Você está na página 1de 8

O adolescente infrator e a conduta institucional sob a luta pela

ressocialização

Autor: Elisângela Maria dos Santos Silva | Publicado na Edição de: Novembro de 2011

Categoria: Desenvolvimento Humano

Resumo: O presente artigo traz uma perspectiva da luta pela ressocialização de adolescentes que
tenham cometido algum tipo de ato infracional, pontuando a relação e a responsabilidade que a
sociedade e a família têm com este adolescente e apresentando as medidas socioeducativas como
um meio positivo, mas deficitário no que concernem as medidas de internação como causadoras e
fomentadoras de uma conduta anti-social daqueles que saem da internação piores do que antes,
quando entraram. Com o intuito de esclarecimento, procuraremos trazer uma discussão sobre o
tratamento oferecido a estes jovens e o seu desligamento com a instituição, trabalhando este
percurso de uma maneira mais satisfatória e positiva para a ressocialização deste adolescente e
reconhecendo a responsabilidade que temos de tratar estes “meninos perdidos” com mais seriedade
e de forma mais humana.

Palavras-chaves: Adolescência, família, delinqüência, sociedade e políticas públicas.

Introdução

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo I.
Declaração dos Direitos Humanos

O mundo contemporâneo tem-se nos mostrado cada vez mais de uma forma exacerbada,
segregadora e sem soluções concretas. A violência que percorre a sociedade atinge todos os dias
um número maior de pessoas e, infelizmente, acreditamos muitas vezes estar longe de uma
explicação para tantos acontecimentos trágicos. Vivemos em uma zona de conflito onde a
combinação de desemprego, falta de esperança, exclusão étnico-sócio-cultural, corrupção, abuso de
poder e desrespeito aos direitos do cidadão tem nos afetado terrivelmente. Muitos estão se
perdendo com isso, tornando-se um nada diante de uma sociedade doente e desgastada e, a duras
penas, temos que admitir que crianças e jovens estão entre os mais atingidos neste quadro
lastimável. O número de adolescentes em conflito com a lei está se tornando cada vez maior. Para
aliviar a tensão os “responsáveis” ficam jogando a culpa de um para o outro. Doce ilusão! A culpa é
de todos.

Como reconhecimento desta responsabilidade, temos ai, desde 1990 a Lei 8.069, o conhecido
Estatuto da Criança e do Adolescente, que trouxe no seu bojo o CONANDA e o SINASE. São três
poderosas ferramentas que estão nos trazendo a urgência de se resgatar o direito a infância e
juventude e irão nos instruir, a partir de agora, em como tratá-los de forma mais humana e com mais
seriedade.
Em 1988 uma mobilização social veio reivindicar uma melhoria na qualidade de vida e no
reconhecimento dos direitos humanos. Durante este tempo muita coisa melhorou, admite-se.
Podemos assinalar que houve uma preocupação maior com a infância, a ingressão na escola, a
diminuição da desnutrição e mortalidade infantil, enfim, muitos problemas estão sendo lapidados até
hoje, mas a insatisfação que ainda persiste diante de uma Constituição que deveria defender e
aplicar suas leis está no fato de que esta, oferece um serviço de má qualidade ao cidadão. De 1980
a 2004, por exemplo, a taxa de mortalidade caiu, melhorando a esperança de vida mas, este dado
torna-se insignificante quando, de 1980 a 2004 a mortalidade juvenil sobe de 128 para 130 em
100.000.

Não convém aqui trazermos como referência os vários défctis da Constituição, mas traremos um
assunto que muito nos interessa: o adolescente.

Ao falarmos nestes adolescentes, que hora possuem a sua liberdade e hora estão sob medidas
sócio-educativas por atos infracionais, percebemos que são, na sua maioria, meninos pobres,
negros, fora da escola, moram nas ruas, não tem família, “marginais”, enfim, são retratos desta
ineficácia das nossas leis e serviços públicos. São estes que estão freqüentando cada vez mais as
delegacias, penitenciárias, unidades do sistema sócio-educativo e, quando não, o cemitério. Grande
parte das mortes de adolescentes é devido a acidentes e assassinatos. Grande parte dos casos de
privação de liberdade é devido a homicídios, assaltos, estupros, tráfico de drogas. Mesmo com o
apoio do ECA, SINASE e CONANDA percebemos que os jovens estão ocupando cada vez mais os
dados estatísticos, de maneira negativa e, infelizmente pouco tem-se feito para que este quadro
mude. De certa forma, ao procurarmos uma resposta “convincente” para estes problemas, fazemos
alguns questionamentos: O que é ser adolescente? Por que estes adolescentes têm estas atitudes
hostis? Muitas vezes eles voltam das instituições piores do que já eram e pouquíssimas vezes
conseguem uma recuperação e ressocialização. Neste caso, o que as instituições tem feito ou não,
para que isto aconteça? Qual a parte de responsabilidade atribuída à sociedade? E à família? Onde
se encontram os problemas e os vínculos familiares no crescimento, no comportamento e na
conduta destes adolescentes?

Adolescência e Violência

Falar em adolescência é algo complexo diante das tantas manifestações que ela pode nos
apresentar. O importante de tantos questionamentos sobre o que venha a ser adolescente, o porquê
de ser adolescente e fazer adolescência, é sabermos que hoje este indivíduo ocupa um lugar na
sociedade. Infelizmente ainda de forma exacerbada, negativa. Mas o fato de sabermos que ele é
possuidor de uma subjetividade e precisa de atenção, principalmente dos adultos, pode nos facilitar,
e muito, a conhecer o seu mundo e questionar qual o motivo de estarem tão alienados e violados
pela sociedade contemporânea. Infelizmente os vemos marginalizados, corrompidos pela
desesperança, envolvidos em drogas e alcoolismo, cometendo suicídios muito mais cedo e todas
essas atitudes não significam apenas a sua revolta, mas sim um pedido silencioso de socorro; aos
amigos, professores, políticos, e principalmente aos pais.

O adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial para assimilar os impactos projetivos de pais,
irmãos, amigos e de toda a sociedade. Ou seja, é um receptáculo propício para encarregar-se dos
conflitos dos outros e assumir os aspectos mais doentios do meio em que vive. Isto é o que
atualmente presenciamos em nossa sociedade, que projeta suas próprias falhas nos assim
chamados excessos da juventude, responsabilizando-os pela delinqüência, pela aderência às
drogas, pela prostituição, etc. (ABERSATURY, 1981 pág 11.)
A maneira violenta e severa que pretende-se reprimir os jovens acabam por piorar sua situação já
que, este, passa por um processo de transformação onde o desenvolvimento de sua personalidade
e a tendência grupal possuem fortes influências sob seu comportamento, onde a experiência das
flutuações de identidade aparecem de maneira brusca. Segundo Aberastury (1981, p.13) “É um
período de contradições, confuso, ambivalente, doloroso, caracterizado por fricções com o meio
familiar e social”.

Ao apontarmos que estes jovens estão “[...] em pleno processo de formação de sua identidade,
incorporando valores éticos e morais, nos perguntamos, que sociedade estamos oferecendo a eles,
quando nós mesmos nos encontramos em dificuldade de posicionamento quanto aos nossos papéis
de pais e de cidadãos?”(LEVISKY, 2002 pág.21)

O Brasil possui 25 milhões de adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, o que representa,


aproximadamente, 15% (quinze por cento) da população. É um país repleto de contradições e
marcado por uma intensa desigualdade social, constatada nos indicadores sociais, trazendo
conseqüências diretas nas condições de vida da população infanto-juvenil. Quando é feito um
questionamento sobre as desigualdades raciais, verifica-se que o acesso aos direitos fundamentais
não são acessíveis a todos. A população negra em geral, e suas crianças e adolescentes em
particular, apresentam um quadro socioeconômico e educacional mais desfavorável que a
população branca. A distribuição de renda, moradia e educação são inferiores quando se trata de
negros. Do total de pessoas que vivem em domicílios com renda per capita inferior a meio salário
mínimo somente 20,5% (vinte e meio por cento) representam os brancos, contra 44,1% (quarenta e
quatro vírgula um por cento) dos negros (IPEA, 2005). A taxa de analfabetismo entre os negros é de
12,9% (doze vírgula nove por cento) nas áreas urbanas, contra 5,7% (cinco vírgula sete por cento)
entre os brancos (IPEA, 2005). Ao analisar as razões de eqüidade no Brasil verifica-se que os
adolescentes entre 12 e 17 anos da raça/etnia negra possuem 3,23 vezes mais possibilidades de
não serem alfabetizados. IBGE, (Censo Demográfico 2000 Características gerais da população –
resultado da amostra).

A realidade dos adolescentes em conflito com a lei mostra que estes, também têm sido submetidos
a situações de vulnerabilidade. Percebemos que, ao falar em delinqüência e criminalidade na
adolescência, a pobreza e a desigualdade são referências notórias para explicar-se esse fenômeno,
e que estes dados citados acima relacionam-se com os dados do Perfil do adolescente em privação
de liberdade no Brasil (IPEA/SEDH, 2002) onde, dos crimes cometidos por adolescentes, 90% são
do sexo masculino, 76% com idade entre 16-18 anos, mais de 60% são negros, 81% vivia com a
família, 80% possuía renda familiar de até 2 salários mínimos, 90% tinham o Ensino Fundamental
incompleto, embora em idade compatível com Ensino Médio, 6% eram analfabetos, 86% usuários de
drogas, 51% não freqüentava a escola, 49% não trabalhava e 40% exercia ocupações no setor
informal.

Mesmo assim, falar em delinqüência juvenil é algo complexo, pois encontramos variadas definições
para este comportamento. Segundo as concepções criminológicas existem teorias da disposição
natural e do meio social como fatores expoentes. A primeira nos diz que o comportamento
delinqüente já é algo determinado hereditariamente, somático e psíquico, ou seja, o indivíduo já
nasce predisposto a ser um delinqüente, bastando somente que estímulos do meio externo o
traduza em crimes. Esta teoria atribui ao indivíduo e seus ancestrais um esteriótipo, culpando-o por
algum comportamento criminoso que venha a manifestar enquanto que, a teoria do meio social, nos
mostra que toda a sociedade é responsável pelas condições em que se acontece um ato criminoso,
sendo o indivíduo uma vítima dela própria e de um sistema falho.
Um estudo longitudinal que acompanhe uma geração de crianças institucionalizadas desde a
primeira infância até a fase adulta pode, com mais propriedade, fornecer os dados quantitativos e
qualitativos que permitam sustentar que qualquer das duas teorias, por si só, não podem nem
conseguem explicar a trajetória de delinqüência e de criminalidade de uma pessoa. (SILVA, 1997
pág. 134)

Sendo assim, o delito é resultante da colaboração das duas condições: por um lado uma
predisposição natural, do indivíduo, e por outro a influência da sociedade principalmente no que se
refere as questões políticas, econômicas, educacionais e sociais.

A sociedade num todo é responsável pelo comportamento agressivo e violento dos jovens, até
mesmo porque, antes deles se tornarem agressivos já foram vítimas de agressão desta sociedade.
A agressão que os pais receberam, através da pobreza, do desemprego e das desigualdades,
passou para os filhos através da violência doméstica, desesperança e falta de condições. A falta de
assistência médica, de lazer, educação, alimento e igualdade é uma agressão do Estado. A
discriminação, a falta de oportunidade e preconceito é uma agressão dos outros indivíduos. De
todos os lados este jovem, em construção, necessitado de apoio e compreensão está sendo
agredido sem que ele mesmo saiba o porquê e, se a violência é o único meio de defesa que ele
possui, então ataquem-se uns aos outros e o resultado é isso que vemos hoje.

A violência está presente em nossa sociedade, neste fim de século, nas ruas, dentro das casas, nas
escolas, empresas, instituições, nos meios de comunicação. Crimes hediondos cada vez mais
freqüentes e outras formas mais tênues de violência, como a falta de cidadania, perda de
solidariedade, desvalorizam o próximo sem que se dê conta de que se está menosprezando a si
mesmo. Esse fato pode ser constatado através do uso abusivo feito por agentes inescrupulosos dos
meios de comunicação de massa que banalizam a vida, o sexo, a violência, as relações afetivas.
Exploram a privacidade, a desgraça alheia, visando apenas interesses próprios. (LEVISKY, 2002
pág.21)

A modernidade corroeu valores significativos ao indivíduo. A concepção de família está


desfragmentada por vivências em que a falta de amor, diálogo, respeito aos pais e irmãos e o
compromisso com o lar tomam contam do dia-dia dos jovens. A religiosidade, a ética e a moral
deram espaço ao liberalismo onde tudo pode, onde tudo é permito e tudo acontece. Não se criam
mais vínculos afetivos entre as pessoas e o adolescente age naturalmente de acordo com aquilo que
recebe e retorna da mesma maneira.

Políticas Publicas: Os avanços e as resistências

Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança. Declaração dos Direitos da Criança
1959. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Declaração sobre os Princípios Sociais e
Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças. Declaração sobre a Proteção da
Mulher e da Criança em Situações de Emergência ou de Conflito Armado. Planos Nacional e
Internacional. Regras de Pequim. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (em particular nos
Artigos 23 e 24). Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (em particular no
Artigo 10) e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das
organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança;

Aqui estão algumas Declarações e Convenções internacionais que, acatadas pelo Brasil, resultaram
na lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, antecedente a esta, existe
uma história da construção jurídica brasileira da normatização política de assistência à criança
carente, órfã e abandonada.

Em 1927, o Código de Menores é criado com o intuito de atender a criança abandonada, órfã, de
pais ausentes, passando ao Estado o direito de pátrio poder sobre ela. O Direito da Família
continuou exercendo sua função de proteção dentro do Código Civil, sendo assim, qualquer
descumprimento das obrigações estipuladas aos pais pelo Código Civil, bem como a conduta anti-
social da criança poderiam passar a tutela dos pais ao juiz que, concomitantemente tiraria essa
responsabilidade do Direito Civil transferindo-a para o Código de Menores.

Enquanto o Código Civil trabalhava em prol do bem estar da criança na família, o Código de 27
legislava sobre as crianças de 0 à 18 anos, vítimas de abandono, sem nenhuma moradia, órfã ou
que os pais não tivessem nenhuma condição psicológica, física, moral, social ou econômica de
supri-la. Estas crianças recebiam uma “classificação” de acordo com as suas situações; expostas (0
à 7 anos), abandonadas (menores de 18 anos), vadios (meninos de rua), mendigos (pedem esmolas
ou vendem coisas nas ruas) e libertinos (freqüentadores de prostíbulos). Para a proteção das
crianças que se encontravam em processo de internação ou destituição do pátrio poder, o rolamento
dos autos deveria correr em segredo de justiça, sem nenhum tipo de veiculação midiática ou pública,
nem permitir a presença de terceiros no desenvolvimento do processo. Também garantiu o segredo
de justiça, direcionando às entidades de acolhimento aos menores e aos cartórios de registro de
pessoas o sigilo das informações sobre os pais que quisessem abandonar os filhos. Conferiu ao juiz
plenos poderes sobre qual medida interventiva deveria ser tomada com relação ao menor.

O processo de adoção de menores recolhidos, foi concedido para cônjuges casados há mais de 5
anos, para casais impossibilitados de terem seus filhos ou por viúvos e viúvas. Essa inclusão legal
de uma nova família tirava a responsabilidade do juiz, da assistência do Código do Menor e a
passava para a tutela do Código Civil e, consequentemente, aos pais adotivos.

A “Doutrina do Direito do Menor” deriva do Direito da família, pois defende o vigor da punição ao
genitor que não cumprisse suas obrigações legais sobre a criança, abandonasse, agredisse ou
causasse a morte do menor.

Diante das diferentes “nomenclaturas” que classificavam o menor como exposto, abandonado,
vadio, libertino, delinqüente e transviado, criou-se um menorismo que, de certa forma, era negativo à
construção da personalidade da criança. Pensando nisso, Alyrio Cavallieri propôs ao Código de
Menores a aprovação da substituição dessas classificações por uma em que os reunia sob uma
mesma condição; a de Situação Irregular. Sob esta visão, as crianças eram consideradas privadas
das condições essenciais de sobrevivência, mesmo que essas privações fossem por variados
motivos (maus tratos, exploração, desvio de conduta, atos infracionais, etc.).

Essa transição do antigo conceito para a Doutrina de Situação Irregular efetivou-se com a criação da
FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-estar do Menor), uma instituição de Assistência ao Menor,
existente em todos os estados, que teve sua construção num período em que o menor tornou-se um
problema tão complexo passando a ser responsabilidade do Poder Executivo e não mais do
Judiciário.

Diferente dos abrigos, as unidades da FUNABEM e FEBEM adotaram o sistema de internação


integral alegando ser “necessário para a tranqüilidade do trabalho técnico das várias especialidades
profissionais”. Esse sistema, constituído por inspetores, monitores, guarda policial, muito lembrava a
estrutura presidiária, sem contar que seu regimento era baseado no militarismo, na ordem, disciplina
e obediência. Como vemos, na sua construção, pouco ou absolutamente nada das várias
declarações e Pactos foram considerados. Não tiveram nenhuma influência sob a redação final do
Código de Menores de 1979.

Em 1959 foi constituída a Doutrina de Proteção Integral do Menor, que retirava do poder Judiciário a
função de assegurar à criança direitos como: ao nome, nacionalidade, saúde, educação, lazer, etc. É
nesse ponto que a criação da Situação Irregular surgiu no sentido de a Justiça do Menor aplicar-se
somente ao direito do menor e os direitos da criança seriam competência do Poder Executivo.
Sendo assim, as instituições de apoio ao menor ocuparam-se exclusivamente com o Direito do
Menor, principalmente no que confere à formulação e execução das políticas de atendimento,
enfatizando os infratores.

Os resquícios do Regime Militar trouxeram a discussão à necessidade de ação para os direitos


humanos. A sociedade se manifestou para garantir uma proteção contra as arbitrariedades e desvios
do Estado e dos Governos. Tendo a Constituição Federal como “arma”, o caos daquela época é
substituído pela “ordem das coisas”. E dentro dessa defesa constitucional, finalmente foi-se
aprovado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que assegurava como
absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente.

O Estatuto eliminou todo tipo de descrição menorista negativa tratando, crianças até 12 anos e
adolescentes até 18 como pessoas em fase de desenvolvimento e em situação de risco.

O ECA normatizou a atuação do Poder Judiciário na defesa; Ministério Público e Conselhos


Tutelares na fiscalização e promoção dos direitos e os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais
na formulação de políticas públicas para a criança e o adolescente.

Mesmo com o Estatuto, a Justiça da Infância e da Juventude e o juiz continuaram com o poder na
tomada de decisões Cíveis e Penais, porém, o juiz passou a ser assessorado, obrigatoriamente, por
uma equipe técnica específica (psicólogo, assistente social e psiquiatra).

O ECA trouxe uma nova forma de tratar as questões da criança e do adolescente, estabelecendo
limites àquele que exercesse poder sobre elas, aplicando medidas de proteção, sócio educativas,
internação, liberdade assistida, semi-liberdade para menores de 12 anos que cometessem ato
infracional, defendendo o direito à educação, saúde, lazer, esporte, alimentação, enfim, é um
subsídio que muito se difere do Código do Menor, mas que ainda continua tendo dificuldades para a
execução desses direitos já que ainda existem FEBEN's que mais parecem presídios, problemas
sociais e uma grande dificuldade de aceitação e prática da sociedade daquilo que é determinado
pelo Estatuto.

Neste sentido, as distorções mais visíveis na interpretação a aplicação do ECA é o uso que adultos,
quadrilhas criminosas e o tráfico organizado passaram a fazer da criança e do adolescente,
iniciando-os precocemente nas lides delinqüênciais. Crianças e adolescentes são recrutados por
adultos e por quadrilhas para fazerem os seus trabalhos sujos, tipo ser o portador da droga e das
armas ou exercer a vigilância armada nos locais de tráfico. O resultado desta distorção foi o
recrudescimento do extermínio de crianças e de adolescentes por parte da polícia e dos grupos de
justiceiros, geralmente composto por policiais pagos por comerciantes das periferias das grandes
cidades e os clamores da sociedade no sentido de redução da maioridade penal para os 16 anos.
(SILVA, 2001 pág. 4)

Conforme o estabelecido pela Lei 8.069/90, garantir a proteção integral desses jovens, sejam eles
autores ou não de atos infracionais, é regra. Mas devido a estas questões de recrutamento
delinqüêncial por traficantes e a segregação social, geradoras de violência, resolver os problemas do
adolescente infrator está longe de se ter uma causa e solução simples.
Como já falamos, o cenário social que viemos oferecendo a estes jovens é de uma família
desestruturada, em estado de miséria, sem assistência social, uma educação deficitária e
excluidora, desnutrição, falta de emprego, altos índices de mortalidade infantil, violência sexual,
exploração do trabalho infantil, violência familiar, consumo de drogas, gravidez na adolescência,
falta de cultura, esporte e lazer enfim, a triste realidade é que, são estes jovens, que passam por
todos estes problemas, que estão institucionalizados e que, infelizmente, ao saírem desta situação,
voltam a serem os mesmos segregados de antigamente.

Mesmo após a construção do ECA esta situação continuou e continua persistindo. Como uma busca
de atenção do Governo, Estado, família e sociedade; o Estatuto da Criança e do Adolescente, a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente apresentam o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE.

O SINASE foi construído e trabalha sob as normativas internacionais de direitos humanos e tem um
enfoque sobre o adolescente como sujeito de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento.
Respeita a diversidade étnico-racial, gênero e orientação sexual, bem como garante um atendimento
especializado para adolescentes com deficiência e sofrimento psíquico, afirma a natureza
pedagógica e sancionatória da medida socioeducativa, prioriza as medidas socioeducativas em meio
aberto, reordena as unidades de internação mediante os parâmetros pedagógicos e arquitetônicos,
oferece formação continuada dos operadores do sistema de garantia de direitos, define as
competências e responsabilidades nos três níveis de governo, define as políticas públicas e controle
social, mobiliza a mídia e as comunidades.

Sua política difere de todo o marco histórico do Código do Menor e dos resquícios militaristas das
FEBEM´S. Seu espaço físico especifica-se pelas medidas de Internação, Semi-liberdade e Meio-
aberto:

Internação:

Cada unidade atenderá até 40 adolescentes, com espaços residenciais em módulos (máximo de 15
adolescentes) e quartos (máximo de 3 adolescentes)

Em caso de existir mais de uma unidade no terreno, não poderá ultrapassar a 90 adolescentes

Construções horizontais para áreas de: administração, atendimento, serviços, auditório, ambulatório,
escola, oficinas, quadras poliesportiva, visita íntima e espaço ecumênico

Espaços para as 3 fases do atendimento (inicial, intermediária e conclusiva)

Espaços de convivência protetora (para adolescentes ameaçados)

Semi-liberdade:

Casas residenciais em bairros comunitários

Meio aberto:

Local específico, com salas de técnicos e de atendimento individual e em grupo.

Suas políticas públicas têm por obrigação oferecer e fiscalizar o cumprimento dos direitos a
educação (Ensino Fundamental e médio gratuitos, atendimento educacional aos adolescentes com
deficiência, acesso a materiais didáticos, transporte alimentação) a saúde (Promoção à atenção
integral, especialmente em saúde mental, dependência química, saúde sexual, tratamento extra-
hospitalar, fornecimento de medicamentos, garantia de não confinamento em alas ou espaços
especiais dos adolescentes com transtornos mentais) a assistência social (Acompanhamento
jurídico-social e apoio psicológico, orientação para obtenção de documentos pessoais, oferta de
espaços de lazer, acesso a programas de transferência de renda básica, capacitação e preparação
para o mundo do trabalho) a cultura, esporte e lazer, segurança pública enfim, uma gama de
medidas que aplicadas, melhoram e valorizam o cidadão adolescente, e cabe a União, os Estados,
os Municípios, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente acompanhar, promover,
manter e fiscalizar o cumprimento dessas ações.

Com a formulação destas diretrizes temos um compromisso partilhado entre todas as esferas
políticas e sociais, portanto, em qualquer lugar em que seja aplicada terá seus sucessos e
fracassos, dependerá do interesse de cada um. Aos poucos as crianças e os adolescentes estão
adquirindo uma atenção maior. E aqueles em conflito com a lei estão deixando de ser considerados
um problema para ser compreendidos como indivíduos, portadores de uma subjetividade,
possuidores do direito de oportunidade de ressocialização.

As medidas socioeducativas aplicadas pelo SINASE, que trabalha em conjunto com o ECA, têm nos
trazido ótimos resultados e um ânimo maior em se trabalhar mais pela causa. O comportamento
desses jovens, a perspectiva que criam ao estarem nas instituições de semi-liberdade nos mostram
a chance. Chance que estão pedindo para a sociedade os aceitarem novamente, e estão a dando
para serem melhores e mais afetivas. É uma oportunidade mútua de haver diálogo, argumentos,
responsabilidades pelos seus atos, correções e busca de entendimento do outro e de seus
problemas. Claro que, ao analisarmos hoje a situação dos adolescentes infratores abraçados pelas
medidas socioeducativas, percebemos que ainda existe muita violência deles para com a sociedade
e da sociedade para eles. Os números de homicídio, furtos, tráficos de drogas, ainda são
alarmantes, mas já sabemos que uma solução clara para isso não temos, o que temos é uma lista
de atividades (ações) que paulatinamente cumpridas, irão fazer muita diferença.

Finalmente, pedimos a atenção de todos, principalmente nós, psicólogos, para as violências


praticadas nas privações de liberdade e para aquilo que se apresentam a todos nós repetidamente,
de todos os lados: as torturas, as humilhações, as segregações. Que se ponha um fim a estas
violências, e que elas não se perpetuem pelas gerações que virão.

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém será submetido à
tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigos III e V Declaração dos
Direitos Humanos

Fonte: https://psicologado.com/psicologia-geral/desenvolvimento-humano/o-adolescente-infrator-e-a-
conduta-institucional-sob-a-luta-pela-ressocializacao © Psicologado.com

Você também pode gostar