Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apresentação
Analisamos até aqui fundamentalmente a linguagem sob o paradigma da representação do mundo externo e das coisas
que fazem parte dele, embora alguns pontos de vistas diferentes tenham sido apresentados apenas como prototeorias.
Nesta aula, em que categorizaremos a ciência nova, de Giambattista Vico, deduziremos que, finalmente, nos estudos
linguísticos da Idade Moderna, aparecerá uma teoria em que a linguagem se insurge como decorrente de uma práxis, e
não mais como lista de classificações.
Com Vico, identificaremos que a linguagem nasce de forma metafórica: falar figuradamente é o ato primeiro de
comunicação, pois definimos coisas porque antes as sentimos; logo, esse processo de compreensão passa pelo profundo
desconhecimento da essência das coisas do mundo – em muitos casos, por uma tentativa de conhecimento de si
mesmo. Ao conceber a metaforicidade das primeiras linguagens, este filósofo italiano, que viveu entre os séculos XVII e
XVIII, atribuiu à metáfora um papel fundador na linguagem humana. A partir dessa figura de linguagem, em um momento
bem posterior, os chamados sentidos literais começariam a se sedimentar. Em suma, esta aula estrutura uma virada na
chave da compreensão sobre a linguagem.
Objetivos
Identificar no discurso de Vico uma virada na chave da compreensão sobre a linguagem, em especial quanto às suas
origens;
Relacionar a concepção metafórica no universo místico com a nova teoria linguística de Vico.
Esse processo era comparado ao labor de um ferreiro na feitura de uma lança de qualidade: da mesma forma que ele
sabia a propriedade dos metais e como transformá-los em utensílios, somente o legislador de nomes poderia dar
nomes às coisas, pois conhecia a essência de cada elemento da natureza, não podendo qualquer pessoa
convencionar nomes às coisas do mundo.
Giambattista Vico defendia exatamente o contrário da teoria da representação: para o filósofo italiano, a linguagem nem
sempre foi fruto do raciocínio e da razão pura a ponto de friamente representar os elementos existentes no mundo, nomeando-
os e classificando-os. Vico vaticinava que, somente em uma era chamada de idade dos homens, isso se tornaria natural, mas,
antes disso, já havia humanidade e, portanto, comunicação. Todavia, nas eras anteriores, especialmente no período em que ele
chamará de idade dos deuses, a linguagem era extremamente pragmática: ela simplesmente acontecia.
A primeira fase histórica tem na emoção, no sentimento e nas experiências físicas o cerne de seu conhecimento sobre as
coisas e, portanto, a linguagem. É dominado pelos instintos e pelas paixões; por intermédio deles, cria deuses e mitos.
Idade em que aparece a fantasia como fator dominante das paixões humanas.
Agora, defende Vico, o homem se deixa levar pelas fantasias, o que, de certa forma, diminui o caos vivido por ele na era
anterior – extremamente instintiva –, ordenando a sobrevivência e as coisas do mundo. No entanto, este homem considera
sua natureza (formada por um misto de deus e homem) heroica. A partir daí, os sentimentos de comunidade começam a
prosperar, dando origem às organizações sociais em famílias, tribos etc.
Idade dos homens
A última era elencada por Giambattista Vico tem muito a ver com o que temos visto em nossos estudos sobre a linguagem,
pois é nesta fase que a razão, a racionalidade e a ciência pura do intelecto começam a construir as civilizações. Se a
linguagem, os nomes e os atos de comunicação são vistos como uma representação de ideias, coisas e experiências, essa
noção não poderia ter lhe surgido primeiramente. Ao contrário: ela foi iniciada, defende o filósofo, na era da razão, ou seja, na
idade dos homens. Antes, em seus primórdios, a racionalidade não existia. Dessa forma, a manifestação poética (metafórica
e simbólica) goza de primogenitura.
Vico critica o homem moderno de sua época. Considera-o racional ao extremo, embora pouco científico, sendo
incapaz de olhar para a própria história.
O filósofo o acusa de abandonar as verdadeiras origens em prol de um sonho logocêntrico (em que a inteligência e a
razão estão sempre na vanguarda do pensamento), não conseguindo abarcar a ciência de modo satisfatório – daí seu
livro chamar-se A ciência nova, servindo de contrapartida aos modelos científicos vigentes, especialmente ao de
Descartes.
O filósofo italiano colocará em jogo esse modelo de pensamento ao falar em uma idade:
Não abstrata;
Ilógica;
Não raciocinada.
Conjecturando um intercâmbio entre as perspectivas do povo hebreu e a de Vico, poderíamos supor a existência de uma idade
dos deuses, em que a sabedoria poética poderia ser trocada pela expressão sabedoria divina, na qual imperava a jurisprudência
dos profetas para interpretar as divindades. Ela estava personificada na figura de Moisés, para quem Deus fez materializar-se a
Sua essência e em cujos desígnios deveria toda a Israel se pautar.
... a linguagem não tem uma essência, como bem afirmavam os filósofos da Antiguidade Clássica; ao contrário,
ela atravessa as eras. Mas somente na era dos homens houve um sistema de representação articulada das
ideias.
Dessa forma, Vico se opõe à perspectiva de que a linguagem se cria na idade dos homens. Para ele, a própria natureza é
histórica e a linguagem faz parte de nossa natureza. O homem se desenvolve linguisticamente não por conhecer o mundo, e
sim por sua ignorância em relação às coisas:
"Que “o homem ignorante faz de si regra do universo”, assim nos exemplos aduzidos
(“cabeça” para porta ou princípio; “boca”, todo tipo de abertura; “lábio”, beira do vaso ou de
outra coisa etc.), ele de si fez um mundo. Porque, assim como a metafísica raciocinada
ensina que “homo intelligendo fit omnia”, assim esta metafísica fantástica demonstra que
“homo non intelligendo fit omnia”; e, talvez, esta seja mais verdadeira do que aquela, pois o
homem, ao entender, abre a sua mente e compreende tais coisas, mas ao não entender ele
de si faz essas coisas e nelas se transforma."
- VICO, 1999, p. 170.
Ainda de acordo com o filósofo, os homens inicialmente sentiam sem se aperceberem disso; depois, percebiam as coisas com
espírito perturbado e comovido, refletindo, finalmente, com mente pura. (VICO, 1999, p. 17)
Para compreender como Vico descreveu a linguagem poética entre os primeiros homens, acesse o texto abaixo, de leitura
essencial que contém:
Como Vico descreveu essa linguagem poética entre os primeiros homens? Obviamente, ele não a chamava de
“poética” por possuir retórica subjetiva, palavras belas, rima e métrica distintas, e sim por valer-se fundamentalmente
de metáforas para exprimir sentimentos e impressões.
Um homem proveniente da idade dos deuses morava em uma montanha altíssima. Ele descia até a superfície do
monte e encontrava frutos deliciosos. Quando subia novamente, não diria aos seus, segundo o pensamento de Vico,
ter encontrado frutos maravilhosos na superfície ou “ao final da descida”. Para localizar com exatidão e dar um nome
que se fizesse compreensível, esse homem, por conhecer a si mesmo, seu corpo e suas funções, iria dizer que
encontrou frutos no pé da montanha. Lembre-se de que o pé sustenta o corpo, é a base da estrutura física de um
objeto; logo, ao desconhecer as coisas do mundo, mas não a si mesmo, ele era capaz de nomeá-lo por intermédio
desse autoconhecimento.
O processo de nomeação, para Giambattista Vico, era completamente metafórico no início das eras, pois ele nascia,
em sua integralidade, de um sentido figurado.
Veremos um movimento antirrepresentacionista no decorrer deste curso cujo auge reside, por ora, na filosofia da ciência nova.
Na verdade, o desvio é paradoxalmente o traço natural do ato de comunicação do ser humano, pois a linguagem, para os
filósofos que concebem a metáfora como elemento fundante, já nasce metafórica. Conforme Vico sugeriu em sua obra A
ciência nova, ela foi concebida apenas como forma de representar o pensamento na idade dos homens. (VICO, 1999, p. 155-
156).
Na ciência nova – e isso nos interessa bastante –, a partir dos conceitos que já vimos e daqueles que serão abordados nas
próximas aulas, surgiria a noção da metáfora como elemento fundante. Ao considerar a história, Vico concluía que a primeira
forma de expressar o mundo é poética, pois, a partir da compreensão que buscava de si mesmo, o homem acabava por
projetar para o mundo esse conhecimento. O papel da definição das coisas por meio de tropos e metáforas foi primordial.
Conforme estudamos na aula passada, quando abordamos a filosofia de Santo Agostinho, não existia, para o filósofo de
Hipona, a possibilidade de se falar de Deus, embora fosse necessário, mesmo assim, realizar essa tarefa. Isso evidenciava, para
Agostinho, a importância das metáforas, pois elas trazem para o nosso conhecimento aquilo que é por nós desconhecido. Em
Vico, por sua vez, contemplamos a ideia da primeiridade poética como a primeira linguagem do mundo, fato que usamos como
analogia para mostrar que, segundo a tradição judaica, tal linguagem também não pôde simplesmente ser representada pelo
nosso modelo linguístico de meras representações.
Na ciência nova, há claramente uma ruptura com o modelo representacionista de linguagem observado nos escritos de
Platão e Aristóteles e no pensamento de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino;
Consequentemente, nasce na filosofia viquiana (de Vico) o protótipo de uma teoria da práxis em relação à linguagem: os
atos de nomeação não são frutos da razão e de um raciocínio que leva em consideração a essência da coisa nomeada.
Pelo contrário: Vico afirma que o homem, não conhecendo as coisas, consegue, mesmo assim, se projetar em todas elas,
nomeando-as;
É na obra A ciência nova que surge precisamente a concepção de metáfora como elemento fundante da linguagem, noção
oposta àquela vista nas aulas anteriores deste curso, quando ela foi concebida como elemento fundado por um sentido
literal, primeiro e original;
Primeiridade poética da linguagem e linguagem racional
As três eras da história humana explicam que a linguagem possui uma primeiridade poética. Já a linguagem racional é
natural apenas na última fase da história humana.
Atividade
1. Pode-se afirmar o seguinte em relação às teorias presentes nos estudos de Vico sobre a linguagem:
2. Em Vico, também há uma abordagem da linguagem como representação. Sobre isso, podemos afirmar que:
a) Vico compreende a linguagem da mesma forma que Platão e toma Crátilo como obra de referência da sua Ciência nova.
b) Há, na obra de Vico, a evidência de que a linguagem se fundamenta sob o modelo de representação pautado na razão. No entanto, esse
modelo é vigente na idade dos homens, em que impera a racionalidade.
c) Vico é tido como um filósofo representacionista quando o assunto é linguagem. Ele acredita que ela nasce a partir das essências e que
os nomes são creditados às coisas por um profissional chamado legislador.
d) Todas as respostas acima estão corretas.
e) Nenhuma das respostas acima está correta.
3. Assinale a alternativa que corresponda ao que Vico chama de primeiridade poética, em que os homens, “não conhecendo as
coisas, projetavam-se nelas, nomeando-as”:
a) Alto do pico
b) Montanhas verdes
c) Braço da mulher
d) Braço do rio
e) Pé do homem
I. Ela segue o modelo vigente quanto ao paradigma de linguagem adotado como padrão: a linguagem tem como função
precípua representar o mundo, mas admite uma parcela dela que se dá de acordo com as convenções humanas.
II. Não é ruptura com os modelos anteriores, haja vista que, em Paulo de Tarso, já vemos a metáfora como fundante, e, em
Santo Agostinho, isso é ratificado sem ressalvas.
III. Traz novas ideias acerca das origens da linguagem humana, concebendo o processo em três eras: idade dos deuses, dos
heróis e dos homens. Na idade dos deuses, a linguagem nasce metafórica, pois não se conhece a essência das coisas, daí
o termo primeiridade poética.
IV. Em Vico, surge a ideia de uma metáfora como elemento fundado tal qual se via nos cabalistas.
5. Quando se fala em metáfora, vem à mente o procedimento de atribuição de sentido pertencente a uma palavra e deslocado a
outra, formando o sentido figurado. Mas também vimos, no decorrer das aulas, outra concepção sobre metáfora: aquela que
funda os conceitos por meio de nomes projetados nas concepções do homem sobre si mesmo, para a natureza externa e para
o mundo.
Notas
Referências
CASTAGNOLA, L. Vico e a sua “ciência nova”. In: Revista Letras. v 16. Curitiba: UFPR, 1968.
Próxima aula
Explore mais
Assista ao vídeo: