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ANDERSON MACEDO INÁCIO DE OLIVEIRA

O PROBLEMA DO MAL: Da constatação à superação


da angustia

Taubaté – SP
2019
ANDERSON MACEDO INÁCIO DE OLIVEIRA

O PROBLEMA DO MAL: Da constatação à superação


da angustia

Trabalho de Conclusão de disciplina do curso


Bacharel em Filosofia da Faculdade
Dehoniana, como parte dos requisitos para
conclusão da disciplina Metodologia da
pesquisa filosófica.
Orientação: Profa. Dra. Fabrina Silva

Taubaté – SP
2019
Não se deve dar ouvidos àqueles que
aconselham ao homem, por ser mortal,
que se limite a pensar coisas humanas e mortais;
ao contrário, porém, na medida do possível,
precisamos nos comportar como imortais
e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre
que há em nós.
Aristóteles
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo desenvolver uma análise sobre a problemática do mal,
levantando evidências de sua existência e suas formas, através de situações-limite, usando
os conceitos tradicionais da filosofia como o mal físico, o mal moral, neste o livre-arbítrio, e o
mal metafísico, baseando-se no ensaio filosófico de Étienne Borne, O Problema do Mal:
Mito, razão e fé, citando também outros filósofos como Santo Agostinho, Leibniz, Heidegger
entre outros. Destes males surgirá a angustia, um mal metafisico, onde será demonstrado
os recursos utilizados pelo ser humano para apaziguar seu espirito diante da angustia, como
o mito, a beleza e a arte, o discurso sofistico e o recurso a totalidade, demonstrando os
limites destes, buscando, de fato, junto de Étienne Borne e outros, um caminho possível
para viver a angustia em sua realidade total, afim de demonstrar como o homem, dotado de
razão, pode superar, através de suas capacidades, a realidade do mal, gerando um impacto
positivo sobre este.

Palavras-chave: Problemática do mal. Existência. Situações-limite. Livre-arbítrio. Angustia.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 5

2 DESENVOLVIMENTO 6

2.1 CONSTATAÇÃO DO MAL 6

2.1.1 MAL FÍSICO 8

2.1.2 MAL MORAL 8

2.1.2.1 LIVRE-ARBÍTRIO 8

2.1.3 MAL METAFÍSICO 9

2.2 ANGUSTIA GERADA PELO MAL 9

2.3 SOLUÇÕES PROPOSTAS PELO HOMEM PARA A ANGUSTIA 10

2.3.1 O MITO 11

2.3.2 A BELEZA E A ARTE 12

2.3.3 O DISCURSO SOFÍSTICO 12

2.3.4 RECURSO A TOTALIDADE 13

2.4 UMA POSSIBILIDADE: VIVER A ANGUSTIA 14

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 16

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 17

REFERÊNCIAS 18
5

1. INTRODUÇÃO

A filosofia, como o objeto daquele que busca desinteressada e apaixonadamente a


sabedoria muito tem contribuído para os problemas gerados pela própria existência e pelas
limitações humanas. Sendo o homem o sujeito apaixonado que busca respostas porque
busca sua felicidade se depara com um problema entre todos que, assim como muitos,
também o coloca diante de um crivo em sua existência, no qual, este problema afeta
diretamente o sentido de sua vida. Este problema é o problema do mal. Ao se deparar com
o mal que há no mundo o homem se pergunta sobre o sentido de sua existência, o porquê
tem de passar por estas antinomias que parecem minar o sentido de uma experiência
existencial plena e feliz. Muitos filósofos, desde a antiguidade já se debruçaram sobre este
problema trazendo soluções plausíveis, mas ainda o problema persiste nos tempos atuais e
parece ganhar cada vez mais força contra o homem moderno. Numa ânsia de sentido, o
homem vê abalados os fundamentos éticos e morais, onde muito tem se perdido. Dentro
desta perspectiva surgem questionamentos como “porque o homem sofre?”, “porque existe
o mal?”, “se mal existe, então Deus não existe?”, entre outros questionamentos. Assim, este
trabalho propõe-se a discorrer sobre o problema do mal fundamentando-se em pensadores
como Étienne Borne entre outros, sem a pretensões ambiciosas.
6

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Constatação do Mal

Antes de debruçar-se sobre a realidade do mal que aparece no mundo, é preciso


defini-lo, pois sobre qual objeto será desenvolvimento este trabalho? No ponto de vista
filosófico, o mal em si não existe como essência de algo, ou como uma positividade, mas é
uma negação do ser, ou seja, um não-ser. Aquilo que é ausente de bem, que é ausente de
ser, deficiente. Desta forma, pode-se dizer que o mal não existe substancialmente, como um
ente. A corrente filosófica tradicional está de acordo em afirmar esta concepção de mal,
apesar de não ser a única, mas para o trabalho em desenvolvimento, o Mal será tomado
segundo esta concepção acima, encontrada no dicionário de filosofia Abbagnano, que assim
diz acerca do mal: “A concepção metafísica do Mal consiste em considerá-lo como o não-ser
diante do ser, que é o bem, ou em considerá-lo como uma dualidade do ser, como uma
dissensão ou um conflito interno do próprio ser”1
Definido então o objeto deste estudo, é necessário agora constatá-lo como
realidade existente no mundo como um problema. A quem quer que se pergunte se existe o
mal no mundo, facilmente e de forma muito obvia a pessoa responderia que sim, há o mal
no mundo, e não só isso, a pessoa poderia ainda dizer que há uma grande quantidade de
mal no mundo. Para Étienne Borne há no mundo um Mal Absoluto, uma força que mina e
parece vencer toda e qualquer iniciativa positiva do homem. Desta forma, o autor coloca em
evidência o problema do Mal e os acusa de males não intermediados, ou seja, sem esquiva:

Mas há males que permanecem eternamente irreparáveis: o inocente aviltado e martirizado


até a morte; ou ainda, multidões humanas condenadas a consciência crepuscular que é o
quinhão da servidão resignada, frustradas com a plenitude da existência, sombras larvárias
nos subterrâneos da história; ou enfim, os heroísmos e as sabedorias ridicularizadas pelo
mundo; portanto não se pode encontrá-la, a técnica utilitária e moral de mediação que faria
desses males os caminhos e os meios de um bem maior e verdadeiro. Através dos males
não intermediados aparece a figura de um Mal que é uma espécie de absoluto da
infelicidade2.

Étienne Borne ainda distingue este mal não intermediado e absoluto em duas
categorias de males, o “mal físico” ou dor e o “mal moral” ou falta, que evidentemente
pertencem a condição humana3. Tendo em vista a concepção de mal dada a este trabalho,
deve-se considerar também outra categoria de mal, o mal metafisico que diferente das duas

1 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, 2007, p.638.


2 Étienne BORNE, O Problema do Mal: mito, razão e fé, 2014, p.34
3 Idem, p.27.
7

categorias citadas acima, se enquadra em outra esfera, saindo do mundo sensível para o
suprassensível. O filosofo Borne cita assim, três experiências humanas fundamentais e
constantemente renovadas que constituem muitas provas-limite em que o mal se mostra
irreparável. São elas a perversidade, a contradição da inimizade dentro do próprio bem e a
realidade da morte. Assim diz o autor: “Que a perseguição vença com estrondo a inocência
e justas causas, ou que a boa vontade privada ou pública acabe se afundando ou
sucumbindo, cedendo à má sorte das circunstancias e à perversidade dos exemplos, o mal
fere o real de tal forma que só um pensamento irrefletido diria que é cicatrizável. Aqui as
compensações são indevidas”4.
No segundo argumento, ele apresenta: “O mal está presente também dentro do
bem, que não para de se fragmentar em bens diferentes, rivais, inimigos – a tal ponto que
essa contradição que divide o bem contra o bem também é uma figura insustentável do mal.
Essa é a segunda experiencia do mal não passível de mediação”5.
E no terceiro argumento Étienne Borne acrescenta:

A terceira e última experiencia de uma situação-limite que seria uma infelicidade absoluta é
a da morte, e da morte humana que é completamente diferente de um mero fenômeno
biológico. A angustia diante da morte é do espirito e não poderia ser confundida com o
medo egoísta ou, pelo menos, egocêntrico de perder ser e bem-estar. O pensamento da
morte se torna angustia porque ele vê se frustrar ao mesmo tempo o como e o porquê, o
que causa uma dupla falta de inteligibilidade; que uma mola quebrada, que um acidente que
ocorreu numa mecânica, sejam capazes de aniquilar o espirito, isso o espirito não pode
compreender. A homogeneidade se rompe entre as causas e os efeitos; se o como não se
deixa apreender, a busca do porquê só leva a significações cínicas nas quais o espirito
encontra, talvez, a engenharia do mundo ou da vida biológica, mas não reconhece a si
mesmo. Pela morte, o absurdo e a imoralidade tornam-se estruturas do universo6.

Dadas as comprovações acima, pode-se concluir a existência de uma situação


negativa do bem, em que o homem como aquele que tende ao saber7 sofre as
consequências do mal de forma profunda. Sua capacidade de conhecer o coloca diante do
mal e o faz perguntar sobre o sentido do mesmo. A diante, será feita uma exposição
analítica das formas pelas quais o mal se substancializa efetivamente na vida do homem,
perpassando pelas concepções de “mal físico”, o “mal moral” e o “mal metafísico” apoiando-
se em filósofos como santo Agostinho de Hipona e G.W. Leibniz.

4 Idem, p.36.
5 Idem, p.40.
6 Idem, p.45.
7 Giovanni REALE, Metafisica – livro II, 2005, p.3.
8

2.1.1 Mal físico

O mal, como já visto na parte anterior, não possui por si mesmo uma substancia
essencial, ou seja, um ente, mas existem situações que colocam de modo especial o
homem diante de uma participação no mal, ou privação de um bem, neste caso, a saúde
física, em que o homem pode sentir, no próprio corpo, as consequências deste mal, que
nega a boa saúde física. Desta forma, Leibniz conceitua o mal físico como dor, sofrimento,
padecimento, desgosto, mal-estar, etc., é tudo o que nos desagrada, o oposto do bem
físico8.

2.1.2 Mal moral

Muitos filósofos como o próprio Leibniz9, também Agostinho10, defendem que o mal
físico é fruto do mal moral, no qual, o homem fazendo uma má escolha gera uma
consequência ruim capaz de fazê-lo sofrer fisicamente. Por moral entende-se como o objeto
da ética, conduta dirigida ou disciplinada por normas11. Santo Agostinho diz que o homem
tendo o livre-arbítrio em si, escolhe livremente o que não é bom12. Por isso, o mal moral
seria um mal mais grave ao homem que o mal físico, pois o mal moral passa pelo
assentimento humano, e neste sentido, alguns males físicos sofridos pelo homem é
consequência de uma escolha livre. E algumas dessas escolhas geram males maiores que
os físicos e morais, levando assim aos males apresentados anteriormente, em Étienne
Borne.

2.1.2.1 O livre-arbítrio

Em Santo Agostinho, o livre-arbítrio é o responsável por todo o mal gerado pelo


homem no mundo, pois para ele, o homem dotado de razão13 tem capacidade de analisar o
que é bom e o que é mal, podendo assim, evitar o mal na escolha do bem. “Portanto, não há

8 Gottfried Wilhelm LEIBNIZ apud Luciano Gomes dos SANTOS, Teodiceia: a origem do mal no
pensamento do filósofo Leibniz, 2017, p.10.
9 Cf. Luciano Gomes dos SANTOS, Teodiceia: a origem do mal no pensamento do filósofo Leibniz (on

line) 2 (2017), p. 247. Disponível em <


http://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/download/3882/3894/>. Acesso em: 04 de junho
de 2019.
10 Cf. Santo AGOSTINHO, O Livre-arbítrio, 2015, p.25.
11 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, 2007, p.682.
12 Cf. Santo AGOSTINHO, O Livre-arbítrio, 2015, p.52.
13 Cf. Idem, p.44.
9

nenhuma outra realidade que torne a mente cumplice da paixão a não ser a própria vontade
e o livre-arbítrio”14

2.1.3 Mal metafísico

Dentre os males do mundo, existe aquele que gerando, por vezes, males físicos e
morais, supera-os, pois parece não tomar figura nem participação de algo material, mas
atinge o homem apenas em seu espirito, à este mal dá-se o nome de “mal metafisico”. O
filósofo Borne retrata de forma clara a consequência deste mal na vida humana e no mundo:
Pensar no mal que existiu em minha história ou na história significa descobrir que se tornou uma
verdade eterna insuportável. Essa é a razão pela qual o pensamento do mal não pode ser senão
angústia e angústia metafísica, ou se preferirmos, remorso. Pois ter remorso é simplesmente
considerar o mal como numa realidade. Portanto o remorso não é um evento psíquico trivial [...] o
remorso é a consciência do crime ou mais exatamente a consciência do irreparável no crime. O
remorso está sempre infinitamente próximo de um desespero e perde a esperança de não poder tirar
a inscrição do mal na natureza e na história15.

Aos males físicos e morais, dados as suas relações diretas com o material e com o
livre-arbítrio, poder-se-ia pensar, a longo prazo, em soluciona-los, como numa formula
matemática onde o mal físico se soluciona com a medicina, e o mal moral com a ética, com
a educação das vontades. Desconsiderando o desenvolvimento profundo destas questões,
ocupar-se-á a partir deste ponto, da angustia metafisica.

2.2 Angustia gerada pelo mal

Esta angustia, mais do que um mal material, coloca o homem diante de uma
realidade existencial uma angustia no espirito no qual o homem se vê diante de um
problema mais profundo, um problema metafísico, pois não se trata aqui de um mal físico,
esta angustia pode ser gerada por situações diversas constatadas na história do sujeito ou
na história da própria humanidade. O autor assim coloca esta angustia: “Pensar no mal que
existiu em minha história ou na história significa descobrir que se tornou uma verdade eterna
insuportável. Essa é a razão pela qual o pensamento do mal não pode ser senão angústia e

14 Idem, p.52.
15 Étienne BORNE, O Problema do Mal: mito, razão e fé, 2014, p.38.
10

angústia metafísica, ou se preferirmos, remorso. Pois ter remorso é simplesmente


considerar o mal como numa realidade”16.
E retomando outro texto do autor assim, ele coloca a angústia no espirito humano:

A angustia diante da morte é do espirito e não poderia ser confundida com o medo egoísta
ou, pelo menos, egocêntrico de perder ser e bem-estar. O pensamento da morte se torna
angustia porque ele vê se frustrar ao mesmo tempo o como e o porquê, o que causa uma
dupla falta de inteligibilidade; que uma mola quebrada, que um acidente que ocorreu numa
mecânica, sejam capazes de aniquilar o espirito, isso o espirito não pode compreender. A
homogeneidade se rompe entre as causas e os efeitos; se o como não se deixa apreender,
a busca do porquê só leva a significações cínicas nas quais o espirito encontra, talvez, a
engenharia do mundo ou da vida biológica, mas não reconhece a si mesmo. Pela morte, o
absurdo e a imoralidade tornam-se estruturas do universo17.

Para Borne, a solução seria o fim da angustia, pois a angustia experimentada pelo
homem o deixa sem esperança, na vida, em sua própria existência e começa a se
desumanizar, fazendo da angustia justificativa para tal desumanização. Desta forma escreve
o filosofo sobre o fim da angustia:

Mas aqui temos um problema, porque a angustia que assume o mal é inteiramente
pensamento assim como é totalmente paixão, pois sabe onde se encontra o mal do mal,
porque não deixa de opor a experiência do absurdo da exigência, ideal, de um sentido
liberador, contestando ao mesmo tempo os sentidos falsos e absurdos que usurpam na
experiência o lugar do sentido. O problema talvez seja insolúvel e essa possibilidade cria a
angustia da angustia, mas não pode ser recusado enquanto problema [...]. A solução
encontrada e possuída seria o fim da angustia18.

2.3 Soluções proposta pelo homem para a angustia

Ao se deparar com esta angustia em seu espirito o homem busca, muitas vezes
não de forma refletida, alguma solução para apaziguar este estado de espirito que o faz
perder o sentido de sua existência. Ele corre o risco de sucumbir diante desta angustia, que
pode lhe gerar doenças físicas, pensamentos depressivos e por fim e mais radical, o
suicídio. Assim, Borne traz alguns dos subterfúgios humanos para esta angustia como o
mito, a beleza e a arte, o discurso sofistico e, por fim, o recurso a totalidade.

16 Ibidem.
17 Idem, p. 45.
18 Idem, p. 58.
11

2.3.1 O mito

Ao longo da história humana, tanto no Oriente quanto no Ocidente, é possível vê-la


confundir-se com os mitos. Muitas culturas foram carregadas de mitologias, e assim é
possível encontrar, em diversas narrativas mitológicas a realidade do mal. O mito da Caixa
de Pandora, por exemplo, narra uma origem do mal, onde Pandora, a primeira mulher,
criada por Zeus, foi dada em casamento ao titã Epimeteu, porém, este guardava uma
misteriosa caixa. Um certo dia, Pandora, não contida de curiosidade, abre a caixa, libertando
desta tudo o que havia de males, transformando, assim, a vida do ser humano sobre a
terra19. Um recurso utilizado para uma época e um contexto para explicar a origem do mal.
Muitos outros mitos sobre a origem do mal poderiam ser citados. Desta forma Borne vê no
mito uma beleza mistificadora, mas que tem seus limites:

A angustia pode se dissimular diante de si mesma e encontrar um apaziguamento ilusório


nas mitologias que se propõem como religiões. A aparência bela e mistificadora do mito
corre o risco de interromper e fazer adormecer a meditação metafisica. Doravante, a
questão é saber se a angustia do mal é capaz de resistir às mitologias que a enganam e a
extenuariam sob pretexto de erigi-la a sublimá-la como uma arte, inimiga da paixão que
pretende purificar, resistir também à razão que se lança com ela na luta mortal da sabedoria
contra a paixão20.

Neste mesmo texto pode ser identificado estes limites da mitologia em que se
recusa uma investigação dos princípios do mal de forma desmistificadora, de forma
metafísica. Mas pelo mito é possível afirmar que o mal vem de uma realidade além do físico,
como mostra Borne: “Para explicar o mal, ele (o mito) sempre recorre a algum mal anterior,
descobre-o nos deuses para explicar a sua presença entre os homens, círculo vicioso que é
exatamente uma lógica de sonho e uma insignificância para a razão. Contudo, ao mostrar
que o mal sempre está presente, o mito o explica no sentido etimológico da palavra; não o
faz compreender, mas o mostra, por assim dizer, ao infinito” 21
.Desta forma, deve-se
prescindir da mitologia para dar um passo adiante.

19 Cf. A. S. FRANCHINI, Carmen SEGANFREDO. As melhores histórias da Mitologia: Deuses, heróis,


monstros e guerras da tradição greco-romana, 2007, p. 165-169.
20 Étienne BORNE, O Problema do Mal: mito, razão e fé, 2014, p.59
21 Idem, p.73.
12

2.3.2 A beleza e a arte

O mito, apesar de seus limites como explicação da realidade, traz em si uma carga
de beleza e de arte cujo o espectador pode se maravilhar com a harmonia contida nas
estórias, pois seus autores souberam misturar a realidade em seus contos mitológicos de
forma persuasiva e concatenada. Porém Borne, assim como no mito, expõe também os
limites da arte e da beleza:

Em relação ao mito, a essência se confunde com a aparência, e tanto uma quanto a outra
se denominam beleza. O contrário também é verdadeiro: a luz irreal e enigmática do mito
está presente em toda a beleza. Que o mal só seja aparência ou que se confunda com a
existência é próprio do mito não saber, viver dessa incerteza indefinidamente prolongada,
idealmente apaziguada. Portanto, é impossível concluir que pelo mito o homem venceu o
mal, “acorrentando-o nos laços da beleza”, conforme palavras de Plotino, ou que, através
desse mesmo mito, o homem é completamente derrotado pelo mal cuja obsessão não o
abandona mais22.

E completa dizendo que “o homem sabe mais o que faz quando, para enganar a
angustia ou conjurá-la, ele inventa a magia branca da arte”23.
A beleza e a arte, encontradas também no mito não tem outra função a não ser a
mesma do mito, quando busca persuadir a angustia ou a origem das coisas, cobrindo-as de
mistério. Ignorar por completo o mito, a beleza e arte seria prescindir de uma das partes
mais nobres do ser humano, a sua capacidade criativa. Porém, o homem corre o risco de
acomodar-se e não avançar na pergunta sobre a angustia.

2.3.3 O discurso sofístico

Mostrando as limitações de solucionar o problema do mal através do mito e da


beleza ou da arte, Borne coloca em questão a sabedoria, no qual, buscando a verdade
desinteressadamente e ao mesmo tempo apaixonadamente, se torna senão o melhor
caminho, um caminho seguro em que não se tenta esquivar do problema, mas soluciona-lo
de fato, sem rodeios e mistério. No entanto existe ainda um último obstáculo para realmente
iniciar este caminho seguro, é preciso, segundo Borne afastar o discurso falacioso, que
superando o mito, a beleza e a arte, ainda se esconde do verdadeiro problema do mal:

22 Idem, p.77.
23 Idem, p.78.
13

A mitologia usa artifícios com a angustia do mal, e em todas as civilizações, ela não para de
expulsar a sabedoria e de sucumbir à angustia, mascarando e compensando a sua derrota
pelos símbolos gloriosos da arte. Disso decorre a alternativa da filosofia e da mitologia. A
busca da sabedoria contradiz o abandono aos mitos da mesma maneira que a véspera
condena e interrompe as imagens confusas dos sonhos. Haverá sabedoria se, uma vez
afastadas as imagens fantásticas e patéticas, o absoluto do mal não resistir “à fixidez calma
e profunda dos olhos”, ao olhar do espirito, a uma visão metafisica que se tornaria por si só
uma vida espiritual. A sabedoria não se encontra por acaso e por vias secretas. A viagem é
de luz24.

A filosofia começa, assim a se tornar o meio mais seguro para o enfrentamento do


mal, pois a resistência a verdade só pode acontecer de forma arrogante ou covarde, dado
que a descoberta da verdade sobre o mal, pode inicialmente gerar um mal, ainda que
aparente e temporário e tomando as palavras de santo Tomas de que Deus permite o mal
quando cria seres com mais e menos participação do ser em vista de um bem maior, ou
seja, a harmonia e a ordem do universo25, significando, neste caso que a causa mesma do
mal pode ser algo inusitado, que gere certa estranheza ou repulsa, de início, mas que no
final seja libertador.

2.3.4 Recurso à totalidade

Ainda há que considerar uma última realidade, a de que não se pode conhecer
tudo. A forma de conhecer do ser humano é limitada e ainda que já se tenha aprofundado
muito em diversas problemáticas, fica ainda este vácuo de conhecimento, da maneira
mesmo de conhecer do homem e da própria metafisica, que limita o homem em sua
pesquisa. Por isso, muitos filósofos também recorreram ao discurso da totalidade para
explicar a não compreensão do mal, de forma que por não se ter acesso a totalidade da
realidade, não se pode concluir que o mal aparentemente existente seja realmente um mal,
ou que no caso de sua real existência ele tenha uma possível razão de acontecer. Desta
forma o autor Étienne apresenta também este argumento como um limitante em relação ao
problema do mal:

Só vemos um aspecto parcial das coisas, o aqui, o tempo transcorrido. Se pudéssemos


adicionar a isso o futuro e o além, todas as coisas seriam explicadas e justificadas, o
enigma resolvido, o escândalo abolido pelo acesso à síntese total. Portanto, ainda temos
aqui uma privação, a ausência do conhecimento do todo, que suscita a angustia diante do
mal. Bastaria que o pensamento do homem coincidisse com o olhar universalmente
envolvente que confundimos em geral com o Espirito divino para que a injustiça apareça
como caminho e meio de uma justiça integral; pois, como diz o poeta: “A visão da Justiça é
somente o prazer de Deus”. E se não podemos alcançar essa euforia do apaziguamento, só

24 Idem, p.95.
25 TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica I, q. 49, art. 2.
14

se trataria de uma demora penitencial por causa de nossa condição carnal, a fé não é senão
o substituto de uma razão que não pode se equiparar à totalidade enquanto não
desaparecerem as limitações e as proibições da matéria e do tempo26.

Dado a não abrangência de toda realidade, deveria o homem se aquietar por falta
mesmo de respostas? Ainda assim a angustia gerada pelo sofrimento não deixa de bater a
sua porta. desta forma, a angustia pode ser algo necessário a vida do ser humano,
necessário porque é real. Da própria angustia, deve-se tirar uma conclusão de que sem ela
o homem não se perguntaria sobre o porquê e o como de seu ser, sobre sua própria
existência. Sem a angustia o homem não seria desafiado em suas capacidades, e ser
desafiado em suas capacidades, ou faculdades o torna superior aos outros seres, como
demonstra Santo Agostinho em O Livre-arbítrio27

2.4 Uma possibilidade: viver a angustia

Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foi levantado e colocado em evidência


a existência de um mal, que apesar de não subsistir na forma de uma entidade faz com que
a vida humana seja carregada de dor e sofrimento, gerando no homem a angustia, devida
as possibilidades em que o mal pode se tornar algo invencível e inevitável. Com sua força
invisível, foi demonstrado como o mal atinge o homem em seu corpo, em sua conduta moral
e em seu espirito e é neste último que o mal se torna intensamente o problema do mal, no
qual o ser humano é impedido de gozar a felicidade, pois as pessoas felizes, segundo
Aristóteles, devem possuir as três espécies de bens que se podem distinguir, quais sejam,
os exteriores, os do corpo e os da alma28.
Assim, assumir a angustia como uma parte da vida humana e não como a última
voz sobre esta exige inicialmente, um movimento de recua diante da angustia, mas para
então, a partir de sua aceitação buscar superá-la como qualquer outro problema que se
apresenta na realidade humana. Recusar a angustia ou evitá-la pode significar uma redução
da capacidade humana em termos de superação, não no sentido vitimísta da palavra, mas
na subestima da capacidade racional do homem de resolver problemas propostos pela
realidade. A história tem sido favorável ao mal, quando se olha para as guerras e conflitos,
para o numero milionário de pessoas mortas nas mesmas, para os desastres naturais, mas
também é favorável ao mostrar a capacidade humana em desenvolver-se, seja nas ciências
empíricas, seja na filosofia, de modo peculiar a metafísica, que abrange o problema dos

26 Idem, p.107.
27 Cf. Santo AGOSTINHO. O Livre-arbítrio. 2015, p.46.
28 Cf. ARISTOTELES. Os pensadores. 1973, p.373.
15

problemas, pensar o ser enquanto ser29. Em outros termos, a angustia como compreensão
existencial possibilita ao homem transformar a necessidade em virtude: aceitar como um ato
de escolha a situação de fato, que é o seu destino e que, sem a angustia, procuraria
inutilmente transcender30. Nesse sentido, Heidegger diz que a angustia "liberta o homem
das possibilidades nulas e torna-o livre para as autênticas”31.
Assim, assumir a angustia seria assumir também o mal por traz desta, para que sua
força seja limitada, pois não assumir a angustia seria ato de irresponsabilidade, como bem
expressa Borne:

O diletante pratica uma técnica de desaparecimento do mal que faz do mundo uma bela
mentira. Como recusa a paixão, o acesso à existência lhe é proibido. Como tem medo de
levar o mal a sério na angustia, toda realidade e a sua própria tornam-se puros possíveis
sem substancia. O diletante não vive, ele dá a impressão de viver. [...] O avarento integral
acumula dinheiro para não dever nada a ninguém e para ter em suas mãos a infalível
solução de todos os problemas, para retirar-se constantemente e dominar sem ostentação
pueril do poder visível, enfim, para manter sempre com eficácia o mal a distância. [...] O
fanatismo é uma religião política que pretende resolver na história o problema do mal por
meio de técnicas de esmagamento e extirpação radical. Ele professa uma doutrina de
salvação pela nação, pela classe ou pelo partido. [...] Ele resolve o problema do mal pela
destruição dos maus, da mesma maneira que se acaba com uma invasão de micróbios e
com uma revoada de gafanhotos [...] parece, às vezes, confundir-se com o espirito do mal.
Diletantismo, avareza e fanatismo não param de se adicionar à mentira, à ingratidão, ao
ódio. São o mal porque recusaram desde o início essa participação do mal na angustia que
é a única via para a libertação32.

Assim, o ser humano deve se sentir chamado a assumir a angustia com compaixão,
pois sua angustia é a angustia de todos, na medida em que a não aceitação desta gera mais
males.

29 Giovanni REALE, Metafisica – livro II, 2005, p.3.


30 Nicola ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, 2007, p.61.
31 Martin HEIDEGGER. Ser e Tempo: Parte II, 2005, p.142-143.
32 Étienne BORNE, O Problema do Mal: mito, razão e fé, 2014, p.148-150.
16

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Por fim, pôde-se chegar a conclusão de que o mal ainda é um campo muito
extenso e há muito o que se debruçar sobre este tema, mas foi possível fazer um
levantamento de suas formas, de constatar sua existência que não toma uma forma
material, substancial, mas por meio de uma participação da realidade, o mal se torna
capaz de enfraquece-la.

Foi possível concluir também que o homem, dotado de razão e capacidades,


tem possibilidades de reverter o problema do mal, ainda que não totalmente e nem
de forma quantitativa, mas significativamente. Para isso o homem deve assumir sua
responsabilidade diante da angustia que o mal gera em seu espirito, consequência
de situações-limite vividas pelo mesmo, fazendo da angustia possibilidade de
superação.
17

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mal é uma situação que parece minar a vitalidade humana, e de fato


quando este se depara com a morte, vê todas as suas esperanças furtadas. Diante
desta realidade, o homem se pergunta o que é o mal e por que ele o sofre, esta
pergunta é feita impulsionada pela angustia, consequência do mal, e que em si é um
mal metafísico, não tem substancia, mas atinge o homem de forma mais agressiva
que o mal físico.
Diante desta realidade, o homem não deve deixar-se carregar de forma
desiludida, mas ver nesta angustia a possibilidade de uma vida plena de sentido,
pois, apesar dos males vividos, o homem se mostra em sua condição, capaz de
transformar esta realidade de forma significativa.
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Referências

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fonte, 2007.
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AGOSTINHO. A verdadeira religião: O cuidado devido dos mortos (on line), 2017. Disponível
em <https://catolicotridentino.files.wordpress.com/2017/11/patrc3adstica-vol-19-a-
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ARISTOTELES. Os pensadores. Tradução de Leonel Vallandro, Gerd Bornheim. São Paulo:


Abril S/A, 1973.

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FRANCHINI, A. S.; SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da Mitologia: Deuses,


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Leibniz (on line) 2 (2017), p. 241-252. Disponível em <
http://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/download/3882/3894/>. Acesso em: 04
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TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica I. Campinas: Permanência, 2016.

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