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As questões sobre o silogismo aristotélico, a Forma em Platão e o conceito de

liberdade, na segunda parte do curso, merecem algumas considerações. Ao pensar sobre a


metafísica de Aristóteles e as pontuações que partiram do silogismo para explicar a parte,
antes de se chegar ao todo, creio que é possível refletir sobre uma problemática
contemporânea. Pensei nessas questões, pois trabalho com redações para vestibulares, e a
ordenação lógica do silogismo1, mencionada na aula, é muito apreciada pelos professores de
redação como uma grande resposta a estudantes ansiosos por passar em provas. No entanto,
isso se mostra como uma falsa panaceia, diante de um contexto em que a aprovação tem sido
o eixo central da educação em escolas e cursos; um cenário utilitarista, portanto, diferente da
Antiguidade. Desde cedo, assim, instiga-se os alunos a treinar em vez de pensar e extrai-se
deles a oportunidade de exercitar a elaboração de explicações, como no cenário de
Aristóteles. Consequentemente, é comum que as interlocuções que eles elaboram ao tentar
praticar o silogismo não sejam válidas ou, às vezes, até absurdas. Observo como, nessa
prática, a forma é uma estrutura vazia de saberes, e isso gera nos jovens bastante frustração e
raiva no momento da escrita. É uma situação preocupante, porque buscar e articular os
saberes do mundo e organizar a experiência - no sentido de silogismo epistêmico - é uma
habilidade que enriquece a mente e nos prepara para o momento da troca com o outro.
Nesse sentido, falarei, agora, da filosofia idealista e transcendente de Platão que,
embora não aparente ser a perspectiva atual de apreensão das ciências das quais eu tive
contato - as sociais e as linguísticas - complementam a primeira questão aqui colocada. A
visão da emergência da Forma a partir do atrito do diálogo, um aspecto que o texto escrito
apresenta dificuldades para captar e transmitir, pode ser relacionada, ao meu ver, ao
empobrecimento do diálogo atual, processo derivado de uma sociedade que automatiza a
reflexão, tornando-a viciada, como mencionei anteriormente. Além disso, vivemos em uma
cultura na qual prevalece a figura de indivíduos atomizados à noção de uma organização
societária na qual os sujeitos se reconhecem. Nesse contexto, potencializado por redes sociais
que permitem uma comunicação econômica, unilateral e beligerante, as possibilidades de
diálogo - tanto no sentido de conversa, quanto no de conflito - e, consequentemente, de
qualquer atrito enriquecedor, escasseiam. Logo, as chances de se produzir conhecimento
diminuem bruscamente, o que nos empobrece em humanidade. Por isso, penso que somente
com o exercício da contemplação firme, hoje tão dilacerada por uma lógica capitalista que
superestimula e fragmenta o olhar, resgataremos a capacidade de reconhecer as alteridades e
fazer emergir as Formas da vida que nos conectam, inclusive, no conflito.
Por fim, a questão da liberdade levantada na aula 9 suscitou, em mim, reflexões sobre
a ética, hoje. Embora eu reconheça que o conceito de liberdade apresentado assemelha-se ao
que é abordado na religiosidade cristã - tenho vários vizinhos evangélicos e os ouço dizer que
“Deus está no comando/você escolhe o seu caminho” -, percebo essa noção como um forte
componente sociocultural. Isso fica muito claro quando, por exemplo, notícias que envolvem
injustiças despertam comentários como “o ser humano é podre”, insinuando que, na maior
parte das vezes, optamos, em nossa liberdade, por praticar o mal. Concordo em parte com
essa visão, porém, me parece que é importante olhar, também, para as condições que cercam
a liberdade de exercer um ato tido como “ruim”, sobretudo na sociedade capitalista. Uma
pessoa com fome, que rouba para se saciar, e um político que organiza um esquema de desvio
de dinheiro com laranjas não são os mesmos casos de exercício do livre-arbítrio; na realidade,
enquanto o primeiro não o tem, o segundo o tem demasiadamente.
1
É importante ressaltar que o silogismo ensinado em aulas de redação é simplificado a uma forma esperando para
ser preenchida. Assim,treina-se os alunos, partindo-se do pressuposto de que o conhecimento é meramente uma
questão de ordenação de informações que eles já devem trazer previamente e bastaria, simplesmente,
transcrevê-los para um papel. É uma simplificação que, de fato, afasta-se do silogismo epistêmico

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