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A Antroposofia como resposta às urgentes

questões do nosso tempo.


São José do Rio Preto, 8 de agosto de 2015

Palestra: Doutora Ana Paula Cury

Caros amigos, coube a mim a tarefa de comunicar-lhes algo que lhes possa
apresentar a Antroposofia e permitir seu reconhecimento como um tesouro
capaz de oferecer insights e respostas para muitas das graves e urgentes
questões de nosso tempo. E eu me pergunto, o que posso dizer-lhes para
que se sintam convidados a acolher em seus pensamentos e sentimentos
esta cosmovisão antroposófica, e como?

Steiner costumava dizer que aquele que quisesse falar sobre Antroposofia
devia supor que, em última análise, o que ele quer dizer não é senão o que
cada um de seus ouvintes já diz em seu coração. Que o tom fundamental
de uma exposição antroposófica deve ser de tal forma que chegue a tocar o
anseio mais profundo do coração dos seres humanos que necessitam da
Antroposofia.

Talvez dentre as perguntas que vocês trazem consigo para este encontro, a
primeira seja: Afinal, o que é Antroposofia? Para tentar responder a ela
devo tecer algumas considerações.

Nos séculos XV/XVI, a consciência humana empreendeu um importante


passo numa nova direção. Uma nova autoconsciência despertava. Ela queria
emancipar-se do antigo dogmatismo eclesiástico e da mística medieval.
Assumiu seu lugar frente à natureza considerando-a objeto de pesquisa,
pois queria conhecê-la o mais objetivamente possível. Francis Bacon (1561-
1626) foi o intérprete metodológico dessa nova consciência. Ele dizia:

“ Se reduzirmos nossos objetos de pesquisa ao que podemos medir, pesar e


contar, poderemos nos assegurar de estar em solo objetivo. Neste,
sentimentos místicos não podem mais pregar-nos peça alguma. E se
tentarmos compreender as relações entre os fenômenos sob forma de
causalidades mecânicas, também aí estaremos em solo firme. Neste,
dogmas teológicos não podem pregar-nos mais peça alguma.”

Esta nova época em que a humanidade entrou no início do século XV


caracteriza-se principalmente por uma perda consistente do verdadeiro
conhecimento sobre a entidade do ser humano. Essa perda acompanhou os
grandes progressos da ciência na investigação da natureza e o
surgimentodas tecnologias resultantes, as quais imprimem seu cunho sobre
o mundo atual em escala cada vez maior. Entretanto tal perda causa uma
intensa insatisfação nas camadas mais profundas da alma humana,
suscitando ainda perguntas existenciais, que, não obtendo respostas,
tornarão cada vez menos possível uma existência humana digna na Terra.

Isso me remete a algo que Rudolf Steiner disse, em um ciclo de


conferências proferidas em Dornach entre os meses de janeiro e fevereiro
de 1924:“quando observamos hoje as pessoas que se elevam acima da
superfície da vida, vemos que nelas foram renovadas antigas sensações,
frequentes em cada alma humana. Vemos que as pessoas têm graves
perguntas em seu subconsciente, perguntas que não podem ser formuladas
com clareza pelo pensamento, e que também não podem encontrar
resposta no mundo civilizado. Não obstante, tais perguntas existem, estão
profundamente arraigadas num grande número de pessoas e estão
presentes, de fato, em todos os seres pensantes da atualidade. Quando
essas perguntas se expressam em palavras, parece de início que elas estão
muito distantes, quando na verdade estão bem próximas! Elas estão na
vizinhança mais imediata da alma do indivíduo pensante.

De início, podemos expor duas questões da mesma esfera de enigmas que


oprimem hoje as pessoas. Uma delas surge para alma humana assim que
ela olha para a própria existência e para o mundo que a circunda. A alma vê
o homem entrar na existência terrena através do nascimento, vê a vida
transcorrer entre nascimento e morte física, e passar pelas mais variadas
experiências exteriores e interiores. Vê também fora, na Natureza, toda a
quantidade de impressões que recebe e preenchem gradativamente a
própria alma.

Então, a alma humana presente no corpo observa, sobretudo, que a


Natureza recolhe tudo aquilo que a alma vê na existência física; que
na morte, ela acolhe o corpo físico e o que ela faz dele? Aniquila-o.
Isto causa uma profunda impressão sobre o que acontece à alma, sempre
que ela observa o que se passa com o instrumento através do qual são
executadas todas as ações humanas entre nascimento e morte. Então olha
para a Natureza e diz: “A Natureza que faz brotar de seu seio a mais
prodigiosa cristalização, que faz surgir por encanto plantas germinantes a
cada primavera, que preenche a Terra das mais variadas espécies animais,
que ergue a água e a dispõe em nuvens, esta mesma natureza procede de
forma a reduzir a pó o que o homem traz consigo entre nascimento e
morte. A Natureza com suas leis é destrutiva para o ser humano. Ela
não sustenta o corpo humano. É o que o ser humano vê; embora ele
não forme ideias a respeito, tem essa compreensão profundamente
arraigada em si mesmo, em especial quando se encontra diante da
visão da morte. E então surge-lhe a pergunta: De onde vem a
configuração humana? Vejo as formas admiráveis do cristal, das plantas,
dos animais, como os rios correm pela Terra, vejo as montanhas, e mesmo
assim, a figura humana não pode vir disto tudo, porque tudo isto só tem a
força de aniquilamento, de pulverização da configuração humana como tal.
E aí, na antevisão da morte, surge angustiante a pergunta: De que mundo
provém a configuração humana, uma vez que o ser humano, com sua
forma, não pertence a este mundo? O homem está na Terra e tem no
fundo da alma o sentimento de não pertencer a ela, de que deve
existir outro mundo do qual ele tenha surgido com sua figura. A qual
dos dois mundos pertenço? Quando o ser humano considera sua existência
física que é seu instrumento entre nascimento e morte, ele sabe bem: Sem
este mundo físico eu não poderia viver a existência terrena, porque tenho
de continuamente contrair empréstimos com a vida no mundo sensível. Mas
no mundo visível, em parte alguma do exterior se pode encontrar este meu
próprio ser. Que faço eu, através do meu próprio ser, com o bocado que
pus na boca, com o gole de água que bebi? Quem sou eu que recebo as
substâncias da Natureza e as transformo? Quem sou eu? De onde
venho? É o que ressoa no coração das pessoas de hoje. Esta é a
grande pergunta. E, se as pessoas estão insatisfeitas com o que lhes é
oferecido pela Ciência moderna, é porque trazem no fundo da alma este
questionamento que as ciências estão bem longe de abordar.

Houve no passado uma ciência que falava sobre esse mundo desconhecido.
Mas a consciência moderna deixou essa ciência antiga se perder. Ela não
vale mais; foi transmitida, mas não é mais válida.

Ela já não é considerada para responder à pergunta angustiante que brota


destes dois fatos subconscientes. Então se oferece ao homem uma segunda
possibilidade: a Arte. Mas, hoje, onde está o artista que sabe empregar a
substância física terrestre de modo que esta substância mostre o reflexo
daquele outro mundo ao qual o homem verdadeiramente pertence?

A terceira tradição do passado é mantida pela Religião: ela aponta para o


sentir humano, para a devoção humana por aquele outro mundo. E a antiga
religião era revelação cósmica. Revelação cósmica na hora do nascimento e
na hora da morte. Ela permaneceu conservada em uma literatura alheia ao
mundo, distante do próprio mundo. O homem da civilização contemporânea
não pode mais distinguir nenhuma relação entre o que foi transmitido como
conteúdo religioso e o que agora é um enigma angustiante.

Portanto, a Ciência dos antigos tornou-se decadente, a Arte antiga não é


mais sentida em sua interioridade e o que lhe é apresentado como
substituto é algo que o homem não pode elevar até o irradiar do espiritual
na substância física. A religiosidade dos tempos antigos permaneceu, mas
não se vincula ao mundo em nenhuma direção, porque apesar dela, o
mundo permanece um enigma no que diz respeito ao ser humano.

Assim se encontra o ser humano diante do universo. Onde está o


conhecimento do mundo que faça jus a estes sentimentos?
A Antroposofia gostaria de ser esse novo conhecimento do mundo; ela
gostaria de falar sobre o mundo e sobre o ser humano de maneira a
suscitar por sua vez, algo que possa ser compreendido pela consciência
moderna, assim como a consciência antiga compreendeu a Ciência, a Arte e
a Religião antigas. A Antroposofia tem sua imensa tarefa através da própria
voz do coração humano. Ela não é senão o profundo anseio do ser humano
do presente. É isso o que a Antroposofia quer ser, meus caros amigos. Ela
corresponde ao que o ser humano anseia mais intensamente para sua
existência interior e exterior.” ( Antroposofia, um resumo 21 anos depois)

A Antroposofia, como Ciência Espiritual moderna vem hoje ao encontro


dessa nova busca pelo cerne do ser humano. Em sua autobiografia ( Minha
Vida) Rudolf Steiner caracterizou esse problema da seguinte maneira: “ o
mundo todo, exceto o ser humano, é um enigma, o verdadeiro enigma
cósmico; e o próprio ser humano é a solução”. De acordo com essa
afirmação condutora, é preciso em primeiro lugar solucionar o enigma do
ser humano, constituído principalmente da entidade do Eu e da consciência
do Eu relacionada à primeira, para então ser possível reconhecer
corretamente os distintos âmbitos do mundo à nossa volta. O cerne do ser
humano, porém, não possui suas raízes no mundo físico-sensorial, mas no
mundo espiritual, portanto, este deve ser investigado no intuito de
solucionar esta questão.

Por essa razão a Antroposofia consiste inicialmente em um método científico


moderno que representa uma continuação e ampliação da Ciência Natural
no campo do mundo espiritual, onde se encontra a origem da verdadeira
essência do ser humano. Rudolf Steiner descreve em sua obra com o
cuidado e precisão rigorosos de um cientista, as mais diversas esferas
suprassensíveis, tomando por base sua investigação espiritual, servindo-se
do mesmo método fundamentado e realizado em suas primeiras obras
filosóficas. As diferentes aplicações práticas dos resultados de suas
pesquisas comprovam a cientificidade, profundidade e abrangência da
Antroposofia.

"A Antroposofia é um caminho de conhecimento que deseja levar o


espiritual da entidade humana para o espiritual do universo. Ela aparece no
ser humano como uma necessidade do coração e do sentimento, e deve
encontrar sua justificativa no fato de poder proporcionar a satisfação dessa
necessidade. A Antroposofia só pode ser reconhecida por uma pessoa que
nela encontra aquilo que, a partir de sua sensibilidade, deve buscar.
Portanto, somente podem ser antropósofos, as pessoas que sentem como
uma necessidade de vida certas perguntas sobre a essência do ser humano
e do universo, assim como se sente fome e sede." Rudolf Steiner

(Trad. de V.W.Setzer)
O Caminho Cognitivo da Antroposofia

Quando Steiner apresenta os frutos de sua pesquisa espiritual como


conteúdo do livro Ciência Oculta, ele admite que seu teor deveria ser dado
em pensamentos que, para a apresentação do âmbito espiritual, fossem
aperfeiçoamentos adequados dos pensamentos aplicados nas
Ciências Naturais.

(…) Contudo, somente com tais pensamentos não se pode expor o que se
revela à visão suprassensível como mundo do espírito – pois essa revelação
não cabe num mero conteúdo intelectual. (…) Pensamentos da consciência
habitual são apropriados apenas para comunicar as percepções sensoriais, e
não para revelar o que se observa espiritualmente.

O conteúdo da visão espiritual só pode expressar-se por meio de imagens


(imaginações), através das quais falam inspirações provenientes da
entidade espiritual vivenciada de modo intuitivo. No entanto, quem
descreve imaginações do mundo espiritual hoje, não pode limitar-se a
apresentar essas imaginações. Com isto colocaria ao lado do conteúdo
cognitivo da épocaoutro conteúdo de consciência sem qualquer ligação com
aquele.

Ele deve preencher a consciência atual com aquilo que uma outra
consciência, ao contemplar o mundo espiritual, é capaz de conhecer.
Então seurelato terá por conteúdo esse mundo espiritual; porém tal
conteúdo se apresenta sob forma de pensamentos aos quais ele tem
acesso, tornando-se plenamente compreensível à consciência
comum – que pensa conforme a atualidade mas ainda não tem visão
do mundo espiritual. (…) Para realmente possibilitar um
entendimento, quem expõe visões espirituais deve vertê-las
corretamente em pensamentos, sem que elas percam seu caráter
imaginativo.

Essa compreensão só faltará se a própria pessoa lhe antepuser obstáculos –


identificando-se com os modernos preconceitos relativos aos limites do
conhecimento criados por uma concepção errônea da natureza.
A quem leia com cuidado as observações preliminares com que Steiner abre
A Ciência Oculta, torna-se evidente que ele contava com uma forte
resistênciasob a forma de objeções e preconceitos. Afinal, seu trabalho
estava fundado em um novo paradigma epistemológico. Não obstante, com
a fé inabalável que move todo grande pioneiro, ele corajosamente insiste
em apresentar os frutos de sua pesquisa espiritual – os quais sentia como
extremamente necessários à humanidade -- e o faz de forma amorosa,
colocando-se no lugar daqueles que lhe desferiam ataques e buscando
compreendê-los para melhor lhes responder.

Ele mesmo se refere a isto nas seguintes palavras: “Naquela época (1909)
a publicação do livro pareceu-me uma façanha, pois eu sabia que não
podiam ter isenção de ânimo aqueles que se dedicavam profissionalmente à
Ciência Natural, nem tampouco aqueles que, em seus juízos, dependiam
deles.

No entanto, presente diante de minha alma estavao fato de, na


época em que a consciência da humanidade se havia afastado ao
máximo do mundo espiritual, as comunicações desse mundo
superior serem uma necessidade imperiosa. Eu contava com a
existência de pessoas que sentissem ora mais, ora menos o afastamento da
espiritualidade como um impedimento tão grave em suas vidas, que
assimilassem com íntima ansiedade as comunicações do mundo espiritual.”

Ele mesmo prossegue dizendo: “Quando alguém deixa seu juízo ser
invadido pela afirmativa de que a visão espiritual não pode ser
compreendida pela consciência comum, ainda não vidente – por causa de
seus limites – esse juízo baseado em sensação se antepõe ao entendimento
como uma nuvem escurecedora e a pessoa realmente nada pode entender.”

Steiner admitia que a atividade cognitiva humana, tal como atua na vida
cotidiana e na ciência comum é realmente constituída de forma a não poder
penetrar nosmundos superiores. Entretanto, assim afirmava ele, ela pode
ser fortalecida, revigorada. Apenas que os meios para seu fortalecimento
são de natureza inteiramente espiritual; trata-se de procedimentos
anímicos, puramente interiores. Eles consistem naquilo que a própria
Ciência Oculta descreve como meditação, concentração, contemplação. A
vida anímica comum está ligada aos instrumentos corpóreos. A vida anímica
fortalecida se liberta deles. Por isso mesmo é que trabalhou
conscientemente para não fazer uma exposição popular, mas uma que
exigisse um autêntico esforço mental para se penetrar no conteúdo, de
forma que a leitura, por si mesma, já constituísse o início de uma disciplina
espiritual.

Por outro lado, “embora o livro se ocupe com pesquisas não verificáveis
pelo intelecto ligado ao mundo sensório, nada se expõe que não possa
ser comprovado pela razão imparcial e pelo sentido sadio da
verdade de qualquer pessoa disposta a fazer uso de tais
faculdades”.

Assim, ele também desejava que seus leitores não aceitassem tais
conteúdos com uma fé cega, mas que se esforçassem para comprová-lo
valendo-se dos conhecimentos da alma e das experiências da própria vida.
Não lhe interessavam a fé cega, nem a insensatez ou a superstição, mas
uma observação conscienciosa a partir de uma abertura ou ausência de
preconceitos e o uso do juízo são.

E foi sua intenção descrever claramente a natureza dos processos anímicos


mediante os quais o conhecimento se liberta de seus limites existentes no
mundo sensorial e se torna apto a vivenciar o mundo suprassensível.
Importava-lhe oferecer uma visão dos mundos suprassensíveis com
os meios possíveis e adequados à alma na presente época evolutiva
e , permitir desse ponto de vista, a observação dos enigmas do
destino e da existência humana além dos limites de nascimento e
morte. Como podemos constatar de suas próprias palavras: “A observação
do mundo visível propõe ao homem enigmas que jamais podem ser
solucionados a partir dos fatos desse mesmo mundo. Éque por sua natureza
intrínseca, os fatos visíveis apontam claramente para um mundo oculto.
(...)A Ciência Oculta é a ciência daquilo que ocorre secretamente na medida
em que não é percebido lá fora, na natureza, e sim na região para onde a
alma se orienta ao dirigir seu íntimo ao espírito”.

“O caminho para a Ciência Oculta pode ser encontrado, no momento


oportuno, por qualquer pessoa que reconheça – ou apenas imagine, ou
adivinhe – a partir do mundo visível, a existência de uma realidade oculta, e
que, consciente da prontidão das forças cognitivas para o desenvolvimento,
seja compelida à sensação de que essa realidade oculta poderia revelar-se a
ela. A uma pessoa conduzida à Ciência Oculta por essas vivências da alma,
abre-se não só a perspectiva de encontrar resposta a certas indagações de
seu impulso cognitivo, como também aquela, totalmente diversa, de vencer
tudo o que lhe dificulte e debilite a vida. E, em certo sentido superior,
significa um enfraquecimento da vida ou uma espécie de morte da alma o
fato de um homem se ver obrigado a afastar-se do âmbito suprassensível
ou negá-lo.

Sim – sob certas condições, uma pessoa poderá chegar ao desespero se


perder toda a esperança de ter uma revelação do oculto. Essa morte e esse
desespero, em suas múltiplas formas, são ao mesmo tempo adversários
anímicos, interiores, do esforço científico-espiritual, e surgem quando
desvanece a força interior do homem. Nesse caso, toda força vital lhe deve
ser administrada de fora, se é que realmente ele deve recebê-la. Então ele
passa a perceber os objetos, seres e ocorrências que lhe afetam os sentidos
analisando-os com o intelecto. Estes lhe causam prazer e sofrimento;
impulsionam-no para as ações de que é capaz. Mesmo continuando nesse
processo por algum tempo, ele alcançará ponto em que morrerá
interiormente, pois aquilo que se pode extrair do mundo para o homem se
esgota. Esta não é uma afirmação oriunda da experiência pessoal de um
indivíduo, e sim o resultado de uma observação imparcial de toda a vida
humana.

O que preserva desse esgotamento é o elemento oculto que repousa na


profundidade das coisas. Caso se acabe no homem a energia para descer a
essas profundidades, a fim de sempre extrair nova força vital, no final nem
mesmo o exterior das coisas se mostrará capaz de fomentar a vida.

De maneira alguma esse assunto diz respeito apenas ao ser humano


individual, com suas alegrias e dores pessoais. Justamente por meio de
considerações científico-espirituais verídicas o homem chega à certeza de
que, de um ponto de vista superior, as alegrias e dores do indivíduo se
relacionam intimamente com o bem-estar e o infortúnio de todo o universo.
Existe aí um caminho pelo qual o homem chega à convicção de que estará
prejudicando o mundo inteiro e todos os seres nele existentes caso não
desenvolva adequadamente nele suas próprias forças. Tornando sua vida
estéril pela perda de contato com o suprassensível, o homem não só
destrói em seu íntimo algo cuja extinção pode levá-lo ao desespero,
como também cria, por sua fraqueza, um obstáculo à evolução de
todo o mundo onde vive.”
Olhando novamente para o que caracteriza nossa época, gostaria de
lembrar as palavras do Pastor Norte Americano, Morehead:

O Paradoxo de Nosso Tempo

“Hoje temos construções maiores, porém famílias menores. Mais conforto,


mas menos tempo. Temos um grau de conhecimento maior, mas menos
entendimento humano sadio e menos capacidade de julgamento. Temos
mais especialistas e mais medicina, porém menos saúde de fato.

Rimos muito pouco despreocupadamente, ficamos com raiva depressa


demais, dormimos menos do que deveríamos, lemos pouquíssimo, ficamos
demais à frente de telas como a da TV, do PC, dos tablets e do celular e
somos menos escrupulosos. Multiplicamos nosso patrimônio, mas reduzimos
os nossos valores. Falamos demais, amamos de menos e mentimos com
frequência. Aprendemos como se ganha a vida, mas não aprendemos a
vivê-la.

Temos prédios mais altos, e pavios mais curtos. Estradas mais largas, mas
pontos de vista mais estreitos. Fomos e voltamos da Lua, mas temos
dificuldade em atravessar a rua para conversar com o vizinho ao lado.
Desintegramos o átomo, mas não o nosso preconceito. Estamos sempre
apressados e não sabemos esperar. Temos mais quantidade e menos
qualidade. Mais mensagens, mais informação, menos comunicação.

Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta e deficiente; do homem


grande de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias. Essa é a
era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados.
Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, dos cérebros
ocos e das pílulas "mágicas". Um momento de muita coisa na vitrine e
muito pouco na despensa. Uma era que leva essa carta a você, e uma era
que te permite dividir essa reflexão ou simplesmente clicar 'delete'...” (
atribuído ao pastor Moorehead)

Vivemos em um mundo em que o ter vale mais que o ser. Em que as


incertezas prevalecem e os laços que nos unem parecem mais superficiais e
inconsistentes. Hoje em dia estamos sempre correndo, frequentemente
esgotados, e menos atentos uns aos outros. Tempo, Vitalidade, Interesse e
Compaixão – qualidades do Ser que não temos presenciado tanto quanto
seria desejável. Parece que somos levados de roldão por uma roda-viva...
“A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a
roda viva e carrega o destino prá lá...” Será que não temos escolha?

O que não tem preço( Rosiska Darci)

As escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas dependem


fundamentalmente daquilo a que atribuímos valor. Substituímos uma coisa
por outra, lutamos mais por uma que por outra, em função do que cada
uma vale para nós. Os valores têm uma existência intrínseca, valem pelo
que são.

Na economia é diferente. Não se pergunta sobre o que vale alguma coisa,


mas quanto vale. A existência do valor é relativa, e conversível a uma
moeda de troca, que em geral é o dinheiro.

Quando o valor no sentido econômico começa a invadir o campo dos valores


que vêm de dentro de cada um de nós, e cujo sentido independe de seu
valor de troca, uma mudança da sociedade está em curso. Uma mudança
para pior.

Em um artigo admirável, Patrick Viveret propõe uma engenhosa maneira de


apreciar a hierarquia de valores. “No caso dos atentados contra o World
Trade Center e o Pentágono, dois fatos significativos que eu proponho
chamar de fundamentos antropológicos surgiram como uma evidência
trágica.

O primeiro é que as pessoas que dispunham de um meio de comunicação


como um telefone celular, procuraram falar com seus entes queridos para
fazer declarações de amor, e não com seus banqueiros ou seus superiores,
para saber o estado de sua conta ou da carreira.

Esse ato, que nos parece natural, mostra que diante da proximidade da
morte, os dois apelos humanos mais fortes não são nem a riqueza nem o
poder, mas o sentido da vida ( ou o conhecimento ) e o amor ( ou o
reconhecimento).

O segundo fato notável foi a reação espontânea de muitos americanos –


mas também de estrangeiros – que doaram sangue, em sinal de
solidariedade. Diante do golpe, é a doação que melhor exprime a
solidariedade entre os seres humanos e a capacidade de confiança no
futuro. Imaginemos um só instante, que as mesmas pessoas tivessem
proposto ‘vender’ seu sangue, prática, aliás, corrente nos EUA. Este gesto
teria sido considerado, no mínimo, obsceno”

Viveret escolheu dois exemplos pungentes para estabelecer a diferença


entre o que são valores em si – o amor, a solidariedade – e os outros
valores, determinados por indicadores monetários.
Um dos flagelos da sociedade de mercado é contaminar com sua lógica tudo
que a cerca, na ânsia de colocar em números, de medir, de calcular tudo o
que existe, para só então decidir se tem ou não valor. Essa contaminação
atinge a linguagem e introduz no vocabulário conceitos como capital
humano, recursos humanos, subentendendo que cada ser humano é ele
mesmo passível de avaliação monetária. Resta saber se seremos capazes
de sair dessa sociedade de mercado, que retifica as relações sociais,
construindo um sentido para a vida em si mesma, na fruição dos momentos
que não serão nem vendáveis, nem compráveis. Nesta nova proposta de
vida, tempo não é dinheiro.

Uma época que não se cansa de apregoar o primado do indivíduo, debruça-


se pouco sobre a possibilidade que esse indivíduo tem, de fato, de ser feliz,
enredado nas obrigações de performance, nas expectativas de sucesso que
se medem pela renda ou pela visibilidade, tendo que pagar, por isso o preço
de uma espécie de “fome de tempo”, “fome de presença”.

O tempo, esse bem tão raro que o homem mais rico da Terra não pode
comprá-lo, além de um certo limite. Porque o tempo, a morte não vende.
Sempre me fascinaram as reações dos que correram perigo de vida e
renascem dispostos a mudar seus destinos radicalmente. O tempo é então
sua primeira conquista. De certa maneira, estamos todos correndo perigo
de vida, de perder a vida,na medida em que nos submetemos às injunções
de uma sociedade que desordenou-se, invertendo o sentido original das
coisas. Antes ganhávamos a vida no trabalho. Hoje é o trabalho que ganha
nossas vidas.

Em seu “ O Princípio Responsabilidade- ensaio de um ética para a civilização


tecnológica” Hans Jonas ( 1903-1993) pensador de origem judaica, que
deixou a Alemanha logo após a ascensão do nazismo, se ocupa de questões
como a relação entre o Ser e o dever, causa e finalidade, natureza e valor.
Certas transformações em nossas capacidades, ele diz, acarretaram uma
mudança na natureza do agir humano. E, já que a ética tem a ver com o
agir, a natureza modificada do agir humano também impõe uma
modificação da ética. A natureza qualitativamente nova de nossas ações
descortinou uma dimensão inteiramente nova, não prevista nas
perspectivas e cânones da ética tradicional. A técnica moderna introduziu
ações de uma tal ordem inédita de grandeza, com tais novos objetos e
consequências que a moldura da ética não consegue mais enquadrá-
las.Nosso agir tornou-se tão potencialmente destrutivo em seus efeitos que
se não estivermos atentos para as consequências dos nossos atos, se não
buscarmos um fundamento moral para eles, poderemos realmente causar
uma terrível destruição que inviabilizará a própria continuidade da missão
do homem e da Terra.
Corroborando o mesmo pensamento, o historiador Eric Hobsbawn (1917-
2012) escreveu ao final de sua obra “ A era dos extremos”: Nós sabemos
que por detrás da nuvem densa e opaca de nossa ignorância e da incerteza
de consequências específicas, as forças históricas que moldaram o século
XX continuam a operar. Vivemos em um mundo capturado, desenraizado e
transformado por um titânico processo de desenvolvimento econômico-
tecnológico capitalista que dominou os últimos dois ou três séculos.
Sabemos, ou ao menos podemos supor razoavelmente, que as coisas não
podem seguir assim ad infinitum. O futuro não pode ser uma continuação
do passado, e há sinais, tanto exterior quanto interiormente, de que
alcançamos o ponto de uma crise histórica de proporções globais. As forças
geradas pela economia científico-tecnológica são agora grandes o bastante
para destruir o meio ambiente, isto é, o fundamento material da vida
humana. As próprias estruturas das sociedades humanas, incluindo alguns
dos alicerces sociais da economia capitalista, estão a ponto de serem
destruídos pela erosão daquilo que herdamos do passado humano. Nosso
mundo corre o risco tanto da explosão como da implosão. Isto tem de
mudar. Não sabemos onde estamos indo.

Aparentemente, à medida que a ciência e a técnica avançavam fomos


perdendo consistentemente o conhecimento da entidade ser humano. Hoje
a própria humanidade está em questão...Relacionemos isto com o que disse
Rudolf Steiner no GA 78 sobre a Antroposofia, lembrando que, de acordo
com ele, ela não surgiu da arbitrariedade humana e não somente por uma
necessidade da humanidade, mas como resposta a um grande chamado do
mundo espiritual – um chamado de Michael.
“A meta última da Antroposofia é ... construir a ideia do Ser Humano,
prover insights a respeito do Ser humano. Os insights suprassensíveis da
ciência espiritual antroposófica despertam em nós um amor humano que
nos ensina o valor da humanidade e que nos possibilita experimentar a
dignidade humana”. E em maio de 1917 em Stuttgart:“ A Antroposofia quer
prover respostas para questões que ela mesma não indaga, mas que são
feitas pelos corações e almas do presente se eles compreendem a si
mesmos corretamente. Tenho consciência de que as perguntas que coloco
em meus numerosos escritos não são minhas perguntas. As questões
emergem da cultura dos nossos tempos, especialmente das ciências.
Qualquer um com interesse pelasdemandas contemporâneas, pelas
necessidades urgentes das almas humanas de hoje não pode senão
esforçar-se por responder a tais indagações.

De acordo com Steiner, com a virada do século XIX para XX, uma nova era
de luz principiou. Esta nova era estava associada por um lado,ao fim da
assim chamada Idade das Trevas- ou KaliYuga – caracterizada pelo
desaparecimento progressivo de uma clarividência semiconsciente, outrora
natural, e com ela o apartar-se mais e mais do espírito. Por outro lado, esta
nova era estava também vinculada ao aparecimento de novas capacidades
anímicas, novos poderes de alma que surgiriam como disposições nos seres
humanos na época presente. Estas novas faculdades, se adequadamente
desenvolvidas, poderiam oferecer à humanidade a possibilidade de atingir o
espírito através do pensamento – através de um pensamento mais elevado,
capaz de transpor o abismo entre a experiência sensorial e a
suprassensível, fazendo alcançar a experiência espiritual direta.

Em contrapartida ele também observou que se tais poderes fossem


ignorados, ou pior, subvertidos, o efeito sobre a evolução humana seria o
despertar de certas forças instintivas de um modo pernicioso e destrutivo.
Os resultados ultrapassariam a destruição moral e física de indivíduos;
minariam toda a vida da sociedade humana. Esses instintos não seriam
simples erros pessoais, mas se estenderiam à vida social acarretando
condições que impediriam os homens de desenvolver qualquer tipo de
fraternidade na Terra, levariam-nos até a opor-se à fraternidade.

Emil Bock, em sua obra “Estudos sobre os evangelhos” vol I, ao abordar as


tentações no deserto, escreve: “Na vida humana a natureza da tentação é
sempre um convite para utilizar os poderes interiores de forma indevida. Se
caímos em tentação, isto de forma alguma se deve apenas às nossa
fraquezas. Pelo contrário, pode ser que sem realmente o notar, tenhamos
alcançado um limiar, um turning-point em nossas vidas, em que algo de um
outro mundo quer nos influenciar, e somente nossa própria incapacidade
em receber e manter dignamente esta benção é que nos leva a desviar-nos.
Todas as aberrações nas quais podemos incorrer, todos os crimes que
podemos cometer nada mais são que possibilidades de crescimento
pervertidas ou transviadas. Os pecados dos homens são mais que meros
lapsos. Aberrações morais têm significado para o mundo, pois por trás de
cada vício se oculta uma virtude desviada.”

Em outras palavras, poderíamos dizer: o ser humano hoje possui


capacidades para um conhecimento que sirva à vida e deveria honrá-las por
ter sido dotado com elas. Contudo, o conhecimentosobre o qual ainda se
assenta a civilização, os conceitos e ideias da atual mentalidade científica e
toda a técnica por ela gerada têm se mostrado inadequados e/ou
insuficientes para a compreensão de sua própria existência, da Terra e sua
preservação. Não são resultantes do desenvolvimento de tais capacidades
e não poderão levar verdadeiramente a um progresso sustentável. “Pois só
surgirá ordem a partir deste caos quando se compreender do que este caos
surgiu. Ele surgiu da concepção desespiritualizada da realidade”(Steiner,GA
177)

Recordo-me do que falou Steiner em termos impactantes destas escolhas


que confrontam a humanidade no limiar do século XXI. Nós estaremos,
disse ele bem categoricamente, ou a beira do “túmulo da civilização” ou
diante do “nascimento de uma nova era de revitalizada consciência e
cultura humanas.
No Ciclo de palestras intitulado “Os Fundamentos Espirituais do Mundo
Exterior”, Rudolf Steiner faz a seguinte advertência: “Se a Ciência do
Espírito quiser realizar sua tarefa, antes de mais nada, faz-se necessário
que ela se torne a incentivadora para o estado de alerta pleno. Pois apenas
saber das coisas que acontecem no mundo sensorial e das leis que o
intelecto consegue compreender como existentes no mundo sensorial, isso,
num sentido mais elevado, significa dormir. A humanidade só está
plenamente desperta quando também consegue desenvolver conceitos,
idéias sobre aquele mundo espiritual que está ao nosso redor como o ar e a
água, como as estrelas, o sol e a lua. E assim como dormimos quando à
noite estamos completamente entregues ao processo corpóreo interior e
não temos idéia do que existe ao redor no mundo corpóreo exterior, assim
também dormimos quando nos entregamos apenas ao mundo sensorial
exterior, ao mundo do intelecto e às leis do intelecto que dominam no
mundo sensorial exterior, e não temos idéia do que está à nossa volta como
mundo espiritual”.

Despertar para a realidade do espírito é de fato uma necessidade em nossa


época. E Steiner afirma isto veementemente quando declara que em
relação ao caos social e à crise em que vivemos “não haverá ordem antes
que uma concepção científico-espiritual penetre nos corações humanos.
Todo o resto será mera aparência, todo o resto será paz aparentemente,
sob a qual sempre se acenderão novas chamas. Pois só surgirá ordem a
partir deste caos quando se compreender do quê este caos surgiu. E ele
surgiu da concepção desespiritualizada da realidade”. (GA 177)

Sobre a natureza da crise e das forças que a engendram, Steiner, numa


palestra de 1919 (A Educação como uma força para mudança social – GA
192 e 296), diz que “O homem moderno se ocupa bastante com questões
sociais, mas ele se encontra mal equipado para pensar a respeito delas,
porque as capacidades intelectuais de boa parte da sociedade estão
paralisadas. A grande maioria acredita que se pode superar os atuais
problemas de ordem social com o conhecimento e compreensão vigentes.
Nós não os sobrepujaremos, não podemos suplantá-los se não os
abordarmos de uma perspectiva espiritual.” E mais adiante ... “Olhemos,
pois, mais detidamente para o significado espiritual da industrialização.
Tomemos, por exemplo, a incorporação máxima do processo de
industrialização: a máquina. Máquinas diferem de tudo o mais que as
pessoas encontram na vida normalmente, tal como animais, plantas, etc.
Vocês podem aplicar todo o seu pensamento científico a um animal – eu
nem quero mencionar os seres humanos neste contexto – e, não importa o
quanto você o examine, ele ainda conserva um aspecto de algo que
poderíamos chamar de uma “criatura de Deus”. Você jamais poderá
descobrir inteiramente a essência de um animal. Este também é o caso com
as plantas ou cristais. Se você tomar todas as maravilhosas formas dos
cristais, terá de admitir que, embora com algum treinamento você possa
compreender algo de suas formações, haverá ainda uma infinidade de
aspectos dos cristais a que você voltará o olhar com espanto e não
compreenderá com o intelecto convencional.

Mas agora veja uma máquina – ela é perfeitamente transparente. Você


pode saber tudo sobre ela; nós aplicamos força aqui, os mancais de escora
estão aqui e ali, a quantidade de fricção é assim e assado, etc. Logo, você
pode calcular sua eficiência se você conhece todos os fatores envolvidos.
Não há nada sobre uma máquina que não possamos compreender com a
razão e a inteligência normal. Mas isto é especialmente importante para o
relacionamento dos homens com as máquinas. Se você já encontrou
milhares e milhares de pessoas que trabalham com máquinas, então
certamente deve saber o que as almas de tais pessoas têm lentamente
absorvido. Você verá, ou talvez somente pressinta o que tem penetrado
furtivamente as almas de pessoas assim, a partir destas máquinas
espiritualmente transparentes. O que torna essas máquinas tão
devastadoras para as pessoas é sua transparência espiritual: todas as
forças e interações nas máquinas são tão transparentes, tão claras à mente
humana. E o problema é que a clareza mecânica extrai vida do coração do
homem, suga-lhe vitalidade anímica, torna as pessoas secas e desumanas.

A combinação de ciência e máquinas ameaçará a civilização com


três formas de destruição se não nos unirmos o suficiente e nos
voltarmos para o supra-sensível. O ideal científico, isto é, moldar tudo
segundo a imagem astronômica, está ganhando um domínio cada vez
maior. O ideal para muitos é modelar todo o nosso entendimento da
natureza conforme a imagem astronômica do universo. Pensem como os
químicos imaginam as moléculas. Eles as imaginam como sendo compostas
de átomos, e estes unidos uns aos outros por certas forças, de sorte que o
resultado é tal como pequenos sistemas planetários. O ideal é explicar o
mundo inteiro astronomicamente, mas a meta da astronomia é visualizar a
estrutura do universo como um mecanismo. Some-se a isto todo o trabalho
que se faz com máquinas!

Estas são as coisas que têm tido um efeito progressivamente


intenso desde meados do século XV e estão agora roubando aos
seres humanos sua própria humanidade. Se as pessoas levarem o
pensamento mecanicista e a indústria ao que resta da vida, então
seus espíritos tornar-se-ão mecanizados, suas almas dormentes e
vegetabilizadas, e seus corpos animalizados.

Hoje, parece que, o próprio mundo nos confronta com a pergunta:. “Que é
Ser humano?” E por trás desta grande pergunta, as questões, os conflitos
que vivenciamos desde situações cotidianas até aquelas que encontramos
nos noticiários com proporções que nos fazem parecer totalmente
impotentes, são somente as várias possibilidades, mais ou menos intensas,
de desvio e esquecimento de nossa essência humana e ao mesmo tempo, a
oportunidade de reencontrá-la. Esta essência humana, este Eu que temos
de conquistar, confirmar e reafirmar em atos realizados a partir de uma
nascente consciência da genuína responsabilidade que nos cabe por cada
pensamento, palavra, ato e omissão – que não é outra coisa senão, amor
pela verdade a serviço de outros. E na medida em que pudermos responder
por nossos atos, isto é, na medida em que formos responsáveis por amor,
não apenas por necessidade, nos tornaremos livres.

E se quisermos então pensar a nossa realidade social brasileira mais


próxima à luz de tudo isso, então será necessário primeiro admitir o que
está acontecendo com a nossa própria humanidade, começando por nossas
crianças.

Para tanto quero lembrar o trabalho do pediatra Daniel Becker e mestre em


saúde pública, na área de promoção da saúde.

Daniel "mostra os pecados que estamos cometendo contra a infância e


aponta possíveis soluções" e inicia sua fala com frase de Nelson Mandela:
“O verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma com que ela
trata suas crianças.”
Diz que as crianças são mais educadas e masssacradas por publicitários do
que por professores, diante do forte apelo comercial, consumista obsessivo
da mídia e da publicidade.
Eleenumera os sete pecados capitais cometidos contra a infância como
segue:

1 – Privação do nascimento natural e do aleitamento materno

“A cultura da cesárea faz com que as mulheres acreditem que o parto


normal deve ser a cesárea. Que o parto normal é nocivo, doloroso,
perigoso. Isso gera diversos malefícios para as crianças.” “Da mesma forma
acontece com o leite materno. A mulher quer amamentar sua filha, mas
(muitas vezes) em dois meses esta criança está desmamada. Isso vem, em
grande parte, por causa da indústria, que faz propaganda pelo nome que dá
às suas fórmulas: “premium”, “supreme”, e a propaganda que ela faz com o
médico.”

2 – Terceirização da infância

Por causa da falta de tempo dos pais, que têm que trabalhar para sustentar
a família, as crianças estão sendo deixadas em creches ou com babás.
“Perdemos o que é mais precioso na infância: o convívio com os filhos.
Convívio é aquilo que nos dá a intimidade, a capacidade de estar junto, o
amor, a sensação de estar cuidando de alguém, a sensação de conhecer
profundamente alguém”.
3 – Intoxicação da infância

Também pela falta de tempo, é mais acessível trocar a comida tradicional


brasileira por uma alimentação rica em gordura, sal e açúcar, que vem da
comida congelada e industrializada. “Obesidade e diabetes estão explodindo
na infância”.

4 – Confinamento e distração permanente

As crianças passam até oito horas por dia conectadas em aparelhos


eletrônicos. Esse confinamento impede que elas tenham um momento de
consciência, de vazio, de tédio. “O tédio é fundamental na infância. Porque
o tédio e o vazio são berço daquilo que é mais importante para nós, a
criatividade e imaginação. Nós estamos amputando isso dos nossos filhos.”

5 – Mercantilização da Infância e Consumismo Infantil

Assistindo muita televisão durante o dia, as crianças são massacradas pela


publicidade, por valores de consumismo. “E essa publicidade é covarde,
explora a incapacidade da criança de distinguir fantasia de realidade,
explora o amor dela por personagens e instiga nela valores como
consumismo obscessivo, hipervalorização da aparência, a futilidade e coisas
piores”.

6 – Adultização e erotização precoce

“Existe uma erotização que usa a criança de 7, 8 anos para vender produtos
de moda, uma erotização baseada no machismo, na objetificação das
meninas e das mulheres, na valorização excessiva da aparência.”

7 – Entronização e superproteção da infância

Para compensar a ausência, muitos pais tornam-se permissivos e acabam


perdendo a autoridade sobre seus filhos. Mas a criança precisa de gente que
conduza a vida dela. “A gente sabe que a importância dos limites do não
são formas fundamentais de amor. A gente precisa dar para os nossos
filhos, mas a gente tá perdendo a capacidade. Em vez disso, a gente se
interpõe entre as experiências dos filhos e do mundo fazendo justamente
que eles não tenham experiência da vida e portanto não desenvolvam
mecanismos de lidar com a frustração, com a dor e com a dificuldade. E
certamente o mundo vai entregar para eles mais tarde.”

Como forma de enfrentar estes pecados, Daniel propõe uma solução que
passa por mudanças em apenas dois fatores: tempo e espaço. No caso do
tempo, o médico sugere que os pais estejam presentes na vida do filho em
pelo menos 10% do tempo em que estão acordados. Em uma conta geral,
isso representa 1h40 por dia de dedicação aos filhos. Em relação ao espaço,
a orientação é estar perto da natureza. “O convívio com o espaço aberto vai
afastar a gente das telas, vai reduzir o consumismo e o materialismo
excessivos, vai promover o livre brincar (que, por sua vez, vai gerar
inteligência, humor e criatividade), vai gerar convívio entre as famílias, vai
promover o contato com o ar, o sol e o verde e vai reduzir todos os
problemas da infância.”

Certamente suas propostas são válidas e boas. Mas precisamos de muito


mais. Precisamos de um despertar interior e de uma busca consciente e
determinada que resgate nossa essência humana em todos os âmbitos de
nossa cultura e civilização. E a Antroposofia se oferece como um caminho
que nos possibilita isto hoje. Se vocês sentirem desde o coração ressoar um
chamado para este despertar, e reconhecerem no caminho antroposófico
uma real possibilidade, então bem vindos! Pois o tempo urge!

Para terminar, gostaria de homenagear a todos os que lutam pela


realização do Ser Humano na qualidade de educadores, seja no ambiente
familiar, seja na escola, ou na universidade, mas especialmente os Pais, que
neste domingo deverão ser lembrados

Definição de FILHO – Por José Saramago

dez 16th, 2011 byArtigos Diversos

Por José de Sousa Saramago (1922 – 2010) escritor, argumentista,


teatrólogo, ensaísta, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e
poeta português.

"Filhos são do mundo (José Saramago)

Devemos criar os filhos para o mundo. Torná-los autônomos, libertos, até


de nossas ordens. A partir de certa idade, só valem conselhos.
Especialistas ensinaram-nos a acreditar que só esta postura torna adulto
aquele bebê que um dia levamos na barriga.

E a maioria de nós pais acredita e tenta fazer isso. O que não nos impede
de sofrer quando fazem escolhas diferentes daquelas que gostaríamos ou
quando eles próprios sofrem pelas escolhas que recomendamos.

Então, filho é um ser que nos emprestaram para um curso intensivo de


como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos piores
defeitos para darmos os melhores exemplos e de aprendermos a ter
coragem. Isto mesmo!

Ser pai ou mãe é o maior ato de coragem que alguém pode ter, porque é se
expor a todo tipo de dor, principalmente da incerteza de estar agindo
corretamente e do medo de perder algo tão amado.

Perder? Como? Não é nosso, recordam-se? Foi apenas um empréstimo!


Então, de quem são nossos filhos? Eu acredito que são de Deus, mas com
respeito aos ateus digamos que são deles próprios, donos de suas vidas,
porém, um tempo precisaram ser dependentes dos pais para crescerem,
biológica, sociológica, psicológica e emocionalmente.

E o meu sentimento, a minha dedicação, o meu investimento? Não


deveriam retornar em sorrisos, orgulho, netos e amparo na velhice?
Pensar assim é entender os filhos como nossos e eles, não se esqueçam,
são domundo!

Volto para casa ao fim do plantão,início de férias, mais tempo para os


fllhos, olho meus pequenos pimpolhos e penso como seria bom se não
fossem apenas empréstimo! Mas é. Eles são do mundo. O problema é que
meu coração já é deles. Santo anjo do Senhor...

É a mais concreta realidade. Só resta a nós, mães e pais, rezar e aproveitar


todos os momentos possíveis ao lado das nossas crias, que mesmo sendo
emprestadas são a maior parte de nós !!!
A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver "

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