Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
This article aims at putting Alfredo Bosi’s work in dialogue with well-known
theoretical trends in the English-speaking academia. I trace the steps I’ve taken
to make some of Bosi’s reflections available to an English-speaking audience,
and raise a few questions: In the discussion on the “coloniality of power,” which
brings together “Postcolonial” and “Subaltern Studies”, can Bosi’s criticism
play a role? What contribution can his “counter-ideological” critique make to
an academic environment radically different from the one where it originated?
Can a subaltern academic field speak? Finally, I focus on some of the founda-
tions of Bosi’s view and conclude with a discussion of the place of the margins
in his thought, thus identifying what makes it at once distant from and close to
a deconstructionist claim on the transitory nature of the subaltern subject.
noises), e nós bem sabemos do valor dos ruídos como o avesso da linguagem.
Há uma poética que é também uma política nessa aproximação pelo avesso,
como se o conhecimento do sistema (capitalista, colonial, neocolonial, pós-
colonial) se desse ali onde ele se esgota, no ponto onde ele não se fecha, onde
se encontra a sua fissura, ou seja, na margem. A margem é o espaço em que
o sistema é confrontado pela alteridade, que não é absoluta, porque não se
trata de um Outro vingador, portador da subversão final. Ao contrário, a
margem é o espaço em que a diferença se intromete no lógos colonial (impe-
rialista/ etnocêntrico) e faz com que a máquina produtora de discursos (que
é a ideologia, tout court) deixe de funcionar, ainda que por um instante.
Volto à imagem do ruído que soa às margens porque, do ponto de vista
da transformação social, o sistema só pode se tornar outro quando não há
mais como pretender que esse ruído soante e marginal não possua uma arti-
culação própria. Uma vez articulado, o ruído às margens forma um discurso
paralelo. A articulação de um lógos (que paradoxalmente pode ser iletrado)
às margens do sistema pode encontrar, mesmo na literatura mais tradicio-
nal, uma janela por onde o Outro pode falar. O resultado é rascante ou não,
e pode ser alegórico, satírico, utópico. Não importa. O ouvido do crítico, da
perspectiva de Alfredo Bosi, deve abrir-se a tais espaços e fissuras, porque
através deles sopra a voz do Outro. Mas, como bom materialista (porque a
sua aposta espiritualista não descarta as condições sociais, insista-se), Bosi
reclama atenção ao lugar concreto de onde emana essa voz. Vejamos como
se articula o problema, nos parágrafos iniciais de seu livro mais recente, os
quais aliás se desenrolam sob a epígrafe de Elias Canetti, em A província do
homem (“O mais difícil é redescobrir sempre o que já se sabe” [citado em
Bosi, Ideologia e contraideologia, p. 11]):
Começo por uma hipótese semântica. Suponho que haja uma esfera de sig-
nificado comum aos vários conceitos que já se propuseram para definir o
termo ideologia. Trata-se da ideia de condição. A ideologia é sempre modo
de pensamento condicionado, logo relativo. Essa hipótese é flexível, mas
pode enrijecer-se sempre que transponha a estreita faixa que a separa de um
pensamento determinista.
Que as construções de ideias e de valores dependam, em maior ou menor
grau, de situações sociais e culturais objetivas: eis o núcleo vivo das diferen-
tes perspectivas que compõem a história acidentada do conceito de ideolo-
gia. Essa hipótese é testada pela sua versão negativa, isto é: se a mente hu-
mana fosse, em qualquer situação, isenta e absolutamente capaz de abstrair
dos dados sensíveis a ideias que lhes corresponderiam adequadamente; ou,
em outras palavras, se a inteligência nunca estivesse sujeita a contingências
físicas e sociais, não haveria lugar para a falsa percepção das coisas, a que
chamamos erro, nem para a manipulação do conhecimento com que tantas
vezes se caracteriza a ideologia.
Monteiro 71
Notas
gum modo já não entra nesse projeto de recusa, é sempre possível sondar e remexer
as camadas da psique individual. A poesia trabalhará, então, a linguagem da infância
recalcada, a metáfora do desejo, o texto do Inconsciente, a grafia do sonho. (“Poesia
Resistência” 150)
Mais recentemente, o âmbito da “resistência” o faria evocar as complexidades da
fatura do narrador machadiano, em quem vozes contraditórias se mesclam, dei-
xando que uma visão de mundo senhorial ou aristocrática seja rasgada por pun-
gentes mergulhos que dão acesso ao sofrimento do Outro, subitamente guindado à
condição de sujeito. Veja-se, por exemplo, sua interpretação de Eugênia, a “flor da
moita” em Memórias póstumas de Brás Cubas (“Brás Cubas em três versões”).
7. Aqui e doravante valho-me de uma longa entrevista com o crítico, gravada em
quatro etapas, entre agosto e setembro de 2005, em São Paulo – material que servirá
ainda para uma reflexão mais ampla sobre a trajetória e a obra de Alfredo Bosi.
8. O que não significa, é claro, que haja uma absoluta oposição entre os polos
do culto e do popular, nem mesmo uma linha divisória clara que permita qualquer
maniqueísmo quando se trata da avaliação do potencial liberador ou aprisionador
da cultura. Aqui, a questão da memória mobilizada pela coletivdade traz ao pri-
meiro plano a necessidade de atenção ao fenômeno religioso:
There is, of course, no colonizing agent without a past or without memory. Conquerors
did not spring forth from an atemporal zero-degree point. They brought with them in
their caravels beliefs that conditioned their attitudes toward the native populations
they came to dominate, when they did not destroy them altogether. Together with the
sword and the blunderbuss came the cross and the Bible. The Iberian, English and
French colonies were populated by men who practiced either a popular and still me-
dieval Catholicism or its counter-reformist version, or a puritanical Protestantism in
revolt against Anglican hegemony. Monotheism brought them together as Christians
opposed to “indigenous paganism,” though they were divided into active or passive
contemporaries of the Inquisition, the Reformation, or the Counter-Reformation,
and by the religious wars fought during the sixteenth and seventeenth centuries. How
can one understand José de Anchieta’s Latin and Tupi plays or the sermons of Father
Antônio Vieira (both missionaries and Jesuit writers whom I studied in individual
chapters of Dialética da colonização) without examining in depth the peculiar qual-
ity of the Medieval and later Baroque Catholic cult? How can one arbitrarily separate
the missionary spirit from the project of colonization? How is it possible to separate
colony-as-cultivation from colony-as-cult? How can their spaces of convergence and
divergence be detected? A parallel question may be directed to scholars of Anglo-Saxon
colonization in the United States: how can this process be understood without explor-
ing the religious and moral lives of the Puritans established there in the seventeenth
and eighteenth centuries? In the Old as in the New World, and particularly during this
period—prior to the Industrial Revolution and full-blown bourgeois hegemony—the
relations between the economic structure and religious ideas and practices were so in-
terconnected that they can only be entirely separated in the context of specialized (and,
in truth, one-sided) academic studies. (Colony, Cult and Culture 20)
9. “Pode parecer esquisito que eu me azafame por todo canto a dar conselhos
em particular e não me abalance a subir diante da multidão para dar conselhos
públicos à cidade. A razão disso em muitos lugares e ocasiões ouvistes em minhas
conversas: uma inspiração que me vem de um deus ou de um gênio, da qual Meleto
74 Luso-Brazilian Review 50:2
fez caçoada na denúncia. Isso começou na minha infância; é uma voz que se produz
e, quando se produz, sempre me desvia do que vou fazer, nunca me incita. Ela é que
me barra a atividade política. E barra-me, penso, com toda razão; ficai certos, Ate-
nienses: se há muito eu me tivesse votado à política, há muito estaria morto e não
teria sido nada útil a vós nem a mim mesmo. Por favor, não vos doam as verdades
que digo; ninguém se pode salvar quando se opõe bravamente a vós ou a outra mul-
tidão qualquer para evitar que aconteçam na cidade tantas injustiças e ilegalidades;
quem se bate deveras pela justiça deve necessariamente, para estar a salvo embora
por pouco tempo, atuar em particular e não em público” (Platão 23).
10. Sobre a utilização do termo “strategic essentialism” em Spivak, cf. Kinnvall.
Obras citadas
Bhabha, Homi. “DissemiNation: Time, Narrative and the Margins of the Modern
Nation.” Nation and Narration. New York: Routledge, 1990. 291–322.
Bosi, Alfredo. “Brás Cubas em três versões.” Brás Cubas em três versões: estudos
machadianos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 7–52.
———. Colony, Cult and Culture. Ed. Pedro Meira Monteiro. Trans. Robert P. New-
comb. Dartmouth: U of Massachusetts Dartmouth P, 2008.
———. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
———. Ideologia e contraideologia: Temas e variações. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
———. “Poesia Resistência.” O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Editora Cultrix,
1977. 139–92.
———. “Rumo ao concreto: Brás Cubas em três versões”. Luso-Brazilian Review 46.1
(2009): 7–15.
Driscoll, Mark. “Looting the Theory Commons: Hardt and Negri’s Common-
wealth”. Postmodern Culture 21.1 (2010). Web. 24 Nov. 2011.
Kinnvall, Catarina. “Gayatri Chakravorty Spivak”. Critical Theorists and Inter-
national Relations. Ed. Jenny Edkins and Nick Vaughan-Williams. New York:
Routledge, 2009. 317–329.
Montaigne, Michel de. “Des Cannibales”. Oeuvres complètes. Ed. Robert Barral.
Paris: Éditions du Seuil, 1967. 98–103.
Monteiro, Pedro Meira. “A Conversation with Alfredo Bosi”. ellipsis: the Journal of
the American Portuguese Studies Association 4 (2006): 151–163.
Moraña, Mabel, Enrique Dusse, and Carlos A. Jáuregui, eds. Coloniality at Large:
Latin America and the Postcolonial Debate. Durham: Duke UP, 2008.
Platão. “Defesa de Sócrates”. Trans. Jaime Bruna. Sócrates. São Paulo: Abril Cul-
tural, 1972. 9–33.
Rama, Ángel. La ciudad letrada. Hanover, New Hapmshire: Ediciones del Norte,
1984.
Monteiro 75