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IFSP – campus ARQ – SEGUNDOS ANOS DOS CURSOS TÉCNICOS INTEGRADOS AO ENSINO MÉDIO.

Disciplina de Filosofia, Prof. Nestor – maio de 2023

AGOSTINHO DE HIPONA

Cara aluna, caro aluno,

Santo Agostinho (354-430 dC) é uma dessas pessoas que geram forte admiração em todos os que
conhecem um pouco de sua vida cheia de mudanças, e de suas obras, tão numerosas e bem escritas.

Deixo aqui com duas indicações. As duas primeiras já permitem você conhecer o mínimo
indispensável. Primeiro, uma apresentação rápida, em https://www.youtube.com/watch?v=_IC_6PGJilw. Ela
foi, aliás, preparada pelo IF de Rondônia. A segunda é uma apresentação de 11 minutos, com boa descrição
da sua vida e resumo inicial sobre sua obra e importância, que está em
https://www.youtube.com/watch?v=PBSMniil4EM.

Esclareço que a segunda apresentação foi realizada por


membros da igreja católica. No entanto, Agostinho de Hipona
também é estudado por quem é protestante, e por quem não é
religioso. Isso ocorreu, por exemplo, com a tese de doutorado
de uma das mulheres mais importantes do século XX, Hanna
Arendt.

Quando você tiver um pouquinho de tempo (para estes


dias ou para toda a sua vida) dê uma olhada ao menos no início
do livro “Confissões”. Fácil de encontrar na internet, e tem na
nossa biblioteca. É um dos livros mais importantes da
civilização ocidental, ao lado da “República” de Platão, ou da
“Ilíada” de Homero (para citar obras mais antigas). E como
Agostinho é ótimo escritor, sua leitura dá gosto.

Da imensa obra de Santo Agostinho vou destacar


apenas três pontos. O primeiro é uma de suas qualidades, o
segundo é o direcionamento básico do seu pensamento, o
terceiro é um dos seus temas mais característicos.

EXCELÊNCIA NA ELABORAÇÃO RACIONAL

Traço marcante na obra de Agostinho é a sua sinceridade, respeitada inclusive pelos atuais
psicanalistas. Não apenas porque não esconde o que é importante, mas sobretudo porque encara com todo
cuidado aquilo que é importante. Suas reflexões não se apressam para chegar às conclusões, mas vão
desdobrando cada um dos problemas, das questões, das implicações, das críticas possíveis ao grandioso
sistema filosófico e teológico que ele foi construindo e corrigindo.

Agostinho afirma que só a fé alcança a verdade. Mas é imprescindível o esforço da razão em mostrar
a coerência daquilo em que se acredita. A fé é uma força que dá um salto para o essencial. A razão caminha
passo a passo, firmando bem os pés no chão. Mas os saltos da fé não substituem nem eliminam a
inteligência. Ao contrário, a fé sincera estimula e promove a inteligência. Fé e razão são complementares:
“creio para compreender, compreendo para crer” será o lema que irá nortear toda a filosofia medieval.

Agostinho cumpriu a missão de esclarecer a fé, e nessa direção seguem os cerca de 100 livros, 300
cartas e 500 sermões que dele são conhecidos.
O VALOR DA INTERIORIDADE

A sinceridade de Agostinho chega aos recônditos da sua própria alma. Por isso lamenta que “... os
homens vão admirar as encostas das montanhas, as amplas correntes dos rios, a extensão dos oceanos, o
ciclo dos astros, mas abandonam a si mesmos”. Agostinho não tem nada contra admirar a natureza, só
mostra que é muito limitado admirar as formas exteriores da natureza sem se deixar sensibilizar pela
qualidade de beleza que dela emana – como que de dentro para fora. E com isso se deixar tocar pelo senso
de beleza e harmonia que a natureza desperta em nós mesmos. E com isso ampliar o conhecimento de si
mesmo.

Agostinho também escreveu: “Que profundo mistério é o homem! E no entanto, Senhor, tu


conheces até o número completo de seus cabelos. Entretanto, é mais fácil contar os seus cabelos do que as
sensações e os afetos que movem seu coração”.

Outra passagem do livro “Confissões”: “...


quando eu estava decidindo servir inteiramente ao meu
Deus, ... era eu que queria e eu que não queria, era
exatamente eu que nem conseguia querer plenamente,
nem rejeitava plenamente. Por isso lutava comigo
mesmo, e dilacerava-me a mim mesmo.”

Para Agostinho, não é investigando o mundo


que se encontra Deus, mas sim sondando a própria
alma, cada vez mais fundo. Conhecer-se a si mesmo, como haviam dito Sócrates e Platão, significa para
Agostinho conhecer-se como imagem de Deus, ou “templo do Espírito”. Por isso ele escreveu: “Não busques
fora de ti ... entra em ti mesmo. A verdade está no interior da alma humana”.

O MISTÉRIO DO MAL

Uma das explicações mais notáveis de Agostinho se refere ao grande problema que se ergue contra
a ideia da criação do universo por Deus: se tudo provém de Deus, que é o Bem, então de onde provém o
mal?

A reflexão de Agostinho havia amadurecido durante o período em que aderiu ao maniqueísmo. O


maniqueísmo acredita que o universo provém de duas potências originais criadoras, o bem e o mal. Isso é
inteiramente contrário à noção judaico-cristã de um único Deus criador. Superando o maniqueísmo, e depois
assimilando a filosofia neoplatônica (do filósofo Plotino) Agostinho chegou à sua doutrina que até hoje é
respeitada, pois é perfeitamente adequada à sua época.

O problema do mal deve ser encarado em três campos.

PRIMEIRO, Do ponto de vista metafísico-ontológico, o mal simplesmente não existe. Somos nós que
às vezes julgamos serem defeitos da natureza coisas tais como a existência de animais nocivos, ou a
ocorrência de terremotos destruidores. Mas com isso estamos aplicando os nossos critérios – de utilidade ou
vantagem humana – a fenômenos que ultrapassam completamente a esfera humana. A natureza em seu
conjunto tem suas próprias leis que superam as medidas humanas. Agostinho ficaria maravilhado com os
conhecimentos atuais sobre os bilhões de galáxias, cada uma com suas bilhões de estrelas, a maioria destas
dotadas de seus planetas, conjunto dentro do qual as medidas humanas são menores do que uma gota de
água dentro do oceano.

Agostinho usa uma imagem para ilustrar essa verdade de que o mal não tem uma essência própria.
Seguindo o filósofo Plotino (205-270), Agostinho usa a expressão: o mal é a privação do bem. Seria como a
noite, que só é escura porque o sol está iluminando o outro lado do planeta, e se torna muito escura se
nuvens espessas cobrem o lugar em que estamos e impedem a luz das estrelas. Agostinho também escreveu
que a falta do bem recebeu o nome de mal, embora o mal não tenha uma natureza própria, por ele mesmo.

SEGUNDO, do ponto de vista moral – aquilo que seres humanos causam a outros seres
humanos - o mal é o pecado. E o pecado é um desvio da vontade. Por sua natureza, a vontade humana
tende ao Bem. Mas os seres humanos criam muitas coisas que são bens inferiores àqueles outros bens que
são essenciais, ou mesmo parecem bens sem o ser realmente. Com isso se cria a possibilidade de a vontade
se dirigir para escolhas incorretas, que resultam em erros e males. O mal moral é uma distorção. Aliás, a
palavra que foi traduzida como “pecado”, significa literalmente, em língua grega, “errar o alvo”.

Agostinho escreve que não há como encontrar uma causa eficiente da má vontade, pois na realidade
só existe aqui uma deficiência. Não há uma força produtiva do mal, mas apenas a sua falta. A má vontade
consiste em afastar-se do bem, atraído por uma ilusão. A natureza humana não se torna má, mas se habitua
a seguir numa direção errada, se acostuma a uma maneira errada de exercer a vontade. A má vontade é
individual, e por isso são aplicados castigos aos erros voluntários, enquanto não cabem às falhas
involuntárias.

O nó que constitui o mal moral depende do mau uso do livre-arbítrio. Deus deu ao ser humano o
poder de escolher livremente – pela vontade inteligente - a direção de seus atos. Para Agostinho o fato de
ter recebido de Deus uma vontade livre é um grande bem. O mal surge com o mau uso desse grande bem. “o
bem em mim é obra tua, Senhor, o mal em mim é o meu pecado”.

TERCEIRO. Do ponto de vista físico-corporal – as doenças, os tormentos da alma, e a morte – o mal


constitui consequência do pecado original. A corrupção do corpo, que pesa sobre a liberdade e os
movimentos da alma, resulta do primeiro pecado dos primeiros seres humanos. Nesse sentido, não é a
doença que traz pecado para a alma, mas é a alma originalmente pecadora, ou que se compraz com maus
hábitos, que gera a fraqueza do corpo.

Em síntese, o mal em si mesmo, como substância, não existe. Não há mal algum na natureza e no
universo. O mal é uma questão fundamentalmente humana. E, no ser humano, o mal é a privação de um
bem. Ele é como uma sombra criada pela interposição de um ato de vontade errôneo diante da realidade
única da luz. Para Agostinho é o ato pecaminoso – seja do pecado original primordial, seja do pecado
individual de uma pessoa – que cria uma lacuna, uma destituição, uma ausência de algo que deveria estar
presente.

REVISÃO:

Responda, com poucas palavras:

1) Qual é, para Agostinho, a relação correta entre fé e razão?


2) Deus está além do tempo e do espaço. No entanto, para Agostinho, ele pode ser encontrado em
um certo “lugar”. Que “lugar” é esse?
3) O que é o mal para Santo Agostinho?

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