Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Taubaté – SP
2019
ANDERSON MACEDO INÁCIO DE OLIVEIRA
Taubaté – SP
2019
Não se deve dar ouvidos àqueles que
aconselham ao homem, por ser mortal,
que se limite a pensar coisas humanas e mortais;
ao contrário, porém, na medida do possível,
precisamos nos comportar como imortais
e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre
que há em nós.
Aristóteles
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma análise sobre a problemática do mal,
levantando evidências de sua existência e suas formas, através de situações-limite, usando
os conceitos tradicionais da filosofia como o mal físico, o mal moral, neste o livre-arbítrio, e o
mal metafísico, baseando-se no ensaio filosófico de Étienne Borne, O Problema do Mal:
Mito, razão e fé, citando também outros filósofos como Santo Agostinho, Leibniz, Heidegger
entre outros. Destes males surgirá a angustia, um mal metafisico, onde será demonstrado
os recursos utilizados pelo ser humano para apaziguar seu espirito diante da angustia, como
o mito, a beleza e a arte, o discurso sofistico e o recurso a totalidade, demonstrando os
limites destes, buscando, de fato, junto de Étienne Borne e outros, um caminho possível
para viver a angustia em sua realidade total, afim de demonstrar como o homem, dotado de
razão, pode superar, através de suas capacidades, a realidade do mal, gerando um impacto
positivo sobre este.
1 INTRODUÇÃO 5
2 DESENVOLVIMENTO 6
2.1.2.1 LIVRE-ARBÍTRIO 8
2.3.1 O MITO 11
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 16
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 17
REFERÊNCIAS 18
5
1. INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
Étienne Borne ainda distingue este mal não intermediado e absoluto em duas
categorias de males, o “mal físico” ou dor e o “mal moral” ou falta, que evidentemente
pertencem a condição humana3. Tendo em vista a concepção de mal dada a este trabalho,
deve-se considerar também outra categoria de mal, o mal metafisico que diferente das duas
categorias citadas acima, se enquadra em outra esfera, saindo do mundo sensível para o
suprassensível. O filosofo Borne cita assim, três experiências humanas fundamentais e
constantemente renovadas que constituem muitas provas-limite em que o mal se mostra
irreparável. São elas a perversidade, a contradição da inimizade dentro do próprio bem e a
realidade da morte. Assim diz o autor: “Que a perseguição vença com estrondo a inocência
e justas causas, ou que a boa vontade privada ou pública acabe se afundando ou
sucumbindo, cedendo à má sorte das circunstancias e à perversidade dos exemplos, o mal
fere o real de tal forma que só um pensamento irrefletido diria que é cicatrizável. Aqui as
compensações são indevidas”4.
No segundo argumento, ele apresenta: “O mal está presente também dentro do
bem, que não para de se fragmentar em bens diferentes, rivais, inimigos – a tal ponto que
essa contradição que divide o bem contra o bem também é uma figura insustentável do mal.
Essa é a segunda experiencia do mal não passível de mediação”5.
E no terceiro argumento Étienne Borne acrescenta:
A terceira e última experiencia de uma situação-limite que seria uma infelicidade absoluta é
a da morte, e da morte humana que é completamente diferente de um mero fenômeno
biológico. A angustia diante da morte é do espirito e não poderia ser confundida com o
medo egoísta ou, pelo menos, egocêntrico de perder ser e bem-estar. O pensamento da
morte se torna angustia porque ele vê se frustrar ao mesmo tempo o como e o porquê, o
que causa uma dupla falta de inteligibilidade; que uma mola quebrada, que um acidente que
ocorreu numa mecânica, sejam capazes de aniquilar o espirito, isso o espirito não pode
compreender. A homogeneidade se rompe entre as causas e os efeitos; se o como não se
deixa apreender, a busca do porquê só leva a significações cínicas nas quais o espirito
encontra, talvez, a engenharia do mundo ou da vida biológica, mas não reconhece a si
mesmo. Pela morte, o absurdo e a imoralidade tornam-se estruturas do universo6.
4 Idem, p.36.
5 Idem, p.40.
6 Idem, p.45.
7 Giovanni REALE, Metafisica – livro II, 2005, p.3.
8
O mal, como já visto na parte anterior, não possui por si mesmo uma substancia
essencial, ou seja, um ente, mas existem situações que colocam de modo especial o
homem diante de uma participação no mal, ou privação de um bem, neste caso, a saúde
física, em que o homem pode sentir, no próprio corpo, as consequências deste mal, que
nega a boa saúde física. Desta forma, Leibniz conceitua o mal físico como dor, sofrimento,
padecimento, desgosto, mal-estar, etc., é tudo o que nos desagrada, o oposto do bem
físico8.
Muitos filósofos como o próprio Leibniz9, também Agostinho10, defendem que o mal
físico é fruto do mal moral, no qual, o homem fazendo uma má escolha gera uma
consequência ruim capaz de fazê-lo sofrer fisicamente. Por moral entende-se como o objeto
da ética, conduta dirigida ou disciplinada por normas11. Santo Agostinho diz que o homem
tendo o livre-arbítrio em si, escolhe livremente o que não é bom12. Por isso, o mal moral
seria um mal mais grave ao homem que o mal físico, pois o mal moral passa pelo
assentimento humano, e neste sentido, alguns males físicos sofridos pelo homem é
consequência de uma escolha livre. E algumas dessas escolhas geram males maiores que
os físicos e morais, levando assim aos males apresentados anteriormente, em Étienne
Borne.
2.1.2.1 O livre-arbítrio
8 Gottfried Wilhelm LEIBNIZ apud Luciano Gomes dos SANTOS, Teodiceia: a origem do mal no
pensamento do filósofo Leibniz, 2017, p.10.
9 Cf. Luciano Gomes dos SANTOS, Teodiceia: a origem do mal no pensamento do filósofo Leibniz (on
nenhuma outra realidade que torne a mente cumplice da paixão a não ser a própria vontade
e o livre-arbítrio”14
Dentre os males do mundo, existe aquele que gerando, por vezes, males físicos e
morais, supera-os, pois parece não tomar figura nem participação de algo material, mas
atinge o homem apenas em seu espirito, à este mal dá-se o nome de “mal metafisico”. O
filósofo Borne retrata de forma clara a consequência deste mal na vida humana e no mundo:
Pensar no mal que existiu em minha história ou na história significa descobrir que se tornou uma
verdade eterna insuportável. Essa é a razão pela qual o pensamento do mal não pode ser senão
angústia e angústia metafísica, ou se preferirmos, remorso. Pois ter remorso é simplesmente
considerar o mal como numa realidade. Portanto o remorso não é um evento psíquico trivial [...] o
remorso é a consciência do crime ou mais exatamente a consciência do irreparável no crime. O
remorso está sempre infinitamente próximo de um desespero e perde a esperança de não poder tirar
a inscrição do mal na natureza e na história15.
Aos males físicos e morais, dados as suas relações diretas com o material e com o
livre-arbítrio, poder-se-ia pensar, a longo prazo, em soluciona-los, como numa formula
matemática onde o mal físico se soluciona com a medicina, e o mal moral com a ética, com
a educação das vontades. Desconsiderando o desenvolvimento profundo destas questões,
ocupar-se-á a partir deste ponto, da angustia metafisica.
Esta angustia, mais do que um mal material, coloca o homem diante de uma
realidade existencial uma angustia no espirito no qual o homem se vê diante de um
problema mais profundo, um problema metafísico, pois não se trata aqui de um mal físico,
esta angustia pode ser gerada por situações diversas constatadas na história do sujeito ou
na história da própria humanidade. O autor assim coloca esta angustia: “Pensar no mal que
existiu em minha história ou na história significa descobrir que se tornou uma verdade eterna
insuportável. Essa é a razão pela qual o pensamento do mal não pode ser senão angústia e
14 Idem, p.52.
15 Étienne BORNE, O Problema do Mal: mito, razão e fé, 2014, p.38.
10
A angustia diante da morte é do espirito e não poderia ser confundida com o medo egoísta
ou, pelo menos, egocêntrico de perder ser e bem-estar. O pensamento da morte se torna
angustia porque ele vê se frustrar ao mesmo tempo o como e o porquê, o que causa uma
dupla falta de inteligibilidade; que uma mola quebrada, que um acidente que ocorreu numa
mecânica, sejam capazes de aniquilar o espirito, isso o espirito não pode compreender. A
homogeneidade se rompe entre as causas e os efeitos; se o como não se deixa apreender,
a busca do porquê só leva a significações cínicas nas quais o espirito encontra, talvez, a
engenharia do mundo ou da vida biológica, mas não reconhece a si mesmo. Pela morte, o
absurdo e a imoralidade tornam-se estruturas do universo17.
Para Borne, a solução seria o fim da angustia, pois a angustia experimentada pelo
homem o deixa sem esperança, na vida, em sua própria existência e começa a se
desumanizar, fazendo da angustia justificativa para tal desumanização. Desta forma escreve
o filosofo sobre o fim da angustia:
Mas aqui temos um problema, porque a angustia que assume o mal é inteiramente
pensamento assim como é totalmente paixão, pois sabe onde se encontra o mal do mal,
porque não deixa de opor a experiência do absurdo da exigência, ideal, de um sentido
liberador, contestando ao mesmo tempo os sentidos falsos e absurdos que usurpam na
experiência o lugar do sentido. O problema talvez seja insolúvel e essa possibilidade cria a
angustia da angustia, mas não pode ser recusado enquanto problema [...]. A solução
encontrada e possuída seria o fim da angustia18.
Ao se deparar com esta angustia em seu espirito o homem busca, muitas vezes
não de forma refletida, alguma solução para apaziguar este estado de espirito que o faz
perder o sentido de sua existência. Ele corre o risco de sucumbir diante desta angustia, que
pode lhe gerar doenças físicas, pensamentos depressivos e por fim e mais radical, o
suicídio. Assim, Borne traz alguns dos subterfúgios humanos para esta angustia como o
mito, a beleza e a arte, o discurso sofistico e, por fim, o recurso a totalidade.
16 Ibidem.
17 Idem, p. 45.
18 Idem, p. 58.
11
2.3.1 O mito
Neste mesmo texto pode ser identificado estes limites da mitologia em que se
recusa uma investigação dos princípios do mal de forma desmistificadora, de forma
metafísica. Mas pelo mito é possível afirmar que o mal vem de uma realidade além do físico,
como mostra Borne: “Para explicar o mal, ele (o mito) sempre recorre a algum mal anterior,
descobre-o nos deuses para explicar a sua presença entre os homens, círculo vicioso que é
exatamente uma lógica de sonho e uma insignificância para a razão. Contudo, ao mostrar
que o mal sempre está presente, o mito o explica no sentido etimológico da palavra; não o
faz compreender, mas o mostra, por assim dizer, ao infinito” 21
.Desta forma, deve-se
prescindir da mitologia para dar um passo adiante.
O mito, apesar de seus limites como explicação da realidade, traz em si uma carga
de beleza e de arte cujo o espectador pode se maravilhar com a harmonia contida nas
estórias, pois seus autores souberam misturar a realidade em seus contos mitológicos de
forma persuasiva e concatenada. Porém Borne, assim como no mito, expõe também os
limites da arte e da beleza:
Em relação ao mito, a essência se confunde com a aparência, e tanto uma quanto a outra
se denominam beleza. O contrário também é verdadeiro: a luz irreal e enigmática do mito
está presente em toda a beleza. Que o mal só seja aparência ou que se confunda com a
existência é próprio do mito não saber, viver dessa incerteza indefinidamente prolongada,
idealmente apaziguada. Portanto, é impossível concluir que pelo mito o homem venceu o
mal, “acorrentando-o nos laços da beleza”, conforme palavras de Plotino, ou que, através
desse mesmo mito, o homem é completamente derrotado pelo mal cuja obsessão não o
abandona mais22.
E completa dizendo que “o homem sabe mais o que faz quando, para enganar a
angustia ou conjurá-la, ele inventa a magia branca da arte”23.
A beleza e a arte, encontradas também no mito não tem outra função a não ser a
mesma do mito, quando busca persuadir a angustia ou a origem das coisas, cobrindo-as de
mistério. Ignorar por completo o mito, a beleza e arte seria prescindir de uma das partes
mais nobres do ser humano, a sua capacidade criativa. Porém, o homem corre o risco de
acomodar-se e não avançar na pergunta sobre a angustia.
22 Idem, p.77.
23 Idem, p.78.
13
A mitologia usa artifícios com a angustia do mal, e em todas as civilizações, ela não para de
expulsar a sabedoria e de sucumbir à angustia, mascarando e compensando a sua derrota
pelos símbolos gloriosos da arte. Disso decorre a alternativa da filosofia e da mitologia. A
busca da sabedoria contradiz o abandono aos mitos da mesma maneira que a véspera
condena e interrompe as imagens confusas dos sonhos. Haverá sabedoria se, uma vez
afastadas as imagens fantásticas e patéticas, o absoluto do mal não resistir “à fixidez calma
e profunda dos olhos”, ao olhar do espirito, a uma visão metafisica que se tornaria por si só
uma vida espiritual. A sabedoria não se encontra por acaso e por vias secretas. A viagem é
de luz24.
Ainda há que considerar uma última realidade, a de que não se pode conhecer
tudo. A forma de conhecer do ser humano é limitada e ainda que já se tenha aprofundado
muito em diversas problemáticas, fica ainda este vácuo de conhecimento, da maneira
mesmo de conhecer do homem e da própria metafisica, que limita o homem em sua
pesquisa. Por isso, muitos filósofos também recorreram ao discurso da totalidade para
explicar a não compreensão do mal, de forma que por não se ter acesso a totalidade da
realidade, não se pode concluir que o mal aparentemente existente seja realmente um mal,
ou que no caso de sua real existência ele tenha uma possível razão de acontecer. Desta
forma o autor Étienne apresenta também este argumento como um limitante em relação ao
problema do mal:
24 Idem, p.95.
25 TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica I, q. 49, art. 2.
14
se trataria de uma demora penitencial por causa de nossa condição carnal, a fé não é senão
o substituto de uma razão que não pode se equiparar à totalidade enquanto não
desaparecerem as limitações e as proibições da matéria e do tempo26.
Dado a não abrangência de toda realidade, deveria o homem se aquietar por falta
mesmo de respostas? Ainda assim a angustia gerada pelo sofrimento não deixa de bater a
sua porta. desta forma, a angustia pode ser algo necessário a vida do ser humano,
necessário porque é real. Da própria angustia, deve-se tirar uma conclusão de que sem ela
o homem não se perguntaria sobre o porquê e o como de seu ser, sobre sua própria
existência. Sem a angustia o homem não seria desafiado em suas capacidades, e ser
desafiado em suas capacidades, ou faculdades o torna superior aos outros seres, como
demonstra Santo Agostinho em O Livre-arbítrio27
26 Idem, p.107.
27 Cf. Santo AGOSTINHO. O Livre-arbítrio. 2015, p.46.
28 Cf. ARISTOTELES. Os pensadores. 1973, p.373.
15
problemas, pensar o ser enquanto ser29. Em outros termos, a angustia como compreensão
existencial possibilita ao homem transformar a necessidade em virtude: aceitar como um ato
de escolha a situação de fato, que é o seu destino e que, sem a angustia, procuraria
inutilmente transcender30. Nesse sentido, Heidegger diz que a angustia "liberta o homem
das possibilidades nulas e torna-o livre para as autênticas”31.
Assim, assumir a angustia seria assumir também o mal por traz desta, para que sua
força seja limitada, pois não assumir a angustia seria ato de irresponsabilidade, como bem
expressa Borne:
O diletante pratica uma técnica de desaparecimento do mal que faz do mundo uma bela
mentira. Como recusa a paixão, o acesso à existência lhe é proibido. Como tem medo de
levar o mal a sério na angustia, toda realidade e a sua própria tornam-se puros possíveis
sem substancia. O diletante não vive, ele dá a impressão de viver. [...] O avarento integral
acumula dinheiro para não dever nada a ninguém e para ter em suas mãos a infalível
solução de todos os problemas, para retirar-se constantemente e dominar sem ostentação
pueril do poder visível, enfim, para manter sempre com eficácia o mal a distância. [...] O
fanatismo é uma religião política que pretende resolver na história o problema do mal por
meio de técnicas de esmagamento e extirpação radical. Ele professa uma doutrina de
salvação pela nação, pela classe ou pelo partido. [...] Ele resolve o problema do mal pela
destruição dos maus, da mesma maneira que se acaba com uma invasão de micróbios e
com uma revoada de gafanhotos [...] parece, às vezes, confundir-se com o espirito do mal.
Diletantismo, avareza e fanatismo não param de se adicionar à mentira, à ingratidão, ao
ódio. São o mal porque recusaram desde o início essa participação do mal na angustia que
é a única via para a libertação32.
Assim, o ser humano deve se sentir chamado a assumir a angustia com compaixão,
pois sua angustia é a angustia de todos, na medida em que a não aceitação desta gera mais
males.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por fim, pôde-se chegar a conclusão de que o mal ainda é um campo muito
extenso e há muito o que se debruçar sobre este tema, mas foi possível fazer um
levantamento de suas formas, de constatar sua existência que não toma uma forma
material, substancial, mas por meio de uma participação da realidade, o mal se torna
capaz de enfraquece-la.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins
fonte, 2007.
AGOSTINHO. O Livre-arbítrio. Tradução de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2015.
AGOSTINHO. A verdadeira religião: O cuidado devido dos mortos (on line), 2017. Disponível
em <https://catolicotridentino.files.wordpress.com/2017/11/patrc3adstica-vol-19-a-
verdadeira-religiao-o-cuidado-devido-aos-mortos-santo-agostinho.pdf>. Acesso em: 06 de
junho de 2019.
BORNE, Étienne. O problema do mal: mito, razão e fé. Tradução de Margarita Maria Garcia
Lamelo. São Paulo: É Realizações, 2014.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo: Parte II. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schubak.
Petrópolis: Vozes, 2005.