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A  história  ambientada  em  Pelotas  coloca  em  pauta  o  poliamor,  de6inido  como  a
 prática,   o   desejo,   ou   a   aceitação   de   ter   mais   de   um   relacionamento   íntimo
 simultaneamente  com  o  conhecimento  e  consentimento  de  todos  os  envolvidos.
 O   cotidiano   dos   personagens   acaba   por   cruzar   bem   mais   do   que   caminhos,   mas
sim  uma  avalanche  de  emoções  e  surpresas.
Da amizade surgida por interesses comuns, ao
romance inevitável. Em que Lucas se encanta por
Rafaela, que gosta de Eduarda, que deseja uma
noite de prazer com Lucas…
Prefácio

Eduarda, Rafaela e Lucas ou seria Rafaela, Lucas e Eduarda? A propósito


de amar, o que nos leva incessantemente a perseguir no outro a nossa
felicidade? Estas e outras tantas questões podem ser um bom começo para
entender Três contra todos. Um romance simples e envolvente que relata os
amores e dissabores de uma relação em três atos – amar, partilhar e
compartilhar – ou vista por três lados: o de Lucas, o de Rafaela e o de
Eduarda. Para o bem de todos, dos três personagens e dos que se arvorem a
ler, a ficção se mescla à realidade e torna a leitura do texto instigante.
Em tempos pra lá de pós-modernos, a ficção aborda os conflitos que
qualquer família brasileira poderia ter com um interessante viés: o de
pensar as relações afetivas para além das dualidades. Três contra todos
produz um fiel relato de quem ama simplesmente por amar e encara a vida
a partir deste olhar. Sutil e, por vezes, ardente, a narrativa esbraveja tons
despidos de pudor. Como toda ficção, acena para o campo do imaginário,
sem, contudo perder o senso de realidade, parecendo levar o leitor ao
eterno labirinto da realidade imaginada. De leitura fácil, mas
marcadamente politizada, Três contra todos potencializa a reflexão sobre as
formas de amar e a compõe de modo a avançar os perceptos sobre a
sexualidade. Sem ser vulgar, tematiza o conflito amar e ser amado
interpenetrando em histórias de vida que só podem ser percebidas por
dentro de si mesmo. Com força o autor vai mostrando aspectos cotidianos
de quem traduz seu viver pela palavra que os cerca: amar. Trata-se de uma
boa reflexão para todos nós, amantes vigorosos e intrépidos.

Renato Duro Dias


Rafaela

Nunca gostei da ideia de contar nossa história neste livro. O que fazer, se
a Eduarda sempre consegue o que quer? Não via e ainda não vejo motivo
para esta exposição. Não que esteja preocupada com a opinião dos outros,
não estou nem aí para a sociedade.
Nasci e fui criada em um dos bairros mais pobres da cidade. Não tive
nenhuma referência familiar, nenhum exemplo para me espelhar. Meu
irmão mais velho foi o mais próximo desse conceito que eu tive. Ele
aprendeu sozinho e me ensinou a lidar com as dificuldades da violência
constante que havia no bairro marginalizado que a gente morava. E ele era
bom nisso. Mateus era íntimo do chefe do tráfico no nosso bairro e
praticava roubos em lojas do Centro. Não passei fome na infância graças a
ele e essa é a minha única dívida com meu irmão. Odiava o fato de ele
financiar o vício da nossa mãe, que com frequência estava em algum bar.
Meu pai se mandou quando eu tinha dois anos. Minha mãe, nas poucas
vezes em que estava sóbria, sempre falava no seu pai militar – fazia questão
de não revelar o nome dele –, e da vida rica que ela teve na adolescência.
Aos 15 anos eu já tinha tido experiência com alguns tipos de drogas e
passei a assumir a minha homossexualidade entre meus amigos, embora
nunca tivesse tido dúvida quanto a isso e nem feito esforço para esconder.
Eu gostava de meninas, e daí? Era assunto meu e ninguém tinha nada que
ver com isso. Logo vieram minhas primeiras paixonites e aos 16 anos, a
primeira namoradinha. Quando meu irmão ficou sabendo, ameaçou me dar
uma surra. Disse que eu podia ser puta, drogada ou qualquer outra coisa,
mas que uma maldita sapata ele não ia sustentar. O maninho me deu 30
dias para sair de casa e sumir da vida dele. E foi o que eu fiz.
Nunca me permiti chegar perto de me tornar uma viciada. Decidi que ia
lutar por uma vida mais digna e que seria dona do meu nariz. Consegui um
quarto numa pensão no Centro da cidade. O dono era um antigo vizinho lá
do bairro. O cara tinha batalhado para melhorar de vida e fez questão de
me ajudar quando soube da minha situação. Foi ele que me arranjou o
trabalho em uma gráfica expressa. Estudei muito, concluí o Segundo Grau e
- diégui néguis! - consegui uma bolsa para a faculdade de Jornalismo.
Minhas escolhas me levaram até os grandes amores da minha vida. E,
que fique claro, não acredito nessa palhaçada de horóscopo e este que
dizem ser meu signo só está constando na minha descrição por pedido (ou
teria sido uma ordem?) da Eduarda.

Rafaela, 24 anos, escorpiana, estudante no último ano de Jornalismo.


Lucas

Se eu tivesse planejado tudo que consta neste livro, não teria dado tão
certo. A verdade é que nunca fui bom em planejamento ou não sei se o
problema era eu, o fato é que, de tudo que eu planejava, nada acontecia
como o esperado. Não tive muitas namoradas na adolescência, casei cedo,
na igreja e tudo quanto manda o regulamento. Também cedo percebi que o
casamento não estava indo bem, então, pedi a separação. Saí de casa com a
certeza de que não voltava. Menos de 30 dias depois de sair, fiquei sabendo
que ela estava grávida. Apesar da pressão, não voltei. Ela não quis assinar a
papelada da separação, disse que eu ia voltar mais cedo ou mais tarde. Não
me importei, tudo que eu queria era paz. Acompanhei a gestação toda de
perto, não posso dizer que éramos amigos, mas aconteceu um longo
período de diplomacia.
Luan nasceu de parto normal e, somando alguns motivos pessoais, eu,
meu filho e a mãe dele fomos todos morar na casa da Kátia, irmã mais velha
da mãe do menino. Para minha ex era como se estivéssemos voltando, não
que eu desse algum tipo de esperança. Estava tão empolgado com a
paternidade que não foi sacrifício algum morar junto com minha ex, claro
que em quartos separados. Eu trocava fraldas, dava banho, embalava na
madrugada quando Luan acordava. Logo depois do aniversário de um ano
do meu filho, sentia que estava na hora de ter o meu canto, seria muito
estranho iniciar um novo relacionamento, morando com a ex. Sair de lá era
minha meta para uma vida nova, mas, como eu já deveria ter me
acostumado, mais uma vez meu planejamento foi por água abaixo. Em uma
tarde como outra qualquer, minha ex teve um mal súbito e morreu.
Em respeito, preferi não inventar um nome fictício e nem mesmo citar o
nome real da mãe do meu filho. O resumo é que ainda estávamos casados
no papel e, assim, aos 22 anos de idade, ganhei o título de viúvo em meu
estado civil.
Kátia, a irmã da ex, pediu que eu continuasse morando na casa dela,
assim ela poderia ficar perto do Luan e me ajudar quando necessário. Nós
dois nos dávamos muito bem e assim ocorreu, até Luan completar seis
anos. Até iniciar a história que será contada nas próximas páginas.

Lucas, 27 anos, leonino, designer.


Eduarda

Meu objetivo com esse livro não é buscar uma absolvição pelo crime que
minha família acredita que eu esteja cometendo. Apesar de Lucas e Rafaela
se referirem como o “meu”, ele não é o meu livro. É uma história de amor
incondicional, permissões e desprendimento de tudo aquilo que a
sociedade nos dita como regras. Se este livro alcançar a verdadeira pureza
da história aqui contida, então sua publicação já terá valido a pena.
Sou de uma tradicional família de advogados. Meu avô e o irmão
herdaram do pai a profissão e o escritório de Direito. Meu pai, minha tia e
minha mãe, também formados em Direito, deram continuidade ao ciclo. Em
poucos anos ampliaram o escritório e começaram a atender grandes
empresários de toda a região.
Minha escolha pela faculdade de Direito foi natural. Não por influência,
mas talvez por genética. Uma paixão incontrolável. Tenho personalidade de
sobra. Mas a verdade é que teria enfrentado qualquer um se minha escolha
fosse por outra profissão. Sou filha e neta única, mimada ao extremo.
Apesar de uma família cheia de regras, sempre fiz questão de impor minhas
opiniões e vontades. Foi assim com o início do namoro, aos 14 anos, o
noivado aos 17 e culminou com um “não” no altar, no dia do meu “quase”
casamento.
Mas com tudo isso, um dos maiores desgostos que causei à família, foi
quando, depois de formada, decidi que não iria seguir a tradição e trabalhar
no escritório da família. Na mesma época, minha avozinha faleceu e, depois
de uma briga com meus pais, acabei despejando, sem medir palavras, todas
as minhas opiniões sobre o casamento deles, saí de casa e segui meu
próprio caminho. Para meus pais foi o motivo que faltava para não falarem
mais comigo. Segundo eles, essa foi a pior coisa que eu poderia ter feito.
Não que quisesse provar a eles que podia fazer pior. Mas fazer o quê?
Acabou acontecendo!

Eduarda, 32 anos, ariana, advogada.


Primeira semana

Amor e ódio à primeira vista


por Rafaela

Segunda-feira, chuva e frio. Um copo de veneno na minha frente e meu


dia estaria completo. Mais um dia de trabalho na gráfica, faltando poucas
semanas para completar meus sete anos de carteira assinada. No início era
só um emprego, mas com o passar do tempo virou meu inferno particular,
uma daquelas necessidades provisórias que se estendem por anos.
Primeiro tinha que me manter para terminar o Segundo Grau e depois que
passei no vestibular tive que esticar até conseguir me formar. Odiava
minhas tarefas no caixa, a máquina fotocopiadora, o contato com o público.
Odiava tudo.
Alguns colegas e clientes me eram insuportáveis em um nível quase
mortal. As piadas escancaradas e as risadas trocadas através de olhares
cúmplices entre imbecis eram o preço por assumir abertamente minha
orientação sexual. Tinha que me segurar para não mandar todo mundo à
merda.
Sempre fui menina na maneira de me vestir, mas nunca senti atração
pelo sexo oposto, muito pelo contrário. A imagem do membro masculino
me causava repulsa. O corpo e a aura feminina, por outro lado, me
seduziam e despertavam a minha curiosidade e libido. Foi com outras
meninas que fiz minhas primeiras descobertas e me senti à vontade,
sexualmente.
Tive muita dificuldade no amor. Chamava a atenção de lésbicas
masculinizadas e, ainda que eu não tivesse nada contra, não me sentia
atraída por elas. Meu drama eterno era me apaixonar por meninas que
estavam procurando novas experiências sexuais, mas que na verdade
queriam encontrar o homem de suas vidas e eu não passava de uma
aventura.
Paixões tive muitas. Todas passageiras e nunca um namoro de verdade.
O amor... Esse eu só fui conhecer depois que comecei a trabalhar na gráfica.
Nunca vou esquecer o dia em que vi Eduarda pela primeira vez. Alta, seios
médios, bunda arrebitada, cabelos loiros e compridos, um vestido longo,
colado no corpo esguio. Ela geralmente usava vestidos bem informais. Se
não soubesse, jamais diria que era advogada. Eu ficava arrepiada só de
sentir seu perfume quando ela vinha deixar processos a serem
fotocopiados.
Ódio. Sempre tive facilidade em senti-lo. Mas caso algum se compara ao
meu sentimento por Lucas. Ódio na sua plena existência. Odiava sua
simpatia, seu constante sorriso no rosto. Odiava o fato de todos os meus
colegas adorarem o cara e, mais ainda, o fato de ele não notar o ódio que eu
sentia por ele. Ódio, ódio, ódio.
Lucas trabalhava como autônomo para alguns produtores culturais da
cidade. Designer autodidata, ele produzia cartazes, fôlderes, ingressos e
tudo mais. Estava diariamente na gráfica, falando sobre o sucesso dos
eventos com sua animação enjoativa. Minha sorte, se é que posso dizer
assim, é que meu contato com ele se restringia ao caixa e, como Lucas era
um cliente habitual da casa, fazia os pagamentos a cada 15 dias. Seria um
tipo de bônus, não fosse pelo fato de que apenas a presença dele já
estragasse o meu humor. Que saco.

Sonho de consumo
por Eduarda

Muito dinâmica e organizada. Talvez por isso, nunca tenha tido um


estagiário ou algo parecido. Sei que não daria certo. Ter uma secretária
para atender aos telefonemas e anotar recados já era o suficiente. Do resto,
cuidava eu! Para manter os processos em dia, fazia tudo sozinha. Buscava
material nos clientes, visitava o Foro e tirava cópia da papelada. Dava conta
tranquilamente dessa rotina. Esta última tarefa, eu devo confessar, nos
últimos dias estava longe de ser sacrificante. O fato de contar com uma
gráfica expressa na galeria onde ficava minha sala me facilitava a vida. E
era lá, no ambiente da tal gráfica, que eu podia contemplar o meu mais
recente sonho de consumo. Um cara atraente, intrigante e que me
despertava um tesão como nunca havia sentido por alguém. Não era amor
nem poderia ser, obviamente. Nunca tínhamos trocado uma palavra sequer.
Mas isso não impedia que eu ficasse imaginando aquele homem de todas as
formas possíveis. Ele estava longe de ser um homem extremamente bonito.
Mas tinha aquele algo a mais que despertava o meu instinto devorador.
Charmoso, comunicativo, alegre, pele lisa, sempre com a barba feita. Era
um pouco mais alto do que eu, mesmo com meu salto mais alto. Magro,
olhos verdes, cabelo curto e castanho claro. Uma verdadeira tentação
ambulante. Tinha que descobrir o nome dele.
- Dona Eduarda, suas cópias já estão prontas!
Era a menina do caixa me tirando a concentração em meio ao
contemplar daquele sorriso delicioso. Definitivamente ele não era lindo,
mas o conjunto da obra me enchia os olhos e despertava minha imaginação.
Jovem com resquícios de maturidade e uma alegria contagiante. Enquanto
observava o modo como ele enchia aquele ambiente, ficava imaginando
toda aquela vitalidade na horizontal.
- Dona Eduarda, seu troco.
- Obrigada, boa semana.

Essa é pra namorar


por Lucas

Trabalhar como profissional autônomo é sempre uma correria, mas não


posso me queixar. Trabalho para os melhores produtores da cidade, eu
mesmo faço meus horários, posso assumir outras tarefas, buscar e levar o
Luan na escolinha e demais compromissos e ainda tenho livre acesso nos
melhores shows da cidade. Não ganho o suficiente para ficar rico, mas
mantenho minhas contas em dia, tenho muitos amigos e gosto muito da
vida que levo.
Diariamente frequento uma gráfica expressa, sempre tenho material
para retirar, arquivos para entregar, pendências do dia anterior e lá possuo
a liberdade de usar uma mesa, ligar meu notebook, terminar alguns
trabalhos, acessar a internet e aproveitar para tratar alguns assuntos
particulares via facebook. Não sou do tipo galinha. Claro que aproveito
algumas oportunidades que a vida de solteiro permite, ainda mais
envolvido com o meio artístico, mas gosto mesmo é de namorar, quase
como uma vocação - embora poucas vezes exercida.
Não ressabiei depois do casamento mal sucedido. Tive uma namorada há
dois anos, eu era tudo pra ela, fui me rendendo aos poucos e tudo eram
flores... até que ela achou outro para ser tudo pra ela e logo depois mais
outro. Mas isso não vem ao caso. Histórias iguais acontecem todos os dias e
esta não renderia um livro.
O que mais atrapalhava a minha vocação para namorado é que a cada
relacionamento findado eu ficava mais seletivo e exigente e também,
eventualmente, eu estava namorando sem que elas estivessem me
namorando de volta.
Mas uma forte candidata vinha me chamando à atenção no local que eu
frequentava diariamente. Na gráfica podia encontrar minha pretendente:
uma menina linda, morena de cabelos lisos até o ombro, estatura mediana,
um pouco baixa para a minha altura, mas isso não seria problema. Ela
possuía um corpo perfeito para propaganda de calça jeans e camiseta baby
look. Seios bonitos e sem exageros, um belo par de coxas, cintura fina e uma
barriga perfeita. Mas não era simplesmente sua beleza que me cativava. Seu
charme era a sua seriedade de menina trabalhadora, estudiosa, do tipo
decidida e que sabe o que quer da vida.
Rafaela, nome perfeito e facilmente substituído por “meu amor”. Menina
séria demais, nunca deixava margem para algum assunto, nunca sorria,
mas eu estava disposto a agir na primeira oportunidade, só precisaria esta
aparecer.

Oportunidades
por Eduarda
O dia estava corrido e a chuva tornava tudo mais complicado. Tinha que
terminar uma petição importante e voltei na gráfica para tirar cópia de um
processo enorme, que precisava ser entregue em uma hora no Foro.
- Por favor querida, vou precisar de uma atenção especial.
- Sim, dona Eduarda, como posso ajudá-la?
- Desculpa, qual o seu nome?
- O meu nome é Rafaela!
- Rafaela, você já sabe o meu nome. Então vamos começar organizando
as coisas. Para início de conversa vamos parar com esse formalismo de
“dona”, pode ser?
- Ok, Eduarda então. Diga-me o que precisa que farei o possível para
ajudá-la.
- Preciso da cópia deste processo inteiro e tenho no máximo uma hora
para entregá-lo. Portanto, necessito da máxima agilidade de vocês! Para
facilitar, vou esperar aqui!
- Vai dar tempo sim. Vou pedir para o pessoal dar prioridade para esse
atendimento.
Quando achei que seria um tédio esperar ali, eis que o sol começa a
brilhar na minha tarde cinzenta. Meu sonho de consumo acabava de entrar
na gráfica, exalando a sua habitual sensualidade. Chegava para acalmar a
minha espera. Olhando mais detalhadamente, eu me perguntava como ele
conseguia sempre manter aquele sorriso incrível no rosto. Estava cheia de
coisas na cabeça, em função dos compromissos daquele dia atribulado, mas
olhar pra aquilo tudo era um bálsamo. Aquele homem conseguia
transformar um cenário banal em um oásis. Enquanto esperava as cópias,
minha cabeça dava voltas pensando em como poderia me aproximar dele.
- Rafaela, por favor, já percebi que hoje definitivamente vou precisar de
uma atenção especial, em todos os sentidos.
- Sim dona, ops... desculpe. Sim, Eduarda...
- Qual o nome dele?
- Dele quem, Eduarda?
- Como, de quem? Do único homem interessante neste momento aqui
nesta gráfica. Eu quero saber o nome daquele sorriso contagiante ali, à
esquerda do balcão.
- Você está falando do Lucas?
- Ah, Lucas!
Delicioso até no nome, pensei na hora.
- A senhora só pode estar de brincadeira!
- Rafaela, não tínhamos combinado que aboliríamos as formalidades a
partir de hoje? Acabo de decretar: a partir deste instante somos amigas, ok?
- Tudo bem Eduarda, amigas!
- O próximo passo então é você me contar mais sobre o Lucas. Por que
essa cara, qual o problema de vocês, meninas de hoje? Vai me dizer que
você não notou nessa bela espécie de homo sapiens que temos bem aqui na
nossa frente?
- Fico feliz com a amizade, mas nunca vi nenhuma bela espécie de
homem circulando por aqui e, nesse caso, muito menos o Lucas.
- Minha menina, você é um caso a ser estudado. Mas nunca tive vocação
para psicóloga. Com o dia que de trabalho que estou enfrentando hoje, a
melhor pedida é relaxar depois que tudo isso terminar. Que tal um happy
hour para debatermos sobre isso tudo e brindarmos essa nova amizade? A
que horas você sai da gráfica?
- Pode ser! Saio às 19h...
- Então está combinado, Rafaela. Pego você aqui e vamos tomar uma
caipirinha e conversar sobre a vida e suas belas espécies. Pego você às 19h
na saída da galeria, pela Gonçalves Chaves. O meu carro é um Citroën C3,
branco, combinado?
- Ãh, está bem. Pela Gonçalves Chaves, então. Estarei lá!
- Combinado, até mais tarde!
- Até mais.

Oportunidades
por Rafaela
Eu não podia acreditar no que tinha acabado de acontecer... A mulher
dos meus sonhos me convida para sair e nosso primeiro encontro é para
falar sobre o ridículo do Lucas?! Caramba, isso só pode ser uma pegadinha
de seja lá quem quer que governe esse Universo.
Mas, tudo bem. Respira fundo, Rafaela. Esta é a minha chance, minha
oportunidade de me aproximar da Eduarda. Como ela mesma disse, agora
somos amigas. Se ela quer saber sobre o babaca e sem graça do Lucas, eu
falo tudo e abro os olhos dela e vou ficando mais próxima. Eu nunca
conseguiria tomar a iniciativa de me aproximar da Eduarda. Mas, já que
aconteceu, não vou desperdiçar... Ao ataque! Cheguem logo, 19h... Cheguem
logo...

―#―

- Então, agora que você entrou no meu carro você é minha...


- Se você diz...
- Vejamos... Terça-feira, 19h07min. Quer ir ao Papuera?
- Pode ser. Nunca fui lá, só conheço de nome.
- Você não conhece o Papuera? Menina, eu terei que ensinar a você mais
do que imaginava.
- Tomara Eduarda, vou adorar aprender com você.
- Você estuda?
- Sim, estou no último ano de Jornalismo.
- Quantos anos você tem?
- 24.
- Então você não é tão menina assim. Eu tenho 32 anos e vou apresentar
a você o melhor bar da cidade.

―#―

- Aqui estamos. O ambiente ideal para um bom bate-papo e também


apreciar o melhor pastel da região.
- Gostei. Adorei a música, sou viciada em Beatles, é de longe a melhor
banda que já existiu.
- Você está com sorte. Até onde me lembre, não costuma tocar muito
Beatles aqui.
- Ultimamente ando com muita sorte...
- Bom, vamos voltar ao assunto do dia: conte-me tudo sobre o Lucas.
- Deixa eu ver... Ele trabalha como designer, faz freelas para alguns
produtores aqui da cidade, fala pelos cotovelos...
- Idade?
Simplesmente não conseguia achar argumento algum que pudesse
convencer uma advogada quanto à total falta de graça que o Lucas tinha.
Que ódio.
- Idade? - ela insistiu.
- 26, eu acho.
- Hum, que delícia... Novinho, charmosinho, gostosinho.
- Um ridiculozinho...
- Como assim? O que você sabe que não me contou?
- Nada.
- Como, nada? Ele é galinha? Mulherengo? Ele é gay? Por favor, não me
diz isso...
- Não, não é nada disso. Todo mundo gosta dele lá na gráfica. Está
sempre animado e é focado no trabalho.
Pronto, me ferrei, agora estava praticamente elogiando ele.
- Você gosta dele?
- Credo, que horror! Não, claro que não. Odeio ele.
- Ódio! Sem motivo? Isso está parecendo é amor. Conta o que aconteceu,
ele te comeu e depois jogou fora?
- Chega. Acho melhor eu ir embora...
Levantei, realmente estava a fim de me mandar dali.
- Desculpa, peguei pesado. Sério, me desculpa.
- Tudo bem. (...) Não gosto dele. Só isso!
- Então, chega de Lucas por hoje. Vamos falar de você...
Oportunidades
por Lucas

Adoro minha cidade durante o dia, mas principalmente à noite. Nela se


respira momentos em todos os lugares. Adoro mais ainda esse bar, os
quadros na parede, sua musicalidade. E o dono é uma figura muito querida
entre os frequentadores. Naquele dia em especial, cheguei mais cedo e pedi
para ficar ouvindo meus CDs dos Beatles, ao menos até começar a tocar o
excelente repertório da casa. A chuva fina que caía não me permitiu sentar
numa das mesas da calçada.
- Um pastel de queijo com orégano, por favor.
Fiquei acomodado em uma mesa bem no fundo do corredor, onde tinha
uma visão privilegiada de quem chegava ao bar. Foi quando, para minha
surpresa, Rafaela chegou e mais linda do que nunca... Parecia empolgada
quando desceu do carro que estacionou bem em frente à porta. Empolgada
como se estivesse iniciando um primeiro encontro com a pessoa amada.
- Droga, só falta ela estar no início de um namoro...
- O que foi?
- Nada, não. Desculpe, falei alto, não tinha visto você.
- Aqui está o pastel, quer outra Coca-Cola?
- Não, ainda tenho aqui. Obrigado.
De onde estava conseguia ver apenas parte da mesa de Rafaela. Para
meu alívio, sua companhia era uma mulher.
Pude perceber que elas falavam bastante. Eventualmente eu dava uma
olhada para a mesa delas quando, sem mais nem menos, a Rafaela levantou
com a cara mais braba que eu já vi na vida. Em seguida, sentou novamente
e continuaram a conversar.
O assunto deveria estar muito bom... Acabei entretido com meu
computador que nem vi o tempo passar. Percebi quando elas levantaram e
foram até o banheiro que fica no meio do corredor. A amiga dela era muito
bonita, do tipo mulherão, mais velha que Rafaela, muito bem vestida, ares
de auto-suficiente, o tipo de mulher que intimida a maioria dos homens.
Tive a impressão de que já a tinha visto em algum lugar.
Apesar de minha mesa estar no campo de visão delas, passei totalmente
despercebido. Elas saíram do banheiro, foram no caixa, entraram no carro e
partiram. Olhei as horas: 0h10min.

―#―

- Bom-dia, pessoal! Bom-dia, Rafaela!


Cheguei cedo à gráfica e pensei em comentar com Rafaela que a tinha
visto no Papuera, na noite anterior, mas que nada... Ela não retornou ao
meu bom-dia. Na verdade, ela não esboçou reação alguma.
Cumprimentei o resto do pessoal e liguei meu computador no local de
costume, iniciei minhas atividades quando uma conversa me chamou a
atenção.
- Bom-dia, minha menina!
- Bom-dia, Eduarda, que bom ver você tão cedo!
Está bem, deve ter sido combinado. Fico no vácuo e agora ela vira a
pessoa mais simpática do planeta... Ah, é ela, a amiga da Rafaela que estava
ontem no Papuera. Percebi que enquanto ela conversava com a Rafaela, de
alguma forma, estava prestando atenção em mim.
- Aqui estão, Lucas, os ingressos extras para o show dos The Beats.
- Valeu, Marcelo!
- Desculpa me intrometer... Esse show é tipo um tributo aos Beatles?
- Isso mesmo, eles são argentinos e considerados uma das melhores
bandas cover Beatle do mundo. Vai ser amanhã no Theatro Guarany.
- Perfeito, vamos a Rafaela e eu. Ela é fã dos Beatles. Podemos comprar
os ingressos aqui com você. Desculpa, meu nome é Eduarda e o seu?
- Meu nome é Lucas. Trabalho para o produtor que está trazendo este
show. Não é o padrão, mas vou esquecer o protocolo desta vez e te vender
os ingressos.
- Você é um amor! Você também irá? Poderíamos nos encontrar por lá.
- Claro, vou estar lá sim! Provavelmente nos encontraremos. Bom, tenho
que terminar algumas coisas por aqui. Prazer em te conhecer, Eduarda.
- O prazer é meu, Lucas.
Que doida, ela me atropela como um vendaval. Que mulher é essa? Nem
perguntou se a Rafaela quer ou pode ir. Simplesmente vai falando e agora
quer que nos encontremos lá. Bom, se é a oportunidade de me aproximar
da minha futura namorada, então, estou dentro.

Tributo aos Beatles


por Rafaela

- Como assim, vamos ir todos? Você não entendeu que eu não vou com a
cara do Lucas?
- Calma, Rafaela. Imaginei que você não quisesse mais falar sobre isso.
Por qual motivo mesmo você não vai com a cara dele?
- Não interessa, caramba! E, tem razão, não quero mesmo falar mais
sobre isso... Bom show pra vocês!
- Você disse que é fã dos Beatles. Que pena, porque eu vou de qualquer
jeito e gostaria muito que você fosse junto. Adorei nossa conversa ontem e
seria legal conhecer você melhor. Mas, tudo bem... Qualquer coisa, você tem
meu telefone. Beijos.
Que raiva! Quem ela pensa que é, agindo como se me conhecesse há
anos? E vai embora assim, com esse sorriso no rosto, como se estivesse
certa de que eu vou acabar topando ir neste maldito show. E o pior é que
eu vou...
Nossa conversa foi ótima e, agora que estou conhecendo melhor a
Eduarda, mais eu desejo essa mulher. Não será o chato do Lucas que vai me
fazer perder essa chance. Muito pelo contrário. Vou usar isso a meu favor.
Na quarta-feira mandei uma mensagem para o celular da Eduarda:
[Quero ir ao show com você, mas é muito cedo. Não sei se vai dar tempo
de ir até onde moro para me arrumar e chegar a tempo no teatro. Bjs]
[O.k., façamos assim: 19h pego você aí na gráfica e você toma banho no
meu apartamento. Bjs]
[Combinado então, superbeijo]
―#―

- Caramba! Que apartamento lindo! Valeu por me convidar para eu me


arrumar aqui, queria muito ir nesse show.
- Mesmo se encontrarmos o...
- Não estou a fim de falar disso... Também é pouco provável que a gente
esbarre nele com o teatro lotado.
- O.k. menina, tome seu banho primeiro, fique à vontade. Depois tomo o
meu.
Estava muito feliz de estar ali, nunca tinha me sentido tão bem na casa
de outra pessoa. Mas, durante meu banho, não deixava de pensar, por que
odiava o Lucas? Chegava à conclusão de que não tinha tantos motivos...
Agora, porém, existia um bem concreto: o ciúme por Eduarda estar a fim
dele.
- Falta muito, querida?
Eduarda perguntou, já entrando no banheiro. Eu havia terminado,
desliguei o chuveiro e respondi que sim. Ela simplesmente abriu a porta, eu
nua e ela apenas de calcinha e sutiã. Alcançou-me uma toalha e entrou no
box.
- Aqui está, pra você se secar. Com licença que vou tomando meu banho
para a gente não se atrasar.
Estava no céu, ela era como eu imaginava. Fiquei em êxtase, mas não
sabia como reagir. Ficava olhando a imagem que seu corpo formava na
parede de acrílico do box. Minha vontade era beijar ela inteira, beijar cada
parte de seu corpo. Sabia que não era o momento certo. Fomos as duas
para o seu quarto.
- Que cama grande, deve caber os sete anões aqui! Que demais, Eduarda!
- Minha cama é meu paraíso. Quando vim morar neste apartamento, fiz
questão de comprar a maior Box King Size que pude encontrar. Teve que
vir de São Paulo, sob encomenda.
- E você recebe muitos convidados nesta cama?
- Você se dê por sortuda! Somente os VIP entram neste quarto...
Eu já praticamente vestida e ela, com toda a naturalidade que lhe era
peculiar, terminou de se secar e ficou nua, praticamente desfilando pelo
quarto, escolhendo com calma cada peça de roupa. Tudo estaria perfeito
não fosse pelo fato de a Eduarda estar se arrumando para o Lucas. Que
merda.

Tributo aos Beatles


por Eduarda

Chegando ao teatro, bem que tentei, mas não encontrei o Lucas em lugar
algum. Para alegria da Rafaela, acabamos assistindo ao show sem ele.
Excelente por sinal, mas longe de ser a minha banda favorita. Insuperáveis
mesmo são os Rolling Stones. O que gostei foi de observar as reações da
Rafaela. Os olhos brilhavam. Ela cantou todas as músicas. Enquanto isso, eu
ficava pensando em todas as coisas que ela contou sobre a sua vida. Era
visível que apesar de uma dureza na forma de se relacionar com as pessoas,
ali estava uma mulher forte, que não tinha se deixado sucumbir mesmo
com tantas dificuldades. Percebi que aos poucos adquiria um carinho
grande por ela. Talvez por carência e pelo fato de ter me afastado tanto da
minha família.
- Vamos embora?
- Claro, gostou do show?
- A melhor coisa que já vi! Acho esse teatro impressionante e o show foi
perfeito.
- Fico feliz. Vamos indo então que eu estou um pouco cansada. Aproveito
e já deixo você em casa, seja onde quer que fique a sua casa.
- Rafaela! Eduarda! E aí, onde vocês estavam?
Já tinha até me esquecido do Lucas ou da possibilidade de encontrar ele.
- Oi, tudo bem? Chegando agora?
- Não, quando eu cheguei o show já tinha começado, mas deu para
assistir à maior parte. Vocês gostaram?
- Eu achei legal, já a Rafaela, amou. Ela teve orgasmos múltiplos ouvindo
e cantando as músicas!
-Ahahahahah, eu também!
- Você também teve orgasmos múltiplos, Lucas?
- Não! Eu também amei o show. Afinal de contas, Beatles é a melhor
banda que já existiu no planeta. O que vocês vão fazer agora? Quem sabe
vamos juntos pro Papuera?
- Perfeito, vamos sim! Você está de carro ou quer uma carona?
Tomar decisões rápidas está no meu DNA. Faço sem pensar, é
automático. Estava indo tudo bem. A Rafaela, ainda com o encanto
proporcionado pelo show, parecia nem se importar com a presença do
Lucas. Mas foi aí que ela lembrou da minha última frase antes do Lucas
aparecer.
- Como assim? Você não acabou de dizer que estava cansada?
- Eu disse um pouco cansada Rafaela, mas sem problemas, se não quiser
ir deixo você primeiro em casa e depois vou com o Lucas para o bar. Mas
adoraria a sua companhia. Vamos lá, o Lucas não morde!
- Pois é, na verdade não sei se eu quero ir...
- Então, quem sabe, fazemos assim: vamos os três para o Papuera e
quando você quiser ir embora, nós vamos. E daí você dorme lá em casa,
pode ser?
Na verdade perguntei só por perguntar, porque já imaginava que Rafaela
aceitaria.

Conversas de bar
por Lucas

O autoritarismo da Eduarda me intrigava e o mau humor da Rafaela


estava ficando difícil de querer contornar. Esse defeito normalmente seria
o suficiente para que meu sistema de seleção de namoradas me mandasse
abortar a missão. Não entendia o relacionamento dessas duas, mas estava
com a oportunidade perfeita para obter mais informações.
Iniciamos conversando sobre o básico: idade, estudos, trabalho e
horóscopo. Rafaela respondia apenas o básico; já Eduarda e eu falávamos o
suficiente pelo bar inteiro. Logo estávamos conversando sobre religião e
política. Tínhamos vivências bem distintas, porém, uma forma de ver a vida
muito parecida.
Como quem segue um protocolo, chegamos ao tema relacionamentos.
Fui contando sobre meus namoros e tudo mais.
- Um filho?
- Isso mesmo, Eduarda, um filho de cinco anos.
- E você convive bastante com ele, pega nos finais de semana, paga a
pensão em dia? Desculpe-me, curiosidade de advogada.
- Ele mora comigo. Moramos eu, ele e minha cunhada.
- E onde anda a mãe dessa criança?
- Ela morreu faz cinco anos.
- Então, você é viúvo?
Finalmente Rafaela resolvera entrar no assunto. E foi bem a tempo, já
que Eduarda pareceu desconcertada com o meu estado civil. Ela disse que
iria ao banheiro e aproveitaria para buscar outra cerveja.
- Droga, Rafaela, você descobriu meu segredo...
- Como isso aconteceu? Ainda dói muito?
Pela primeira vez sentia que Rafaela percebia minha existência, que
realmente ela olhava pra mim. Expliquei que quando a mãe do meu filho
faleceu, nós não estávamos mais juntos, que acabei ficando viúvo no papel e
todos os detalhes. Ela falou muito vagamente sobre seus problemas
familiares e que nunca passou pela morte de nenhum familiar. Que a morte
era algo muito confuso pra ela.
- Eu confesso que no início me aproveitei deste título.
- Você está brincando, Lucas...
- Sério, tem um charme e um poder de sedução em ser um jovem viúvo.
Conversamos tão intensamente por um tempo que custamos a perceber
que Eduarda estava demorando muito para voltar. Quando por ela
procuramos, a avistamos no balcão do bar, tomando uma cerveja sozinha,
nos observando o tempo todo. Eduarda juntou-se a nós.
- Então Lucas, a Rafaela conseguiu se comunicar?
- Já somos grandes amigos agora.
Falei em tom de brincadeira, mas Rafaela não gostou.
- Menos Lucas, bem menos...
- E vocês meninas, amigas de infância?
- Vejamos, fazendo as contas assim, rapidamente, me ajude Rafaela...
- Três dias.
- Vocês estão de sacanagem comigo.
- É a pura verdade...
- Poderia jurar que vocês são amigas de longa data... Três dias? Então
começou quando vocês vieram aqui na segunda-feira.
- Como assim? Você contou pra ele, Eduarda?
- Calma Rafaela, ninguém contou nada... Eu estava aqui, lá na mesa do
fundo, e vi quando vocês chegaram.
- Podemos ir embora, Eduarda? Não tenho a vida fácil de vocês. Amanhã
tenho que cumprir horários desde cedo.
Pronto: Rafaela estava de volta na sua essência de “pura simpatia”.

Conversa séria
por Eduarda

Conforme combinado, Rafaela foi dormir na minha casa. Durante o


caminho trocamos poucas palavras. Quando chegamos, por fim ela puxou
assunto:
- Você está braba, Eduarda? Se quiser eu posso ir embora.
- Não, eu quero mesmo conversar contigo. Qual o problema com o Lucas?
- Como assim?
- Isso mesmo, o Lucas, qual o problema?
- Eu já disse...
- Não Rafaela, na verdade você não disse nada com nada. E quer saber
mais? Não precisa me dizer nada. Sei que nos conhecemos há pouco. Mas
esse tempo já foi suficiente para sentir um carinho especial por você. E juro,
não é nem o fato de eu querer arrumar uma maneira de levar o Lucas para
minha cama. Até porque, no final das contas, quem vai dormir hoje na
minha cama é você.
- Posso dormir no sofá se você quiser...
- Sem dramas Rafaela, me escuta. A questão aqui é que o Lucas é um cara
superbacana, educado e demonstrou hoje ser uma excelente companhia.
Mas, mesmo assim, você foi uma chata quase que o tempo todo.
- Não sei por que eu faço isso. Você me desculpa?
- Eu desculpo, mas será que o Lucas desculpa você?
- Não sei, não tenho a menor ideia. Se quiser eu peço desculpas pra ele...
- Talvez. Mas, mais simples que isso. Eu sei o que vamos fazer.

O jantar
por Rafaela

Não acredito que a Eduarda me convenceu a fazer isso. Tomara que o


Lucas não apareça aqui na gráfica. Pode até ser que eu seja a errada da
história, mas não quero lidar com isso hoje. Nem acredito que passei uma
noite inteira com ela na mesma cama, sentindo aquele perfume delicioso, o
corpo encostando ao meu... Caramba, eu seria muito babaca se não tivesse
me aproveitado da oportunidade que tive.
Como era de se esperar, o Lucas veio e eu me vi obrigada a seguir minha
missão de paz. Ele nem me cumprimentou. Droga. Acho que ontem peguei
pesado mesmo. Esperei ele resolver suas coisas e quando estava indo
embora, o chamei.
- Oi Lucas, podemos conversar?
- Oi Rafaela, pode falar.
- Bom... A gente vai fazer uma janta lá no apartamento da Eduarda e seria
legal se você fosse. Eu sei que ontem...
- Olha, você devia estar num dia ruim ontem, mas, sinceramente, não
fiquei chateado...
- Não, eu não estava simplesmente num dia ruim. Fui uma chata e você
foi bacana o tempo todo. Vem jantar hoje com a gente, prometo me
comportar direitinho.
Ele pareceu surpreso, mas assimilou rapidinho.
- O.k., você venceu, eu vou.
- Aqui está o endereço. Esperamos você depois das 20h.
Nunca tinha passado por nada parecido e no fundo estava aliviada por
ter conversado com Lucas e tentado resolver as coisas. Tomara que esse
meu sentimento pacificador dure até hoje à noite.

―#―

- Oi Lucas, que bom que você chegou cedo!


- Trouxe um vinho para nós.
- A Eduarda acabou de entrar no banho, deixe o vinho aqui na mesa e
vamos sentar.
- Trouxe um presente pra você.
- Como assim?
- Um presente, abre que você vê o que tem dentro.
- Você trouxe um presente pra mim?
- Abre logo...
- Um CD... Não acredito: uma coletânea dos Beatles!
- Isso mesmo, eu mesmo gravei. Tem os principais discos deles em mp3.
Que é isso? Você tá mesmo chorando? É só um CD...
- É somente uma lágrima. Nunca ninguém me deu algo tão especial... Foi
muito legal da sua parte.
Abracei Lucas como sempre imaginei abraçar alguém especial, como se
eu abraçasse meu pai amigo, meu irmão protetor ou qualquer uma dessas
pessoas especiais que eu só ouvia falar que existiam. Abracei-o com força e
foi muito, muito bom.

O jantar
por Lucas

Ganhei um dos abraços mais apertados que já senti. Nem parecia a


menina séria que trabalhava na gráfica, muito menos a Rafaela chata da
noite passada.
Eduarda saiu do banho, juntou-se a nós. Rafaela mostrou o presente,
colocou o CD para tocar e fomos jantar.
- Qual disco dos Beatles que você gosta mais, Rafaela?
- Não saberia dizer. Sempre que posso leio algo sobre a história da
banda. Tenho alguns CDs piratas e várias músicas deles no meu celular.
- A hard day’s night, de 1964, pra mim este é o melhor álbum de todos.
Falamos mais um pouco sobre a banda, Rafaela estava impressionada no
quanto eu conhecia. E eu adorando compartilhar tudo com ela. Não sei o
que aconteceu, mas o clima estava muito bom. Rafaela estava mais
participativa e logo estávamos conversando sobre outras bandas, filmes,
programas de TV, séries, seriados e novelas. Tudo isso regado a vinho,
acompanhado de um espaguete ao molho quatro queijos.
Depois de jantar fomos para a sala, colocamos as almofadas no chão e
sentamos todos próximos. Eduarda abriu mais um vinho e começamos a
falar sobre amizades, amores e relacionamentos. A noite estava
superanimada e cheia de cumplicidades e declarações entre Eduarda e eu.
Novamente Rafaela ficou mais quieta, falou apenas que não tinha sorte no
amor, que teve boas experiências sexuais e que agora andava mais
reservada.
De repente percebi que estava dentro de um apartamento com duas
gatas maravilhosas. Muito mais do que isso: duas mulheres especiais que
estava adorando conhecer.
- Está tudo bem com você?
Perguntou Eduarda para Rafaela.
- Tá tudo bem. É que eu fico tonta quando vocês dois estão juntos. Vocês
têm tantas histórias e assuntos que poderiam conversar durante dias.
Conhecem tantos bares, festas e espaços culturais aqui da cidade... E eu no
meu mundinho fudido de trabalho, faculdade, trabalho, faculdade.
- Minha menina, você é nova, é uma guerreira. Deixa que o Lucas e eu,
nós te apresentaremos cada canto da cidade. E já sei o que vamos fazer.
Amanhã é sexta-feira, dia de open. Nós vamos à The Way.
- Você tá brincando, lá eu não vou.
- Por que não?
- De lá eu não gosto.
- Você já foi lá, Rafaela?
- Que droga, Eduarda...
- Não vamos ter essa conversa de novo, amanhã é dia de The Way e
pronto. Você vai conhecer primeiro e depois dizer se gosta ou não. Ou ainda
não aprendeu a lição?
- Tá bem, tá bem...
- Você não tem nada contra ir lá, né Lucas?
- Nada, vou adorar acompanhar vocês.
Já estava ficando tarde. Fui me despedindo e combinamos tudo para
curtir uma boa balada. Não sei por que, mas por algum motivo Rafaela disse
que precisava ir pra casa. Eduarda insistiu para que ela ficasse, mas não
adiantou.

O primeiro beijo
por Rafaela

Que droga, nunca fiquei tão nervosa... Não resistiria a mais uma noite na
mesma cama com Eduarda. Eu estava bêbada com o vinho e
definitivamente entrando em crise existencial.
Eduarda e Lucas nem aí por irem a uma boate gay e eu superencucada.
Nunca tive paciência com bichas desvairadas nem gostei de levantar a
bandeira LGBT. Gosto de mulher, simples assim... E agora vou numa boate
cheia de estereótipos... Tudo culpa daqueles dois.
Será que nenhum dos dois percebeu que eu sou lésbica? E por que
infernos eu já não disse pra eles? Merda. Todos sabem lá na gráfica, como
esses dois não sabem? Nunca tive problema em dizer e agora me sinto uma
falsa justo com as pessoas mais especiais que já conheci.

―#―

Como a festa iniciava tarde, mesmo com a Eduarda insistindo para eu ir


ao apartamento dela preferi me arrumar lá na pensão e me preparar para a
noite. O que me preocupava agora era a possibilidade da Eduarda partir
pra cima do Lucas na festa e eu não saber qual seria minha reação. Droga,
meu tesão por ela não diminuiu, mas estava gostando tanto dos dois que
comecei a pensar que a Eduarda não era pra mim.

―#―

Onze horas da noite e, como combinado, Eduarda me pegou e fomos


buscar o Lucas. Pela primeira vez enxerguei o Lucas com os mesmos olhos
da Eduarda. Ele estava muito bonito, bem-vestido, realmente um charme,
se desconsiderasse o fato de que ele tinha um repulsivo membro fálico
entre as pernas. Eu poderia até ficar feliz de ver ele junto com a Eduarda. Se
fosse para perdê-la, que fosse para o Lucas.
Depois de muitas voltas de carro pela cidade e de algumas doses de
absinto, doses essas tomadas diretamente da garrafa que Eduarda levara
com ela, chegamos. Meu limite até então tinha sido duas cervejas. Sempre
procurei ficar longe dos destilados. A lembrança da minha mãe bêbada me
assombrava desde que saí de casa. Mas nessa noite precisava de algo para
me acalmar e absinto era a única opção que tinha naquele momento.
Quase uma da madruga, estacionamos próximo do Mercado Central e
fomos para o final da pequena fila que estava formada para o acesso à
boate. Entramos e fiquei perdida. Ambiente escuro, muitas luzes piscando,
fumaça de gelo seco, a música alta... Tudo aquilo era muito novo pra mim.
Eduarda viu que eu estava nervosa e segurou minha mão. Lucas me
abraçou suavemente por trás e disse que iria pegar algumas bebidas. Os
dois estavam cuidando de mim.
Uma hora depois, muitas doses de vodca com energético, eu estava em
outra dimensão. Nós três dançávamos muito, Eduarda era maravilhosa na
pista, muito sensual. Fazia movimentos eróticos e aproveitava para passear
com as mãos por todo o corpo do Lucas que, por sua vez, não conseguia
tirar o sorriso do rosto por estar ali com nós duas. Ele fazia questão de me
manter por perto. Ainda me dava uma atenção especial, mesmo com a
Eduarda toda ali pra ele.
- Beijo triplo! - gritou Eduarda - Vamos lá, sem essa cara de espanto, um
selinho, vamos selar nossa amizade.
Eduarda, como sempre, não deixou margem para pensarmos ou
decidirmos algo. Já estávamos praticamente colados uns nos outros.
Aconteceu naturalmente, durando mais tempo que um selinho. Sentir o
hálito dos dois, seus lábios, foi muito excitante. O melhor foi que ninguém
percebeu ou aquilo não era nada de mais para as pessoas que estavam na
nossa volta.
Pode ter passado despercebido para a multidão, mas, caramba, foi muito
forte e intenso para nós. Agora Eduarda e eu tínhamos o mesmo sorriso
bobo do Lucas. Ele estava mais solto e safado que o cara comportado dos
últimos dias. Como Eduarda estava declaradamente se atirando pra ele,
depois do nosso beijo triplo os dois começaram a trocar beijos indecentes e
estavam se divertindo muito com aquilo. Foi então, que Lucas largou
Eduarda e me pegou pelas mãos, me coordenou numa dança teatral e, antes
mesmo que eu pudesse reagir, ele estava me beijando da mesma forma que
beijara Eduarda. Não senti nojo ou repulsa e, definitivamente, Lucas era
especial. Mas claro que o que passava na minha cabeça, era Eduarda.
Naquele beijo com Lucas eu estava sentindo o sabor dos lábios dela...
Retribuí o beijo com a mesma intensidade porque eu sabia que há poucos
segundos ali estavam a boca e a língua da Eduarda.

Manhã de sábado
por Eduarda

Chegamos perto das três da madrugada e, por motivos de segurança, ou


pelo menos foi essa a desculpa que dei pra eles, depois da boate fomos
todos para o meu apartamento. A verdade é que estávamos bêbados, minha
casa era a mais próxima e eu queria continuar com a presença deles.
- Vamos todos pra minha cama, que precisamos de uma boa noite de
sono. Todo mundo tirando a roupa. Ninguém aqui tem motivo pra frescuras
e não quero saber de sacanagem porque eu quero é dormir.
Não estava mentindo, tanto que fiz questão de colocar a Rafaela no meio.
Deitamos os três, conversamos qualquer bobagem e apagamos no sono.

―#―

- Que horas são? Tenho que pegar o Luan para almoçar e depois levar ele
na apresentação da escola.
- Bom dia gostosão... Calma, praticamente nove horas e o dia está lindo lá
fora. Agora só falta a Rafaela acordar. Você dormiu bem?
- Dormi muito bem, esta cama é enorme...
- Separei uma toalha pra você tomar um banho e aqui tem uma escova de
dentes descartável, destas que eu ganho nos hotéis quando viajo. Veste esse
meu short de pijama, vai servir como samba-canção.
- Você não existe, Eduarda...
- Existo sim. Vá já tomar seu banho que vou ressuscitar esse último
corpo que resta aqui na minha cama.
Lucas foi tomar banho e parti para cima de Rafaela, beijando seus
ombros e assoprando perto do pescoço.
- Bom-dia, minha menina...
- Bom-dia. Nossa, que dor de cabeça.
- Já imaginava isso, toma aqui esse remédio.
- Por favor, me diz que ontem foi um sonho e que o Lucas não dormiu
aqui nessa cama.
- Olha, até posso te dizer isso, mas aí não saberia o que fazer com o
homem que está tomando banho no meu banheiro.
- Estamos todos loucos, só pode ser isso...
- Para Rafaela, não começa, tivemos apenas uma boa noite de sono. E me
diz aí, gostou do beijo dele?
- É muita informação pra mim, não quero falar sobre isso...
―#―

- Mulheres, cheguei!
O corpo do Lucas era algo especial de se olhar e acho que Rafaela
também estava começando a perceber. Era isso ou ela apenas estava
achando graça no short rosa que ele estava usando.
- Aqui está o controle da TV. Você fica aqui na minha cama que a Rafaela
e eu vamos tomar banho e depois vou providenciar alguma coisa para
matar a fome.

O banho
por Rafaela

Eduarda já foi tirando a roupa, fiquei sentada esperando que ela tomasse
o banho primeiro. Com a porta do box aberta, tinha visão privilegiada do
seu corpo.
- Deixa de ser boba, entra logo aqui comigo, faz tempo que ninguém
esfrega as minhas costas.
Não pensei duas vezes e em segundos estava dividindo o chuveiro com
Eduarda. Minha excitação era visível, com nossos corpos se encostando
enquanto a água caía sobre eles.
- Me deixa esfregar as suas costas.
Eduarda colocou as mãos nas minhas costas e com uma esponja de
banho me esfregava com movimentos circulares. Eu estava no paraíso,
aproveitei pra relaxar. Continuei me lavando e discretamente passava as
mãos em meus seios. Isso levou uns bons minutos. Eduarda parou e
inesperadamente apertou delicadamente minhas nádegas.
- Que bumbum lindo, hein menina? Prontinho, agora é a sua vez...
Eduarda colocou mais sabonete líquido na esponja e me entregou para
que esfregasse suas costas. Iniciei fazendo os mesmos movimentos que ela
fez em mim. Com o passar do tempo, comecei a deixar escorregar a esponja
e cada vez mais eram minhas mãos que tocavam seu corpo. Eduarda soltou
um leve sussurro, como quem segura um gemido de prazer. Criei coragem e
avisei:
- Hora da massagem...
Deixei a esponja cair no chão e comecei a massagear as costas dela.
Pressionava seus ombros e o meio das costas, fui chegando perto das
laterais e ela dizia que estava muito bom. Em meus movimentos comecei a
avançar e minhas mãos já encostavam o início dos seios e em parte das
suas nádegas. Instintivamente fui em direção da sua virilha. Subitamente
Eduarda segurou forte minhas mãos, afastando elas de seu corpo.
- Chega de banho por hoje...
Droga. Será que ela ficou chateada comigo? Seu tom de voz continuava o
mesmo. Quando tentava entender o que tinha acontecido, Eduarda me deu
um beijo, como se estivesse beijando o Lucas na noite anterior.
- Vamos que o Lucas está nos esperando...

Pequenas verdades
por Lucas

Estava distraído vendo um programa na televisão quando elas entraram


no quarto. Nossa, uma visão perfeita... As duas estavam vestindo aqueles
pijamas do tipo camisetas compridas. Uma mulher saindo do banho sempre
me foi o melhor dos afrodisíacos, imagine duas então.
Rafaela me deu um beijo de bom-dia, pediu para que eu fosse para o
meio da cama e deitou ao meu lado. Eduarda desligou a televisão, colocou
um CD do Simply Red e deitou do meu outro lado.
- Então meninas, foi tão bom pra vocês quanto foi pra mim?
Era o que precisava para descontrair por completo o clima. Rafaela era
quem mais dava risadas. Pronto, estávamos todos com o mesmo sorriso
bobo da noite anterior.
- Rafaela, você tem um sorriso lindo...
- Concordo com você Eduarda, temos que exercitar esse sorriso mais
vezes.
- Vocês são dois bobos, nem sei o que faço aqui com vocês.
- Não sabe o que você faz aqui? Você nos adora, essa é a verdade...
Respondi a Rafaela em tom de brincadeira, mas Eduarda parecia querer
levar o assunto a sério.
- Ele tem razão. Quem diria, hein Rafaela? Logo você que odiava o Lucas...
- Cala a boca, Eduarda!
- Opa, como assim, me odiava?
- A Eduarda e eu já conversamos sobre isso. Sim, eu odiava você e agora
eu quase que adoro. Satisfeitos? E você Eduarda, por que não conta que
sempre quis levar ele pra sua cama?
- Isso é tipo a hora da verdade, meninas?
- Sim, admito, sempre quis levar você pra minha cama Lucas... E sempre
consigo o que eu quero, afinal, você está aqui agora...
- Que maravilha isso, Eduarda e eu já falamos... E você Lucas, qual a sua
verdade?
- Bom, se é assim, em nome da nossa amizade selada ontem à noite,
admito: sempre observei a Rafaela imaginando que ela seria uma boa
namorada, mas ela nunca me dava entrada para iniciar algum papo ou um
convite para sair.
Desta vez foi Eduarda que caiu na gargalhada e logo em seguida
declarou:
- Meu nome é Maria Eduarda. Pronto, falei.
- Não tenho mais nada a declarar, meninas. Se mais alguém tem alguma
verdade para falar, que fale agora ou cale-se para sempre...
- Eu sou lésbica!
Eduarda sentou-se na cama. Não saberia descrever a expressão do rosto
dela segundos depois da declaração da Rafaela.
- Lésbica? Perguntou Eduarda.
- Sim, eu sou lésbica. Diz que você já sabia Lucas... Todo mundo sabe lá
na gráfica, como vocês já não sabiam disso?
- Eu me dou bem com o pessoal da gráfica, mas não são meus amigos.
Nunca conversaria com eles sobre coisas pessoais. E também não me
importa se você é lésbica.
Disse isso colocando o braço por baixo da cabeça de Rafaela. Queria
realmente que ela se sentisse apoiada, até por que eu não poderia prever
qual seria a reação de Eduarda.
- Mas você, tipo... é bissexual, transa com homens e mulheres?
- Não sou bissexual. Sou lésbica.
- Então foda-se se você é lésbica! Um “viva” para nossas verdades e
vamos selar novamente nossa amizade. Beijo triplo!
Eduarda veio pra cima de mim e eu, que já estava com o braço por baixo
da cabeça da Rafaela, trouxe-a para nosso beijo. Desta vez foi bem mais
longo e encerrado por mim, quando pude sentir o gosto da lágrima que
escorria no rosto da Rafaela.
- Fique bem, você está entre amigos que a respeitam.
Disse isso envolvendo todo meu corpo sobre o corpo dela. Eduarda
passou por cima de nós e foi abraçar as costas de Rafaela, que agora estava
no nosso meio.

Brincadeiras na cama
por Rafaela

- Chega de choro, eu adoro vocês, vocês me adoram, nós nos adoramos.


Lucas que horas você tem que buscar o Luan?
- Se eu sair um pouco antes do meio-dia está bom.
- Então ainda temos praticamente uma hora e meia e quero saber tudo
sobre vocês, quero ir direto para as páginas proibidas.
Estava no meio daqueles dois malucos falantes. Eduarda e Lucas eram
simplesmente imbatíveis em suas histórias e aos poucos fomos relatando
nossas idades de descobertas, das primeiras experiências sexuais, das
partes cômicas, das aventuras... Acho que todos ali estavam contando
algumas confidências pela primeira vez. Lucas foi quem perdeu a
virgindade mais tarde. Claro que Eduarda foi quem perdeu mais
precocemente. Eles não acreditavam que eu nunca tinha me relacionado
com um homem.
- Como assim Rafaela, nunca?
- Nunca, nunca, Eduarda.
- Entendo que você seja lésbica, mas no início não rola uma desilusão
com algum homem, algumas experiências bissexuais e, aí sim, se escolhe
ser lésbica?
- Que tipo de pensamento é esse? Não é sempre assim que funciona. Não
existe um padrão, cada pessoa tem sua história. Eu nasci lésbica, nunca me
enxerguei de outra forma...
- Tá bem, você está certa. Lucas, algo a declarar?
Desde o início da conversa tudo foi tão intenso que não tinha percebido
que Lucas havia colocado um travesseiro entre nós dois, escondendo suas
partes íntimas.
- Eu acho... Sei lá... Ela é lésbica e vocês são duas doidas.
- Você ainda não viu nada – disse Eduarda, desafiadora, e se virou pra
mim - Rafaela, você já viu um pau de perto, já segurou um pênis?
- Não, que nojo...
- Respeito o fato de você ser lésbica e estou começando a adorar você
ser. Já tivemos a conversa sobre odiar ou não gostar de coisas que nunca
experimentamos...
- Isso é totalmente diferente, Eduarda.
Não acredito que a Eduarda estava falando tudo aquilo. Que merda, eu
não conseguia raciocinar direito.
- Estamos nessa vida para experimentar as coisas, as sensações e tudo
mais. Lucas, pode ir deitando com a barriga pra cima e trate de tirar esse
travesseiro daí...
- Alguém pode, por favor, me explicar o que está acontecendo aqui?
- Você é nosso amigo, não é? Rafaela precisa saber como é um pênis e
você é o único aqui que tem um. Ela não vai deixar de ser lésbica por isso,
nem queremos. É apenas para conhecimento. Digamos que seja um
experimento científico - brincou.
Não sabia o que dizer, Eduarda sabia como deixar tudo mais simples. E
eu estava ficando curiosa, principalmente por estar fazendo isso junto com
ela. Eduarda simplesmente puxou o travesseiro do Lucas e fez com que ele
deitasse, deixando à mostra um short com algo grande querendo sair lá de
dentro. Ela o beijou bem devagar e em seguida deixou ele completamente
nu, falando agora com uma voz mais suave e delicada.
- Pronto, desfeito o mistério. Rafaela, pênis do Lucas, pênis do Lucas,
Rafaela. Agora que já se conhecem, você pode cumprimentar ele.
Lucas tinha poucos pelos espalhados pelo corpo e devia depilar as partes
íntimas com certa frequência. Eduarda pegou minha mão e a levou até o
pênis. O segurei, senti suas palpitações, como se quisesse crescer mais
ainda. Caramba, parecia que tinha vida própria! Não pude deixar de olhar
para o rosto do Lucas, que estava acompanhando tudo atentamente e com a
respiração ofegante.
- Viu? Não é tão ruim assim...
Agora Eduarda estava atrás de mim, com o corpo totalmente colado ao
meu, segurando minha mão. Realmente não me pareceu nada tão
desconfortável, mas o que eu estava gostando mesmo era do nosso grau de
intimidade, sentir a adoração da Eduarda pelo membro masculino, ela me
apresentando a esse mundo. Podia sentir seu corpo excitado, através dos
mamilos enrijecidos encostando as minhas costas e de seus movimentos
com o quadril.
- Vamos ser justos com o nosso amigo e aproveitar esta oportunidade.
Agora você vai ver um homem gozando.
Dito isso, Eduarda que já estava no controle da minha mão me fez iniciar
movimentos de vai e vem e pude sentir todo o corpo do Lucas tremer. Eu já
estava explodindo de tesão e comecei a me masturbar com minha outra
mão. Quando Eduarda percebeu isso, começou a me beijar a nuca, a orelha.
Ela intensificou meus movimentos no pênis do Lucas e eu instintivamente
intensifiquei minhas carícias.
Não demorou muito para que Lucas chegasse ao seu limite. Prevendo o
que ia acontecer, Eduarda tirou a mão, me deixando livre para sentir aquele
pênis explodindo num gozo longo. Eu me abracei em Lucas, sem parar de
me masturbar, gozando logo em seguida.
Claro que aquilo não afetou minha preferência sexual, mas confesso que
gostei muito de ter proporcionado prazer ao Lucas. Que mundo louco.
Inesperado e delicioso.

A vida continua
por Eduarda

Ficamos jogados na cama por uns dez minutos, aproveitando aquele


momento único de erotismo e intimidade que tivemos.
- Meus amores, a vida continua. Lucas, vá se limpar que você tem um
filho pra criar. Tem suco de laranja na geladeira. Vou preparar um
sanduíche para você comer antes de sair. Todos aqui devem estar
morrendo de fome e já é quase meio-dia.
- Você está certa!
Lucas deu um beijo apaixonado na Rafaela e partiu para o banho. Minha
menina estava com uma cara ótima.
- Você pode ficar aí um pouco mais, estarei lá na cozinha.
Lucas não demorou a limpar-se e saiu do banheiro falando em voz alta.
- Amanhã tem Piquenique Cultural lá na no Parque da Baronesa. Estarei
com o Luan, espero ver vocês por lá.
Lucas comeu o sanduíche, tomou o suco e foi se despedindo. Fui com ele
até a porta e trocamos um beijo ardente. Mordi de leve o lábio dele e falei
baixinho no seu ouvido:
- Amanhã iremos à Baronesa, mas hoje dê o seu jeito, mais tarde eu ligo e
à noite você é meu.
Levei as coisas para lanchar na cama, junto com a Rafaela. Não
conversamos sobre o que aconteceu, passamos uma tarde de pijamas,
falando essas coisas de mulheres. Cabelos, unhas, cremes, depilação,
menstruação, TPM. Sim, Rafaela gostava de mulheres e gostava muito de
ser mulher.
Quando a noite chegou, levei a Rafaela até a casa dela e depois liguei
para o Lucas.
Sobre minha noite com ele, foi como eu sempre imaginei. Fizemos tudo
que um homem e uma mulher poderiam fazer em cima de uma cama.
Piquenique Cultural
por Eduarda

O domingo iniciou prometendo ser um belo dia de sol e faltava pouco


para as oito horas quando acompanhei Lucas até a porta. Ele tinha seus
compromissos e eu precisava organizar minha papelada para a próxima
semana.
As horas passaram e saí atrasada para pegar Rafaela. Eu até preferiria
não encontrar o Lucas novamente. Mas como disse que iríamos, e a Rafaela
estava animada, não tive escapatória.

―#―

- Oi Lucas.
- Rafaela, Eduarda, este aqui é o Luan e esta é tia dele, a Kátia.
Kátia era uma pessoa muito simpática e comunicativa. Parecia até irmã
do Lucas. Luan era um menino grande pra sua idade e tão comunicativo
quanto o pai e a tia. Ficamos conversando, Kátia, Lucas e eu, enquanto
Rafaela e Luan foram aproveitar para passear entre as bancas e ver de
perto as atividades culturais que estavam acontecendo. Eles se deram
muito bem. Depois de muitas voltas resolveram se juntar ao grupo.
Lucas falou um pouco sobre seus pais, que depois da separação, quando
ainda era criança, ficou decidido que ele ficaria morando aqui na cidade
com seu pai, enquanto Lauro, seu irmão mais velho, iria morar com a mãe
em São Paulo.
Atualmente seu irmão estava morando em Brasília e eles trocavam e-
mails e mensagens pelo Facebook sempre que possível. Seus pais reataram
o relacionamento cerca de oito anos e estavam morando juntos em São
Paulo.
Kátia contou sobre o seu trabalho numa empresa multinacional, com
filiais em três cidades do Estado. Contou que esperava ansiosa por uma
promoção. Luan, que participava da conversa como gente grande, falou
com naturalidade sobre a morte da mãe e disse que uma vez por mês
passava um final de semana com os avós maternos.
Falei sobre a minha juventude. A falta que sentia da minha avó. Contei
sobre a briga que me afastou por completo do convívio dos meus pais e
disse que fazia mais de cinco anos que não nos falávamos. Rafaela apenas
divagou sobre problemas familiares em geral, sem falar sobre os seus.
Mais tarde aconteceu um sarau e nessa hora ficamos em silêncio, atentos
para ouvirmos as poesias. Tudo estava perfeito, mas precisei me despedir.
Tinha que arrumar minhas coisas para viajar na segunda-feira bem cedo.
Voltaria somente sexta-feira.
Fui me despedindo de todos e Kátia fez um convite para almoçarmos na
casa deles no próximo domingo. Aceitei e avisei ao Lucas e a Rafaela que
ligaria para eles durante a semana.
Semanas seguintes

O cinema e a praça
por Lucas

Voltou a chover no início da semana. Rafaela e eu quase não


conversávamos lá na gráfica. Não que tivéssemos combinado algo, mas
continuamos nossas rotinas. A diferença ficava entre os pequenos sorrisos
que trocávamos sempre que eu chegava.
Céu nublado, porém sem chuva, na quarta-feira. Então, tive uma ideia:
[Cinema, hoje às 20h, você, o Luan e eu]
[Combinado, vou adorar. Bjs]
[Assim que você sair da gráfica vá até o Café Aquários, estaremos
esperando lá, beijão]
[Ok. =)]
Combinamos através de mensagens de celular e, dentro do horário
previsto, estávamos no local do encontro. Comemos algo e em seguida
partimos para o cinema. Luan estava adorando. Depois da minha ultima
namorada, nunca mais ele tinha passeado comigo acompanhado de outra
mulher. Ele fazia questão de passear de mãos dadas com Rafaela e ela
estava curtindo muito também.
Depois do filme saímos para uma caminhada no calçadão e, apesar da
noite de inverno, decidimos parar numa sorveteria. Luan era uma
metralhadora de perguntas para Rafaela e ela se defendia como podia.
- Você é a nova namorada do meu pai?
- Não, ele e eu somos apenas bons amigos. Adoro o seu pai, mas estou
apaixonada por outro homem.
- Quem é esse cara?
- É você!
Luan não se intimidava e continuava com um repertório de perguntas de
dar inveja a muito apresentador de programas de entrevistas.
- Então você vai esperar eu crescer para poder me namorar?
- Eu não tenho outra escolha, terei que esperar.
- Combinado, então.
Luan foi ao banheiro enquanto Rafaela e eu nos divertíamos sobre todas
as perguntas que ele tinha feito. De repente nos olhamos e de alguma
maneira um adivinhou o pensamento do outro.
- Você está com saudades da Eduarda, né?
- Sim, e você?
- Eu também Rafaela, aquela maluca tá fazendo falta. Vamos mandar uma
mensagem pra ela.
[Oi, Estamos aqui comendo um sorvete, e com saudades de você. Volta
logo. Ass: Lucas e Rafaela]
[Meus lindos, saudades também, infelizmente não vou conseguir
retornar na sexta, devo chegar de sábado para domingo. Bjs]
[Ok, não esqueça, almoço de domingo lá em casa]
[Não me esqueci, nos encontramos lá então, Bj3 pra vocês]
[Bj3?]
[Bj3 = Beijo triplo]
[=P Adoramos]
Quando fui ver, Luan estava conversando com uma das funcionárias da
sorveteria, bem típico dele. Começou a ficar tarde, acompanhamos Rafaela
até a parada mais próxima da pensão, nos despedimos e pegamos um
ônibus para irmos pra casa.

―#―

O tempo continuou chuvoso no resto da semana. Sábado amanheceu


pouco nublado e com possibilidades de sol na parte da tarde. Fui ao
supermercado fazer as compras para o almoço de domingo. Quando estava
na fila do caixa, recebi uma mensagem.
[Oi, já estudei demais pela manhã. Por favor, me convida para fazer algo
à tarde. Bjs, Rafaela]
[Claro, estarei com o Luan, às 15h30min na praça Coronel Pedro Osório]
[Ok, talvez me atrase um pouco, mas irei certo. Bj]

―#―

Rafaela chegou perto das 16h. Luan ficou um pouco na nossa volta e
depois foi brincar com algumas crianças. Então ficamos ela e eu
conversando sobre a correria da semana, sonhos de criança, experiências
profissionais, estudos e faculdade. Não tinha outras pessoas próximas de
onde estávamos e inesperadamente Rafaela mudou o rumo da conversa:
- Você já teve alguma atração por outro homem?
- Não.
- Nem quando era criança? Nunca rolou essas coisas entre meninos que
dizem que acontece na adolescência?
- Não, acho que não acontece com todo mundo e eu sempre fui desligado
mesmo. Passei a infância em frente à televisão, vendo programas e jogando
videogame.
- E nunca teve curiosidades?
- Claro, normal... Passava muito tempo sozinho em casa e como
morávamos apenas meu pai e eu, ele sempre foi despreocupado. Depois
que completei 14 anos ele me mostrou onde ficavam suas revistas
pornográficas. Ali aprendi algumas coisas...
- Que horror!
- Que horror nada, quando fui contar pros meus amigos da minha idade
que eu tinha visto cenas de sexo, eles riram dizendo que já viam este tipo
de revista há muito tempo...
- E vocês homens, é muito bom quando vocês recebem sexo oral?
- Penso que é o ponto máximo das preliminares e acho que muitas vezes
não nos importamos quando a companheira resolve ir até o final ali
mesmo.
- Que nojo, não acredito que tem mulheres que deixam vocês gozarem
dentro da boca...
- Nojo? Isso vindo de uma mulher que gosta de colocar a língua na...
- Tá, entendido, cada um com suas taras. Mas vai dizer que você não
gosta também?
- Eu, eu não gosto. Eu adoro. Coisa boa sentir uma mulher ficando louca
quando estou brincando com ela, sentindo suas pernas apertando minha
cabeça... E vamos parando por aqui, que estou começando a ficar
empolgado.
- Lucas, você é um quadrinho...
Rafaela foi tirando todas as suas dúvidas sobre o “incrível” universo
masculino e eu respondia a todas as perguntas com detalhes e informações
extras. Resolvi também saber mais sobre o universo dela.
- E você, Rafaela, gosta mais de receber ou de proporcionar sexo oral?
- Não sei responder... Gosto muito das duas coisas. Fico louca quando
estou recebendo, é realmente um carinho que meu corpo agradece. E se
estou gostando de uma mulher, fico completamente realizada quando estou
praticando sexo oral nela. Me sinto no poder da situação. É perfeito quando
você sente tão intimamente que está proporcionando tanto prazer a uma
pessoa que você gosta muito.
- Bom, nisso nós concordamos, coisa boa fazer a mulher que se ama
gozar!
Já estávamos bem próximos, então abracei Rafaela carinhosamente e
beijei sua bochecha.
- Droga!
- Que foi?
- O Marcos, meu colega, ali perto do balanço. Segunda-feira vamos ser o
assunto da vez lá na gráfica.
- Não se preocupe com isso agora.
- Claro, não é você que passa o dia todo no meio daqueles idiotas...
- Somos amigos. Qualquer problema que acontecer, resolveremos juntos.
- Tá bem, não é fácil pra mim, vou tentar não me preocupar com isso. Ao
menos até o final de semana acabar.
- Assim que se fala! E sabe o que vamos fazer? Vamos acompanhar você
até a pensão. Você vai pegar o que precisar e vamos todos lá pra casa. O
Luan dorme comigo e você dorme na cama dele.
- Sério?
- Claro, hoje vou fazer uma pizza pra nós e amanhã ajudamos a Kátia no
preparo do almoço - enquanto esperamos a Eduarda chegar.
Rafaela parecia tão criança quanto o Luan e os dois adoraram a minha
ideia.

Almoço
por Rafaela

Acordei com o Luan pedindo para deitar comigo. Lucas estava na cozinha
preparando o leite dele. Levantei as cobertas e o pequeno acomodou-se na
cama. Fiquei pensando em como o Lucas podia estar solteiro. Via nele as
qualidades que gostaria na pessoa que estivesse ao meu lado. Uma pena ele
não ser mulher. Casava com ele se fosse.
Kátia ajudava em algumas coisas, mas no geral era com ele a correria,
levar e buscar na escolinha, levar a médicos, fazer o leite e tudo mais. A
vida girava mais entre pai e filho mesmo.

―#―

Faltava pouco para as 13h quando Eduarda chegou fazendo muito


estardalhaço, abraçando e beijando todo mundo, e entregou um presente
pro Luan. Um carrinho de controle remoto. Suficiente para deixá-lo
entretido por um bom tempo no pátio dos fundos da casa. Aproveitei que
Lucas e Kátia foram até a cozinha para olhar a carne no forno e troquei um
beijo com Eduarda. Pude sentir que ela também estava com saudade de
mim.
O almoço estava fantástico e depois fomos para a sala, comer a torta de
bolacha que Kátia tinha preparado na noite anterior. Contamos para
Eduarda sobre o filme e o sorvete de quarta-feira, e também sobre nosso
passeio na praça.
Kátia falou, brincando, que estava com ciúmes, porque o Luan só falava
em Rafaela pra cá e Rafaela pra lá e em seguida mudou o tom de voz para
uma rouquidão de quem está nervoso.
- Minha colega Sandra ficou com a promoção que eu esperava ganhar e
me convidaram para assumir o Departamento de Marketing na filial de
Caxias do Sul.
- Isso é ótimo, você vai trabalhar com o que você gosta!
Lucas não percebeu que ela estava assim por ir para outra cidade e se
afastar do Luan e dele também. Eduarda explicou:
- Lucas, ela está nervosa porque vai ficar longe de vocês.
- Claro, desculpa Kátia, eu entendo isso, mas você sabe que o Luan e eu
sabemos nos cuidar e que essa é uma grande oportunidade pra você. Como
vai ser essa transferência?
- Eles já estão com um apartamento disponível pra mim. A pessoa que
vou substituir foi transferida para a filial de São Paulo e inicialmente tenho
20 dias para me mudar, mas já sei que posso conseguir mais uns dias.
Eduarda segurou a mão de Kátia e disse:
- Pode ficar tranquila que a Rafaela e eu vamos cuidar desses dois e,
quando você menos esperar, vamos estar em Caxias visitando você.

Saudades
por Lucas

Devia ser 16h quando Eduarda disse que estava morrendo de saudades
da sua cama e perguntou se a Rafaela e eu gostaríamos de assistir a um
filme e depois ela contaria mais sobre a viagem.
Fui até o quarto de Kátia, onde ela estava acomodando o Luan que tinha
pegado no sono deitado no sofá da sala.
- Ele continuou dormindo?
- Sim.
- Vou acompanhar as meninas até o apartamento da Eduarda e depois
devo dar mais uma volta. Acho que não vou dormir em casa esta noite. Vou
aproveitar enquanto ainda tenho você por aqui para ficar com o Luan.
- Tudo bem, juízo.
- Pode deixar.
- Lucas, me diz uma coisa que ainda não consegui descobrir?
- O que foi Kátia?
- Qual das duas afinal você está pegando?
- Pegando? Que expressão feia, Kátia. Não estou ficando com nenhuma
das duas.
- Lucas, eu conheço você. Você foi mais meu irmão nestes últimos cinco
anos do que a mãe do Luan, enquanto vivia. Respeito e amo muito você, se
cuide tá? Não vá machucar esse coração de ouro que você tem.
- Obrigado, pode deixar. Amo você também.
Chegamos ao apartamento da Eduarda fomos direto para o quarto. Ela
foi abrindo as malas, falando sobre a semana que passou em Gramado,
providenciando a documentação de uma nova franquia de um cliente.
Enquanto falava, já ia guardando suas roupas nos devidos lugares. Guardou
também as malas e nos mostrou uma sacola cheia de chocolates, trufas e
bombons com licor.
- Lucas, pode ir tomar um banho que esta menina e eu temos conversas
de mulheres e você não é bem-vindo.
- Sim, senhora.
- Tem toalha ali na primeira porta do guarda-roupa e aqui tem um
presente. Comprei uma samba-canção decente pra você. Só que essa fica
sempre aqui em casa. Não quero você usando ela com essas “zinhas” aí na
rua.

―#―

Quando estava terminando o banho, Eduarda e Rafaela invadiram o


banheiro. Duas loucas seminuas me expulsaram dali, sem ao menos uma
chance de me enrolar na toalha. Fiquei deitado na cama. Desta vez nem me
dei o trabalho de ligar a televisão. As meninas não demoraram a voltar do
banho e cada uma sentou de um lado da cama, quando Eduarda me deu um
beijo demorado e já partiu para a ação.
- Então, vejamos o que temos aqui...
- Um pênis, Eduarda, lembra que eu já tive essa aula...
- Muito bem, minha menina, então você está pronta para a segunda aula.
Eu já estava pronto, devido ao clima e às lembranças da nossa última
brincadeira a três. Eduarda retirou minha cueca samba-canção e pegou
uma garrafinha de chocolate com recheio de licor. Comeu a parte que seria
a tampa, deixou o recheio cair por cima da parte do meu corpo que estava
mais animada e começou a brincar com a língua e em seguida com a boca.
Rafaela acompanhava atentamente e eu já estava alucinado. Eduarda
fazia tudo com muita calma e sempre olhando para os olhos de Rafaela...
- Agora é a sua vez.
- Nem pensar!
- Prova só um pouquinho, é uma delícia.
- Tô falando sério, cheguei ao meu limite. Mas pode continuar que estou
curtindo olhar você fazendo isso.
Rafaela deitou ao meu lado, com o corpo bem colado ao meu, me beijou
com muito desejo e voltou a apreciar a arte que Eduarda fazia com tanta
dedicação. Eu sentia como se Rafaela quisesse entrar em mim. Neste
momento o meu corpo era o corpo dela. Pude perceber que, no seu
imaginário, era ela que estava sendo devorada naquele momento. Eu
também me sentia conectado com Rafaela. Aproveitei para repousar minha
mão na sua virilha, deixando meus dedos em cima do seu clitóris, não com a
intenção de masturbá-la e sim para que ela pudesse sentir as vibrações que
meu corpo fazia a cada ação que Eduarda nos proporcionava.
Eduarda sabia bem o que queria e o que estava fazendo e foi acelerando
os movimentos com a boca. Seu desempenho, somado à simbiose que
estava rolando com a Rafaela, fez com que eu gozasse intensamente, em
uma sensação de total satisfação e saciedade que não lembrava se já tivera
vivido antes.

―#―
Eduarda deitou-se no nosso meio e começou a intercalar beijos entre
mim e Rafaela. Esta, que ainda estava completamente acesa, começou a se
acariciar suavemente e sussurrou:
- Eduarda, eu preciso sentir a sua língua em mim, preciso muito...
- Estou exausta e tenho que ser sincera com a minha menina: eu não
conseguiria fazer o que você está me pedindo.
Eduarda iniciou um beijo demorado em Rafaela, como se estivesse
pedindo desculpas. Sempre tive muito prazer em proporcionar sexo oral
nas minhas namoradas e senti um desejo maior ainda, lembrando que
nenhum outro homem teve a oportunidade de provar do sabor de Rafaela.
Cheguei por cima da Eduarda, me juntei ao beijo delas e perguntei,
olhando nos olhos da Rafaela:
- Você confia em mim?
- Sim, eu confio.
Iniciei beijando sua barriga, que sempre foi meu objeto de desejo, depois
fui beijando suas coxas, sua virilha, até chegar ao seu sexo.
Procurei fazer com muita calma. Rafaela tinha um sabor delicioso e já
estava completamente lubrificada. Fui sentindo suas vibrações e
pressionando com a língua as partes que mais respondiam às minhas
caricias. Quando percebi que ela segurou os lençóis e começou a soltar
pequenos gemidos, comecei a intensificar meus movimentos,
especialmente em seu clitóris.
Eduarda agora estava acariciando os seios da Rafaela, que gemia alto e
sem pudor algum segurava minha cabeça ajudando a coordenar meus
movimentos.
Eu podia sentir a musculatura das coxas da Rafaela enquanto ela mexia
os quadris, como se fizesse um esforço para retardar a finalização daquele
ato. Tudo foi ficando mais dinâmico e quase desordenado, até que ela não
resistiu mais e se entregou a um orgasmo intenso e demorado.

―#―
Rafaela agora estava relaxada em cima da cama e eu completamente
excitado, enquanto ainda curtia seu cheiro e seu sabor que estavam
impregnados em mim.
Eduarda percebeu que eu já estava recuperado do último gozo e disse
que me queria dentro dela. Coloquei uma camisinha e, antes da penetração,
aproveitei para deixá-la bem lubrificada enquanto passeava com minha
língua por todo seu sexo.
Iniciamos na posição papai e mamãe e Rafaela aproximou seu corpo do
nosso e constantemente trocávamos beijos. Puxei a Eduarda para perto dos
pés da cama e acomodei dois travesseiros no final de suas costas, ficando
com suas pernas dobradas entreabertas, enquanto eu a penetrava em pé,
colocando mais força nos meus movimentos.
Rafaela agora tinha o resto do corpo de Eduarda disponível para sua
degustação. Ela ficava passeando com suas mãos e dedicava uma atenção
especial com a boca nos seios da Eduarda, que a essa altura já soltava
vários gemidos e palavras obscenas.
Eduarda mandava que eu a penetrasse com mais força e velocidade.
Rafaela lambuzou alguns dedos com sua saliva e levou sua mão em direção
ao sexo da Eduarda. Encaixou seus dedos na região do clitóris e iniciou
movimentos de masturbação.
Meu ritmo acelerado, somado aos estímulos de Rafaela, fez com que
Eduarda soltasse gritos de prazer durante um orgasmo prolongado.
Deitamos os três e ficamos abraçados na cama, suados e entrelaçados,
sentindo nossas respirações, trocando carícias e sorrisos.

―#―

Mais tarde tomamos um banho a três, depois fiquei na cozinha


preparando uma janta e as meninas saíram para pegar alguns filmes na
locadora. Rafaela e eu passamos a noite com Eduarda.

Celebrando a amizade
por Eduarda

Os dias seguintes foram de vários encontros, entre jantares, almoços e


alguns passeios junto com a Kátia e o Luan. Nossas brincadeiras a três, na
minha cama, continuaram com certa frequência.
Mais duas semanas se passaram e decidimos comemorar um mês de
amizade selada. Desta vez foi Lucas quem escolheu o local, dizendo que
seria um restaurante muito especial.

―#―

Ficamos relembrando nossa história e como eram as coisas antes de nos


conhecermos.
- Faltam sete dias para a Kátia ir para Caxias do Sul e eu estive pensando:
vai sobrar um quarto lá em casa!
- E você pensou no mesmo que eu estou imaginando, Lucas?
- Acho que sim, Eduarda. Rafaela, bem que você poderia ir morar lá em
casa...
Rafaela ficou sem reação. Eu achei a ideia o máximo. Eles já estavam se
dando superbem, e Luan iria adorar se isso acontecesse.
- Diga alguma coisa, menina!
- Não sei o que dizer, o Lucas me pegou de surpresa. Nunca esperaria
esse convite...
- Que drama, não foi um pedido de casamento!
- Eu sei que não. É que faz quase sete anos que moro na pensão. Olha
aqui, eu não consigo parar de tremer.
Lucas explicou que já tinha conversado com Kátia sobre a possibilidade,
e que ela apoiava. O quarto dela ficaria todo para Rafaela, já que a empresa
disponibilizou um apartamento mobiliado em Caxias.
- Diz logo que aceita!
- Eu vou adorar, é lógico que aceito!
- Então tome mais um gole de caipirinha, antes que você comece a
chorar!
Estava feliz por eles e, como no próximo final de semana seria o
aniversário da Rafaela, combinamos um acampamento em um parque,
junto a uma cachoeira, na região colonial da cidade.

―#―

A semana seguinte foi tranquila. Rafaela resolveu as últimas pendências


na pensão e encaminhou o pedido para receber vale-transporte da gráfica,
já que agora precisaria pegar ônibus para chegar ao trabalho.

Acampamento
por Eduarda

Chegou finalmente o dia do aniversário da Rafaela e estávamos com tudo


organizado para o nosso acampamento. Saímos de casa no sábado, antes
das oito horas, em direção à Cachoeira do Arco-íris. Chegamos ao local, na
parte destinada ao camping. Havia três barracas montadas, todas
guardando certa distância.
Escolhemos um bom local e montamos a nossa. Inflamos o colchão e
saímos para dar uma volta pela mata.
Perto das onze horas aproveitamos o dia de sol de primavera e partimos
em direção à queda d’água. Um casal estava tomando banho na parte
direita da cachoeira, em meio a muitos beijos e mãos bobas. Logo que
chegamos, partiram por um caminho na mata. Trocamos alguns olhares e
começamos a rir.
Tudo ali era muito excitante. Durante nosso banho de cachoeira
trocamos alguns beijos e abraços, inspirados no casal. Ficamos um bom
tempo ali, até a hora de voltamos ao acampamento para comer algo.
Depois de um piquenique ao ar livre, fomos descansar na barraca.
Deitamos apenas com nossos trajes de banho e pegamos no sono.
Acordei com o Lucas me acariciando por trás. Pude sentir que ele já tinha
se livrado do calção. Fiquei de frente pra ele e comecei a masturbá-lo
suavemente. Trocamos alguns beijos, procurando não fazer barulho.
- Vocês começaram a diversão sem mim?
Rafaela estava acordada e começou a beijar o meu corpo e a passar a
mão no corpo do Lucas, enquanto eu continuava a masturbá-lo. Ela por um
bom tempo me proporcionou um sexo oral que me enlouquecia cada vez
mais. Até que Rafaela anunciou:
- Lucas, agora é a sua vez.
- Não, Rafaela, hoje a vez é sua. Tinha uma surpresa para hoje à noite,
mas já que nossa tarde está tão animada. Vou entregar seu presente de
aniversário agora.
Fui até minha bolsa e peguei um pacote. Entreguei para que ela abrisse.
Dentro, tinha uma calcinha especial de couro. Na parte externa, um pênis
de silicone, tamanho médio. Na parte interna, um vibrador para estimular
quem estivesse usando a peça, acionado por controle remoto.
- Eduarda, você é uma tarada!
- Eu sou, e é por isso que vocês dois me adoram.
Passei um pouco de gel lubrificante na parte interna, ajudei Rafaela a
vestir a calcinha, fiquei de quatro e com o pequeno controle remoto na
mão.
- Lucas, fique aí brincando sozinho por enquanto.
Rafaela veio para a minha frente e, com um sorriso, aproximou o “pênis”
do meu rosto. Sem pegá-lo com as mãos fui passando a língua em toda a sua
extensão, enquanto ligava o vibrador na potência mínima.
Rafaela estava adorando tudo aquilo e Lucas parecia curtir seu momento
voyeur. Ainda sem usar as mãos, coloquei o pau da Rafaela dentro da boca e
aumentei um pouco a potência do vibrador. Comecei a fazer movimentos
delicados na cabeça do pênis. Ela estava ficando louca, soltando pequenos
gemidos e começando a fazer movimentos de vai-e-vem, dentro da minha
boca.
Confesso que quando comprei o presente para a Rafaela, fiquei muito
excitada em imaginar o seu desempenho. Estava gostando de lhe
proporcionar prazer. Mas o que eu queria mesmo era sentir o sabor do
Lucas, e não aquele gosto de silicone.
Estava simulando uma masturbação no pênis da Rafaela, quando olhei
no fundo dos seus olhos e disse:
- Rafaela, eu quero você dentro de mim...
Com um sorriso de prazer no rosto, ela não teve dificuldade para efetuar
a penetração. Eu estava completamente molhada e foi uma sensação
incrível quando ela segurou minha cintura e começou a me penetrar com
mais força.
Agora eu tinha um membro de verdade na boca. Lucas segurou minha
cabeça e começou a fazer movimentos iguais aos da Rafaela. Os dois
estavam me usando. Eu me sentia completamente submissa a eles, e
ficamos assim por vários minutos.
Pude sentir quando Lucas dava os primeiros sinais de que seu gozo
estava próximo. Coloquei o vibrador na calcinha da Rafaela na potência
máxima. Ela aumentou ainda mais a velocidade de suas penetrações e
começou a gemer alto. Lucas soltava alguns sons junto com ela e chegamos
os três ao ápice.
Rafaela não conseguia mais controlar seus movimentos e repousou seu
corpo encostando os seios em minhas costas. Suas contrações faziam com
que seu pênis estimulasse ainda mais meu orgasmo, enquanto Lucas
explodia em minha boca.
Estávamos exaustos. Dormimos o resto da tarde. Durante a noite
aproveitamos mais um pouco do novo brinquedo. Domingo curtimos o dia
com passeios e banhos de arroio. Depois, retornamos para a cidade.

―#―

Voltamos para nossa rotina. Luan e Rafaela estavam cada vez mais
apegados. Lucas e eu aproveitávamos algumas tardes para nossas
escapadas sexuais e as brincadeiras a três ficaram limitadas aos finais de
semana, quando deixávamos Luan, no período da tarde, num parque
infantil ou quando ele ficava na casa dos avós.

―#―
Sempre que possível, pensávamos em formas de aproveitar a nossa
amizade e também passávamos bons momentos junto ao Luan.
Estávamos na segunda metade do mês de novembro e os dias
começavam a anunciar a proximidade do verão. Sempre que possível íamos
todos para a praia.
Num domingo qualquer, comendo sorvete, todos estávamos sentados em
frente ao shopping Mar de Dentro quando avistei um antigo namorado. Fui
cumprimentá-lo e ficamos conversando um pouco sobre a vida.

Ciúmes
por Rafaela

- Quem era aquele cara?


- Diego, um antigo namorado meu...
- E por que aquela mão dele na sua cintura?
- Que tipo de pergunta é essa, Rafaela?
Aquela cena me incomodou pra caramba e fiz questão de demonstrar.
Que droga! O que a Eduarda queria? Ela já tinha o Lucas para satisfazer
suas necessidades sexuais, não tinha?
- E você Lucas, o que achou do que acabou de acontecer?
- O Lucas não vai falar nada e não vamos ter essa conversa... Que é isso
agora? Até parece que somos namorados...
- Você anda transando com outros homens, Eduarda?
- Não vou lhe responder isso Rafaela, mas o fato é que eu posso transar
com quem eu quiser e ninguém aqui tem que se intrometer na minha vida
pessoal...
Não precisava ouvir mais nada, levantei e saí caminhando, furiosa,
enquanto ouvia Lucas pedindo para que eu voltasse. Peguei um ônibus e fui
pra casa.
―#―

Domingo à noite Eduarda e Lucas buscaram Luan na casa dos avós, ela os
deixou em casa e foi embora.
- Oi.
- Oi.
- Você está bem?
- Estou com raiva, quem ela pensa que é?
- Entendo o que você está sentindo, mas Eduarda está certa. Nós não
estamos namorando... Somos bons amigos e, se quisermos, também
podemos nos relacionar com outras pessoas.
- Merda, odeio isso. Você quer se relacionar com outras pessoas?
- Não é esse o caso, não tenho essa necessidade, mas pode vir a
acontecer...
- Acho que você nunca faria isso Lucas, está falando que talvez fizesse
apenas para manter essa sua filosofia de mente aberta.
- O caso é que eu estou satisfeito com a nossa amizade como estava até
hoje. Só que com o que aconteceu nesta tarde, não sei como vamos ficar...
- Gosto muito da Eduarda, vocês dois sabem disso. Vocês podem
continuar se encontrando. Vou sofrer, mas não quero mais vê-la. Se ela
quer ter essa liberdade sexual, vou ter que respeitar. Mas paro por aqui.
Já não me importava em dividir a Eduarda com o Lucas e era tranquilo
saber que eles tinham seus encontros, sem a minha presença, durante a
semana. Mas a possibilidade que outros homens poderiam usufruir do
corpo dela... Não. Isso eu nunca aceitaria.

Feliz Natal
por Lucas

Faltando doze dias para o Natal, Rafaela e Eduarda não conversavam há


mais de duas semanas. Bem que tentei, mas depois de algumas negociações
frustradas acabei desistindo. Continuei me encontrando com Eduarda
durante algumas tardes para aproveitar nossas sessões de sexo e
conversávamos sobre como estava o Luan e tudo mais.
Não estava me sentindo confortável com aquela situação. De alguma
forma, era como se estivesse traindo a Rafaela. Então, tentei conversar com
Eduarda sobre o assunto.
- Eduarda. Precisamos conversar.
- Não vou procurar a Rafaela, ela está errada.
- Não é isso, Eduarda. Você sabe que eu concordo que a Rafaela está
errada.
- Então, qual o problema?
- Achei que seria tranquilo, mas essa situação está me incomodando.
- Você deve estar brincando. Você está querendo parar com nossos
encontros? Está, digamos que terminando comigo?
- Calma, Eduarda, eu...
- Não tem mais eu nem menos eu, ponha-se para fora do meu
apartamento! Agora!
- Eduarda, você pode me ouvir um pouco?
- Não, Lucas! Tchau! Não me procure mais!

―#―

Nos dias que se seguiram sentia vontade de procurar a Eduarda, mas


sabia que ela precisava de um tempo. E que se tivesse que acontecer algo
mais entre nós dois, aconteceria mais cedo ou mais tarde. Mas a verdade é
que meu sentimento pela Rafaela crescia cada vez mais e nossa amizade
colorida não tinha ficado abalada com o que aconteceu e, eventualmente,
quando Luan dormia cedo, eu fugia para o quarto dela, onde trocávamos
carinhos e saciávamos nossos desejos com muito prazer e cumplicidade. Eu
fazendo sexo oral nela e ela me masturbando. Aquele era um momento só
nosso e nos completávamos de uma maneira muito especial e depois
dormíamos abraçados.

―#―
Na semana seguinte, Kátia ligou avisando que conseguiria passar o Natal
na nossa casa.
- Alô!
- Oi, como estão as coisas por aí?
- Oi, Kátia! O Luan está com muita saudade de você! Está tudo bem,
dentro do possível. E com você, como estão as coisas aí em Caxias?
- Tudo ótimo! Estou ligando para confirmar: estarei aí dia 24. Vou
almoçar com o pai e a mãe, aproveito e levo o Luan junto e depois nos
juntamos a vocês para passarmos a noite de Natal.
- Que notícia boa!
- E como vão as meninas?
- Elas estão bem, mas aconteceram umas coisas e provavelmente a
Eduarda não vai passar o Natal lá em casa.
- Que chato isso... Bom, estarei aí em breve e se você quiser desabafar
algo com a sua irmã, sabe que pode contar comigo...
- Obrigado, Kátia. Estaremos lhe esperando e vou querer saber como
andam as coisas por aí. Beijos.
- Combinado, Lucas. Beijos para todos.

―#―

Dia 23 de dezembro, Rafaela e eu almoçávamos num restaurante


próximo à gráfica, quando uma notícia era anunciada no telejornal sobre
um incêndio de uma casa em uma vila da cidade, levando às mortes de mãe
e filho.
- Está tudo bem com você, Rafaela?
Ela estava ficando pálida enquanto prestava atenção na televisão. A
repórter informava que a polícia considerava a possibilidade de se tratar de
um incêndio criminoso, um conflito entre traficantes rivais. Então foram
anunciados os nomes das vítimas.
- Eles estão mortos, minha mãe e meu irmão!
- Você tem certeza, Rafaela?
- Claro, Lucas, são eles!
- Eu vou pagar a conta e vamos embora...
Ela ficou em estado de choque e procurei me manter calmo. Chamei um
táxi e fomos para casa, liguei para a gráfica e avisei o gerente o que tinha
acontecido e que Rafaela não teria condições de retornar ao trabalho nos
próximos dias. Telefonei para uma amiga psiquiatra e ela me conseguiu um
medicamento aconselhado para a situação e disse que qualquer coisa
estaria à disposição.

―#―

Conversamos muito sobre o assunto, me prontifiquei de procurar


informações e acompanhá-la no enterro, mas Rafaela foi irredutível e não
quis saber. Ela estava decidia a não ir a enterro algum.
Rafaela dizia que não guardava mágoas. Mas como ela nunca sentiu
vontade de procurá-los e como também nunca fora procurada, e com
certeza eles sabiam onde ela estava morando e onde trabalhava, encerrou o
assunto, dizendo:
- Que eles descansem em paz.

―#―

Véspera de Natal, Kátia chegou cedo. Expliquei o que tinha acontecido


com a família da Rafaela. Ela trocou algumas palavras procurando dar força
e depois foi para a casa dos seus pais, levando Luan.
Providenciei uma comida leve para nós dois e depois passamos a tarde
na cama, conversando sobre como ela estava e sobre as fatalidades da vida.
Rafaela estava relativamente bem, dizia que não lamentava ter se afastado
deles, mas claro que não queria que eles estivessem mortos, ainda mais de
uma forma tão horrível.
Depois tomou um medicamento e dormiu a tarde toda.
No início da noite Kátia e Luan voltaram e ficamos reunidos na cozinha,
enquanto preparávamos a ceia. Rafaela ainda estava bem abatida, mas ficou
um pouco animada com o ambiente familiar e, principalmente, com Luan
que pedia sua atenção a todo instante.
Estava olhando pra ela, quando também olhou pra mim. Entendi o que se
passava naquele instante em seus pensamentos. Olhei dentro dos seus
olhos e acenei com a cabeça.
Sim, eu também estava triste por Eduarda não estar ali com a gente.

Reatando
por Eduarda

- Feliz Natal!
Eu dizia em voz alta, sozinha e embriagada, olhando pela janela do meu
apartamento.
- Feliz Natal, sociedade hipócrita!
Olhei no celular, eram quase nove horas da noite. Procurei na agenda o
contato e liguei para o Diego.
- Alô!
- Oi Diego, tudo bem?
- Tudo bem e você? A que devo a honra de receber essa ligação?
- Eu tenho pensado bastante em você desde que nos falamos lá na praia.
- Que notícia boa! E o que está se passando nesta cabecinha?
- Lembrei que sua família não mora na cidade e pensei que se você
estivesse a fim poderia passar a noite aqui comigo.
- Estou na casa de uns amigos, mas até as 23h estarei aí. Pode ser?
- Combinado!
Continuei bebendo. Perto do horário combinado fui tomar um banho
para esperar o Diego. Quando tocou a campainha, fui atender vestindo
apenas um roupão e antes mesmo de fechar a porta já estávamos nos
beijando. Ele foi me levando até o quarto e me jogou na cama. Tirou a roupa
e terminou de retirar o meu roupão.
Beijou todo meu corpo e começou a percorrer minha virilha com os
lábios. Em seguida iniciou a penetração com a língua.
Comecei a ficar inquieta e nervosa. Eu estava na minha cama e olhava
para os lados, procurando encontrar o Lucas e a Rafaela em algum lugar.
Diego deve ter percebido que não estava agradando com o sexo oral.
Levantou e foi pegar uma camisinha, na calça que estava no chão. Colocou e
logo partiu para cima, pronto para a penetração.
Eu não conseguia levar aquilo adiante. Empurrei Diego para o lado e
disse que ele precisava ir embora, que minha ligação tinha sido um erro.
Mesmo indignado ele se vestiu e o acompanhei até a porta, pedindo
desculpas.
Tomei outro banho. Precisava tirar a presença do Diego do meu corpo.
Depois tomei um remédio e me atirei na cama. Meu pensamento girava em
meio a tantas lembranças com Rafaela e Lucas. Lembranças que eu tentava
sufocar nos últimos dias.
Quando estava quase conseguindo dormir, meu celular disparou um
sinal de chegada de mensagem.
[Como você está? Estamos com muita saudade. Mande notícias. Ass.
Lucas e Rafaela]
Comecei a chorar descontroladamente. Cansada emocionalmente e com
o efeito do remédio, acabei pegando no sono.

―#―

Acordei por volta das 9h. Rolei um pouco na cama, fui tomar um banho e
depois preparei um cappuccino para me recompor.
Rafaela e Lucas não saíam do meu pensamento. Peguei meu celular e
respondi a mensagem.
[Preciso de vocês. Têm como aparecer aqui em casa hoje à tarde?]
Cada minuto que passava era uma eternidade para mim. Teria
enlouquecido se a resposta tivesse demorado mais do que cinco minutos.
[Estaremos aí às 15h. Fique bem. Bjs]

―#―
Quando abri a porta, Rafaela e eu nos abraçamos e depois trocamos um
beijo demorado. Dei um selinho em Lucas e levei-os até meu quarto.
- Ontem achei que iria pirar, eu só tinha vocês dois no pensamento...
- Queríamos muito que você estivesse com a gente ontem, na ceia de
Natal. Mas você disse que eu não a deveria mais procurar.
- Sei que eu disse, era o que eu queria, mas não consigo ficar sem vocês.
Rafaela, você precisa entender que eu não estava preparada para rótulos de
relacionamento e embora eu não estivesse dormindo com outras pessoas,
foi muito complicado você me cobrar isso.
- Nunca quis cobrar rótulos, nem estava pedindo pra sair de mãos dadas
na rua com você ou qualquer outra coisa parecida...
- Acho que a Rafaela está dizendo que quer fidelidade sexual, esse é o
ponto aqui.
- Sei disso Lucas, e ainda é complexo pra mim. Mas pensei muito depois
que mandei a mensagem pra vocês. Quero que tudo volte a ser como antes,
e sim, eu sou fiel a vocês.
- Adoro vocês duas e nunca me senti tão completo. Também quero a
gente juntos.
- E você Rafaela, me aceita de volta?
Rafaela me beijou e Lucas logo se juntou a nós. Minha cama, nossa cama,
estava tudo completo novamente.
Novo ano

Réveillon
por Lucas

Passamos o Réveillon juntos. Era a primeira vez que Luan e Kátia


frequentavam o apartamento da Eduarda. Rafaela estava superando bem o
acontecido trágico e não se sentia sozinha no mundo. Meu irmão Lauro
ligou de Brasília para contar que iria se casar e informar que em breve eu
receberia o convite. Eduarda passara mais um ano sem falar com seus pais.
Tirando as pendências familiares, foi uma boa noite para todos.

―#―

Logo chegou o dia vinte de janeiro, formatura da Rafaela. Ela não estava
empolgada, sempre dizia que não se envolveu na organização, que dava
muita briga na hora de definir o tema, a data e tudo mais.
Eduarda ficava brava com o desinteresse da Rafaela e eu
particularmente procurei não opinar.

―#―

Os primeiros dois meses do ano passaram com tranquilidade, não


tivemos problemas em seguir nossa rotina. Tudo voltara ao normal.
Algumas tardes entre Eduarda e eu, eventuais noites com Rafaela e nossos
tão esperados encontros a três nos finais de semana.

―#―
Os aniversários de Eduarda e Luan aconteceriam na última semana de
março e ela programou um final de semana num parque aquático da Região
Metropolitana; 400 quilômetros de viagem e estaríamos lá.
Eduarda estava muito feliz com a viagem e parecia uma criança.
Acompanhou o Luan em todos os tobogãs e brinquedos que o parque
oferecia. Fez questão de satisfazer todas as vontades dele, principalmente
as gastronômicas.
Ao meu lado, Rafaela acompanhava tudo de perto, mas também não
participava de todas mirabolantes diversões aquáticas. Eu estava muito
feliz, nunca tinha pensado em fazer um passeio desses com o Luan e, com
certeza, aquele seria um aniversário inesquecível pra ele e para todos nós.
No domingo passamos a tarde num dos maiores shoppings da capital.
Compramos roupas, brinquedos e alguns livros pro Luan.
A Rafaela e eu inventamos alguma desculpa e saímos juntos para
procurar um presente pra Eduarda, enquanto ela e o Luan jogavam
algumas partidas nos fliperamas.
Rafaela comprou uma almofada especial para usar o computador na
cama e eu comprei o DVD Três formas de amar, um filme polêmico dos anos
noventa que conta o relacionamento entre três estudantes: Alex, uma
menina com nome masculino, que equivocadamente é selecionada para
dividir um dormitório com dois meninos. Ela tenta reparar o erro, mas a
direção da universidade informa que ela vai ter que ficar no quarto até que
sobre uma vaga nos dormitórios femininos. Durante a história nasce uma
forte amizade e ocorre o envolvimento sexual entre os três personagens.
Não lembrava de todo o enredo, apenas que algumas complicações
aconteciam e que eles não ficariam juntos no final. Mesmo assim, achei que
seria bacana assistirmos ao filme juntos.

Mudanças
por Lucas
Iniciou o mês de abril e muitas correspondências chegando, contas de
luz, água, telefone, TV, internet.
- Rafaela, chegou o convite de casamento do meu irmão. Vai ser no mês
que vem, vamos ter que organizar essa viagem pra Brasília.
Continuei abrindo os envelopes e percebi que o da imobiliária estava
com mais papéis do que de costume.
- Droga...
- Que foi Lucas?
- A imobiliária está informando que em trinta dias vai aumentar o
aluguel.
- E eles podem fazer isso?
- Sim, já passou do prazo há muito tempo. Vai completar sete anos de
contrato no mês que vem. Antes de o Luan nascer a Kátia já morava aqui.
- E vai subir muito?
- Vai. E não estava preparado pra isso, acho que vou dar uma olhada em
outros imóveis antes de renovar. Semana que vem eu vejo isso.
- Bom, o Luan e eu estamos prontos. Vá tomar banho que em seguida a
Eduarda vem nos buscar para jantar.

―#―

- Hoje quem vai escolher o nosso pedido é o Luan. O que você está a fim
de comer?
Estávamos jantando e conversando sobre as novidades. Avisei a Eduarda
sobre a data do casamento do Lauro e que eu iria pesquisar o preço dos
aluguéis nas imobiliárias devido ao aviso de reajuste da casa atual. Ela
comentou que isso deveria ser visto com urgência e que, dependendo da
mudança, o Luan teria que ser trocado de escola. Mas que seria tranquilo, já
que o ano letivo estava recém iniciando.
Nossa conversa abriu meus olhos e coloquei como prioridade a procura
desta nova casa.

―#―
Manhã de quarta-feira, iniciando o terceiro dia de buscas nas
imobiliárias, no Centro tudo estava muito caro e não conseguia achar nada
no mesmo bairro onde já morávamos.
[Encontrei a casa perfeita, combina com a Rafaela e encontro vocês na
saída da galeria às 12h. Bj]
Recebi com surpresa a mensagem da Eduarda. Não sabia que ela iria
ajudar na procura. Combinei com Rafaela e nos encontramos todos.
- Vocês vão adorar!
- Onde é essa casa?
- Surpresa! Não vamos demorar a chegar.
- Não tenho como pagar aluguel aqui no Centro, Eduarda.
- Muita calma, eu já pensei em quase tudo...
Eduarda guiava o carro em direção ao bairro do Porto e parou uma
quadra depois da faculdade onde a Rafaela estudava.
- Pronto, chegamos...
Paramos em frente a uma casa grande, antiga e a única certeza que tive
foi de que nunca poderia pagar o aluguel. Eduarda pediu para não falarmos
nada antes de conhecermos a casa toda.
- Aqui no térreo são duas salas grandes, um quarto pequeno, um
banheiro e uma cozinha enorme. Lá em cima tem dois quartos, um
banheiro junto a uma sala pequena e uma suíte grande. Ainda tem a
garagem, o pátio, a lavanderia e uma churrasqueira coberta.
- A casa seria perfeita Eduarda, se eu tivesse dinheiro para a reforma que
ela precisa e, principalmente, para pagar o aluguel...
Rafaela continuava olhando para as paredes e os detalhes da arquitetura
antiga da casa, mas não falava nada.
- Me escutem, o dono é meu cliente e ele sabe que vai ser muito difícil de
alugar e não pretende investir na reforma que ela precisa...
- Voltamos para o início da conversa, não temos como pagar...
- Então, quanto ao aluguel, Lucas, cai pela metade por dois anos se
fizermos a reforma. Fica tranquilo pra pagar. Fiz alguns cálculos. Com o
valor que atualmente vocês pagam naquela casa, mais o que eu pago na
minha sala e mais o que eu posso pegar alugando o meu apartamento, isso
tudo somado, podemos pagar o aluguel dessa casa junto com luz, água e
tudo mais. Ainda sobra para pagarmos uma escola particular pro Luan.
Aqui bem perto tem duas ótimas.
- Você quer morar com a gente?
- Claro, Lucas. Você acha que eu vou deixar vocês morando sem mim
nessa casa enorme?
- Tá, ok. Precisamos respirar um pouco... Você pretende trazer o
escritório pra cá?
- Eu não teria coragem de vender meu apartamento. Foi presente da
minha falecida vozinha. Mas tenho um casal de amigos que tem interesse
em alugá-lo. Tenho um dinheiro guardado que dá para pagar a parte mais
urgente da reforma.
- Tudo isso parece loucura, Eduarda...
- Loucura? Onde está a sua veia empreendedora, Lucas? Eu praticamente
não recebo clientes lá na minha sala. Resolvo tudo e, quando necessário,
vou até eles. Usarei o quarto pequeno que tem aqui no térreo. E você Lucas,
quanto pode economizar estando tão perto do Centro? Pense nas
possibilidades... Além disso, futuramente podemos abrir algo nestas duas
salas.
- Eu fico com estas duas salas!
Finalmente Rafaela resolvera fazer parte do assunto e, para nossa
surpresa, ela apresentou a parte que faltava nos planos de Eduarda.
- Eu posso abrir um café aqui e oferecer serviços de cópias. O dono da
gráfica comprou algumas máquinas novas e vai vender, a preço de banana,
duas antigas, uma de fotocópias e outra de impressão A3, ideal para
imprimir os cartazes e tudo mais dos trabalhos do Lucas. Entendo um
pouco sobre o funcionamento dessas máquinas e conheço todos os
fornecedores.
- Respira um pouco menina.
- Eduarda, essa é minha oportunidade de respirar. Sete anos de
semiescravidão devem ter rendido algo no meu Fundo de Garantia. Sei o
que o pessoal da faculdade quer num local assim tão perto e o Lucas pode
ampliar seus trabalhos. Com o conhecimento dele, mais essas máquinas, o
material para divulgação do café vai ser muito barato.
- Tá bem, eu tô dentro... Vocês são fantásticas! Vou aceitar o dinheiro que
meu irmão sempre me ofereceu, como empréstimo, caso eu abrisse um
negócio pra mim.

―#―

Os próximos sete dias foram intensos e exaustivos, mas não nos


importávamos. Rafaela teve a sorte de que o gerente tinha uma conhecida
que estava procurando emprego e, pela sua experiência em caixa de
supermercados, poderia facilmente substituí-la.
O dono da gráfica ficou contente ao saber dos planos da Rafaela, uma
funcionária que nunca tinha dado problemas. Ele disse que a demitiria sem
problemas, para que ela pudesse sacar o dinheiro no Fundo de Garantia. E
que o valor da multa que ele deveria pagar era menor que o preço pelo qual
venderia as máquinas, mas, se ela quisesse, as duas seriam dela.
Liguei pro meu irmão, contando as novidades e confirmando se o
dinheiro para o empréstimo ainda estaria disponível. Eduarda tratou da
papelada para a locação da casa e já estava providenciando os orçamentos
para as primeiras reformas.
Não gostaria de ser o pedreiro, o eletricista ou pintor que ela
contratasse. Eduarda era uma ditadora quando estava no comando e tudo
tinha que ocorrer como ela planejava. Aproveitei para entregar os
documentos necessários na imobiliária, informando que no máximo em
cinquenta dias sairíamos da casa antiga.

―#―

Trinta dias passaram e, sob o comando de Eduarda, tudo estava


conforme o previsto na reforma. Em duas semanas poderíamos nos mudar.
Luan já estava frequentando uma escola particular a três quadras da nova
casa e eu o levava de ônibus até a mudança ocorrer.
A parte superior da casa e a cozinha no térreo já estavam prontas, então
Eduarda providenciou o transporte das suas mobílias e outros pertences
que já estavam encaixotados. Assim, já poderia liberar o seu apartamento
para o casal que estava interessado em alugá-lo.
Eduarda morou alguns dias com a gente, dormindo no quarto com
Rafaela, na casa antiga.

―#―

Mais uma semana e estávamos prontos para nossa mudança, Luan foi
ficar com a tia Kátia em Caxias do Sul. Ela tirou uns dias para aproveitar e
matar a saudade.
Estávamos os três olhando o quanto a reforma ficou perfeita.
- Rafaela, agora você finalmente pode explicar por que escolheu essa cor
amarela nas paredes das duas salas?

Submarino Amarelo Café


por Rafaela

Fui explicando para os dois cada detalhe do ambiente que tinha


imaginado. Tudo inspirado nos Beatles e, principalmente, no clipe da
música Yellow Submarine. Até Eduarda, que não era nenhuma fã da banda,
achou a proposta ótima.
Lucas ficou impressionado com tudo que eu tinha planejado e disse que
já tinha várias ideias para a divulgação do local.
Estava nas nuvens, principalmente com as palavras de incentivo e
elogios que Eduarda e Lucas declaravam constantemente. Era muito
importante pra mim que eles gostassem de tudo que tinha planejado.
Era uma quinta-feira e finalmente não tinha mais nenhum operário da
reforma frequentando a casa, agora bastava esperar a entrega das mesas,
cadeiras e outras encomendas para o café.
Aquela seria nossa primeira noite na casa nova e, apesar de estarmos
todos cansados, depois de um lanche com tudo que tínhamos direito, fomos
os três tomar banho juntos no banheiro enorme da nossa supersuíte.
Depois aproveitamos para estrear nosso quarto e matar a saudade de nossa
velha conhecida, a cama enorme da Eduarda, que há varias noites nos
aguardava. Só que agora ela era a "nossa" cama.

―#―

O dia seguinte, acho que nunca iremos esquecer. Acordamos juntos na


"nossa" casa, tomamos café na "nossa" cozinha, tudo ali era um sonho
realizado a três.
Eduarda terminou de organizar algumas coisas no quarto do térreo, que
agora era seu escritório. Lucas ficou arrumando a bagunça do lanche na
cozinha e subi para dar uma geral no quarto do Luan, que chegaria sábado
com a Kátia.
À tarde chegaram algumas coisas que faltavam para a abertura do
Submarino Amarelo Café e para a semana seguinte eu já tinha agendado
algumas visitas com nossos futuros fornecedores.

―#―

Sábado estava tudo pronto para receber o nosso amor maior. Meu
coração estava aos pulos quando o táxi estacionou com Luan e Kátia, que
chegavam da rodoviária. Seus olhinhos lindos brilhavam. Ele ficou
maravilhado com as cores e toda a decoração do café, adorou a cozinha
enorme e o pátio. Fomos apresentando todos os cômodos para a Kátia,
subimos as escadas, mostramos a pequena sala-de-estar, o banheiro, o
quarto do Luan, onde ele já foi ficando para bisbilhotar as coisas.
Mostramos o quarto de hóspedes, onde ela dormiria, com a mesma mobília
que Kátia tinha deixado para Rafaela e, finalmente, chegamos até a suíte.
- Então aqui é a suíte?
Kátia perguntou com ênfase, já previsto, e sabíamos que ela seria a
primeira pessoa que deveria conhecer a nossa situação. Aproveitamos que
Luan estava entretido no seu novo quarto e contamos toda nossa história.
- Confesso que não fico surpresa com as informações. Já desconfiava de
algo acontecendo entre vocês e não tenho que me intrometer na vida
pessoal de vocês. Fico preocupada é com a cabeça do Luan, ele me fez
alguns comentários sobre vocês estarem sempre juntos. Claro que eu não
imaginava que estava tudo tão avançado assim...
- Kátia, nós amamos muito o Luan.
Comecei a ficar preocupada com a reação da Kátia, mas ela continuou:
- Eu sei, não tenho dúvidas quanto a isso. Vejo amor em cada canto dessa
casa e nunca vi o Luan tão feliz. Eu conheço você como ninguém, Lucas.
Sempre o apoiei e não vai ser agora que vou deixar de apoiar.
- Obrigado, minha irmã de coração.
- Mas vocês realmente têm consciência do que estão fazendo?
- Nós três estamos tranquilos quanto ao que queremos, não temos
dúvidas do que sentimos - Lucas foi categórico. De resto, somos amigos,
sócios, que moram na mesma casa. Os outros detalhes só interessam a
nossa família e você faz parte dela. Ter o seu apoio, é tudo que precisamos.
- Agora de início, vamos ter que fazer uma encenação pro Luan. Para
todos os efeitos, Lucas e Eduarda estão namorando e a suíte é onde os dois
dormem. O quarto de hospedes é o meu quarto – expliquei. Mais adiante, a
gente vai contar a verdade pra ele, mas cada coisa ao seu tempo.

Casamento
por Rafaela

Precisávamos todos de uns dias de folga e o casamento de Lauro era


nossa desculpa perfeita. Aproveitamos para viajar antes da inauguração do
Submarino Amarelo Café. Era a primeira vez que Lucas, Luan e eu
viajaríamos de avião.
Lauro nos esperava no desembarque do aeroporto de Brasília. Chegamos
quatro dias antes da data marcada para o casório. O irmão do Lucas nos
levou até o hotel e disse que no dia seguinte nos levaria a alguns pontos
turísticos da cidade.
Lucas apresentou Eduarda como sua namorada e a mim como a melhor
amiga deles. Pedimos um quarto com uma cama de casal e duas de solteiro.
Juntamos todas as camas e Luan adorou a ideia de dormirmos todos juntos.
Apesar de não terem crescido juntos, Lucas e Lauro tinham uma grande
sintonia e muitas coisas em comum. Eles não criticavam as escolhas dos
pais e não estavam chateados pelo fato de que eles não iriam ao casamento.
Brasília tinha seus encantos e a noiva do Lauro nos recebeu com muito
carinho. Contamos sobre todos os detalhes do Submarino Amarelo Café e o
quanto os negócios eram promissores.
Numa das noites que estávamos lá, Lauro e sua noiva convidaram Luan
para ficar com eles, assim poderíamos conhecer a vida noturna em Brasília.
Saímos para jantar e depois descobrimos uma boate gay, onde fomos
dançar e saciar nossa vontade de trocar nossos beijos e carícias.
Terminamos a noite no quarto do hotel.
O casamento foi muito bonito, mas definitivamente não era meu sonho,
muito menos o do Lucas ou o da Eduarda. No dia seguinte nos despedimos
e voltamos para nossas vidas.
De volta a nossa casa, Luan pediu para ver televisão. Queria que
fôssemos todos juntos na cama do quarto de casal, para repetir como
fizemos no hotel em Brasília. Em poucos dias já era normal ficarmos todos
juntos na cama assistindo a filmes e desenhos.

Divulgação e inauguração
por Lucas

Cartazes espalhados nas faculdades do Porto, panfletos nos


estabelecimentos da região e um perfil no Facebook que já contava com
mais de dois mil amigos e conhecidos dos três sócios.
Meu cálculo era que no mínimo cinquenta pessoas iriam nos prestigiar
no dia da abertura. Aproveitei para entrar em contato com alguns amigos
que poderiam ajudar na divulgação. O primeiro que falei foi com o Felipe
que, além de músico, também é jornalista e trabalha no maior jornal da
região.
- Alô, Felipe, aqui é o Lucas. Você já sabe que em uma semana vamos
inaugurar o Submarino Amarelo Café?
- Salve Lucas, tô sabendo sim! Já falei com o pessoal ontem na reunião de
pauta e vamos fazer a matéria. Está confirmado que o Sandro vai tocar na
abertura?
- Confirmado sim, ele vai começar a tocar às 21h.
- Perfeito, depois ligo para combinar o dia que um dos fotógrafos vai até
o café para tirar algumas fotos.
- Pode deixar, valeu a força. Abraços.

―#―

Chegou a data tão esperada. Quarta-feira, 13 de junho de 2012,


inauguração do Submarino Amarelo Café. O dia foi superagitado. Dezenove
horas e abrimos oficialmente as portas já com cerca de quinze amigos
dentro do espaço.
A coletânea dos Beatles tocava como som ambiente nas caixas
espalhadas nas duas salas do café. Todos elogiavam a decoração e a ideia
como um todo. Errei nos meus cálculos. Antes das 21h já tinham passado
para conhecer o Submarino mais de oitenta pessoas e tínhamos até a meia-
noite para curtir com os visitantes.
Sandro começou a tocar no horário previsto. Conseguimos umas mesas e
cadeiras de bar para colocar no pátio da frente da casa. A noite foi muito
animada e, ao todo, circularam quase cento e vinte pessoas.

―#―

Os próximos dias foram de sucesso total com nosso empreendimento. O


Café tinha seus horários de movimento e com frequência todas as mesas
ficavam ocupadas. Meu trabalho estava rendendo, agora antigos e novos
clientes começavam a marcar reuniões de negócios ali no Submarino.
Atendendo aos pedidos dos frequentadores, começamos a colocar
música ao vivo nas noites de sextas-feiras. Músicos faziam voz e violão e
separamos uma estante para vender CDs, livros e outras formas de arte dos
artistas locais.

Intimação
por Eduarda

Estávamos passeando pelas ruas do Porto, quando uma placa chamou a


atenção do Luan.
- Eu quero!
- O que você quer, Luan?
Ele estava apontando pra placa onde dizia “Doam-se gatinhos”.
- Vamos dar uma olhadinha, então.
- Deveríamos falar com o Lucas primeiro.
- Para com isso Rafaela, o pátio lá de casa precisa de mais vida e o Luan
merece um animal de estimação, vai ser bom pra ele.
Apertei a campainha e uma simpática senhora atendeu a porta, nos levou
até o quintal onde estavam três gatos adultos e dois filhotes.
- Qual o seu nome, meu jovenzinho?
- Meu nome é Luan.
- E você gosta de gatinhos.
- Sim, muito.
- Então não tenha pressa em escolher, sobraram apenas estas duas
fêmeas. Os outros filhotes já foram adotados. Não se preocupe mamãe, elas
já foram vacinadas e desverminadas.
A senhora dos gatinhos falou comigo achando que eu era a mãe do Luan.
Achei aquilo o máximo.
- Olha ali Luan, aquela ali deitada pegando sol é a Mimi. Ela é a mamãe
destas gatinhas.
- Tia. Posso fazer uma pergunta?
- Claro, meu jovem, pode perguntar.
- Por que uma gatinha é preta e branca e a outra é amarelinha?
- É que a Mimi tem dois namorados que moram aqui com ela. Eles estão
ali, o Tuco e o Alemão.
- Então ela é que nem o meu Pai, que mora com as duas namoradas...
Eu comecei a rir alto e a Rafaela ficou sem reação. A dona dos gatinhos
achou bonitinha a maneira natural como o Luan contou aquilo, pegou uma
caixa já preparada com alguns panos dentro e disse para ele escolher qual
iria levar.
- Eu vou levar a amarelinha, para combinar com o Café.
A senhora não deve ter entendido nada sobre o papo do Luan, falando
sobre o pai com duas namoradas e muito menos como uma gatinha
amarela poderia ter a ver com café.
Voltamos pra casa para apresentar pro Lucas a nova moradora.
Enquanto Rafaela e Luan acomodavam a gatinha no pátio, fui conversar
com ele.
- Que cara é essa, Lucas?
- Acabou de chegar uma intimação.
- Como assim, do que se trata? O Café está com todos os papéis em dia.
- Os avós do Luan, estão pedindo a guarda dele.
- Me deixa ver isso direito.
- Não acredito que isso está acontecendo, eles nem são tão apegados
assim a ele.
- Filho da puta!
- Que foi Eduarda?
- O meu pai, Lucas, ele é o advogado que está entrado com este pedido.
- Como assim?
- Ainda não sei como, mas pode ter certeza de que isso é coisa dele...
Explicamos o que estava acontecendo para a Rafaela, que ficou muito
preocupada. Eu já sabia onde deveria ir para conseguir mais detalhes sobre
tudo isso.

―#―
A última coisa que gostaria de fazer era entrar no grande escritório dos
Soares e Associados e ter que falar com meu pai. Mas ele estava indo longe
demais e eu não poderia deixar que o Lucas, o Luan e a Rafaela fossem
prejudicados por minha causa.
- Eu quero falar com o doutor Júlio Soares.
- Quem gostaria?
- Pode dizer que é a filha predileta dele.
A menina que atendia na recepção não me conhecia e viu que eu não
estava para brincadeiras. Ela foi pessoalmente à sala do doutor Soares.
- Por aqui, por gentileza.
Entrar naquela sala não foi fácil, e estar ali me trazia dolorosas
recordações.
- Qual o seu problema?
- Eu não tenho problema, quem tem problemas é você. As pessoas estão
comentando por aí que você foi morar com um homem e uma mulher.
- E o que o senhor tem a ver com isso? Sim meu pai, eu moro e durmo na
mesma cama, não com uma, mas com duas pessoas maravilhosas.
- Você está maluca, Eduarda? Assumir um relacionamento a três?
- A vida é minha!
- Não é só sua, tem um menor envolvido nessa vida promíscua que vocês
três escolheram. E aquele não é um ambiente familiar para uma criança.
- E o que o senhor entende de ambiente familiar? Um casamento falido e
a total falta de respeito pelas escolhas da sua própria filha.
- Não estamos tratando aqui sobre a nossa família Eduarda. Estamos
cuidando da guarda do menor que vive na mesma casa onde vocês
inconsequentemente decidiram viver juntos.
- O menor se chama Luan e é responsabilidade do pai dele! Além disso, o
que o senhor entende sobre criar uma criança?
- Então você veio até aqui para debater meus erros como pai?
- Não, doutor Julio, o que está sendo tratado aqui é o que o senhor nunca
aceitou. Que sua única filha queira e possa viver sem as suas regras.
- Sua mãe e eu amamos você.
- Mentira, vocês não têm noção alguma do que seja amar. A única pessoa
que realmente me amava, que me enxergava, não está mais aqui. E vocês
são culpados pela morte da minha avó. Ela sofria com a total frieza que
sempre existiu naquela casa.
- Você não sabe o que está falando!
- Eu sei melhor do que ninguém! Minha avó e eu tínhamos apenas uma à
outra, dentro do castelo de gelo que vocês construíram. Ela sofria calada,
vendo minha mãe se submetendo aos seus caprichos e suas traições.
- Cale a boca, Eduarda!
- Eu não calo e não tenho medo de você! Hoje eu sei o que é morar numa
casa onde o respeito e a felicidade habitam, e não será o senhor que vai
tirar isso de mim!
- Volte para o seu apartamento e evite todo este transtorno.
- Então o doutor está fazendo isso por não suportar os falsos amigos da
sociedade falando da vida da sua filha. Você me dá pena!
- Depois que eu tirar essa criança de dentro daquela casa insalubre, meu
próximo passo vai ser internar você numa clínica psicológica.
- Então é essa a questão aqui, me atingir. Você está usando os avós do
Luan como fantoches para me prejudicar, como forma de castigar a filha
desobediente?
- De alguma maneira você tem que aprender que não pode fazer o que
bem entender.
- Eu tenho nojo de você, seu porco hipócrita.

Perda provisória
por Lucas

- Lucas, nós estamos muito preocupados com a educação do Luan.


- Vocês acompanham a criação dele. Olha dona Irene, eu não vim aqui
para brigar.
- Mas não está certo esse relacionamento. Como fica a cabeça desta
criança?
- Me responda a senhora: já conversou com o Luan? Por que vocês não
me procuraram antes de assinar estes documentos iniciando o processo?
- Nós conhecemos você, Lucas. Sabíamos que não voltaria atrás. Somos
os avós e temos o direito de nos preocupar.
- Preocupação eu entendo, mas isso não dá o direito de tentarem tirar o
meu filho de mim.
- Isso quem vai decidir é a Justiça. Agora eu peço que vá embora. Você
sabe que o Jorge não queria que você viesse aqui.
- Tudo bem, vamos esperar a Justiça...

―#―

O Submarino Amarelo Café estava em pleno funcionamento. Tudo seguia


muito bem em nossas vidas. O andamento do processo era nossa única
preocupação.
No dia nove de julho a Justiça determinou que os avós ficariam com a
guarda provisória de Luan. Todos os envolvidos, o menor, os avós, o pai e
as duas mulheres, deveriam frequentar sessões com a psicóloga
responsável pelo caso.
- Diabos, meu pai mexeu seus pauzinhos. Colocaram a psicóloga mais
carrasca da cidade.
- E essa mulher pode complicar ainda mais o caso, Eduarda?
- Claro, Lucas, ela é famosa por dar pareceres em vários casos que
terminaram com os pais biológicos perdendo a guarda dos filhos.
- Bom, vamos continuar lutando.
- Não, Lucas. Acho que tá na hora de jogar a toalha. Vou alugar um
apartamento pequeno e continuamos nos vendo como era antigamente.
- De jeito nenhum! Nem pense nisso!
- É o melhor. Eu falo com meu pai e ele suspende esse processo todo.
- Não Eduarda! Tenho que pensar no melhor pro Luan e o melhor não é
ele voltar para esta casa com a sua saída.
- Mas Lucas...
- Assunto encerrado, doutora Eduarda. Você realmente quer fazer algo?
Então vá pesquisar, falar com seus amigos doutores. Arrume uma maneira
de reverter esta situação.

―#―

Sempre mantive a Kátia atualizada e ela já tinha deixado tudo planejado


caso acontecesse algo parecido com o que estávamos passando.
Assim que saiu a intimação da Justiça eu a avisei e ela, conforme já havia
combinado com seus superiores, pegou trinta dias de férias e veio ficar na
casa dos pais para ajudar Luan nesta fase complicada.
Minha conversa com Eduarda surtiu efeito e em duas semanas
conseguimos uma liminar. Agora eu tinha o direito de pegar o Luan nos
dias de semana, na casa dos avós, para levar e buscar na escola e para que
ele continuasse convivendo diariamente conosco. Tinha que deixá-lo de
volta antes das 20h. Também ganhamos o direito de que eu pegasse o Luan
todos os finais de semana. Ele apenas não poderia passar as noites na nossa
casa.
As consultas com a psicóloga aconteciam com frequência, mas não
conseguíamos ter a menor ideia do que se passava na mente daquela
mulher que não demonstrava sentimento algum em nossas conversas.

Simpatizantes
por Rafaela

O caso acabou ganhando espaço nos jornais impressos e na televisão.


Desconfiava de que uma colega da faculdade tenha sido a pessoa que fez
chegar a notícia aos veículos de comunicação, mas não podia provar e nem
adiantaria. Já não conseguíamos avaliar se as pessoas nas ruas estavam nos
olhando de forma diferente ou se era a pressão psicológica sobre nossas
cabeças.
A coisa toda tomou proporções inimagináveis. O assunto agora era
debatido por todos e em todos os lugares. Lucas foi chamado na escola do
Luan para falar sobre a situação. Alguns pais estavam incomodados e não
queriam que seus filhos estudassem com a criança que morava com três
pais.

―#―

Alguns poucos amigos pessoais estavam por dentro da nossa situação


afetiva e também acompanhavam a briga judicial. Como nossa cozinha dava
acesso ao pátio e à churrasqueira coberta, eventualmente fazíamos jantas e
ficávamos discutindo o assunto.
- Pessoal, estamos pensando em ajudar. Vamos organizar um movimento
a favor do caso de vocês.
- Nem pensar, não aceito isso.
- Por que não, Rafaela? Queremos ajudar vocês. O que vocês acham,
Eduarda e Lucas?
Lucas não soube dizer se seria positivo ou negativo um movimento
desses. Eduarda disse que poderia ser até positivo, mas os dois disseram
que me apoiavam quanto a minha decisão de não ser feito nada parecido.
- O caso já se espalhou demais e tudo que fizermos apenas vai servir para
manter isso em evidência. Quanto mais polêmica isso gerar, menor será
nossa chance de ganhar na Justiça.
- Bobagem, Rafaela. Temos que mostrar que vocês têm apoiadores.
- Não, pessoal. Agradeço o apoio, a presença de vocês aqui já nos dá
muita força. Mas vou pedir o silêncio quanto a esse assunto nas redes
sociais e nas rodas de amigos.
- Você tem certeza, Rafaela?
- Sim. Logo aparece outra notícia para virar o assunto da vez aqui na
cidade. Quanto mais rápido esse processo cair no esquecimento, melhor
para todos nós.

―#―

- Está tudo bem, Rafaela?


- Sim, está tudo bem. Vim tomar um ar.
- Parada aqui, olhando para as paredes do Café... O que está
acontecendo?
- Eu não sei o que fazer, Eduarda, estou com dois corações.
- Você está em dúvida quanto ao assunto que estávamos conversando lá
atrás, com o pessoal?
- Aquele assunto está encerrado pra mim, não tenho dúvida.
- Não vou discutir com a futura jornalista. Acho que está certa em deixar
o assunto do processo ser esquecido. O que está agoniando você, então?
- Fui selecionada para um estágio em Portugal.
- E isso não é bom?
- É e não é. Eu estudei muito no ano passado para ganhar essa vaga, era
minha chance de mudar minha vida. Só que agora que eu ganhei, a minha
vida já mudou. Droga... Não sei o que fazer.
- Eu entendo a sua angústia, mas é a sua carreira que está em jogo.
- Ano passado, quando me inscrevi, não tinha nada para deixar pra trás...
Mas agora estou aqui, morando com vocês, apegada a uma criança e com
meu próprio negócio.
- De quanto tempo é esse estágio?
- Oito meses. Por mais que eu negue, ainda quero muito ir. Caramba, não
sei o que faço...
- Quando tem que dar uma resposta?
- Até final de setembro, para organizar as papeladas durante outubro e
em novembro já iniciar o estágio em Portugal, que vai até final de junho do
ano que vem.
- Acho que conseguimos colocar alguém para tocar o café enquanto você
estiver em Portugal. E oito meses passam rapidinho... Ainda mais agora
com a internet, poderemos nos falar diariamente. E quem sabe até iremos
passar as férias de verão com você em Portugal.
- Você tem razão Eduarda, oito meses passam rapidinho, sim, obrigada.
- Vem comigo Rafaela, vamos ajudar o pessoal a recolher as coisas. Daqui
a pouco todos estarão indo embora e amanhã é outro dia.
O passado bate à porta
por Eduarda

- Eduarda, tem uma senhora lá na frente que gostaria de falar com você.
- Ela disse o nome dela?
- Sim, se chama Regina.
- Vou lá falar com ela.
Teria que ver com meus próprios olhos para ter certeza de que era quem
eu estava pensando que estava no Submarino Amarelo Café.
- Boa-tarde, doutora Regina Soares. A quem devo esta tão inesperada
visita? Minha mãe, vindo me visitar em pleno horário comercial, em uma
terça-feira?
A pedido de Rafaela, levei minha mãe para conversar na cozinha.
- Então, qual o recado que o papai mandou?
- Não tem recado algum de seu pai, minha filha. Estou aqui por conta
própria. Não vim aqui julgar você e espero que não me julgue. Também não
espero que me perdoe pelo passado.
- Então?
- Acredite ou não, eu vim ver você. Onde está morando e com quem esta
vivendo.
- Você já conheceu a Rafaela e daqui a pouco o Lucas chega com o Luan.
Quer que eu arrume a mesa para o café?
- Abaixe a guarda Eduarda. Sei que perdemos o diálogo de mãe e filha,
mas podemos conversar como duas mulheres adultas.
- Tudo bem. Vamos conversar então...
- Aceitei minha vida ao lado do seu pai, mesmo sabendo de suas traições
com várias mulheres. Sempre dividi seu pai com outras. Não tenho o direito
de dizer que você está errada ao optar por este relacionamento, seja ele
como for. Sei que minhas escolhas prejudicaram você e sua avó. Mesmo
assim, não aceito a sua opção, mas não estou aqui para recriminá-la.
- Abraçoooo!
Luan e Lucas estavam chegando da escola e meu menino veio correndo
para os meus braços.
- Então você é o garoto Luan?
- Lucas, Luan, esta é minha mãe, Regina.
Luan achou o máximo conhecer minha mãe e fez questão de trazer a
gatinha Amarela para mostrar a ela. Lucas falou apenas o necessário.
- Foi um prazer conhecer vocês, mas eu preciso ir.
Acompanhei minha mãe até a porta do carro. Não sabia o que estava
sentindo naquele momento, mas com certeza não diria para ela aparecer
mais vezes.
Já dentro do carro, ela mexeu na bolsa e me alcançou um cartão.
- Esse é o doutor Frederico Moraes, lá da capital. Ligue pra ele, vá até o
seu escritório se for necessário. Ele é o melhor advogado nesses casos
complicados de família e pode ajudar vocês.
- Obrigada.
- Boa sorte. E eu nunca entreguei a você este cartão.
No dia seguinte, liguei para o escritório do doutor Frederico e marquei
uma hora para explicar nosso processo a ele.

O passado bate à porta


por Rafaela

A manhã estava tranquila e eu pensando que este ano estava havendo


um turbilhão de acontecimentos, nada comparado aos últimos sete anos de
marasmo em minha vida, quando tocou o telefone.
- Submarino Amarelo Café, bom-dia.
- Poderia falar com Rafaela?
- É ela. Em que posso ajudá-lo?
- Rafaela, aqui quem fala é o tenente Moreira, da 3ª Infantaria da
Aeronáutica do Rio de Janeiro. Cheguei segunda-feira na cidade e gostaria
de conversar com você sobre o seu avô materno.
- Eu não conheço meu avô. Como você me achou?
- Fui até o bairro em que sua mãe morava, fiquei sabendo da fatalidade
que aconteceu. Uma vizinha me falou sobre você e me explicou como
chegar até a gráfica onde você trabalhava. Lá me deram o telefone do
Submarino Amarelo Café.
- Agora pela manhã não será possível. Às 14h eu posso lhe ouvir. Pode
ser?
- Combinado, estarei aí. Obrigado.

―#―

Lucas tinha deixado Luan na escola e já estava de volta para me ajudar


no Café. Chegou o horário combinado e eu completamente nervosa para
saber o que o tal tenente tinha a dizer. Quando ele chegou, sentamos em
uma das mesas livres e ele começou a falar.
- Primeiro, quero dizer que lamento muito a perda de sua mãe e de seu
irmão.
- Também lamento, mas isso já ficou pra trás. A verdade é que já não
tinha contato com eles.
- Bom, vim até aqui com uma história para resolver e agora me deparo
com outra. Eu sou seu tio, ao menos no papel. Fui adotado pelos seus avós
quando eu tinha 12 anos.
- Minha mãe nunca falou sobre você...
- Nem poderia, fui adotado dois anos depois que sua mãe saiu de casa.
Durante muito tempo o nome da sua mãe foi proibido na casa do coronel.
- Minha mãe poucas vezes falava sobre o passado e, quando falava, batia
sempre na mesma tecla... O pai autoritário e violento.
- O coronel não era uma pessoa fácil de conviver e parece que a sua mãe
também não. Infelizmente tenho que lhe dizer que seus avós não estão mais
vivos.
Caramba. Parece que todos com quem eu tinha laços de sangue
morriam...
- E qual o motivo de você estar aqui?
- Há cerca de três anos, sua avó, minha mãe adotiva, com o avanço da sua
doença, me contou sobre a filha que saiu de casa grávida e brigada com o
coronel. Ela me fez prometer que quando o coronel também deixasse esse
mundo, eu deveria procurar a sua mãe e entregar a parte dela da herança.
- Então o meu avô morreu faz pouco tempo?
- Sim, menos de dois meses. Olha Rafaela, não foi fácil chegar aqui.
Primeiro eu encontrei a família do seu pai, quero dizer, o pai do seu irmão,
até então não sabia que você existia. Então me contaram que ele está
morando no Maranhão e que sua mãe estava aqui nesta cidade no extremo
sul.
- Então você achou a família do meu pai?
- Sim, posso te passar as informações que consegui, caso você queira
fazer contato com eles. Mas sinceramente eu não lhe aconselho a fazer isso.
- Muito obrigada, eu prefiro não ter contato com eles e, pra todos os
efeitos, também morri naquele incêndio.
- Entendo e fico muito feliz de saber que você é uma pessoa que batalhou
e continua crescendo na vida. Vou precisar de alguns documentos e da sua
conta para efetuar o depósito da parte que seria para sua mãe.
- Não vou me fazer de orgulhosa. Estou indo bem com a minha vida, mas
vou aceitar sim essa herança.
- Que bom! Não é nenhuma fortuna, mas acredito que dê para comprar
uns dois ou três imóveis e receber uma boa renda mensal.
- Isso é muito mais do que eu preciso para viver - declarei, e acabei
pensando alto - e já sei o primeiro imóvel que vou comprar.
- A conferência de documentos e todo o processo burocrático podem
levar pelo menos uns trinta dias.
- Não tem problema. Se você puder voltar aqui depois das 16h, minha
advogada pode ver melhor a papelada que você precisa.
Puta que o pariu! Eu tinha uma herança para receber!

União poliafetiva
por Lucas
As consultas com a psicóloga estavam ficando desgastantes. Luan não
queria mais dormir na casa dos avós. Logo chegou o Dia dos Pais e
passamos o domingo juntos em casa, revendo fotos e vídeos dos primeiros
anos de vida do Luan. O desgaste com todo o processo estava começando
realmente a nos atingir. Rafaela e Eduarda estavam tristes com o
abatimento do nosso pequeno.
Rafaela queria usar parte de sua herança para contratar o doutor
Frederico, o tal advogado especialista em casos de família. Eduarda disse
que não faria diferença contratando ele e que bastariam mais algumas
consultas e a defesa estaria pronta.

―#―

Meu aniversário foi comemorado com um almoço e à noite preferi não


fazer nada. No dia seguinte estava navegando na internet, quando uma
notícia me chamou a atenção:

“União poliafetiva em SC”


O Tabelionato de Palhoça recebeu, na quarta-feira (22/8), o pedido de um
homem e duas mulheres para registro de união poliafetiva, o que pode vir a
ser o primeiro caso em Santa Catarina, depois que um cartório da cidade de
Tupã, no interior de São Paulo, lavrou uma Escritura Pública Declaratória de
União Poliafetiva há poucos dias. O pedido está sendo avaliado pelo tabelião
Otávio Margarida, que também é Presidente da Associação dos Notários e
Registradores de Santa Catarina (Anoreg/SC).
Aliás, a união poliafetiva foi debatida no último congresso do Colégio
Notarial do Brasil, no início do mês, em Canela (RS), e mostrou ser assunto
bastante controverso nos meios notariais. Otávio adianta que ainda é muito
cedo para comparar a união poliafetiva com a união estável hetero ou
homoafetiva, estas reconhecidas como entidades familiares. “Porém, os
cidadãos têm condições de estabelecer direitos e deveres em suas relações
pessoais, e a escritura pública declaratória é o instrumento hábil para a
manifestação da vontade das partes, garantindo seus efeitos jurídicos”,
explica. A tendência é que Palhoça siga o exemplo de Tupã.
Fonte:_http://wp.clicrbs.com.br/cacaumenezes/2012/08/26/uniao-
poliafetiva-em-sc/

Eu achei muito interessante. Salvei a notícia em uma pasta e comecei a


pesquisar mais sobre o assunto, para poder mostrar tudo para a Eduarda.
Segundo a notícia, um cartório lavrou uma Escritura Pública Declaratória
de União Poliafetiva na cidade de Tupã em São Paulo. Então, pesquisei a
notícia:

“União estável de três abre polêmica sobre conceito legal de família”

A união estável "poliafetiva" lavrada no interior de São Paulo pela tabeliã


Claudia do Nascimento Domingues entre um homem e duas mulheres trouxe
à tona um debate que divide juristas e a sociedade. Num momento pós-união
estável homossexual, já aceita pela Justiça, até onde vai o conceito de família
no Brasil?
Na visão da advogada e oficial do cartório de notas da cidade de Tupã, não
há lei na Constituição brasileira que impeça mais de duas pessoas de viverem
como uma família e a ausência da proibição abre caminho para um
precedente.
Fonte:_http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/08/120828_uniao_polia

Eu não deixava transparecer para as meninas, mas estava muito nervoso


com a situação, mesmo não acreditando que poderiam tirar a guarda de um
pai, apenas pelo fato de estar morando na mesma casa com duas mulheres.
Depois de encontrar outras notícias que também salvei, resolvi sair para
caminhar um pouco. Embora nenhum caso discutisse guarda de menor,
aquelas informações me deixaram mais positivo quanto ao nosso caso.
Logo iniciou o mês de setembro e recebemos a notícia de que dia
dezessete seria a data marcada para a sentença do processo. Dois dias
depois da sentença, conseguimos uma cópia do parecer da psicóloga, que
estava anexado ao processo.
A psicóloga
Parecer anexado ao processo

Sou formada há trinta e quatro anos e, destes, vinte e dois eu presto


atendimento em casos de pedidos de guarda de menores. Nestes vinte e dois
anos já vi muitas histórias. Em muitos destes casos, tive que desaconselhar
que os pais biológicos ficassem com a guarda de seus filhos. Seja por
problemas com drogas ou outros vícios, por distúrbios psicológicos ou por
outras anomalias sociais.
Tive a oportunidade de conversar com todas as pessoas envolvidas com o
caso do Luan. Foram longas conversas com os avós maternos, que estão
pedindo a guarda do menino. Conversei com a tia, irmã da já falecida mãe do
Luan, esta que morou com o menino e com seu pai durante seis anos. E
conversei com o pai do menino e com as duas mulheres que moram na mesma
casa, onde funciona o comércio que eles são sócios.
Excelência, o que está sendo avaliado aqui neste caso não são os termos
legais em que estes três indivíduos são denominados perante a sociedade
como “um namorado e duas namoradas”. Tampouco o fato de que os três
admitem em parte o que consta nos autos do processo, onde eles definem sua
situação como “três amigos, que são sócios, moram na mesma casa, dividem a
mesma cama e amam a mesma criança”.
Excelência, não fui designada pela Justiça para avaliar o grau de
intimidade destes três, tampouco suas escolhas sexuais. Fui designada para
avaliar o estado psicológico da criança que mora com este pai e com estas
duas mulheres, dividindo a mesma casa com este menor.
Devo fazer constar aqui duas coisas que peço a devida atenção:
Primeiro: que em meus trinta e quatro anos de carreira nunca vi um caso
parecido com este. Que não entendo como, mas é fato que estes três
indivíduos conseguem assim viver em harmonia e comunhão entre si.
Segundo e mais importante: nestes trinta e quatro anos de profissão,
nunca conheci uma criança tão bem formada socialmente, tão ciente da
realidade dos acontecimentos em sua volta e com suas próprias opiniões
sobre os fatos.
Devo salientar que este menino sempre foi criado por este pai, que o
mesmo cuidou deste filho, fez o melhor, colocando-o em primeiro lugar e
procurou passar o que é correto para esta criança. Devemos crer que este pai
saiba o que está fazendo, uma vez que é notável o amor que esta criança
sente por estas duas mulheres e é recíproco e incondicional o amor que estas
mulheres sentem por esta criança. E não seria exagero dizer que é a mais
pura forma de amor esta que pude constatar em que vivem estes três adultos
que, somados à criança, aqui objeto deste caso, formam sim um núcleo
familiar.
Concluo então, que será um ato lamentável se este pai for privado da
guarda deste filho e, mais do que isso, seria um crime tirar esta criança do
convívio diário deste pai e do núcleo familiar que o mesmo escolheu.
Lembro que é a saúde e o bem-estar de um menor que estão em jogo e que
o resultado escolhido pela Justiça pode afetar a estrutura desta criança. Que
seja levado em conta que esta estrutura, até antes deste processo, não fora
afetada, enquanto esteve a guarda tão-somente com o pai e suas escolhas.

Sentença
por Rafaela

Como fui eu que comecei a contar nossa história neste livro, Eduarda e
Lucas acharam que eu deveria também escrever o último capítulo. Pois
bem...
Um ano se passou desde o início de tudo. Eu já não era mais aquela
pessoa repleta de ódio no coração. Percebi que o que me faltava mesmo era
uma família, um relacionamento, alguém que me completasse... No meu
caso, minhas duas almas gêmeas.
Eduarda também se tornara uma pessoa diferente. Continuava mandona,
a danada, mas já era capaz de ouvir os outros e também se sentia uma
pessoa melhor e realizada afetivamente.
Quanto ao Lucas, continuava a simpatia em pessoa, com seu constante
sorriso no rosto e sua alegria de viver. Ainda era a mesma pessoa por quem
eu me apaixonara à primeira vista, sem nem me dar conta. Olhando de fora,
acho que a minha rejeição imediata a ele foi pânico a tudo o que ele me
fazia sentir, diferente de tudo para o qual eu estava preparada e imaginava
para mim.
Quanto à sentença? Não vou fazer suspense. Luan ficou sob a guarda do
pai e voltou para nossa família. O processo continuaria em andamento, mas
ficamos otimistas e felizes.
Em clima de vitória e alegria entre todos nós, pedi a atenção para
informar duas decisões muito importantes.
- Em primeiro lugar, decidi que não irei para Portugal.
- Você tem certeza, Rafaela?
- Nunca tive tanta certeza, Lucas. Eu não conseguiria passar oito meses
longe de vocês.
- No fundo ficamos felizes com essa notícia. E qual a sua segunda
decisão?
- Essa é a mais importante e ainda não sei como vamos fazer...
- Fazer o quê, Rafaela?
Lucas e Eduarda perguntaram juntos e respondi, com toda a certeza do
mundo.
- Fazer outra criança. Vamos ter mais um filho nosso, dar um irmão
ou irmãzinha pro Luan... Quero ficar grávida!

FIM
Novos tempos

Considerações do autor

Esta história ocorreu no início da segunda década do século 21. Uma


época onde ainda lutava-se fortemente contra o preconceito racial e a
homofobia, contra o machismo e a violência contra a mulher.
Casais do mesmo sexo lutavam em batalhas judiciais pelos seus direitos
civis e o chamado “casamento gay” aos poucos deixava de ser novidade. A
atenção da imprensa agora estava voltada para a adoção de menores por
estes casais do mesmo sexo.
A sociedade ainda tinha como conceito de família o modelo de uma mãe
e um pai. Aos poucos começava a enxergar a realidade. Melhor duas mães
ou dois pais do que nenhum. Um casal do mesmo sexo com possibilidades
sólidas para manter uma criança e suas necessidades era melhor do que
um pai ou uma mãe com problemas psicossociais.
Foi no início desta década, diante de uma limitação social quanto à
definição da palavra amor, que três pessoas lutaram contra o preconceito,
mostrando que família saudável independeria do número de pessoas, mas
sim da capacidade que essas pessoas teriam para conviver em harmonia e
respeito.
Lucas, Rafaela e Eduarda mostraram que um novo modelo de família era
possível.

Deco Rodrigues
É um observador é um observador. Do cotidiano, das relações, das
cidades, do mundo que gira e se transforma. Natural de Arroio Grande,
passou a infância e a adolescência em Pelotas, viveu por uma década na
capital até escolher voltar para Pelotas e desenvolver seus projetos
pessoais. Apaixonado por gestão de conteúdo web, foi idealizador do E-cult
Mídia Ativa, projeto que valoriza a cultura regional.”Deco” estreia na
literatura com um romance de ficção inspirado em fatos reais, ambientado
em Pelotas.

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