → teratogênico, pode levar ao autismo (evitar em mulheres em


idade fértil).

▪ Etossuximida → crises de ausência.

▪ Crises mioclônicas ou de ausência → evitar carbamazepina, oxcarbazepina e fenitoína.

▪ Se atingir dose máxima tolerada sem resposta → tratamento de segunda linha.


o Tratamento de segunda linha (associar segundo remédio)

▪ Se estiver usando ácido valpróico ou divalproato de sódio → usar lamotrigina,


levetiracetam ou topiramato.

▪ Se estiver usando etossuximida (crises generalizadas de ausência) → usar ácido


valpróico ou divalproato de sódio.

▪ Se estiver usando levetiracetam → usar lamotrigina.

▪ Se tiver mioclonias refratárias a levetiracetam e ácido valpróico → usar clonazepam.

• Em situações especiais

o Gestação → encaminhar para ambulatório de gestação de alto risco.

▪ Todos os fármacos são teratogênicos → levetiracetam e lamotrigina são os melhores.

• Usar um ano antes da gestação.

• Dosar nível sérico a cada trimestre.

• Evitar ácido valpróico.

▪ Se a gestação for não planejada → não suspender o FAC.

• O dano pela crise pode ser maior que o do fármaco.

• Se estiver usando ácido valpróico → dose menor que 750mg/dia.

o Câncer e AIDS → evitar FACs indutores enzimáticos.

o Idosos → evitar FAC com impacto cognitivo ou indutores enzimáticos.

▪ Dar preferência para lamotrigina e levetiracetam.

• Monitorização do tratamento

o Exames laboratoriais
▪ Hemograma;
▪ TGO, TGP, GGT, FA;
▪ Glicemia de jejum;
▪ Ureia e creatinina;
▪ Sódio, potássio e cálcio;
▪ Triglicerídeos, colesterol total e frações;
▪ Ácido úrico;
▪ TSH, T4 livre;
▪ 25-OH Vitamina D;
▪ Ácido fólico.

o Densitometria óssea → FAC indutores enzimáticos (anualmente), ácido valpróico (a cada 5


anos).

▪ Reposição de cálcio e vitamina D se indicado.


• Conduta nos pacientes com epilepsia refratária → pacientes refratários a tratamento com duas
drogas em doses adequadas. Devem ser encaminhados para centros de cirurgia de epilepsia.

o Vídeo-EEG → pode ser não invasivo ou invasivo (se o não invasivo for inconclusivo).

o Epilepsia focal sem lesão na RNM → SPECT ictal e PET cerebral.

o Pacientes sem indicação cirúrgica → tratamento alternativo:

▪ Dieta cetogênica → sobretudo em crianças;

▪ Canabidiol → melhores na síndrome de Dravet e de Lennox-Gastaut;

▪ Estimulação vagal.

Prognóstico → depende da etiologia

• Morbidade maior → crises tônico-clônicas.

o Traumatismos → TCE, fratura de vértebras torácicas, luxações de ombro.

• SUDEP → morte súbita inexplicada em epilepsia (15% dos pacientes).

o As principais hipóteses são de arritmias cardíacas ou apneias prolongadas.

o Ocorrem em 3/1000 casos por ano, mas em 1/100 casos refratários por ano.

o Fatores de risco

▪ Epilepsia refratária → > 3 crises tônico-clônicas por ano;

▪ Crises tônico-clônicas noturnas;

▪ Politerapia (>2 FACs);

▪ Apneia de sono.

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