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Nome: Douglas Xavier de Sousa Curso: Filosofia-licenciatura

Artigo escolhido: Unde malum: O mal em Santo Agostinho

– Maria Manuela Brito Martins –

O que é o mal?

Agostinho encara o problema do mal desde cedo, e logo percebe que este é
um “sério obstáculo à compreensão da vida, da existência, e sobretudo, da ideia de
Deus como um ser soberanamente bom”1. Visto que, neste primeiro momento, o mal
se apresenta como um paradoxo2, pois partindo do pressuposto axiomático e
indubitável que Deus é sumamente bom, “Donde vem então o mal?”3

Neste impasse, Agostinho vai em busca dos maniqueístas na tentativa de


encontrar respostas para este problema que não o fazia dormir à noite. A seita
gnóstica dos maniqueus, em resumo breve, justificavam a existência do mal num
sentido materialista. Para eles, o universo foi gerado através de dois princípios
ontológicos coeternos: A luz (o bem) e as trevas ou matéria (o mal)4. Assim, o universo
teria vindo dessa “luta dos contrários”, e do mal do mundo a culpa era da matéria, no
homem (inclusive o mal moral), o corpo5. Então, em tudo havia o bem e o mal tal como
afirma Martins, “[...] Não existia, unicamente, uma substância boa, mas,
simultaneamente, uma substância má”6

Entretanto, estas respostas nunca satisfizeram plenamente o jovem agostinho,


que através da leitura das ciências gregas (artes liberais)7, compreendeu a
incongruência e as falácias da doutrina maniqueia, que serão resolutamente
encontradas e abandonadas8. Agostinho nunca aderiu a esta cosmologia/ontologia

1 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 2.


2 COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes. Pág. 33.
3 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. apud Agostinho, VII, 5, 7

(CCSL 27, 96).


4 COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes. Pág. 33.
5 COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes. Pág. 34.
6 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 3.
7 COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes. Pág. 34.
8 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. apud Agostinho,

Confessionum libri, III, 7, 12 (CCSL 27, 33)


maniqueia, quando afirma, por exemplo, “Sem dúvida alguma que [o mal] não é uma
substância, ao contrário, ele é o inimigo da substância”9. Adicionalmente, como explica
Martins, “Agostinho entendia a ideia de substância como sendo aquela que deve ser
unicamente aplicada a Deus”10. E ainda, quando trata do mal nas confissões:

Para Agostinho, é vidente que, não pode haver duas substâncias, uma boa e
outra má. A(in)compatibilidade da coexistência entre um princípio bom e um princípio
mau impede de conceber verdadeiramente a transcendência divina. É esta absoluta
transcendência que o leva a considerar que o mal não pode nem é absolutamente
considerado. Essa impossibilidade de se entender o mal como um absoluto, significa
que não só o mal, não existe absolutamente, em relação a Deus, que é o Sumo Bem,
como também nem sequer em relação à obra da criação. Por isso, da mesma forma
que não podemos instaurar, no seio da especulação sobre a vontade humana, dois
absolutos, homem e Deus, da mesma maneira também, não o podemos fazer em
relação a Deus e à obra da criação.11

Agostinho só vai formular a sua concepção acerca deste problema existencial


que assola a humanidade, e que no cristianismo aparece como um impasse
impetuoso, na sua maturidade intelectual. Quando, munido pelos dados da fé, e das
experiências das escolas filosóficas pelo qual passou (ressalva para a sua leitura do
neoplatonismo), elabora que “[...] o mal é definido como privação, defecção, ausência
ou distanciamento do bem – Deus, e, portanto, totalmente destituído de consistência
ontológica.”12. Por fim, Conceição ressalta a importância semântica para entendermos
precisamente Agostinho:

Se retirarmos uma parte do bem supremo (Deus), esta parte será a ausência
de bem. É esta parte separada do bem total que conhecemos como mal. Desse modo,
interpretamos, erroneamente, que o mal existe e que o contrário do mal é o bem. Na
realidade, o contrário do bem não é o mal, pois este não existe, logo, é o nada. 13

9 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 3. apud Agostinho, De
Moribus Manichaeorum, 8, 11 (PL 32, 1350).
10 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 3.
11 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 18-19.
12 COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes. Pág. 36.
13 SOUSA, Lucas da Conceição. O problema do mal em o livre-arbítrio de Agostinho. Pág. 3.
Comentários apressados

Em primeiro lugar, ressalto aqui a ousadia de Agostinho quando afirma ser o


mal a privação do bem supremo (Deus), “porque não sabia que o mal não é senão a
privação (malum non esse nisi privationem boni)”14. Pois, o senso comum (não sei se
era o senso comum da época) eu diria, acharia esta ideia estranha aos ouvidos, “Então
Deus é ausente?!”15. No entanto, Tomás de Aquino, no art. 1 da questão 7 da suma
teológica “Da infinidade de Deus”, responde ser Deus infinito e perfeito, após
argumentar contra os filósofos antigos (principalmente Aristóteles) que haviam
afirmado ser o infinito dentre outras coisas, imperfeito (ideia comumente helênica e
pitagórica).16 Talvez não seja neste sentido as respostas de Aquino, no qual, eu trago
aqui para complementar a bibliografia. Digo, realmente me carece este conhecimento,
mas achei pertinente levantar resgatar tal ideia.

Quando Santo Agostinho afirma ser o mal a “ausência”, e considerando que o


mal está para todos, ele necessita de um conceito rígido, no qual não se altera
(imutável). A partir desta rigidez, se desdobra o resto e precisamente a não-rigidez e
a sua ausência. Neste sentido, é preciso saber o que é, para saber o que não é e o
que carece (devido a um certo grau de anterioridade ontológico)17. Assumir ser Deus
esta ideia fixa é confortável, inteligentíssimo e totalmente coerente com o seu escopo.
Dessa forma, o mal não é um não-ser, pois não possui um status ontológico; é
precisamente a defecção do supremo bem. Adicionalmente, é preciso que ambos o
bem e o mal, estejam na mesma “camada”; o mal é metafísico, pois Deus também é.
Nos moldes de Agostinho, é inconcebível pensar em um mal fora da “camada
metafísica”, justamente por essa rigidez já citada.

14 MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho. Pág. 17. Apud Agostinho,
Confissões, III, 7, 12, 101.
15 Resposta do meu pai quando eu afirmei ser o mal a ausência de Deus, apenas para saber o que ele

pensava. Mas antes, ele me respondeu “Como assim?”


16 Suma Teológica. Art. 1 “Se Deus é infinito”, Questão 7 “Da infinidade de Deus”. Pág. 156. Disponível

em: https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf
17 Curiosidade prolixa: “É preciso honrar os anciãos, porque aquilo que cronologicamente vem antes

merece maior honra” Diógenes Laércio citando ensinamentos dos “assim chamados pitagóricos”
(expressão do Aristóteles) no Vidas dos filósofos ilustres, V, III.
Assumo para min, parte desta concepção agostiniana. Estritamente, esta virada
lógica onde o mal é a ausência de Deus; nego totalmente ser o mal de caráter
metafísico. Ao meu ver, o mal é de caráter moral; é a ausência de um bem moral. Esta
acepção, diferente em Agostinho, cai no problema da “moral universalizada”. Afinal,
como o mal pode ser a privação do bem moral, se a moral claramente se altera
mediante a cultura (que se altera de acordo com o tempo e o espaço)?

Afirmo ser causa deste problema, o fato de que Deus, por ser Deus, é dito ser
imutável, perfeito, etc. Justifico que há, indubitavelmente, toda uma tradição que
explica tal qualidade de Deus, mas o criador de todas as coisas só possui estas
características, por ser princípio de todas as coisas. Semelhantemente, o “ser” em
Parmênides coincidem (quanto a ser imutável, uno, etc.), porém são postas,
obviamente, de forma e pretensões diferentes. Em última instância, as qualidades de
Deus fazem com que Deus seja o que é, pois faz mais sentido assim. Diferentemente,
a moral é relativa (apesar das mais diversas tentativas de universalizar a moral), e
com isto, me falta a rigidez para determinar o distanciamento da ideia fixa.

No diálogo Alcibíades I, quando Sócrates e seu protegido dialogam a respeito


do “Conheça-te a ti mesmo”, são levantadas duas perguntas e respectivamente duas
aceitações:

Sócrates – Como assim, Alcibíades? Não reconheces que cuidar de alguma


coisa é fazer algo a seu respeito?

Alcibíades – Decerto.

Sócrates – E sempre que o tratamento deixar essa coisa melhor do que era
antes, não dizes que ela foi bem cuidada? 18

Cuidar de alguma coisa, é fazer algo a seu respeito; e quando melhoramos


essa coisa em determinado aspecto, é decerto dizermos que ela foi bem cuidada.
Partindo destes princípios, a minha humilde proposta é afirmar que cuidar de alguma
coisa, é praticar um bem para ela. Quando nós, curamos nossas imperfeições, afim
de nos aprimorarmos enquanto indivíduos, é um cuidado de si. Assim, resumindo,

18 PLATÃO. Diálogos. Pará: Universidade Federal do Pará. 1975. Pág. 236.


prejudicar uma coisa em determinador aspecto, é praticar um mal quanto a ela.
Piorarmos algo em determinado aspecto, parece ser praticar um mal quanto a ela; e
consequentemente a si mesmo, visto que, não me parece ser o caso em q infligir o
mal seja uma via de mão única. Se eu pratico o bem, eu faço um bem para min; se
pratico o mal, não posso esperar que isto seja um bem para min.
Referências

MARTINS, Maria Manuela. Unde Malum: O mal em Santo Agostinho.

COSTA, Marcos Nunes. As 10 lições de Santo Agostinho. Vozes.

SOUSA, Lucas da Conceição. O problema do mal em o livre-arbítrio de Agostinho.

Suma Teológica. Art. 1 “Se Deus é infinito”, Questão 7 “Da infinidade de Deus”. Pág.
156. Disponível em: https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-
teolc3b3gica.pdf

PLATÃO. Diálogos. Pará: Universidade Federal do Pará. 1975. Pág. 236.

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