Você está na página 1de 8

EPILEPSIA NO IDOSO

Dra. Laura M. F. Ferreira Guilhoto


CRM-SP: 59.318
RQE: 63.652 – Neurofisiologia | RQE: 34.337 – Neurologia
• Presidente de honra da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE).
• Médica responsável pelo setor de neurofisiologia clínica do
Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).
• Neurologista da unidade de pesquisa e tratamento das
epilepsias (Unipete) da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
EPILEPSIA NO IDOSO
Dra. Laura M. F. Ferreira Guilhoto
CRM-SP: 59.318 | RQE: 63.652 – Neurofisiologia | RQE: 34.337 – Neurologia
• Presidente de honra da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE).
• Médica responsável pelo setor de neurofisiologia clínica do Hospital
Universitário da Universidade de São Paulo (USP).
• Neurologista da unidade de pesquisa e tratamento das epilepsias (Unipete)
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Introdução

A epilepsia ocorre especialmente na infância e na ter-


ceira idade. Atualmente, com o aumento de sobrevida da
população, associado a muitos casos de doenças cardiovas-
culares e degenerativas, torna-se cada vez maior o número
de pessoas idosas com crises epilépticas. Enquanto a popu-
lação infantil diminui, o número de pessoas com idade
acima de 65 anos cresce progressivamente, tanto em países
em desenvolvimento como nos desenvolvidos. Nos países
desenvolvidos, considera-se idosa uma pessoa com idade
de 65 anos ou mais, já nos países em desenvolvimento, é
idoso aquele com 60 anos ou mais, especialmente para fins
de aposentadoria, e muitas vezes o indivíduo se encontra
em plena fase produtiva.1,2

Existem crises agudas sintomáticas e crises não pro-


vocadas, sendo importante diferenciá-las, visto que a epi-
lepsia se caracteriza por crises epilépticas não provocadas
(Tabela 1). Deve-se lembrar também de que nos idosos
é comum o estado de mal não convulsivo, ou seja, crises
seguidas que se manifestam apenas por alterações contí-
nuas no eletroencefalograma (EEG) e alteração do nível de
consciência, sem movimentos anormais.1,2

3
Tabela 1. Diferenças entre crises agudas sintomáticas e
crises não provocadas
Crises agudas
sintomáticas Crises não provocadas

Sem uma causa aguda e


São relacionadas a distúrbios
podem estar relacionadas a
agudos como açúcar alto ou
lesões cerebrais ocorridas
baixo no sangue, infecções
anteriormente e, mais raramente,
cerebrais (encefalite) etc.
a causas genéticas em idosos.
Adaptada de: Hauser e Annegers.1 Hauser e Hesdorffer.2

Principais causas de epilepsia em idosos


Mesmo no idoso, grande parte dos casos de epi-
lepsia é de origem desconhecida. Em crises epilép-
ticas sintomáticas agudas, a causa vascular é mais
frequente nos idosos. Uma grande porcentagem
dos casos ocorre na fase aguda ou nos primeiros
três a sete dias do acidente vascular cerebral (AVC).
Casos com incidência após essa fase são considera-
dos tardios, ou seja, de epilepsia, variam de 3% a 14%
e seu maior fator de risco é o tamanho da área de infarto,
especialmente na região temporal do cérebro. As formas
hemorrágicas, da mesma forma, frequentemente apresen-
tam crises precoces. São mais comuns crises em hemorra-
gia subaracnóidea (na membrana que envolve o cérebro)
do que nos sangramentos parenquimatosos, ou seja, no
interior do cérebro, quando os fatores de risco envolvi-
dos são sangramento secundário ou outras complicações.
Outras causas vasculares mais raras incluem trombose
venosa e malformações vasculares congênitas (presentes
desde o nascimento) que rompem nessa idade.3,4
Entre as causas tóxico-metabólicas, deve-se lembrar
do álcool, que é menos frequente na terceira idade do que
em jovens, e que o primeiro episódio de estado de mal não
convulsivo é mais comum do que crises esporádicas, geral-
mente sendo causado por retirada de benzodiazepínicos
e outros fármacos antiepilépticos e psicotrópicos, distúr-
bio de tireoide, pós-operatório etc. Outras causas podem
ser hipoglicemia, hiperglicemia, encefalopatia hepática e
renal. A terceira causa de crises epilépticas no idoso são
tumores cerebrais, especialmente os gliomas malignos,

4
astrocitomas benignos e meningiomas, oligodendroglio-
mas, linfomas primários do sistema nervoso central e
metástases de carcinomas pulmonar, mamário, estomacal
e urogenital, e melanomas (tumores de pele malignos).4

Quadro clínico
As crises tônico-clônicas generalizadas (TCG), conheci-
das como convulsões, são mais comuns em distúrbios tóxi-
cos e metabólicos e as crises focais, nos casos de origem
vascular ou outro tipo de lesão circunscrita. As crises focais
disperceptivas (com alteração da percepção do meio) são as
mais comumente vistas (50%), seguidas pelas TCG (25%) e
crises focais sem alteração da percepção (15%). A manifes-
tação em idosos de outro tipo de crise, chamada ausências,
que no EEG mostram complexos de espícula-onda, geral-
mente está associada a um estado de mal não convulsivo.4

O diagnóstico de epilepsia de início


recente na população idosa requer
avaliação especializada. Os planos de
tratamento precisam ser adaptados
para acomodar doenças associadas,
medicamentos concomitantes e estado
geral de saúde de um indivíduo.

Diagnóstico
Muitas vezes o diagnóstico de crises epilépticas torna-
-se difícil no idoso, pelo fato de muitos não contarem com
acompanhantes que presenciem os episódios, pela presença
de dificuldades cognitivas associadas e, ainda, pelas demais
causas de quedas e episódios de perda da consciência nessa

5
população. O EEG pode mostrar alentecimento focal, ati-
vidade irritativa e, ainda, o padrão de descargas periódicas
lateralizadas. Exame de imagem cerebral torna-se man-
datório para descartar patologias focais, especialmente a
ressonância nuclear magnética e, quando não disponível,
a tomografia computadorizada contrastada.4 Deve-se lem-
brar que eventos não epilépticos (de origem psicogênica,
cataplexia, que é um distúrbio do sono, queda de pressão
arterial etc.) podem levar ao diagnóstico errôneo, espe-
cialmente em indivíduos com crises epilépticas anterio-
res, sendo importante em alguns casos a investigação com
vídeo EEG, em que o paciente é filmado durante o exame.5
O diagnóstico de epilepsia de início recente na população
idosa requer avaliação especializada. Os planos de trata-
mento precisam ser adaptados para acomodar doenças
associadas, medicamentos concomitantes e estado geral
de saúde de um indivíduo.6

Tratamento
Pelas modificações fisiopatológicas ocorridas no idoso
(diminuição da absorção de medicamentos no tubo diges-
tório e de sua motilidade, alterações vasculares, dimi-
nuição da atividade enzimática e síntese de proteínas no
fígado, com mudança na metabolização dos medicamen-
tos, atrofia renal etc.), usualmente a dose de medicação
antiepiléptica é reduzida, iniciando-se com doses meno-
res, aumentando-as paulatinamente, preocupando-se mais
com os efeitos adversos do que com a eficácia, visto o fácil
controle de crises nessa faixa etária. O tratamento deve
ser individualizado, considerando doenças concomitantes.
Os fármacos mais utilizados são carbamazepina, fenitoína,
que são evitadas em pacientes com arritmias cardíacas
e/ou em uso concomitante de outros fármacos, pelo
potencial efeito acelerador do metabolismo
hepático (especialmente carbamazepina),
além de ácido valproico, assim como, mais
recentemente, lamotrigina, gabapen-
tina e levetiracetam. Carbamazepina
e oxcarbazepina podem desenca-
dear queda de sódio no sangue em
idosos, além de deficits cognitivos,
assim como fármacos sedativos
como fenobarbital e primidona.4,7,8

6
Em recente metanálise, foi observado em idosos com
epilepsia que: a lamotrigina foi mais bem tolerada que a
carbamazepina; o levetiracetam demonstrou maior proba-
bilidade de liberdade de convulsões em comparação com a
lamotrigina, sem diferenças significativas nas medidas de
tolerabilidade; não houve diferenças significativas entre
carbamazepina e levetiracetam em termos de eficácia e
tolerabilidade; dados adicionais são necessários para ava-
liar a mais nova geração de fármacos antiepilépticos e com-
parar diferentes doses e esquemas de titulação.9
Até o momento, poucas investigações clínicas conside-
ram especificamente a população idosa, apesar do aumento
dos fatores de risco. Há necessidade de dados experimen-
tais de qualidade para avaliar o impacto dos mais recentes
fármacos antiepilépticos no controle de crises e na quali-
dade de vida nessa população com necessidades comple-
xas.6 Um sistema prático foi desenvolvido para ajudar a
orientar os prescritores na tomada de decisões sobre quais
fármacos antiepilépticos prescrever.10

Qualidade de vida
Em estudo sobre qualidade de vida, nenhuma diferença
clara foi encontrada entre pessoas idosas e mais jovens
com epilepsia. A esfera energia/fadiga foi o fator mais
impactado negativamente. A frequência de crises influiu
muito na qualidade de vida, e doenças associadas e depres-
são a influenciaram moderadamente. O pequeno número
de estudos disponíveis nessa faixa etária reflete lacunas na
literatura atual sobre esse tópico.11

Referências bibliográficas
1. Hauser WA, Annegers JF. Epidemiology of acute symptomatic seizures. In: EngelJ Jr, Peddley TA, eds. Epilepsy: a comprehensive
textbook. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1997. v. 1, p. 7-18. 2. Hauser WA, Hesdorffer DC. Epilepsy: frequency causes and
consequences. New York: Demos Press; 1990. 3. Hiyoshi T, Yagi K. Epilepsy in the elderly. Epilepsia. 2000;41 Suppl 9:31-5.
4. Krämer G. Epilepsy in the elderly: some clinical and pharmacotherapeutic aspects. Epilepsia. 2001;42 Suppl 3:55-9.
5. McBride AE, Shih TT, Hirsch LJ. Video-EEG monitoring in the elderly: a review of 94 patients. Epilepsia. 2002;43(2):165-9.
6. Kaur U, Chauhan I, Gambhir IS, et al. Antiepileptic drug therapy in the  elderly: a clinical pharmacological review. Acta
Neurol Belg. 2019;119(2):163-73. 7. Bergey GK. Initial treatment of epilepsy: special issues in treating the elderly. Neurology.
2004;63(10 Suppl 4):S40-8. 8. Leppik IE. Epilepsy in the elderly. Rev Neurol Dis. 2004;1 Suppl 1:S44-55. 9. Lezaic N, Gore G,
Josephson CB, et al. The medical treatment of  epilepsy  in the  elderly: A systematic review and meta-analysis. Epilepsia.
2019;60(7):1325-40. 10. Watkins L, O’Dwyer M, Shankar R. New anti-seizure medication for elderly epileptic patients. Expert
Opin Pharmacother. 2019:1-8. 11. Baranowski CJ. The quality of life of older adults with  epilepsy: A systematic review.
Seizure. 2018;60:190-7.

As opiniões emitidas nesta publicação são de inteira responsabilidade da autora e não refletem, necessariamente, a opinião da editora.

® © 2019. Todos os direitos reservados. OS 22.234.


Rua Verbo Divino, 2001 | Conj. 408 | Torre B | Chácara Santo Antônio | São Paulo | SP | CEP 04719-002 | 55 11 5181.6369
partners@partnerspublishers.com.br | É proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização por escrito dos editores.

Acesse o site Viva com Epilepsia: https://www.vivacomepilepsia.org/

7
7902698 Agosto/2019

Você também pode gostar