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A Oração do Justo

Nona Edição: Agosto de 2015

Capa: Alessandro Barrim

Diagramação: Marcos de S. Borges

Correção: Ana Glaubia de S. Paiva

Todos os direitos reservados.

Nenhuma parte da edição deste

livro deve ser reproduzida de

forma alguma sem a autorização,

por escrito, da editora, exceto em

casos de citações curtas em artigos

críticos ou em resenhas.
Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)

© Borges, Marcos de Souza

A Oração do Justo /

Almirante Tamandaré, PR:

Editora Jocum Brasil, 2015.

176 páginas; 21cm

Edição, Impressão

ISBN 85-904901-4-9
e Acabamento
1. Vida cristã. 2. Liderança.

Editora Jocum Brasil

3. Oração. I. Título.

CDD 240

Distribuição e Vendas:

Editora Jocum Brasil

Índide para catálogo sistemático:

www.editorajocum.com.br

1. Ética cristã e Teologia

Fone: |55| 41 3657-2708

devocional – 240
SUMÁRIO

Apresentação.....................................................................07
Prefáceo.............................................................................09

Introdução.........................................................................11

1. O Discernimento Profético do Momento Presente.......29

2. O Caráter de Perseverança............................................45

3. A Objetividade Espiritual..............................................67

4. O Espírito da Aliança....................................................85

5. Coerência e Identificação............................................103

6. Visão e esperança........................................................121

7. O Espírito de Unidade................................................145

APRESENTAÇÃO

Pr Marcos (Coty) e Pra Raquel estão no campo missioná-

rio desde Janeiro de 1986, quando também se casaram. Desde


então, vêm atuando nacionalmente e internacionalmente com
intercessão, treinamento, aconselhamento, mobilização missionária,
cruzadas evangelísticas por todo território nacional e outros países
da America Latina e Africa, implantação e pasto-reamento de igrejas
e também de muitas outras formas continuam servindo
interdenominacionalmente o Corpo de Cristo.

Eles lideram uma importante base de Jovens Com Uma Missão na


região metropolitana de Curitiba, no sul do Brasil, que tem sido uma
referência na formação de conselheiros e treinamento de pastores.
Em torno de 1500 pessoas são treinadas anualmente dentre elas
uma grande quantidade de líderes e pastores vindos de todas as
regiões do país.
O Pr Marcos é autor de vários livros: “A Face Oculta do Amor”,
“Raízes da Depressão”, “O Obreiro Aprovado”, “A Ora-

ção do Justo”, “O Avivamento do Odre Novo”, “Cura e Edifica-

ção do Líder”, “A Espiritualidade e a Sexualidade”, “Pastorea-mento


Inteligente”, “A Lei, a Moral e os Conflitos Conjugais”,

“Dinâmica da Personalidade”, “Tipos de Família”. Ele é diretor da


Editora Jocum no Brasil e também conferencista internacional tendo
ministrado os seus ensinamentos em mais de 30

nações.

PREFÁCIO

“A oração do justo muito pode na sua eficácia” (Tg 5:16).

Não é qualquer oração ou as orações de qualquer um que são


caracterizadas pela eficácia. Tanto a estratégia de uma oração e
principalmente o caráter de quem ora são elementos altamente
relevantes. Por isso, existem orações eficazes e ora-

ções ineficazes, orações poderosas e orações “inofensivas”.

Algumas orações são tão perigosamente ineficazes ou negati-


vamente eficazes, que podem nos destruir: “E ele lhes deu o que
pediram, mas fê-los definhar de doença” (Sl 106:15).

Tiago evidencia que “... a oração do justo muito pode nos seus
efeitos” (Tg 5:16). Como poderíamos definir isso que Tiago
denomina de “oração do justo” ? A melhor resposta a esta pergunta
pode ser elaborada através da famosa “oração sacerdotal” de
Jesus, o “Justo”, e também o “Justificador” de toda a raça humana.

Dentre muitas orações feitas por Jesus e que estão descritas nos
Evangelhos, escolhi essa devido ao crucial momento de prova que
confrontou o Seu caráter, como também, revelou segredos do Seu
estilo de vida. Dessa “oração do Justo” podemos extrair pelo menos
sete elementos que sinergicamente precisam estar integrados no
estilo de vida do intercessor, e que são capazes de justificar os
poderosos efeitos de uma oração: 1. O discernimento profético do
momento presente: a inteligência espiritual da oração.

10 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges 2. Caráter de


perseverança: o corte, o fio, a agudez da oração.

3. Objetividade espiritual: a mira da oração.

4. O espírito da aliança: o poder da oração.

5. Coerência e identificação: a autoridade da oração.

6. Visão e esperança: o alcance da oração e o teto da nossa fé.

7. O espírito de unidade e amor: a causa da revelação e da


presença salvadora de Deus através da oração.

Marcos de Souza Borges

INTRODUÇÃO

Fé e Caráter:

A Base da Oração

“Está aflito alguém entre vós? Ore. Está alguém contente?

Cante louvores. Está doente algum de vós? Chame os anci-

ãos da igreja, e estes orem sobre ele, ungido-o com óleo em nome
do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns
pelos outros, para serdes curados. A oração do justo muito pode
em seus efeitos. Elias era homem sujeito às mesmas paixões que
nós, e orou com fervor para que não chovesse, e por três anos e
seis meses não choveu sobre a terra. E orou outra vez e o céu deu
chuva, e a terra produziu o seu fruto. Meus irmãos, se alguém
dentre vós se desviar da verdade e alguém o converter, sabei que
aquele que fizer converter um pecador do erro do seu caminho
salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados” (Tg
5:13-16).

Oração nunca foi e jamais será um assunto secundário.

Continua sendo a chave do avivamento e a respiração da vida


espiritual. Tiago descreve a oração como um imperativo. O

exercício da vida espiritual exige, não apenas um ajustamen-

12 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges to com os


princípios que regem o mundo espiritual, como também, uma
profunda correspondência com Deus. Oração não é apenas o que
pedimos para Deus, mas também, como correspondemos aos seus
mandamentos e conselhos.

O governo moral de Deus não se baseia em uma soberania que O


isola da vontade humana; antes, é fundamentado em uma interação
que Deus deseja manter com o homem. A ora-

ção é a grande oportunidade espiritual de sermos parceiros de Deus


naquilo que ele está criando e fazendo.

Muitas coisas podem unilateralmente determinar o favor de Deus,


porém, existem outras que são bilaterais. Deus é imutável no seu
caráter. Ele é gracioso e o seu reino abundante. Há muito para
todos. Porém, acima de tudo, Ele é um ser pessoal. Isso significa
que o propósito maior da nossa vida não reside no que fazemos
para Deus, mas no simples fato de mantermos um relacionamento
com ele. Esse é o principal eixo da nossa existência.
Relacionamento é, por definição, bilateral, e só é genuinamente
possível através da confiança. Confiança não cai de pára-quedas,
mas precisa ser construída e depende, não apenas da nossa fé no
caráter de Deus, como também da nossa credibilidade. É
necessário mais que acreditar vagamente, é indispensável ser
confiável. Quando você é confiável, então fica fácil acreditar que os
outros também possam ser. Essa fé interativa é o alicerce do
relacionamento.

Fé e caráter, na verdade, são elementos interdependentes.

Fé sem caráter produz fanatismo e hipocrisia. Caráter sem a fé


redunda no racionalismo. Fé e caráter, confiança e credibilidade são
os pilares mestres que sustentam e estruturam os relacionamentos.

Confiar e ser confiável são situações ligadas. A fé pode ser inibida


pela infidelidade. A infidelidade crônica constrange a capacidade de
acreditar e gera a superficialidade. A superficialidade pode
rapidamente sofrer uma metamorfose e se

IntrOduçãO - 13

transformar em mera hipocrisia. Aquele senso interno de segurança


espiritual vai se desvanecendo.

É impossível acreditar em nós mesmos se não somos confiáveis.


“Como Deus acreditaria em nós se nós mesmos não acreditamos?”
Essa se torna uma questão existencial que im-põe um conflito
interno entre a consciência e a alma. Ou somos convencidos de
pecado, ou estrangulamos nossa consci-

ência. Ou correspondemos, ou nos isolamos.

O princípio da vida

Vida ou morte é uma questão de correspondência. Um ca-dáver


pode ser definido como um corpo que perdeu a capacidade de se
corresponder com o mundo físico. Ele tem olhos, mas não enxerga,
tem ouvidos, mas não ouve, etc. Como não pode mais se
corresponder com o mundo físico, está fisicamente morto. Da
mesma forma, não adianta apenas ter um rótulo religioso, manter o
nome no rol de membros de uma igreja ou o corpo presente em um
templo. Se você não desfruta de uma comunhão com Deus, você
está espiritualmente morto. Isso é sintomático. Todo homem sem
Deus é enfermo.

O princípio da vida espiritual se baseia em uma correspondência


com Deus. Para haver correspondência, tem que haver
concordância. Para haver concordância, tem que haver revelação.
Para haver revelação, tem que haver quebrantamento.

Esta é a linha da vida espiritual e a essência da oração:


quebrantamento, revelação, concordância, correspondência e vida.

O ponto central é a concordância. Concordância é o aspecto prático


de uma vida reconciliada com Deus. É onde tudo se encaixa
espiritualmente. Salvação é você concordar com o sacrifício de
Jesus. Fé é você concordar com a Palavra de Deus. Propósito é
você concordar com a vontade de Deus.

Unidade é você concordar com Deus concordando com ou-

14 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges tros.


Perseverança é você concordar com o tratamento e o plano de
Deus. E assim por diante: “Mas todas as coisas provêm de Deus,
que nos reconciliou consigo mesmo por Cristo, e nos confiou o
ministério da reconciliação” (II Co 5:18).

A cruz e a oração: “... No mundo tereis aflições ...”

Aquela perspectiva romântica de que a vida espiritual é um “mar de


rosas” precisa ser superada. É importante amadurecer. Por incrível
que pareça, as aflições devem nos aproximar e não nos afastar de
Deus. Aqui é que muitos negligen-ciam e desperdiçam a
oportunidade de experimentar o poder da oração. “Está aflito
alguém entre vós? Ore.” Deixar de orar mediante as aflições é um
erro. A negligência da oração abre a porta para a murmuração.
Murmuração é um pacto com a derrota. Esse foi o pecado que
condenou toda uma geração de Israel a perecer no deserto.

Aflições funcionam como um chamado para dependermos de Deus.


Mediante as aflições temos a grande oportunidade de crucificar a
justiça própria, a autopiedade e outras sutilezas do ego. Disso
emerge o verdadeiro espírito da oração. A cruz é a ferramenta que
esculpe o caráter. A aflição, quando crucificada, exercita a fé,
fortalece o espírito e produz orações altamente eficazes.

É bíblico afirmar que dentre tantas promessas tremendas que Deus


nos fez, Jesus também incluiu as aflições: “Tenho-vos dito estas
coisas, para que em mim tenhais paz. No mundo

tereis aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo


16:33). Bom ânimo e paz coexistindo com as aflições credibi-liza a
obra de Jesus e a real possibilidade de uma intervenção divina.
Esse exercício de fé e piedade transforma o caráter, constrói a
vitória e produz um crescimento qualitativo.

Ninguém precisa continuar aflito. É imperativo orar. Ore!

Em breve, haverá um ambiente de gratidão e louvor. É como

IntrOduçãO - 15

Tiago prossegue: “Está alguém contente? Cante louvores” . A


oração liga a aflição ao contentamento. Esta é a rota da vitó-

ria: Aflição, oração, contentamento e louvor.

O salmista garante: “O choro pode durar uma noite; pela manhã,


porém, vem o cântico de júbilo” (Sl 30:5). Quando a aflição não
termina e o choro persiste deprimindo a vida é sintoma que, de
alguma forma, estamos fracassando no nosso relacionamento com
Deus.

Perfeição e coerência: o dilema do caráter Deus não espera que


sejamos “perfeitos”, mas coerentes.

O perfeccionismo e a coerência levam a destinos opostos. O

perfeccionismo exalta o mérito pessoal e conduz ao orgulho,


legalismo, justiça própria e controle. A coerência assegura a
dependência de Deus e nos conduz pela estrada da integridade.
Oração não é mágica e nem muito menos algo pelo qual podemos
manipular a Deus de acordo com a nossa vontade,
independentemente da nossa coerência com as leis do mundo
espiritual.

Jesus disse que quando a palavra de Deus afeta o nosso caráter,


passamos a ver nossas próprias necessidades do ponto de vista de
Deus, e dessa forma, nossas orações passam a ser plenamente
respondidas. “Se vós permanecerdes em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito”
(Jo 17:7). Uma interpermanência em relação à Palavra de Deus
gera uma transfusão do Seu ca-ráter em nossas vidas. Esse é o
poder de uma vida coerente e de um caráter condizente com as
Escrituras.

Portanto, a Bíblia está longe de afirmar que uma oração por si


mesma surtirá sempre grandes resultados. Tiago fala que a oração
“da fé” salvará o doente e que a oração “do justo”

muito pode em seus efeitos. A oração requer elementos como a fé e


o caráter para ser sinergizada.

16 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Comumente,


quando se fala em oração, a questão que mais frisamos é a fé. Isso
muitas vezes é imposto de maneira mística e inconsistente. A culpa
de muitos fracassos é sempre irresponsavelmente colocada sobre a
“falta de fé” de alguém.

A despeito disso, de fato, a fé é capaz de orações sobrenaturais e


isso é sempre muito abordado. Porém, Tiago vai além da oração da
fé ao explicar a eficácia da oração do justo. Isso demonstra como o
caráter de uma pessoa pode afetar o desempenho da oração
estreitando o relacionamento com Deus e movendo sua mão. É
necessário, não apenas fé, mas caráter para potencializarmos a
eficácia da oração.

Essa abordagem sobre o caráter e o estilo de vida do intercessor é


o que quero enfatizar. Na verdade, a oração é apenas uma
consequência da nossa intimidade com Deus e de uma
confiabilidade mútua.

Oração não é fruto apenas do que fazemos para Deus, mas de


quem somos n’Ele. Não é fruto apenas da nossa capacidade de
trabalhar para Deus, mas de descansar confiantemente n’Ele. Não é
fruto da nossa ansiedade espiritual, mas é o poderoso resultado de
ouvirmos a Deus e esperarmos com paci-

ência nas suas promessas. Oração não é apenas guerra contra o


inferno, mas, acima de tudo, uma paz inabalável em Deus.

Aqui entra a cruz como ponto de equilíbrio entre a fé e o cará-

ter. Este não é um livro sobre como orar, nem sobre modelos de
oração, mas sobre o poder que um caráter provado, transformado e
confiável tem de impactar o mundo espiritual.

O meu objetivo, não é dar a você uma fórmula mágica ou um


modelo de oração que vá garantir sua prosperidade, mas incentivar
a construção de verdadeiros alicerces sobre os quais Deus irá
edificar uma obra permanente.
Quando entramos na dimensão do caráter, podemos entender como
Deus pode se mostrar maior que as nossas maiores orações e
muito além dos limites da nossa fé. Como o apóstolo Paulo
experimentou: “...àquele que é poderoso para fazer tudo

IntrOduçãO - 17

muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou

pensamos, segundo o poder que em nós opera...” (Ef 3:20).

Muitas coisas podem fazer Deus agir além das nossas ora-

ções e dos nossos sonhos surpreendendo nossas expectativas.

Acredito firmemente que uma delas é um caráter confiável, que é


fruto da submissão voluntária ao tratamento de Deus.

A ORAÇÃO DA FÉ

Jesus ensinou que o mais importante em relação à fé não é o seu


tamanho, mas o fato de você exercitá-la. Você pode ter uma fé
minúscula, do tamanho de um grão de mostarda, e, ainda assim,
transportar um monte se estiver disposto a exercitá-la em um ato de
obediência. É fundamental acres-centarmos a esse entendimento o
fato de que o exercício da fé está ligado ao princípio da autoridade.

Antes de Tiago falar sobre a oração do justo, ele fala sobre a oração
da fé. Três coisas são extremamente necessárias para o
desencadear da oração da fé: a missão da liderança, a unção da
liderança e o perdão da liderança. Esses são os principais
componentes da oração da fé. Confiança pode ser subtraída ou
adicionada em virtude desses elementos.

Muitas aflições e doenças podem estar ligadas a disfun-


ções do princípio de autoridade. Da mesma forma, muita
restauração e cura vêm de um alinhamento com esses aspectos.

1. A oração da fé e a submissão aos líderes: “Chame os anciãos


da igreja...”

A missão da liderança provê um referencial espiritual de caráter


orientativo e protetivo. O aspecto central da submissão aqui é a
transparência. Toda cobertura espiritual deve ser correspondida com
humildade e transparência. Precisamos de pessoas adequadas para
nos expor. Cobertura espiritual

18 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges é para quem


se expõe e anda na luz! Isso pode parecer cons-trangedor, mas é
um tremendo princípio de fé e uma das principais rotas do milagre.

Jesus disse ao leproso: “... vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta


a oferta que Moisés determinou...” (Mt 8:4). Jesus honrou o princípio
da submissão, ordenando que aquele leproso se expusesse à sua
liderança. Humildade gera confian-

ça e reforça a verdade. A cobertura espiritual entra em ação.

A oração da fé transmite missão e proteção. A vida espiritual


ganha perspectiva. O senso de missão aviva a esperança.

Esperança é uma das condições existenciais da fé. Isso gera


vitalidade e aguça o senso de destino. É o melhor antidepres-sivo
que existe. Estar debaixo da liderança certa e do ministé-

rio certo é fundamental para isso.

O ponto de partida de uma vida ministerial vitoriosa vem de um


encaixe da nossa missão com a comissão divina, viabilizada pela
autoridade e oração dos nossos líderes. A obediência ao “ide”,
dessa forma, sempre deixa um rastro de milagres.
Não só a insubmissão do liderado inviabiliza sua missão, como
também, o espírito de controle por parte dos líderes pode dificultá-la
e até mesmo abortá-la. Nesses dois casos o espírito da “oração da
fé” é quebrado.

2. A oração da fé e a unção dos líderes: “... e estes orem sobre


ele, ungido-o com óleo em nome do Senhor”.

A unção é uma capacitação sobrenatural compartilhável que Deus


concede às pessoas para desempenharem um chamado ou uma
tarefa. A oração da fé transmite capacitação.

Alguns jugos perturbadores são quebrados, e dons e ministé-

rios podem ser comunicados e confirmados através da unção com


imposição de mãos e da oração da fé feita pelos líderes.

A unção quebra o jugo, suaviza o serviço e manifesta o favor


sobrenatural de Deus no desempenho ministerial.

IntrOduçãO - 19

Existe uma unção adquirida pessoalmente e outra recebida, legada


pelo princípio da autoridade como herança espiritual. A unção
acompanha a missão e flui pela submissão para o cumprimento da
comissão divina. Precisamos pagar o pre-

ço exigido pelo tratamento de Deus, mas também, precisamos ser


ungidos por alguém. Deus tem as pessoas certas que, no tempo
certo, irão impor suas mãos sobre nós, destrancando chamados,
reavivando nossos dons e liberando capacitação ministerial para
nossas vidas.

Não podemos deixar de mencionar acerca do perigo da imposição


de mãos impuras. O princípio da imposição de mãos acarreta uma
impartição ou compartilhamento, não só da unção, mas do espírito
da pessoa (Exemplo de Moisés - Nm 11:17). Se o espírito da pessoa
está contaminado ou enfermo, isso também será transmitido às
pessoas. Líderes em adulté-

rio ou com um espírito possessivo e manipulador reproduzirão essa


mesma condição sobre as pessoas que lideram.

3. A oração da fé e o perdão dos líderes: “... e a oração da fé


salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido
pecados, ser-lhe-ão perdoados”.

Todos nós, sem exceção, precisamos de muita cura e perdão. A


oração da fé transmite cura e restauração. Isso é uma
consequência dos dois itens anteriores. Quando expomos nossos
pecados e somos perdoados, então podemos nos perdoar.

A alma é curada e a consciência purificada. O resultado é o


descanso. O descanso, assim como a esperança, são elementos
fundamentais que viabilizam a fé que restaura o coração.

Isso fala do poder que o perdão dos líderes tem de levantar uma
pessoa, e também como o ressentimento e as palavras de maldição
de uma liderança podem transtornar o funcionamento do Corpo de
Cristo. Por isso, a principal característica do ministério sacerdotal é
o coração perdoador e reconciliador (Hb 5:1-3).

20 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges O poder da


culpa é subjugado, a consciência é purificada das obras mortas.
Fortalezas da mente e cadeias de pensamentos iníquos são
quebradas, a alma é restaurada e o corpo curado pelo perdão dos
líderes através da oração da fé. Dessa forma a verdade é
restabelecida no coração e as pessoas são reconciliadas. A
compaixão gera cura e opera milagres.

“Meus irmãos, se alguém dentre vós se desviar da verdade e


alguém o converter, sabei que aquele que fizer converter um
pecador do erro do seu caminho salvará da morte uma alma, e
cobrirá uma multidão de pecados” (Tg 5:19,20).
O perdão dos líderes não apenas fecha a “porta dos fundos” da
igreja, como também, resgata a “centésima ovelha”

que havia se extraviado. A cana trilhada não é esmagada e nem o


pavio que fumega é apagado. A compaixão e sabedoria dos líderes,
através da oração da fé, salva da morte a alma dos desviados da
Verdade.

A ORAÇÃO DO JUSTO

O que liga a oração da fé e a oração do justo é a confissão.

Fé e caráter são sinergizados pelo quebrantamento. A oração do


justo se contextualiza perfeitamente com a realidade do mundo
espiritual. O caráter do intercessor, o conteúdo da oração e o
discernimento profético do momento produzem um impacto
determinante nos Céus e na Terra.

1. A oração de Elias

O que isso significa? A oração de Elias, como muitos afir-mam o


contrário, não significa a oração de um homem como qualquer
outro. Elias não era “um homem como qualquer ou-

IntrOduçãO - 21

tro” apesar de Tiago garantir que “Elias era homem sujeito às


mesmas paixões que nós”.

Portanto, apesar de estar sujeito a tudo que também estamos, Elias


escolheu ser diferente. Algo da justiça de Deus foi imputado no seu
caráter, apesar de toda sua fragilidade.

O nível de dependência de Deus que alcançou deu-lhe uma


percepção e uma penetração no mundo espiritual que poucos
tiveram. Ele fez a diferença na sua geração.
Estava tão afinado com as leis do mundo espiritual e com a vontade
de Deus, que suas orações estavam afetando toda a nação. Essa
foi a história de Elias e pode ser a sua.

2. A oração do justo e o juízo de Deus: “... e orou com fervor para


que não chovesse, e por três anos e seis meses não choveu sobre a
terra.”

O juízo sempre começa pela casa de Deus. O primeiro aspecto na


vida de alguém que tem uma consciência profética é a sensibilidade
ao pecado. O justo ama o pecador, porém não tolera o pecado. O
juízo de Deus vem para incomodar os acomodados. O que leva uma
pessoa a orar fervorosamente pela seca? Acredito que seja o
discernimento em relação aos benefícios produzidos pelo juízo
divino.

Chega de pensar que profecias de juízo são artimanhas dos


profetas da desgraça. Sabemos que, infelizmente, existem muitas
pessoas feridas que se colocam como profetas em busca de uma
vingança emocional e autoafirmação. Em contrapartida, verdadeiros
profetas sentem o peso do pecado e entendem a urgente
necessidade dos confrontos específicos que venham produzir um
verdadeiro arrependimento.

O juízo de Deus sempre tem um tempo limitado ao arrependimento.


Em muitos casos, a oração do justo se baseia no discernimento em
relação a pecados de liderança que estão perturbando a terra. Aqui,
temos um conflito entre o líder e o

22 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges profeta.


Acabe era o líder e Elias o profeta. Quando esse conflito foi
resolvido, os céus se abriram e a chuva veio.

É importante mencionar que o profeta não está acima do líder, mas


ele é o canal pelo qual Deus vai tentar corrigir os líderes antes de
julgá-los. Foi assim entre Elias e Acabe, entre Natã e Davi, entre
Ageu e Zorobabel, etc. É lógico que qualquer um pode
imaturamente se autoafirmar como profeta e isso é muito perigoso,
porque a Bíblia adverte:

“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o


Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em
vão.” (Ex 20:7).

Precisamos saber a diferença entre a oração profética do justo e as


ameaças irresponsáveis de um profeta imaturo e ferido.

3. A oração do justo e a restauração da terra: “... E orou outra


vez e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto...”

O propósito da seca de Deus é gerar fome e sede de justiça em


uma sociedade. O juízo vem para remover o engano e a sedução do
pecado. Satanás vive pintando o pecado de ouro.

O juízo de Deus tem a sua ação completa, quando o engano


sedutor do pecado é quebrado e algo muda no coração das
pessoas. Quando Acabe se arrependeu, a oração de Elias mudou
de direção. A oração do justo se veste da realidade do mundo
espiritual.

É necessário discernir o momento certo de mudar a oração.

Quando Tiago fala que Elias orou outra vez, isso quer dizer que ele
orou de outra forma. Era uma oração diferente que certamente
mudaria a realidade da nação.

Ele viu apenas uma pequena nuvem nos céus e creu na chuva. Era
como uma pequena fechadura nos céus. Deu sete vol-

IntrOduçãO - 23

tas com a chave da oração. Colocou a cabeça entre os joelhos e


continuou orando perseverantemente, sem se distrair, a oração do
justo. Por sete vezes ele repetiu o processo até que a tem-pestade
de Deus veio. A oração do justo destranca os céus e o refrigério
chega.

Elias correu na chuva do avivamento de tal forma que ultrapassou


Acabe na sua carruagem. O avivamento nos faz correr com os que
vão a cavalos. Uma grande restauração começou a brotar na nação
a partir disso, que culminou na destruição dos profetas de Baal
(senhor) e na restauração do culto ao verdadeiro Senhor.

4. A oração do justo e a restauração dos desviados: “Meus


irmãos, se alguém dentre vós se desviar da verdade e al-guém o
converter, sabei que aquele que fizer converter um pecador do erro
do seu caminho salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão
de pecados”.

Este é o coração da oração do justo. Elias retirou toda uma geração


de cima do muro. Estavam, não apenas indecisos, mas desviados.
Coxeavam entre dois senhores. Serviam a Deus, mas também,
serviam a Baal.

Uma transgressão comum que muitos de nós praticamos é desistir


de pessoas que, por algum motivo, desistiram. Jesus comparou o
reino de Deus como um rei que sai a uma guerra.

Muitos, atingidos e feridos, e também outros como prisioneiros de


guerra, têm ficado para trás. São perdas preciosas que, de alguma
forma, podem e devem ser recuperadas.

A igreja vive um momento profético de buscar essas pessoas. A


índole do avivamento atual tem sido indiscutivel-mente
caracterizada por um intenso mover espiritual de reconciliação,
libertação e restauração das “ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Precisamos mais do que nunca de intercessores!

24 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Os efeitos da


oração
Esse é o ponto onde realmente desejo chegar nesta introdução.
Tiago afirma que “a oração do justo muito pode em

seus efeitos” . Ou seja, a oração do justo produz efeitos. A falta de


oração e de respostas na oração é basicamente o efeito colateral da
crise de caráter que assola a Igreja.

Toda oração certamente terá três tipos de resposta: o não, o sim e o


espera. O que faz uma oração não ser respondida?

Que elementos em nossas próprias vidas poderiam viabilizar a


eficácia de nossas orações? O que em nossas vidas poderia afetar
o mundo espiritual de forma a alterar a velocidade da resposta de
uma oração? Obviamente, de qualquer forma, pa-ciência é um fruto
do Espírito, e Deus sempre criará situações para nos exercitar. O
que faz uma oração perder ou ganhar efeito? Que elementos
poderiam alterar o efeito da vida de oração de uma pessoa?

A resposta a todas essas perguntas é simples e profunda: a oração


do justo. Essa resposta dispensa a maneira como oramos, e
recompensa o caráter de quem ora; dispensa o tamanho da oração
e recompensa o discernimento. Dispensa a cultura e recompensa o
conhecimento e a intimidade com Deus.

Dispensa o mérito humano e recompensa a vida de cruz.

Quando falamos sobre a oração do justo, a única receita que tenho


e posso dar é a dependência de Deus. Essa não é apenas uma
questão de acreditarmos em Deus, mas de Deus acreditar em nós e
saber que não usaremos o Seu poder para nos autodestruir.

Definindo a oração do justo

Como poderíamos definir essa “oração do justo” que muito pode nos
seus efeitos? Acredito não haver outro modelo melhor de “oração do
justo” do que a oração sacerdotal de
IntrOduçãO - 25

Jesus. Mais que “Justo”, Jesus é também nosso “Justificador”,


tornando-nos acessível o apropriamento do Seu caráter.

“... para que ele seja justo e também justificador daquele que tem
fé em Jesus” (Rm 3:26).

De todas as orações feitas por Jesus e registradas na Bíblia,


acredito que esta é a mais significativa, principalmente em virtude
do momento circunstancial e existencial confronta-do. Para definir o
significado da “oração do justo”, vamos ca-minhar sobre essas
águas “tempestuosas”.

A Oração Sacerdotal - João 17

“Depois de assim falar, Jesus, levantando os olhos ao céu, disse:


Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o Filho
te glorifique; assim como lhe deste autoridade sobre toda a carne,
para que dê a vida eterna a todos aqueles que lhe tens dado. E a
vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste. Eu te glorifiquei
na terra, completando a obra que me deste para fazer. Agora, pois,
glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu
tinha contigo antes que o mundo existis-se. Manifestei o teu nome
aos homens que do mundo me deste. Eram teus, e tu mos deste; e
guardaram a tua palavra. Agora sabem que tudo quanto me deste
provém de ti; porque eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles
as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e
creram que tu me enviaste. Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo,
mas por aqueles que me tens dado, porque são teus; todas as
minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e neles sou
glorificado. Eu não estou mais no mundo; mas eles estão no mundo,
e eu vou para ti.

26 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Pai santo,


guarda-os no teu nome, o qual me deste, para que eles sejam um,
assim como nós. Enquanto eu estava com eles, eu os guardava no
teu nome que me deste; e os conservei, e nenhum deles se perdeu,
senão o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura. Mas
agora vou para ti; e isto falo no mundo, para que eles tenham a
minha alegria completa em si mesmos. Eu lhes dei a tua palavra; e
o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como eu não
sou do mundo. Não rogo que os tires do mundo, mas que os
guardes do Maligno. Eles não são do mundo, assim como eu não
sou do mundo. Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.
Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviarei ao
mundo.

E por eles eu me santifico, para que também eles sejam santificados


na verdade. E rogo não somente por estes, mas também por
aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos
sejam um; assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que
também eles sejam um em nós; para que o mundo creia que tu me
enviaste. E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam
um, como nós somos um; eu neles, e tu em mim, para que eles
sejam perfeitos em unidade, a fim de que o mundo conhe-

ça que tu me enviaste, e que os amaste a eles, assim como me


amaste a mim. Pai, desejo que onde eu estou, estejam comigo
também aqueles que me tens dado, para verem a minha glória, a
qual me deste; pois que me amaste antes da fundação do mundo ...”

Podemos extrair dessa oração feita por Jesus alguns elementos


que, sem os quais, a oração começa a perder os seus efeitos.
Existem coisas que impedem nossas orações e existem coisas que
tornam nossas orações eficazes.

A seguir, capítulo a capítulo, vamos falar de sete elementos contidos


na oração sacerdotal que caracterizam a oração

IntrOduçãO - 27
do justo e estabelecem o genuíno caráter, bem como, o estilo de
vida do intercessor:

1. Discernimento profético do momento presente. Isto define a


inteligência espiritual na oração e da oração.

“Jesus falou assim, e, levantando os seus olhos ao céu, disse: Pai,


é chegada a hora” (Jo 17:1).

2. Caráter de perseverança. Um estilo de vida marcado por


perseverança define o corte, o fio e a agudez com que a oração
rompe as resistências do mundo espiritual.

“Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me destes


a fazer” (Jo 17:4).

3. Objetividade espiritual. Essa é a mira da oração.

“Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste ... Eu


rogo por eles: não rogo pelo mundo,

mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo 17:9).

4. O espírito da aliança. Aliança é bem mais que um simples


acordo; é um compartilhamento integral e mútuo da vida. Aliança
começa com entrega. A entrega atesta a confiança, definindo a
força e o poder espiritual da oração.

“E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas;


e nisto sou glorificado” (Jo 17:10).

5. Coerência e Identificação. A legitimidade de um relacionamento


depende da coerência. Disso emerge a genuína autoridade da
oração. A autoridade é inseparável da verdade.

28 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges


“Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade ... E por eles
me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam
santificados na verdade” (Jo 17:19).

6. Visão e esperança. Visão determina o alcance da oração e o teto


espiritual da nossa fé.

“Eu não rogo somente por estes, mas também por

aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim”

(Jo 17:20).

7. Espírito de unidade e amor. Unidade desencadeia a revelação e


a presença salvadora de Deus na oração e através dela.

“Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfei-

tos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a


mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim” (Jo
17:23).

CAPÍTULO 1

O Discernimento Profético
do Momento Presente
A oração do momento e o momento da oração. Mo-

mentos chave pedem orações chave. O tempo é a in-

teligência espiritual da oração.

“Jesus falou assim, e, levantando os seus olhos ao céu, disse: Pai, é


chegada a hora” (Jo 17:1).

A primeira perspectiva da oração sacerdotal de Jesus vem de um


discernimento do momento que ele vivia e que teria de enfrentar.
Isso lhe trouxe alento e a compostura espiritual necessária. Não
seria pego de surpresa por nada e muito menos por ninguém.
Estava preparado para o que viria e fortalecido para enfrentar o dia
da angústia.

Existem orações inteligentes e orações ignorantes. Existem orações


cegas e orações visionárias. Orações obstinadas e orações
perseverantes. Existem orações maduras e orações imaturas. Que
elemento ocasionaria essa grande diferença na oração? Nada mais
é que o discernimento do momento espiritual presente. Quando
você entende a hora espiritual que está vivendo, fica fácil tirar os
olhos das circunstâncias e levantá-los ao Pai. O propósito do Pai é o
referencial e não as

30 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges circunstâncias


em si mesmas. Essa é a oração inteligente que discerne a mente
divina, antecipa-se ao inimigo e supera as circunstâncias.

O discernimento do momento nos permite fazer a oração inteligente,


que vem de uma perspectiva correta da situação espiritual. A falta
de discernimento em relação ao momento pode comprometer nossa
integridade espiritual. É uma porta aberta para muitas feridas
emocionais e, até mesmo, para a rebelião.

A oração inspirada por estas feridas sempre peca contra a


sabedoria que vem do alto. Ao invés de benefícios, temos prejuízos.

Cronos e Kairós

Cronos e Kairós são duas palavras gregas para designar o “tempo


físico” e o “tempo espiritual”, respectivamente. O

mundo físico é dimensionado pelo “cronos”, porém, o mundo


espiritual, pelo “Kairós”. O Kairós determina a propriedade do
verdadeiro momento espiritual presente. O kairós também determina
a capacidade de não apressar o que Deus quer fazer, como
também, não retardar. É o “hoje” de Deus.

Pior que uma palavra ou ação fora de hora é uma oração


incoveniente que ignora o momento espiritual: “Como maçãs de
ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo” (Pv
25:11). A apresentação condigna sempre aumenta o valor de um
comportamento, assim como uma palavra valio-sa se estima mais
quando falada na hora certa. Se a palavra dita a seu tempo é
preciosa, tanto mais a oração oportuna!

Existe uma sinergia entre a palavra e o tempo, entre a ora-

ção e o discernimento do momento. Esse é um dos maiores


segredos da eficácia na oração. A palavra apropriada ao tempo
profético revoluciona os efeitos de uma oração.

Um exemplo clássico disso foi a oração de Daniel. Aqui


compreendemos como o discernimento do tempo é algo altamente
relevante no desempenho do ministério profético. Sua

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 31


oração revolucionou o mundo espiritual, abatendo o principado
demoníaco da Pérsia, bem como alterou o destino da nação de
Israel, viabilizando o cumprimento da vontade de Deus para aquela
geração.

“No ano primeiro do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros que
o número de anos, de que falara o Senhor ao profeta Jeremias, que
haviam de durar as deso-lações de Jerusalém, era de setenta anos.
Eu, pois, dirigi o meu rosto ao Senhor Deus, para o buscar com
oração e súplicas, com jejum, e saco e cinza” (Dn 9:2,3).

Baseado nas profecias de Jeremias sobre o cativeiro babi-lônico de


Judá, Daniel “entendeu” o momento profético que vivia. Ele soube ir
à fonte certa. O mesmo profeta que havia profetizado o cativeiro
também profetizou a sua duração. O

tempo havia se cumprido, mas ninguém se apercebera disso.

Antes de orar, Daniel aplicou seu coração em compreender e se


humilhar. Teve o vital discernimento que chegara a hora da
libertação da nação. O tempo de castigo se cumprira e, no que
dependia de Deus, o mundo espiritual estava favorável para o
retorno dos cativos à sua terra natal.

Enquanto todos já estavam acomodados a um contexto de


escravidão, ele discerniu que o tempo da libertação havia chegado.
Com base nesse entendimento profético foi que Daniel começou a
buscar a Deus. Orações em sintonia com o tempo espiritual são
profeticamente cortantes, obtendo resultados eficazes e respostas
imediatas:

“Então me disse: Não temas, Daniel; porque desde o primeiro dia


em que aplicaste o teu coração a compreender e a humilhar-te
perante o teu Deus, são ouvidas as tuas palavras, e por causa das
tuas palavras eu vim.

Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte


32 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges e um dias; e
eis que Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar- me, e
eu o deixei ali com os reis da Pérsia” (Dn 10:12,13).

A estranha oração de Davi: um discernimento incomum Sem


sombra de dúvidas, a mais grave crise que marcou o governo de
Davi foi quando seu próprio filho, Absalão, rebelou-se contra seu
trono. Isso, aparentemente, começou quando Amnom havia
estuprado Tamar e, no final das contas, Davi não tomou as
providências que deveria tomar, pelo menos aos olhos de Absalão,
que resolveu fazer justiça com as próprias mãos vingando o incesto
sofrido por sua irmã.

Assassinou friamente seu irmão em uma festa de família. Foi uma


forma chocante de denunciar a impunidade do rei.

Por causa disso, Davi simplesmente exila Absalão da cidade e da


sua presença. Esse desprezo do pai nutriu ainda mais o sentimento
de injustiça no coração de Absalão. Afinal de contas, ele apenas fez
o que o rei tinha que ter feito em rela-

ção a Amnom, por ter violentado sua irmã. De fato, segundo a lei, o
crime de Amnom deveria ser punido com a morte.

Algum tempo se passou e Absalão foi trazido novamente para


Jerusalém. Ainda indignado, começou a furtar o coração do povo.
Procurava convencer as pessoas que não havia justiça no reino de
Davi. Ainda estava profundamente magoado com o pai. Interpelava
as pessoas que vinham ao palácio real resolvendo suas demandas
em detrimento do governo de Davi.

Por fim, maquinou, conseguiu apoio e declarou um golpe de estado.


Para demonstrar sua intenção de matar o rei e ocupar o seu lugar,
deitou-se com as suas concubinas à luz do dia. Essa foi uma página
de lágrimas na história de Davi.
Porém, o que realmente estaria por trás de toda essa terrível
história? Por que Davi não conseguiu executar a justiça em relação
aos seus filhos? O que realmente desencadeou todo

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 33

esse legado de imoralidade e violência que atingia fulminan-temente


a família real?

Aparentemente, a situação apresenta Davi como inocente e Absalão


vem rotulado de rebelde, o que não deixa de ser verdade. Porém, é
necessário entender integralmente os fatos para desvendarmos a
atitude e o discernimento de Davi.

Na verdade, voltando ao embrião da situação, tudo come-

çou quando Davi adulterou com a mulher de Urias, um dos seus


valentes, a qual engravidara. Depois de fracassar na tentativa de
simular um encontro de Urias com a esposa para acobertar as
consequências de seu pecado, ele acabou ma-tando seu leal
guerreiro com a espada dos filhos de Amom.

Como conseqüência desse crime, é que começaram a acontecer os


fatos escandalosos que mencionamos anteriormente. Tudo foi tal
como a palavra profética havia previsto:

“Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o mal diante de


seus olhos? A Urias, o heteu, mataste à espada, e a sua mulher
tomaste para ser tua mulher; sim, a ele mataste com a espada dos
amonitas. Agora, pois, a espada jamais se apartará da tua casa,
porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o heteu,
para ser tua mulher. Assim diz o Senhor: Eis que suscitarei da tua
própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus
olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres
à luz deste sol” (II Sm 12:9-11).
Muitos anos haviam se passado e agora Deus estava confrontando
a maldade de Davi através da rebelião de Absalão.

Portanto, quem estava em xeque não era Absalão, mas Davi.

Quando Davi percebe que o cerco estava montado, ele abandona o


palácio na tentativa de salvar sua vida.

Nesse caminho de fuga, Davi é abordado por um homem chamado


Simei, que o amaldiçoa e apedreja. Na verdade,

34 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges estava diante


de uma das maiores provas circunstanciais de sua vida. Quando
Absai, um de seus homens quis reagir ao insulto e cortar a cabeça
de Simei, Davi o repreende, demonstrando o discernimento do
momento que o confrontava. Entendendo que naquele momento
Deus o estava corrigindo e humilhando, ele se submete, aceita a
humilhação, faz uma intervenção incrível e uma estranha oração a
Deus:

“... Deixai-o; deixai que amaldiçoe, porque o Senhor lho ordenou.


Porventura o Senhor olhará para a minha aflição, e me pagará com
bem a maldição deste dia.”

Para um rei, isso é inédito. Imagine alguém amaldiçoando você e se


alegrando com sua destruição. Dizendo que é bem feito a desgraça
que está acontecendo com você! Como al-guém pode falar que algo
como isso é de Deus?! O padrão seria dizer que isso é do diabo!
Porém, Davi não disse que Simei estava sendo usado pelo diabo,
mas por Deus. Ele discerniu o momento que vivia. Não mordeu a
isca do inimigo! Não lutou contra carne e sangue. Reconheceu que
merecia o que estava acontecendo e, dessa forma, transformou a
maldição presente em bênção. Chamo isso de oração inteligente.
Acredito que, nesse momento, Davi virou uma chave no mundo
espiritual e o motim contra seu reino foi embargado.
O quebrantamento que veio do discernimento do momento presente
começou a reverter o rumo da situação e, com uma curta “oração do
justo”, Davi decide a batalha espiritual que quase custou a sua
própria vida:

“...Senhor, torna o conselho de Aquitófel em loucura!”

Aquitófel era o principal conselheiro do rei. Infelizmente, ele o traiu,


apoiando a rebelião de Absalão. Estar ao lado de Aquitófel
significava a vitória. Esse homem era tão íntimo,

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 35

que sabia como destruir Davi, e por isso Davi também discerniu a
necessidade de fazer essa oração, e Deus o atendeu.

Quando Aquitófel percebeu que Absalão não obedeceu ao seu


conselho, ele se suicidou. Foi, literalmente, o “Judas do antigo
testamento” (Sl 41:9).

O mais importante nessa história toda é que Davi discerniu o


momento que vivia. Estava sendo visitado e castigado pelas
consequências do seu assassinato e adultério. Entendeu que a
questão não era entre ele e Absalão. Deus estava visitando seu
pecado através desse terrível quadro de maldição. O pecado
sempre custa caro. Tentou ainda salvar seu filho, Absalão, que
acabou sendo morto por Joabe. Porém, o discernimento profético do
momento o levou a um nível de quebrantamento e revelação que
salvou sua vida e preservou seu reino.

Esta é a moral de toda essa história: Um grande pecado, um grande


arrependimento, um grande castigo, um grande discernimento, uma
grande atitude e uma grande oração: a oração do justo que muito
pode nos seus efeitos. O discernimento profético do momento
presente fez toda a diferença!
Acertando os ponteiros
“Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito
debaixo do céu” (Ec 3:1).

É comum vermos pessoas tentando apressar as coisas com Deus e


outros retardando e até mesmo frustrando os planos de Deus. Com
os “apressados”, parece que Deus di-minui sensivelmente o passo e
com os “retardados espirituais”, Deus tenta de muitas formas
empurrá-los para frente.

Aqui entra a importância do ministério profético. Acredito que uma


das tarefas morais mais difíceis para Deus é acertar nossos
ponteiros.

36 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Um


discernimento nesse sentido, ou a falta dele, produz
comportamentos que afetam a velocidade do cumprimento da
vontade de Deus. Alguns atrasam a obra de Deus e outros
adiantam. Devido à Rebelião de Miriã, o povo precisou ficar parado
no deserto uma semana esperando o tempo da sua purificação. Por
causa de uma pessoa, uma nação perdeu uma semana. A obra de
Deus foi retardada.

“Assim Miriã esteve fechada fora do arraial por sete dias; e o povo
não partiu, enquanto Miriã não se reco-lheu de novo” (Nm 12:15) .

Em contrapartida, por causa da intercessão de Moisés, a obra de


Deus adiantou-se. Deus propôs a Moisés destruir todo o povo no
deserto e começar um novo povo a partir dele.

“Agora, pois, deixa-me, para que a minha ira se acenda contra eles,
e eu os consuma; e eu farei de ti uma grande na-
ção.” (Ex 32:10). Quanto tempo isso iria demandar? Talvez
quinhentos anos. Porém, Moisés não permitiu que o povo fosse
destruído:

“Agora, pois, perdoa o seu pecado; ou se não, risca-me do teu livro,


que tens escrito” (Ex 32:32).

Fico impressionado como Deus acata determinadas intercessões.


Como Deus se quebranta e procede com humildade.

Deus pediu permissão a Moisés para destruir o povo, Moisés não


deixou, e Deus acatou. Esse é o poder de uma oração inteligente
que coopera com o propósito de Deus.

Precisamos estar prontos para cada etapa, tempos ou tarefas


específicas que Deus tenha para nós, estando sensíveis acerca do
que esse tempo vai demandar de nós. A oração certa, no momento
certo, feita por alguém que calculou o preço que aquele momento
demanda, irá causar um efeito surpreendente!

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 37


A espada de Golias
Uma das experiências mais empolgantes de evangelismo que tive
foi em João Pessoa, durante a Micaroa (Carnaval fora de época).
Desde 1983, vínhamos trabalhando pioneiramen-te com
evangelismo durante o carnaval, mas sentia que algo novo estava
para acontecer. Quando recebi o convite dos meus amigos, Ricardo
e Plácido, de João Pessoa, comecei a orar e algo borbulhava dentro
de mim.

No início do mesmo ano, em Janeiro de 1995, já tínhamos feito um


“Impacto de Evangelismo” em João Pessoa, deixando um grande
saldo de expectativas para ganhar a cidade para Jesus. Poucos
meses depois, estávamos diante de uma outra possibilidade ainda
mais poderosa de evangelizar a cidade.

Fiquei sabendo da resistência de muitas igrejas em relação ao tipo


de evangelismo proposto e, acima de tudo, da inusi-tada estratégia
de ação. Realmente, não é fácil entender um bloco de carnaval
formado por crentes que querem evangelizar a Cidade. Isso soa
para muitos como algo leviano e até mesmo mundano. Porém, esse
é o preço do pioneirismo e das grandes mudanças paradigmáticas
que precisam acontecer.

Sabíamos do poder de pregar o Evangelho em uma linguagem


cultural que as pessoas compreendem com profundidade e podem
se identificar. Há muitos anos Deus vem nos falando fortemente
sobre a redenção da cultura. Muitos elementos e segmentos sociais
como a política, as artes, a mídia, costumes e cultura nativa,
instrumentos e ritmos musicais, danças popu-lares, etc. tornaram-se
endemonizados, principalmente porque a igreja se retirou, agindo
com legalismo e discriminação. Aos poucos, esses “terrenos
perigosos” têm sido recuperados e usados com ética e inteligência
espiritual para saquear o inferno e manifestar a multiforme
sabedoria de Deus.
Tínhamos à nossa disposição, nada menos que um trio elétrico de
75.000 Watts de potência e, incrivelmente, estáva-

38 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges mos


oficialmente inscritos como um dos blocos de carnaval da mega
festa. Comecei a perguntar a Deus qual era a palavra profética para
aquele momento. Pouco antes de voar para João Pessoa, o Espírito
Santo marcou com letras de fogo meu discernimento:

“Correu, pois, Davi, pôs-se em pé sobre o filisteu e,

tomando a espada dele e tirando-a da bainha, o ma-

tou, decepando-lhe com ela a cabeça. Vendo então os filisteus


que o seu campeão estava morto, fugiram” (I Sm 17:51).

Diante do desafio gigantesco que enfrentávamos, Deus co-meçou a


falar comigo sobre a “espada de Golias”. Sobre de-golar o inimigo
com a sua própria arma. Estávamos diante de uma oportunidade
singular, através de uma ação eficiente e inteligente. Estaríamos
usando toda a parafernália do carnaval para quebrar o espírito do
carnaval através da pregação do Evangelho, levando centenas e até
mesmo milhares de pessoas à salvação.

“Pois, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos para ganhar o


maior número possível: Fiz-me como judeu para os judeus, para
ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se
estivesse eu debaixo da lei (embora debaixo da lei não esteja), para
ganhar os que estão debaixo da lei; para os que estão sem lei,
como se estivesse sem lei (não estando sem lei para

com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que


estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os
fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a
salvar alguns. Ora, tudo faço por causa do evangelho, para dele
tornar-me co-participante” (I Co 9:19-23).
O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 39

Desfrutava agora do discernimento necessário para su-portar o calor


da batalha. O entendimento profético sobre a

“espada de Golias” veio como uma carga de intercessão tão forte ao


meu espírito que eu, simplesmente, não conseguia parar de remoer
o conteúdo dessa oração. Era a oração do momento e o momento
da oração! Aquela seria a hora de enfrentarmos o maior gigante da
cidade e Deus prometera que, com a própria arma do inimigo, nós o
venceríamos. Estava totalmente empolgado e, ao mesmo tempo,
curioso para ver o que Deus faria.

Quando cheguei a João Pessoa, todos os preparativos estavam em


excelente andamento, exceto a polêmica que era de se esperar,
mas já estávamos acostumados com isso. Depois de um tempo de
treinamento do grupo de aproximadamente 300 pessoas que
compunham o nosso bloco, finalmente fomos para a grande batalha.

Tínhamos um excelente grupo de líderes: o “Ton de Jesus”

que começou em Recife esses evangelismos através de blocos de


carnaval, o pessoal da JOCUM de Recife, Ricardo, Pr. Tim do Rio, o
Livinston de Cabo Frio, o Plácido, o Flávio e muitos outros. Gente
disponível para Deus, muito experimentada em “evangelismo
agressivo” e com uma capacidade logística tremenda.

Pouco antes do desfile começar, aquela oração ainda não havia


saído do meu espírito. Orava borbulhantemente: “Senhor, usa-nos
para cortar a cabeça de Golias com sua pró-

pria espada!” De repente, um repórter de uma rádio evangélica da


cidade veio me entrevistar e, de cara, questionou nossa polêmica
atuação. Comecei simplesmente a compartilhar sobre o que Deus
havia me dito sobre a “espada de Golias” - a estratégia de
evangelizarmos no Carnaval usando a própria linguagem do
Carnaval. Eu só vim saber depois que muitos irmãos vieram se
juntar a nós depois daquela entrevista.

40 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Lembro


nitidamente quando o famoso trio elétrico “Chiclete com Banana”
iniciou seu desfile à nossa frente. O Pr. Tim disse no microfone ao
dirigente do Chiclete com Banana, que era seu conhecido: “Deus te
abençoe!” De repente, o trio parou! De alguma forma, aquilo atingiu
a vida daquele rapaz que, apenas depois de uns cinco minutos,
conseguiu se refa-zer. Foi algo inédito! Isso não era normal de
acontecer e foi um sinal de Deus para nós.

Após o Chiclete com Banana, foi a nossa vez e entramos no desfile.


O Bloco “Jesus Bom a Bessa” era aguardado curio-samente por
todos. “O que esses crentes vão fazer?” Essa era a pergunta de
muitos. Tínhamos pela frente um percurso de 4,2 Km que
levaríamos aproximadamente 5 horas para realizar. Não poderíamos
ter conseguido uma banda musical melhor. Aquele pessoal de
Recife eram verdadeiros guerreiros e, através do louvor, a presença
de Deus fluía poderosamente.

Muito louvor em vários ritmos e pregações relâmpago a cada


instante impactava a multidão.

Nosso Bloco ia atrás e à frente do trio, evangelizando e abençoando


a multidão. De cima do trio podia-se ver muita gente, em lágrimas,
recebendo Jesus. Outros, jogando fora suas bebidas e se
reconciliando com Deus. Pessoas por todos os cantos aplaudindo a
pregação do Evangelho. Muitos nas janelas dos prédios fazendo a
oração de confissão recebendo Jesus. Havia um poder sobrenatural
que nos levava a cativar as multidões.

Nunca vou esquecer quando viramos na avenida Atlântica. Com o


microfone na mão, diante de 3Kms de pessoas se apertando por
todos os cantos. Talvez mais de cem mil pessoas estavam naquela
avenida. Cada mensagem cortava profundamente o coração da
multidão.

Porém, o mais tremendo estava por vir. Havia um trecho do


percurso que era denominado de “Corredor da Folia”, onde estavam
as arquibancadas especiais para os jurados, a

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 41

mídia, e muitas outras autoridades da cidade e do Estado. A


avaliação dos blocos era decidida nesse Corredor. Portanto, cada
bloco quando entrava no Corredor da Folia dava tudo de si. Ali era o
ápice da apresentação.

Quando apontamos no Corredor, interrompemos o ritmo pesado que


vínhamos de louvor e celebração e começamos uma adoração: “Ao
único que é digno de receber...” Aquilo era estranho. Não
combinava com o espírito da festa. Porém, uma presença
assustadora de Deus começou a vir sobre o lugar.

Não estávamos interessados em ganhar o Carnaval, mas em


compartilhar o Evangelho. Preguei brevemente uma mensagem
para todas aquelas pessoas explicando o nosso propósito.
Estávamos falando de Jesus na linguagem deles. Não tinha como
eles não entenderem o amor de Deus.

Logo após, o Ricardo pediu que todo o bloco se ajoelhasse e


começamos a orar pela cidade e pelos governantes, abençoando-
os. O poder de Deus veio tão forte que realmente não podíamos
ficar em pé. Havia uma glória inexplicável naquele lugar. A multidão,
impactada com a presença de Deus, apenas chorava e aplaudia! O
Senhor foi absolutamente glorificado! A cabeça do Golias rolou
naquele momento!

Depois de quase 5 horas de desfile, o mais incrível é que ninguém


estava cansado. Queríamos mais. E no outro dia re-petimos a dose.
Mais de 180 mil pessoas foram frontalmente alcançadas com a
pregação contundente do Evangelho. Naquele ano, o índice de
violência e acidentes caiu vertiginosa-mente, ficando quase nulo. Vi
os efeitos daquela oração profética se cumprindo. O gigante da
Micaroa foi degolado por um “Davizinho” através da sua própria
espada.

Depois dessa experiência, e após 11 anos ininterruptos de


Evangelismo de carnaval em Curitiba, nasceu, oficialmente, a
“Escola de Samba Jesus Bom a Bessa”, que tem impactado Curitiba
e arredores no Carnaval, alcançando mais de setenta mil pessoas a
cada ano com a pregação do Evangelho!

42 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges A nossa


“hora ”

Qual é o momento profético que você está vivendo? Qual é o


momento profético que sua igreja e cidade estão vivendo? O que
Deus está fazendo nesse tempo? O que Deus está mudando nesse
tempo? Qual é a palavra de Deus para esse momento? O simples
fato de ouvirmos a Deus em relação a essas questões pode nos
colocar em uma situação estratégica de oração e intercessão:
“Quem guardar o mandamento não experimentará nenhum mal; e o
coração do sábio discernirá o tempo e o modo. Porque para todo
propósito há tempo e juízo; porquanto a miséria do homem pesa
sobre ele” (Ec 8:5,6).

Uma coisa é você orar discernindo o momento espiritual que você


vive e uma grande infelicidade seria você orar ignorando a ocasião
profética. “Ora, sabeis discernir o aspecto do céu, e não podeis
discernir os sinais dos tempos?” (Mt 16:3). Esse foi um dos
principais confrontos de Jesus em relação aos fariseus. Mesmo
apesar dessa dura admoestação, eles continuaram cegos em re-
lação ao kairós de Deus. O resultado acabou sendo trágico: “...e te
derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não
deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo
da tua visitação” (Lc 19:44). Quando não entendemos e deixamos
de receber a palavra profética no tempo de Deus, será só uma
questão de tempo e a destruição virá.

Pai, é chegada a hora ...

Jesus estava ciente e pronto para o momento mais escuro e de


maior sofrimento da sua vida. Por isso ele pôde fazer a ora-

ção certa. Ele soube interpretar aquele momento, priorizando a


verdade maior dele como uma prova de Deus que era. Ele reagiu
orando.

A partir daquele instante, cada reação sua seria medida pelo padrão
da aprovação divina. A focalização de Jesus não

O dIscernIMentO PrOfétIcO dO MOMentO Presente - 43

era o diabo, as falhas dos discípulos, a inconstância da multidão, a


maldade dos ímpios, a malícia dos fariseus, a omissão de Pilatos, a
crueldade dos soldados romanos, mas era que Deus o estava
testando. Precisava ser o sacrifício perfeito, o cordeiro sem
máculas. Na hora de pagar o preço, quando o tempo da prova é
chegado, qual é a nossa posição, ou melhor, qual é a nossa oração?
Nossa oração expressa a posição espiritual tomada ou
negligenciada.

Um dos nossos grandes problemas é que somos tão lei-gos


espiritualmente que nem ler a hora nós sabemos. Se não
entendemos o tempo de Deus, vamos fazer orações injustas,
amarguradas, atravessadas, que serão como tiros no vazio, apenas
aumentando nossa frustração.

Quem não entende a “hora”, foge, dispersa, trai, nega, dor-me e


desilude. Os discípulos se dispersaram porque não entenderam o
momento. Quem entende a hora pode dizer: “A carne é fraca, mas o
espírito está pronto!”
Jesus seria abandonado, traído, negado, perseguido, preso,
açoitado, humilhado, espancado, julgado, crucificado e morto. O
discernimento do momento levou Jesus a essa oração estratégica,
que foi um escudo para todo o plano de Deus fluir na sua vida e na
vida de seus discípulos.

CAPÍTULO 2

O Caráter de Perseverança

Um caráter de perseverança e a perseverança de

caráter. A perseverança é o fio, o corte, a agudez da

oração.

“Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me destes a


fazer” (Jo 17:4).

Acredito que essa seja a declaração mais poderosa que al-guém


pode fazer ao terminar sua vida. Se existe alguma coisa que
determina se estamos preparados para morrer, isso foi dito aqui.
Palavras que afiadamente cortaram a pesada situa-

ção espiritual que pairava sobre Jesus. Apesar do terrível momento


profético que Jesus teria que enfrentar, essa declaração fendeu as
trevas que tentavam separá-lo do Pai.

Uma ostensiva postura de caráter determinou o curso da Sua vida


na plena vontade divina. Ele seguiu, perseguiu e conseguiu
concretizar todo o plano de Deus. Aqui, Jesus define a atitude de
glorificar o Pai na terra através da capacidade de perseverar, ir até o
fim, consumando a obra e o chamado recebidos. Tudo foi
completado. A vida de Jesus na terra não foi interrompida pela
morte. Ele completou sua tarefa, cumpriu todas as Escrituras,
atropelou a morte, conquistou a sal-
46 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges vação do
homem e entrou na glória eterna. Isso o estabeleceu em uma
posição perene e eficaz de intercessão por nós:

“... porquanto derramou a sua alma até a morte, e foi contado com
os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e
pelos transgressores intercede” (Is 53:12).

O espírito da obediência é a essência da perseverança Não


existe obediência sem perseverança e não existe perseverança sem
obediência. Também é importante mencionar que o que distingue a
perseverança da obstinação é a obediência.

A palavra obediência é originalmente traduzida do termo “dar


ouvidos”. A obediência está ligada à nossa audição espiritual.

Para obedecer temos que ouvir. Sem uma perspectiva correta de


obediência nosso potencial de disciplina é canalizado de forma
prejudicial.

Essa declaração de Jesus na oração sacerdotal (vs.4) embu-te três


aspectos fundamentais da obediência: 1. “Eu glorifiquei-te na
terra...”

Obediência começa na motivação de glorificar a Deus. O

primeiro aspecto da obediência é motivacional. Exige uma vi-tória


sobre a concupiscência de aceitação. A vanglória é algo que
normalmente está encardida em toda motivação humana e pode
comprometer fatalmente o curso da vida sob todos os aspectos.
Precisamos constantemente retomar o referencial de glorificar a
Deus se queremos ver o Seu agir. O primeiro inimigo a ser vencido
é o nosso ego com suas manhas, artimanhas e estratégias de
dependência emocional e vanglória.

2. “... tendo consumado a obra...”


Obediência é você, não só dizer que vai fazer e começar a fazer,
mas terminar, ir até ao fim em tudo aquilo que Deus o

O cAráter de PerseverAnçA - 47

designou. A vida de muitos se resume a uma coleção de falsas


promessas ou de coisas começadas e inacabadas. Quantas vezes
deixamos de perseverar naquilo que Deus nos confiou? Isso peca
contra o espírito da oração do justo, debilita o caráter de
perseverança e inibe a fé. Deus certamente ouve as orações, mas
apenas responde à fé. A fé é uma convicção progressiva, que
depende de uma correspondência dinâmica com a verdade revelada
de Deus.

3. “... a obra que me destes a fazer.”

Obediência é principalmente você não fazer o que Deus não lhe


mandou fazer. Jesus consumou a obra que o Pai lhe deu para fazer,
e não aquilo que o Pai não lhe deu. Isso pode parecer uma coisa
óbvia, mas é impressionante como existem tantas pessoas fazendo
tudo, menos o que Deus mandou.

Dessa forma, podemos ser candidatos em potencial a fazer a obra


de Deus sem Deus, e até mesmo em oposição a Deus.

Um posicionamento nesses três aspectos revoluciona nossa vida


espiritual. Ganhamos sobrenaturalmente um discernimento profundo
na oração que a torna afiada, cortante e penetrante diante das
resistências impostas pelo mundo espiritual nos momentos mais
críticos da vida.
Jesus crucificado
“Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e
este crucificado” (I Co 2:2).

Jesus terminou sua vida em uma cruz, sem nenhum sinal aparente
de sucesso. Se fez pobre (II Co 8:9), perdeu sua repu-tação
crucificado nu entre dois ladrões, não estudou em grandes escolas
(Jo 7:15), recusou o sucesso político e a vida nos palácios (Jo 6:15),
demonstrou seu poder abrindo mão do mes-

48 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges mo (Mt


26:53), mas consumou a vontade de Deus. Essa é uma forma
estranha, mas genuína que traduz o verdadeiro sucesso.

Simplesmente perseverou plenamente no desígnio de Deus.

Jesus deixou claro que na nossa perseverança possuiremos nossa


alma. Perseverança é um dos mais significativos princí-

pios de conquista. Você avança em direção ao que já lhe está


reservado por Deus. O aguilhão da morte a ser vencido aqui é a
desistência.

Perseverança ou desistência?! Uma questão de vida ou morte! Só


podemos lutar contra a morte através da cruz. Ou a morte nos
crucifica através da nossa própria desistência, ou crucificamos a
morte através da perseverança!
Paulo crucificado
“Quanto a mim, já estou sendo derramado como liba-

ção, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom


combate, acabei a carreira, guardei a fé” (II Tm 4:6,7).

Quando Paulo escreve esse texto, já estava contemplando os olhos


frios da morte. Não estava assustado. Na verdade, ele é quem
estava assustando a morte. O selo da perseveran-

ça produziu uma segurança sobrenatural. Ele sabia o que o


esperava: “Desde agora, a coroa da justiça me está guarda-da, a
qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (II Tm 4:8).
Conseguiu fazer da própria morte uma oportunidade de derramar
eternamente sua vida em libação ao Senhor. Um homem totalmente
rendido ao Espírito Santo.

OS TRÊS ASPECTOS DA PERSEVERANÇA

Focalizando agora essa declaração de Paulo, três coisas vão afetar


a nossa perseverança, definir o verdadeiro sucesso, garantir uma
prosperidade durável e aguçar nossa vida de

O cAráter de PerseverAnçA - 49

oração: nossos valores, nossos temores e nossas convicções.

Estes são os aspectos determinantes do andar com Deus.

Respectivamente, isso impõe três questões que precisamos


responder pessoalmente para Deus: A quem realmente amamos? A
quem tememos? Em quem cremos? Certamente, a resposta a
essas perguntas explica muito sobre o nível de eficácia da nossa
vida de oração.
1. “Combati o bom combate...” – Mudando nossos valores

O primeiro aspecto da perseverança são os nossos valores: A quem


amamos? Onde está o nosso coração?

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um


e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. Não
podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6:24).

Se existe o “bom” combate, também existe o “mau” combate. Esse


conflito entre o bom e o mau combate é um efeito colateral dos
nossos valores. A perseverança perde seu significado quando os
valores estão corrompidos.

A quem verdadeiramente amamos? A Deus ou a Mamom?

Onde está o nosso tesouro? Somos servos do que amamos.

Isso é uma lei! Os nossos valores íntimos estão relacionados com


aquilo que amamos. A eficácia da oração está profundamente ligada
aos nossos valores. Uma distorção espiritual do nosso quadro de
valores em relação ao caráter de Deus compromete nossa
intimidade com Ele e abate a eficácia da nossa vida de oração.

O que amamos nos compromete profundamente: “... se tornaram


abomináveis como aquilo que amaram” (Os 9:10b).

Amoldamo-nos aos valores que escolhemos para nossas vidas.


Tomamos a forma e o jeito daquilo que amamos. Nosso

50 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges quadro de


valores determina o nosso caráter, que por sua vez determina o
nosso destino. Toda transformação é precedida por uma mudança
de valores. Não se pode mudar uma pessoa sem mudar os seus
valores.
A palavra de Deus determina claramente que existem coisas que
devemos amar e existem coisas que não devemos amar.

Precisamos amar o que Deus ama e aborrecer o que Ele aborrece.


Podemos inteligentemente escolher o que devemos amar, resistindo
à correnteza dos sofismas mundanos e sendo uma voz que clama
no deserto, onde prevalece a conivência com o pecado:

“Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se al-guém ama o


mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no
mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a
soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do mundo. Ora, o mundo
passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de
Deus permanece para sempre” (I Jo 2:15-17).

Mente e coração

Existe uma distância muito maior que dois palmos entre a cabeça e
o coração. Gostaria de avaliar essa distância. Quais são realmente
os nossos valores? Estamos combatendo o bom combate na vida?
Como podemos determinar de forma ge-nuína os nossos
verdadeiros valores? É simples. Basta aten-tarmos para aquelas
coisas onde estamos investindo a maior parte do nosso tempo,
dinheiro, vida, esforços, etc. Dessa forma podemos facilmente
detectar nosso quadro de valores e avaliar a nobreza relativa aos
mesmos.

É fundamental também nos confrontarmos: como estamos nos


relacionando com os valores comunicados pelo Evangelho? Onde
temos armazenado esses valores? Na mente ou no

O cAráter de PerseverAnçA - 51

coração? Essa questão estabelece a diferença entre o superficial e


o profundo, entre o teórico e o prático. Existe um grande espaço
entre os valores intelectuais e os valores vivenciados.
Esse espaço, que é aparentemente próximo, é também capaz de
denunciar a nossa incoerência moral e inconsistência espiritual.

É comum vermos pessoas com uma cabeça enorme, des-comunal,


maior que o próprio corpo, porém com um coração raquítico e
doente. Pessoas cheias de regras e pobres de vida, saturadas de
teorias e vazias de prática, ensoberbadas de teologias, mas
desprovidas da experiência, como Paulo diz:

“Têm forma de piedade, mas negam o poder de Deus. Afir-mam que


conhecem a Deus, mas pelas suas obras o negam, sendo
abomináveis, e desobedientes, e réprobos para toda boa obra” (Tt
1:16).

Para ilustrar melhor essa situação, permita-me propor um pequeno


teste através de duas perguntas. Podemos formular a primeira
pergunta da seguinte forma: “Você pensa que é importante orar?”
Quando perguntamos isso a uma pessoa ou a um grupo de pessoas
na igreja, todos respondem positi-vamente. Por ser uma pergunta
teórica, é também uma pergunta muito fácil de ser respondida ou
“irresponsavelmente respondida”. Esta pergunta vai certamente
constatar nossos valores intelectuais, nossa “religiosidade”.

Porém, a segunda pergunta atinge o nosso estilo de vida, que é o


que define a essência dos nossos valores: “Você tem uma vida de
oração?” Esta é uma outra pergunta. É parecida, aborda a mesma
questão, mas exige uma outra resposta. Por ser uma pergunta
prática, pode ser que seja extremamente difícil de ser respondida,
porque exige um preço a ser pago.

Muita hipocrisia pode ser revelada através de perguntas como esta.

Quando as respostas a estas perguntas não coincidem, isso indica


que estamos enfrentando uma crise de integridade em

52 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges relação ao


conteúdo da pergunta, seja ele qual for. A primeira pergunta nos
isola do compromisso de caráter, enquanto que a segunda confronta
exatamente isso. Se fizermos a pergunta errada, vamos ter a
resposta errada. Quando fazemos a pergunta certa, percebemos
que o Evangelho não pode ser mera-mente teorizado.

Não é suficiente respondermos a certas perguntas do co-ração de


Deus com uma teologia bíblica precisa. Se perguntássemos, por
exemplo: Qual é o valor de uma vida? Quanto vale uma alma
humana? Seria suficiente citar um versículo do Evangelho dizendo
redondamente como um garoto responde a uma tabuada: “Uma
alma vale mais que o mundo inteiro!” Acredito que não.

Essa pode ser a resposta teologicamente correta, mas, talvez, a


verdade mais incoerente que estejamos dizendo. Só podemos
expressar o valor de uma alma pelo preço de vida que estamos
pagando pela salvação das pessoas. Essa é a resposta que
certamente Deus quer ouvir de nós, independentemente da nossa
teologia ou dos títulos que colecionamos. Isso autoriza uma vida de
oração eficaz.

...Em Janeiro de 1984, fizemos uma viagem pelo litoral do nordeste


brasileiro. Juntamente com três irmãos muito preciosos, tiramos
nossas férias visitando algumas igrejas, evangelizando pessoas e
colaborando da forma que podíamos.

Ficamos sabendo de um irmão que estava sozinho como


missionário na tribo dos Potiguaras, no litoral da Paraíba dedi-cando
sua vida àquele povo e resolvemos visitá-lo.

Pensando em levar alguma coisa para ele, passamos no mer-cado,


e como o dinheiro estava meio contado, compramos uma jaca um
presente “grande e barato”. Partimos em direção ao nosso destino
e, quanto mais prosseguíamos, mais parecia que estávamos
chegando aos confins da Terra. Tinha momentos em que a estrada
parecia que ia acabar, até que chegamos a uma aldeia indígena
que, de fato, era o fim da linha.
O cAráter de PerseverAnçA - 53

Ele ficou agradavelmente surpreso com a nossa inesperada


chegada e fomos logo estabelecendo uma boa amizade. Pega-mos
a jaca e demos a ele o nosso presente de recepção. Foi engraçado,
mas, ao mesmo tempo, chocante quando ele, ao olhar para a jaca,
com um largo sorriso nos disse: Irmãos, há quatro meses eu só
como jaca e manga neste lugar!

Aquilo foi hilariante, mas, por dentro, mexeu comigo.

Quando um de nós precisou usar o toalete, começamos a perceber


como pequenos detalhes podem produzir grandes dificuldades. Ao
perguntarmos pelo banheiro, ele simplesmente apontou em todas as
direções. Cada moita era um “toalete”

em potencial. O local de banho era um pequeno rio que ficava a


uma pequena distância da aldeia, onde todos se banha-vam juntos
“sem paredes”. Começamos a sentir a hostilidade do lugar.

À noite, quando fomos dormir na sua cabana feita de fo-lhas de


coqueiro havia tanta “muriçoca” que era perigoso dormir em um
lugar e acordar em outro, sendo transportados pela nuvem de
pernilongos que invadia o local. Foi uma das piores noites que já
passei. Essa foi a primeira vez que senti na pele o impacto de um
“choque cultural”.

Porém, o que mais me impressionava em tudo que enfrentamos ali


foi o brilho no rosto daquele missionário. Aquele senso estranho de
realização chegou a me incomodar. Como poderia alguém, vivendo
em um lugar como aquele, se sentir tão realizado? Ele exalava uma
segurança espiritual que eu desconhecia. Quando fiz esta pergunta
para mim mesmo, ouvi a voz de Deus falando fortemente ao meu
espírito: “É

porque ele ama o que eu amo”!


Passei a entender que o melhor lugar para estarmos é o centro da
vontade de Deus. Meu quadro de valores ainda precisa sofrer
muitas mudanças. O que amamos vai definir se estamos
combatento o “mau” ou o “bom” combate na vida, e se a nossa
perseverança está ou não valendo a pena.

54 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges 2.


“...Completei a carreira...” – Vencendo nossos temores

O segundo aspecto da perseverança se baseia na capacidade de


enfrentar o medo e o comodismo. A quem tememos?

“E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;


temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o
corpo” (Mt 10:28).

Os maiores obstáculos na carreira da vida são internos. O

que derrotou o povo de Israel, quando espiaram a terra prometida


não foram as cidades fortificadas ou a belicosidade dos habitantes,
mas medo e incredulidade. Ou seja, os maiores desafios não são as
dificuldades externas, mas o medo e a insegurança interna.

A fragmentação familiar, a violência, abusos, o estresse da vida e


tantas outras situações nocivas têm imposto um quadro caótico de
insegurança, medo, e até mesmo pânico.

Muitos já se acostumaram a viver sob intimidação social e espiritual.


Estão viciados no medo e com a vida bloqueada sob vários
aspectos. Traumas e complexos destroem nossa iniciativa e
embotam a capacidade de correr riscos em prol do cumprimento da
vontade de Deus. Além de castrar o de-senvolvimento e impedir
saltos na vida, todo medo que nos paralisa destrói o espírito de
oração. Para perseverar precisamos ser ousados e vencer os
aguilhões impostos pelo medo.
Existe um tipo de medo que funciona como um dispositivo de
segurança que nos alerta em relação a situações perigosas. Esse
medo é protetivo, mas precisa ser saudavelmente dosado. Sua
mensagem deve ser corretamente recebida e correspondida.
Porém, existe um outro tipo de medo; que é espiritual e se baseia na
intimidação. Não é errado sentir medo, é errado ser manipulado pelo
medo. Quando o medo sobrepuja nossas convicções, começamos a
frustrar os planos de Deus.

O cAráter de PerseverAnçA - 55

Muito se tem aprendido ultimamente sobre o poder do terrorismo


como estratégia de guerra. O que é o terrorismo? É al-guém causar,
através de um ato hediondo, uma ameaça muito maior em relação
àquela que realmente representa. Terrorismo é uma ilusão de ótica.
É você acreditar no inimigo mais do que ele mesmo acredita em si.

Quem é o maior terrorista? Satanás. Ele não tem o poder que ele
nos faz acreditar que tem. Na verdade, todas as desvan-tagens
estão do lado dele. Isso faz do terrorismo e da intimida-

ção sua principal arma para combater a paz e a fé das pessoas.

Ele procura estabelecer um clima generalizado de violência e


insegurança pelo qual controla remotamente a sociedade.

Satanás espalha medo agindo, controlando e manipulando pela


intimidação. Isso pode nos impedir de completar missões e tarefas
que nos foram confiadas, trazendo descrédito pessoal e desalento
para o nosso relacionamento com Deus.

O medo espiritual pode ser definido como fé no Inimigo e nas suas


mentiras. O medo não é algo espiritualmente neu-tro; é, na verdade,
uma fé negativa. Tenho visto pessoas com uma fé espantosamente
“grande”, porém negativa. Elas creem intensamente, fortemente,
que nada vai dar certo, que elas não podem, que elas nunca vão
conseguir, que também o pior vai acontecer, etc. Estão totalmente
minadas pela intimidação. Facilmente se conformam com o presente
século, amoldando-se às circunstâncias contrárias visíveis. Vivem
confessando o fracasso.

O medo, nada mais é que fé na desgraça. Através do medo


construímos nossas próprias derrotas e edificamos a vontade e o
império do Inimigo em detrimento da nossa realização em Deus.

... Estávamos em Campos do Jordão - SP, no “Festival de Inverno”,


para duas semanas de evangelismo de impacto na cidade. Éramos
em torno de oitenta pessoas, com equipes de coreografia, teatro,
música, e nossa meta era simplesmente

56 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges estar no lugar


certo e na hora certa, alcançando o maior nú-

mero possível de pessoas com uma pregação inteligente do


Evangelho.

O local mais estratégico era a Praça do Capivari, onde basicamente


o Festival acontecia. No primeiro dia de evangelismo, fomos
duramente advertidos pela fiscalização da Prefeitura a não
evangelizar naquele lugar. A nossa autorização formal para
estarmos nos locais públicos da cidade já estava em andamento,
porém, recebemos a notícia que, apesar do Prefeito já ter dado a
sua liberação, o Secretário de Turismo havia embargado.

Tentamos acionar alguns irmãos que trabalhavam na Prefeitura,


mas, inexplicavelmente, resolveram sair de férias. Ficamos de mãos
atadas. Não podíamos ficar parados, e no outro dia fomos
novamente para o mesmo local evangelizar e, dessa vez, chegamos
a ser duramente ameaçados. Tentei argumen-tar falando que
naquele dia estaríamos apenas orando com o nosso grupo, mas até
isso eles queriam nos impedir de fazer.

As coisas estavam ficando difíceis. Aquilo tudo parecia muito


estranho e nos sentíamos totalmente intimidados.
Estávamos com um grupo de pessoas vindo de vários locais do
país, inclusive com uma equipe dos EUA para um evento público de
duas semanas, e no segundo dia parecia que estava tudo acabado.
Há anos trabalhávamos dessa forma e poucas vezes enfrentamos
uma resistência tão forte. Porém, de forma alguma estávamos
dispostos a desistir.

Voltamos ao nosso acampamento, reunimos a liderança,


distribuímos todo o pessoal em grupos de intercessão e fomos ouvir
a Deus. Deus começou a nos falar sobre um espírito de intimidação
que agia territorialmente naquele lugar. Afinal de contas, estávamos
na “Suíça Brasileira”, onde a nata da alta sociedade de São Paulo
frequentava. Crentes eram tidos como uma “ralé não bem-vinda”
que podia ameaçar o “bem-estar” dos turistas.

O cAráter de PerseverAnçA - 57

No nosso grupo de intercessão alguém teve uma visão da Igreja


acuada em um cantinho da cidade e o diabo todo espaço-so
tomando conta do resto. Era um quadro espiritual ridículo, mas que,
de fato, explicava a real situação da Igreja na cidade.

Todos os grupos de intercessão sentiram que estávamos en-


frentado uma intimidação espiritual e que não deveríamos nos
amoldar a ela. A resposta estava dentro de nós. Oramos ou-
sadamente contra aquele espírito de medo e entendemos que
precisávamos nos posicionar e reagir. Sentimos depois daquele
intenso momento de oração que algo se rompeu no mundo
espiritual.

A partir dessa oração, a situação começou a virar. Era hora de


enfrentarmos o fantasma do medo. Como havíamos sido
ameaçados de ser presos, bem como nossos equipamentos, então
reunimos o grupo, compartilhamos o discernimento que Deus havia
nos dado e deixamos cada pessoa na liberdade de decidir se iria ou
não sair para o evangelismo. Todos prontamente toparam o desafio,
inclusive os estrangeiros.

Era um sábado, quando a cidade fermentava de tanta gente. Devido


ao grande movimento, vinha também reforço policial de São Paulo.
Enquanto nos aproximávamos do local do evangelismo ao ver
tantas viaturas o medo veio. Lembro que bati os olhos em um
daqueles caminhões com carroceria de alumínio da polícia e logo
imaginei todo nosso grupo ali dentro. “Quem sabe Deus não queria
alcançar os presos e o evangelismo seria na cadeia?” Tentava
manter minha posição espiritual e me acalmar.

Estava sentindo uma pressão muito grande, quando vi uma viatura


de reportagem do “Aqui e Agora” (um programa de reportagem do
SBT) passando. Veio-me uma ideia que entendi ser uma estratégia
divina. Uma ousadia começou a brotar.

O assunto político que mais figurava na Mídia era a nova


Constituição. Muita gente falando sobre democracia e a nova
Constituição, que acabara de ser promulgada. Havia recebido

58 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges uma


credencial de “Líder Evangélico” contendo os artigos da Constituição
que nos garantiam o direito de nos reunirmos em locais públicos
apenas com prévia comunicação, independentemente de
autorização. Isso seria meu recurso.

Pensei em chamar aquela viatura do “Aqui e Agora” e fazer uma


reportagem denunciando que estávamos sendo subtraídos do nosso
direito de expressão pela Secretaria de Turismo da cidade. Assim
que chegamos à Praça do Capivari, a fiscalização veio seca sobre
mim. Quando os vi, o Espírito Santo falou comigo: “Não são eles
que irão intimidá-lo. Você é quem deve intimidá-los!”

Antes que eles dissessem qualquer coisa, abri o artigo da


constituição que nos respaldava e com firmeza falei ao chefe da
fiscalização: “Sei que o senhor está apenas cumprindo ordens, mas
vocês estão violando a Constituição Federal, ferindo a democracia e
nos sonegando o direito de expressão, como está escrito aqui. Caso
isso continue, imediatamente eu vou chamar a reportagem e apontei
para a viatura do “Aqui e Agora”, e vamos fazer uma denúncia e
uma entrevista com o Secretário de Turismo para ver o que ele tem
a dizer sobre a nova Constituição.

Algo inesperado aconteceu. Não pensei que seria tão fácil.

Aquele homem começou a se desculpar, entrou na Kombi da


Prefeitura com os outros que o acompanhavam e nunca mais o vi. A
grande barreira de intimidação caiu como as muralhas de Jericó! O
território estava livre!

Bem no centro da praça, havia um grande palco com equipamento


de som montado pela Prefeitura, que estaria ocioso.

Minha esposa com outra pessoa do nosso grupo resolveram arriscar


e foram ao responsável do palco, que se encontrava presente, e
explicaram a ele que tínhamos equipes de música e teatro nacionais
e internacionais, e se não haveria a possibilidade de usarmos o
palco para algumas apresentações.

Ao ver as equipes maquiadas, imediatamente, com toda boa

O cAráter de PerseverAnçA - 59

vontade, o espaço foi cedido. Aquilo era inacreditável! Ou melhor,


acreditável!

Ficamos impressionados com a multidão que se juntou e assistia às


peças, ouvindo as mensagens e aceitando publicamente a Jesus.
De repente, todos começaram a olhar para cima e rajadas de laser
escreviam no céu mensagens evangelísticas acerca do amor de
Deus. O Lívio tinha evangelizado o “rapaz do laser”, que acabara de
receber a Jesus na sua vida e, para demonstrar sua gratidão, já
estava divulgando sua fé através daquelas mensagens. Deus havia
nos dado não apenas a terra, como também, os céus da cidade.

Um dos pastores que estavam conosco foi para o outro lado da


praça sozinho com o seu violão e, devocionalmente começou a
adorar o Senhor com os olhos fechados. Quando ele abre os olhos,
havia uma multidão ao seu redor. Muitas pessoas estavam sendo
profundamente tocadas pela presença de Deus. Ele fez um apelo e
todos disseram publicamente sim para o Evangelho. Coisas
tremendas e surpreendentes estavam acontecendo.

Pensei que ali, por ser um lugar frequentado por pessoas ricas seria
um campo de evangelismo difícil, mas estava impressionado ao ver
tanta gente, inclusive madames da “alta sociedade”, recebendo a
palavra da salvação em lágrimas.

Foram duas semanas inesquecíveis de evangelismo, quando


milhares de pessoas foram impactadas com o poder de Deus
através da pregação do Evangelho. Porém, isso só foi possível, só
completamos a carreira, porque não nos intimidamos.
A lei do medo
A Palavra de Deus nos assegura: “O temor do ímpio virá sobre ele”
(Pv 10:24). Jó também testifica: “O que eu temia, isto me sobreveio.”
Essa é a lei espiritual que rege o comportamento de medo. Através
do medo criamos áreas de vulnerabi-

60 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges lidade


espiritual, moral e sentimental. A tendência é baixar a guarda e
desistir. Onde temos medo, seremos golpeados pelo Inimigo. Áreas
de medo estabelecem o alvo de ataque do Inimigo. É assim que
funciona.

Só o temor de Deus pode vencer o medo. O temor de Deus abre as


portas da revelação para conhecermos a Deus e, con-
sequentemente, o medo, quando vencido, vai dar lugar a ora-

ções e atitudes ousadas.

Estruturas de medo: os esconderijos dos crentes O medo é


capaz de construir facilmente suas fortalezas no coração de uma
pessoa. Ele se infiltra sorrateiramente e estabelece pensamentos e
sofismas que nos paralisam. Isso pode ser diagnosticado quando
usamos certas estruturas para nos escondermos.

“Disse o profeta Gade a Davi: Não fiques no lugar forte; sai, e entra
na terra de Judá. Então Davi saiu, e foi para o bosque de Herete” (I
Sm 22:5).

Deus mandou que Davi saísse daquele esconderijo e fosse para as


terras de Judá, onde o rei Saul, seu obstinado per-seguidor se
encontrava. A caverna de Adulão tornara-se um local fisicamente
seguro, mas espiritualmente nocivo. Aquele medo de Saul que Davi
vinha nutrindo precisava ser enfren-tado e vencido. O maior inimigo
no momento não era o Rei Saul, mas o medo opressor que estava
aos poucos destruindo a confiança de Davi em Deus. O lugar onde
enfrentamos o medo é o território da dependência de Deus. Ou seja,
a ousadia é o território dos milagres. Deus queria Davi nesse lugar.

Costumo dizer que o melhor local para se esconder de Deus é


dentro de uma igreja: atrás de um rótulo religioso, atrás da fama de
uma denominação, atrás de um ministério,

O cAráter de PerseverAnçA - 61

atrás de um título, cargo ou posição. Porém, Deus certamente trará


mudanças para nos desentocar desses esconderijos que minam
nossa dependência do Espírito Santo. Ele está sempre nos
impulsionando a agir com coragem, porém em sintonia com a Sua
palavra. Ou seja, com ousadia, não com presunção.

Muitos estão na igreja, como Adão no Éden, escondidos de Deus,


intimidados, inibidos, esquivando-se de Deus e da sua vontade. Um
dos maiores desafios para Deus é arrancar os crentes dos seus
esconderijos.

Jesus denunciou alguns desses esconderijos, atrás dos quais


plausivelmente nos escusamos do chamado divino:

“Ao ouvir isso um dos que estavam com ele à mesa, disse-lhe: Bem-
aventurado aquele que comer pão no reino de Deus. Jesus, porém,
lhe disse: Certo homem dava uma grande ceia, e convidou a muitos.
E à hora da ceia mandou o seu servo dizer aos convidados: vinde,
porque tudo já está preparado. Mas todos à uma começaram a
escusar-se.

Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo, e preciso ir vê-

lo; rogo-te que me dês por escusado. Outro disse: Comprei cinco
juntas de bois, e vou experimentá-los; rogo-te que me dês por
escusado. Ainda outro disse: Casei-me e portanto não posso ir.
Voltou o servo e contou tudo isto a seu senhor: Então o dono da
casa, indignado, disse a seu servo: Sai depressa para as ruas e
becos da cidade e traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os
coxos” (Lc 14:15-21).

Temos aqui três estruturas que comumente são usadas para


respaldar nosso medo e comodismo em relação ao chamado de
Deus: negócios, trabalho e família. O pior é que começamos a
usar desculpas esfarrapadas em relação a essas coisas: Quem
compraria um campo antes de vê-lo? Quem compraria uma junta de
bois ou “um carro” sem antes experimentá-lo? É

muito estratégico quando apoiamos nossas desculpas usando

62 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges como pretexto


o casamento ou os filhos. Porém, o pano de fundo dessas
desculpas “esfarrapadas” ou “estratégicas” é o medo e o
comodismo.

O medo pode facilmente levar uma pessoa a dar uma importância


muito maior a essas coisas a ponto de sacrificar o convite de Deus.
Esse é o terrível poder que a insegurança tem de comprometer até
mesmo o nosso destino eterno.

Como Jesus mencionou nessa parábola, não é de se surpreender


que hoje as pessoas com maior potencial logístico, financeiro e
familiar não estão alinhadas com a vontade de Deus, enquanto que,
incrivelmente, as pessoas que Deus mais tem usado no seu reino
são os pobres, aleijados, cegos e coxos. Pessoas humanamente
incapazes, porém disponíveis.

Os dignos se tornaram indignos e os indignos se tornaram dignos. O


principal requisito para Deus usar uma pessoa é sua disponibilidade
e devoção.

O que tememos vai definir se genuinamente completamos e


completaremos ou não a nossa carreira.
3. “...Guardei a fé.” – Mantendo nossas convicções O terceiro
aspecto da perseverança é manter um saldo positivo de fé. Em
quem estamos crendo?

“Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo: e esta é a


vitória que vence o mundo, a nossa fé” (I Jo 5:4).

Você não tem que crer para depois vencer. A fé já é em si mesma a


vitória que vence o mundo cujo príncipe é Satanás. O que cremos
determina nosso caráter de perseverança como intercessor.

A capacidade de manter as nossas convicções, assimilar a verdade


e lutar esperançosamente em oração é fundamentada no
conhecimento do caráter de Deus e da cruz de Cristo.

O cAráter de PerseverAnçA - 63

É comum vermos pessoas que depois de muitas coisas pelas quais


passam, elas perdem a fé, desistem de pessoas, abandonam
promessas e abortam o plano divino. As desilusões ao longo da vida
têm um potencial incrível de destruir nossa confiança, produzir uma
amnésia em relação às promessas de Deus e nos levar a desprezar
princípios.

A questão aqui não é apenas deixar de crer nas verdades de Deus.


Quando isso acontece, simultaneamente, começamos a acreditar
em muitas mentiras satânicas. É assim que perdemos a razão
espiritual. Para cada verdade de Deus, Satanás tem um argumento
que pode ser muito convincente.

Não existe um meio-termo ou uma terra de ninguém entre a verdade


e a mentira. Querendo ou não, nossa fé será um resultado direto
desse conflito.

A dinâmica da transformação: crer e ser


“Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem, e todos os que
neles confiam” (Sl 115:8).

Aqui está expressa uma importante lei espiritual: “Nós somos o


que cremos”. É impossível construir um ídolo e não confiar nele. O
ídolo tem sido corriqueiramente definido como tudo aquilo que
ocupa o lugar de Deus. A idolatria destrói a dependência em Deus.
Quando confiamos em um ídolo agregamos espiritualmente a sua
essência. Impomos sobre nós mesmos um processo espiritual de
assemelhamento àquilo que estamos idolatrando. Portanto, a nossa
identidade espiritual está intimamente ligada àquilo em que cremos.

A Bíblia fala como Esaú vendeu seu direito de primogenitura por um


prato de lentilhas, um saboroso guisado vermelho. Colocou aquele
alimento acima da sua primogenitura, desprezando o propósito
divino. Passou a ser chamado de Edom, que significa vermelho.
Tornou-se vermelho como

64 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges aquele prato


de lentilhas. Essa identidade permaneceu sobre ele e sua
descendência para sempre.

Alguém já disse: Não fale para Deus o grande problema que você
tem, mas fale para o seu problema o grande Deus que você possui!
Muitos têm uma tendência de acreditar mais em seus problemas do
que em Deus. É muito comum vermos pessoas que, por idolatrarem
os seus problemas, so-frem uma profunda distorção da identidade
espiritual, ou seja, mais que ter um problema, passam a ser como o
problema. Tomam a forma do problema. Vivem de acordo com o
problema. Professam constantemente a derrota. Aquele problema
passa a ser o centro da sua vida espiritual, tomando o lugar de
Deus. Vão para igreja e, ao invés de cultuar a Deus, cultuam o
problema. Até oram a Deus, mas a fé ainda permanece no
problema.
Esse hipocondrismo religioso que emerge de uma plataforma de
incredulidade explica por que tantas pessoas encontram-se
espiritualmente amarradas e escravas das filas de oração.

A direção do nosso processo de transformação está condicionada


àquilo em que cremos. “Somos transformados espiritualmente à
imagem daquilo que cremos”. O ser espiritual é resultado de um
conflito contínuo entre a verdade e a mentira, entre a realidade
visível e a invisível, entre as provações adversas e as promessas
fiéis de Deus.

Então, no que realmente estamos crendo? Nas verdades de Deus


ou nas mentiras do diabo? Nas setas inflamadas de ressentimento
ou no perdão? Nas soluções de Deus ou nas adversidades do
adversário? Nas promessas de Deus ou no espírito de condenação?
Seremos espiritualmente o resultado desse conflito. Daqui, tanto
pode advir um saldo de derrotas, colapsos de ansiedade, complexos
e problemas crônicos, como também, pode emergir uma vida
vitoriosa que consuma toda a vontade de Deus.

O cAráter de PerseverAnçA - 65

Como produto de cada dificuldade, provação, conflitos, etc. precisa


haver um saldo de fé. Esse é o nosso atestado divino de aprovação
que proporciona eficácia à vida de oração.

Conclusão

O que amamos, o que tememos e no que cremos irão determinar


nossos valores, nossa capacidade de avançar e a firmeza das
nossas convicções. Estes são os principais aspectos do caráter de
perseverança que nos fazem prevalecer diante da constante batalha
espiritual que enfrentamos.

Estamos combatendo o bom ou o mau combate? Estamos


avançando ou já saímos da corrida? Guardamos a fé ou já
abandonamos nossas convicções? Mediante essas questões é que
determinamos se perseveramos ou desistimos; se vence-mos ou
fomos vencidos. Disso depende vitalmente a eficácia da nossa vida
de oração.

Jesus estava aqui nos últimos momentos de sua vida, e, em oração,


olhando nos olhos de Deus, Ele podia dizer com plena autoridade:
Tudo que o Senhor esperava que eu fizesse, eu fiz! Tudo que o
Senhor esperava que eu fosse, eu fui! “Eu glorifiquei-te na terra,
tendo consumado a obra que me deste a fazer.” Está consumado!
Tudo foi feito! Jesus só rendeu seu espírito depois de declarar que
havia completado sua missão.

Ele se recusou a morrer antes.

Essa declaração de Jesus estabelece a mais elevada defini-

ção de prosperidade e sucesso. Não existe verdadeira prosperidade


sem perseverança. Lembro-me das palavras de um pregador: “A
morte não é a pior fatalidade que pode acometer a vida de uma
pessoa. A maior tragédia e a pior situação na vida de uma pessoa
não é a morte, mas uma vida sem propó-

sito.” O propósito de Deus é o nosso referencial de perseverança.


Sem esse referencial e sem a perseverança, a vida pode ser
desperdiçada. É frustrante olhar para todos os anos vivi-

66 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges dos e


perceber que estamos vivendo uma vida sem nenhum significado
eterno.

Um elemento fundamental na oração é estar perseverando com


integridade na vontade de Deus, é estar completando sem
desanimar a obra que nos foi confiada, é estar preenchendo
responsavelmente as condições das promessas que nos foram
designadas pela boca de Deus. Cada passo de perseverança é um
soneto de adoração. Glorificamos a Deus perseverando!
Este é um dos principais aspectos da adoração! Mantemos os céus
abertos, superando os acidentes de percurso e prosse-guindo para
o prêmio da soberana vocação.

Perseverar exige muito quebrantamento. O golpe fatal sobre a morte


foi desfechado através das últimas palavras de Jesus: “Está
consumado!” Um final perfeito! Palavras como estas só podem ser
ditas da cruz! Perseverança é para pessoas crucificadas. Não havia
lugar para a desistência na vida de Jesus. Através da Sua
perseverança Jesus crucificou a morte e subverteu o seu império,
intercedendo por toda a raça humana!

CAPÍTULO 3
A Objetividade Espiritual
Saber focalizar prioridades corretas de acordo

com o momento. A objetividade é a mira da oração.

“Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste ... Eu


rogo por eles: não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste,
porque são teus” (Jo 17:9).
Definindo a objetividade
Acredito que esse texto expressa a mais completa defini-

ção de objetividade dada na Bíblia. Objetividade é simplesmente a


capacidade de “acertar o alvo certo”. Isso pode parecer redundante,
mas existem muitas pessoas acertando o alvo errado.

Muitos prosseguem em subir degrau por degrau o que eles


enxergavam como sendo a “escada do sucesso” e quando chegam
ao topo, simplesmente descobrem que a escada estava colocada na
parede errada. Objetividade é colocar a escada na parede certa,
atingindo o objetivo correto. É investir naquilo e naqueles que o Pai
nos deu e que são d’Ele para nós.

Objetividade é também, portanto, o poder de tornar o nosso sonho


realizável através de um projeto executável. Mui-

68 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges tos estão


idealizando projetos tão abstratos e irreais que não podem ser
traduzidos de forma realizável. Isso é frustrante.

Toda ilusão é uma promessa de desilusão. Muitos nunca acordam


para os seus sonhos. É muito importante sonhar, porém o mais
importante, ainda, é saber viabilizar esses sonhos de maneira
prática. A objetividade é um dos principais parâmetros para
distinguir nossos sonhos das nossas ilusões.

Objetividade espiritual fala da capacidade de estabelecer


referenciais na vida de acordo com o plano divino. Para isso, é
necessário ouvir a Deus, focalizando as prioridades certas em
sintonia com o momento. Objetividade é fruto da intimidade com o
propósito divino, que se evidencia através de um profundo senso de
destino referente à nossa herança em Deus.
A objetividade e a oração

Muitas vezes, fico impressionado com a falta de objetividade exibida


nas reuniões de oração. Muitas orações são tão longas quanto
vagas, tão religiosas quanto místicas e tão grandes como
incrédulas. É comum ouvirmos orações exatamente opostas a que
Jesus fez: “Senhor, abençoe todas as nações do mundo e todas as
igrejas na face da terra!” Jesus simplesmente orou: “não rogo pelo
mundo” .

Como podemos definir uma oração sem objetividade? Uma oração


sem objetividade é aquela que não temos como avaliar o seu
resultado. A oração do justo envolve motivos específicos e acarreta
efeitos e respostas inquestionáveis. São tiros execu-tados sob a
orientação precisa de uma mira. A objetividade na oração evidencia
o exercício da fé. Orações vagas e abrangentes atestam a nossa
religiosidade. Tentamos impressionar, mas, no fundo, não estamos
crendo naquilo que estamos orando.

Jesus não divagava na oração; ele tinha intimidade com aquelas


responsabilidades prioritárias. Sabia onde queria chegar. Suas
orações possuíam um foco nítido. Quando fala-

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 69

mos de responsabilidades prioritárias, estamos falando


principalmente de orar pelas pessoas e pela visão que Deus dire-
tamente tem nos confiado.

Jesus fez questão de limitar sua oração. Ele orou curto e grosso.
Seus discípulos estariam debaixo do mesmo fogo cruzado da hora
chegada. Ele disse: “Não oro pelo mundo”.

Ele tinha na mira da sua oração sua principal responsabilidade.


Apesar de serem poucas pessoas, Jesus interpretou aquela
responsabilidade segundo um valor de grandeza superior a todo o
mundo. Acho esse poder de focalização impressionante e
necessariamente estratégico.

Precisamos saber com responsabilidade “quem” e “o que”

Deus nos tem confiado. Se você não sabe as pessoas que Deus
têm lhe confiado, você precisa descobrir, e começar a cobri-las em
oração. Independentemente de uma posição de liderança,
precisamos aprender a orar por aqueles que são de Deus e que ele
nos deu. Aquelas pessoas que compõem o propósito específico de
Deus para o qual devemos viver. Não fuja dessa responsabilidade
objetiva. Não diga como Caim:

“...sou eu guardador do meu irmão?” (Gn 4:9). Deus sempre confia


pessoas a pessoas.

As maiores responsabilidades são as pequenas. Deus está atento


em avaliar como encaramos as pequenas responsabilidades. Essa é
a maneira pela qual Deus prova e sabe se somos fiéis a ele ou não.
Nisso Deus é taxativo: Se não somos fiéis no pouco, não seremos
no muito. Por mais que você queira e até mesmo “ore” pelo muito,
se você não está sendo fiel no pouco, sua oração é irresponsável e,
caso fosse respondida, poderia até mesmo destrui-lo. Portanto,
Deus não vai dar o muito.

O EPISÓDIO DA MULHER ENCURVADA

A falta de objetividade na oração invariavelmente é resultado da


falta de objetividade espiritual em muitos outros

70 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges aspectos da


vida. Este é um ponto muito importante de ser explorado. Conseguir
levantar a cabeça pode mudar significativamente nossa história e
dar um novo sabor à nossa existência.

A Bíblia fala sobre uma mulher que, apesar de perseverar por tantos
anos na igreja, havia perdido a objetividade. O foco da sua visão
espiritual fora duramente afetado devido a um trauma estrutural
sofrido. Tornara-se encurvada por um espí-

rito de enfermidade.

“E ensinava no sábado, numa das sinagogas. E eis que estava ali


uma mulher que tinha um espírito de enfermidade, havia já dezoito
anos; e andava curvada, e não podia de modo algum endireitar-se.
E vendo-a Jesus, chamou-a a si e disse-lhe: Mulher, estás livre da
tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se endireitou, e
glorificava a Deus. E tomando a palavra o príncipe da sinagoga,
indignado porque Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis
dias há em que é mister trabalhar; nestes pois vinde para serdes
curados, e não no dia de sábado. Respondeu-lhe porém o Senhor, e
disse: Hipó-

crita, no sábado não desprende da manjedoura cada um de vós o


seu boi, ou jumento, e não o leva a beber? E

não convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, esta filha de


Abraão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?” (Lc 13:10-16).

Essa mulher não deixa de representar aquelas pessoas na igreja


que, por algum motivo, perderam a capacidade de focalizar a
vontade de Deus. Acredito que o aspecto principal da vi-são é a
objetividade espiritual com a qual encaramos a vida, o nosso futuro
e a eternidade. A visão sem objetividade torna-se manipulada por
Satanás. Fica a serviço do Inimigo. Dessa forma, a vida de muitas
pessoas fica espiritualmente aprisionada.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 71

A situação dessa mulher, acima de tudo, contrasta como a


religiosidade pode encurvar alguém, distorcendo sua visão.

Ou seja, mais encurvados que essa infeliz mulher eram os fariseus,


com a sua hipocrisia e legalismo.
A Bíblia garante que “sem visão, o povo se corrompe” . Muito da
corrupção que tem desvirtuado grandes ministérios parte deste
princípio de que pessoas estão vivendo encurvadas sem um
objetivo espiritual na vida. A falta de objetividade traumatiza o
propósito e afeta o destino. Vamos analisar quatro pontos que
evidenciam detalhes significativos do episó-

dio dessa mulher.

1. Essa mulher não era cega

É importante entender a sutileza desse detalhe. Muitas pessoas têm


visão. Algumas têm até visão demais. O que eles não têm é
objetividade. Lembro-me de um irmão que, cada vez que alguém
compartilhava um projeto, ele se empolgava mostrando-se aberto.
Depois de anos, ele continuava no mesmo lugar. Alguém certa vez
comentou que ele era tão aberto, que todas as visões passavam
direto. A visão sem objetividade perde a sua praticidade, tornando-
se algo vago, irrealizá-

vel ou obstinado em uma focalização negativa. A vida torna-se


estática e cativa pela superficialidade e pelo comodismo.

O principal objetivo do Inimigo não é cegar, mas comprometer a


objetividade espiritual, arrancando a capacidade profética de
focalizar e investir no alvo certo. Dessa forma, pessoas deixam de
ser solução e passam a sobrecarregar e problematizar a igreja.
Alguém já disse que “quem não dá fruto, dá galho”. Isso facilita a
ação do Inimigo contra um ministério.

Essa mulher, talvez, pudesse até ver muito bem as coisas, mas
tinha sua visão subjugada a uma enfermidade. Por ser encurvada,
sua visão estava tendenciosamente mal dire-

72 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges cionada. Algo


sempre puxando a visão para baixo. O único panorama que ela
estava predisposta a visualizar era o chão ao redor dos próprios
pés. Jesus chamou isso de “prisão de Satanás”.
Estrutura deformada
Problemas estruturais sempre acarretam outros problemas, por uma
simples questão de efeitos colaterais. Algumas deformações na
estrutura podem ser tão graves, que perde-se a capacidade de
endireitar-se. O texto nos diz que ela “... andava curvada, e não
podia de modo algum endireitar-se”. Talvez, com muita dificuldade,
ela pudesse enxergar o que lhe estava à frente. Sua visão estava
profundamente comprometida por causa de uma enfermidade que
afetava a sua estrutura.

A espinha dorsal fala de postura moral e caráter. Alguém já disse


que os leões não puderam comer Daniel porque ele tinha muita
espinha dorsal. Segundo a anatomia humana, esse é o osso mais
duro de se roer. O caráter é a espinha dorsal da alma.

Assim como as principais causas de aleijamento físico estão


relacionadas com danos na espinha, da mesma forma, danos no
caráter aleijam nossa vida e visão espiritual. Não temos como
desvincular essas coisas. Muitos traumas e abusos sofridos na vida
acabam condicionando nossa vontade a uma rotina pecaminosa,
que corrompe o caráter, afeta a sensibilidade e distorce a visão.

O maior problema do mundo hoje não é a escassez de recursos,


como muitos insistem em afirmar, porém, é a falta de caráter e a
ausência de propósito. Existe atualmente um grande déficit em
termos de estrutura moral e visão objetiva, respaldando quadros
terríveis de miséria.

Essa escassez crônica de objetividade abafa o desejo de viver. Essa


é uma das principais portas pela qual a depressão

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 73
entra e assola a vida de uma pessoa. A depressão encontra-se
sempre associada à desesperança. Em contrapartida, objetividade
gera uma sólida expectativa, que é a essência da fé e do desejo de
viver.
Focos doentios
Se a estrutura espiritual está deformada, a focalização torna-se
doentia. É importante estarmos apercebidos de problemas e
enfermidades espirituais que estão comprometendo nossa visão e,
por consequência, nossa objetividade espiritual. São tantas as
coisas que nos induzem a uma vida egocêntrica onde tudo que
vemos são os nossos próprios interesses e problemas.

Alguns desses aspectos básicos de focalizações doentias da nossa


visão podem ser alistados: Egoísmo: visão encurvada para os
próprios interesses; Crítica: visão encurvada para as próprias
decepções; Autopiedade: visão encurvada para nossas carências;
Inferioridade: visão encurvada para a própria incapacidade; Cobiça:
visão doentiamente encurvada para os próprios desejos;
Sensualidade: visão doentiamente encurvada para os próprios
sentimentos. E assim por diante...

Esse encurvamento espiritual define a essência da idolatria. Essa


elaboração confirma a velha perspectiva destruido-ra do pecado,
que pode ser definido como “errar o alvo”.

Todos esses pecados afetam a estrutura espiritual da vida,


empenam o nosso caráter, direcionando os nossos olhos para o
nosso próprio umbigo. Por isso Deus nos desafia profeticamente
(Isaías 58) a sairmos de nós mesmos, termos a nossa vontade
quebrada e a nossa alma totalmente aberta para as necessidades
alheias. Quebrantamento faz a nossa vida jorrar as soluções de
Deus para um mundo de necessidades. Isaías usa figuras como
“jardim regado” e “manancial cujas águas nunca faltam”.

74 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Só pessoas


quebrantadas vão perceber a necessidade das pessoas e a
urgência do reino de Deus. Quebrantamento é a grande chave para
desenvolvermos uma estrutura espiritual profética que possibilita
viver com objetividade e eficiência.

2. Objetividade valoriza a pessoalidade Deus olha com


objetividade para a nossa falta de objetividade. Agradeço a Deus
por isso. Ele é um Ser pessoal. Como Jesus disse: “Ele é o Deus de
Abraão, Isaque e Jacó”. Um Deus de pessoas e não uma “força
cósmica”. Ele é uma pessoa que objetivamente deseja se relacionar
conosco.

Para ser objetivo, tem-se que respeitar a singularidade e valorizar a


pessoalidade. Um erro de objetividade que muitos frequentemente
cometem é priorizar “coisas” ao invés de

“pessoas”.

Deus também não nos enxerga como um número na multidão;


antes, ele nos chama pelo nome. Ele mesmo foi quem planejou de
forma única nossa identidade. Tudo no mundo moral funciona de
modo pessoal e específico. Deus nos trata de forma justa e singular.
Nada mais injusto do que tratar pessoas diferentes de forma igual.
Esse foi o grosso equívoco do falido regime comunista.

Objetividade, nesse sentido, pode ser definida como a capacidade


de evidenciar a singularidade e promover a unidade em prol da
diversidade. Cada pessoa, com suas peculiarida-des, tem o
potencial de encaixar e interagir com o universo a que pertence.
Para isso, é necessário sensibilidade e empatia.

Jesus podia se compadecer da dureza de coração dos religiosos e


legalistas, podia enxergar a cegueira dos cegos, tocar puramente os
leprosos sentindo a insensibilidade dos insensíveis. Sabia lidar
objetivamente com a raiz de cada situação e de cada pessoa.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 75

Filtrando as influências
“Anda com os sábios e será sábio, mas o companheiro de tolos será
afligido” (Pv 13:20).

Infelizmente, vivemos em um mundo onde a maioria das pessoas


está espiritualmente perdidas e por isso estão fracassando em como
viver suas vidas. Vivemos em uma era em que poucas pessoas
entendem “o que é a vida“ e “como devemos vivê-la.” A prova disso
é a quantidade de pessoas enchendo as classes de psicologia e
uma maré crescente daqueles que experimentam o existencialismo,
nova conscientização, nova era, viagem de drogas, ocultismo, e
tantas outras formas de alterar a realidade.

Não podemos abrir mão da objetividade espiritual porque a maioria


das pessoas está sem um propósito espiritual definido para viver.
Infelizmente, pessoas que não estão fazendo nada espiritualmente
sempre querem alguém para não fazer nada com elas. Precisamos
estar conscientes das pessoas que nos afastam do propósito de
Deus e daquelas que cooperam para o mesmo.

Enxergando a cegueira: a objetividade divina

“E vendo-a Jesus, chamou-a a si e disse-lhe: Mulher, estás livre da


tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se endireitou, e
glorificava a Deus.”

Como já mencionamos, para ser objetivo é importante ser pessoal.


Deus é totalmente sensível à nossa individualida-de. Jesus enxerga
nossa cegueira e de longe percebe a nossa miopia. Também
focaliza nossa tendência de olharmos para direções espiritualmente
equivocadas e absurdas. De alguma forma ele vai se aproximar de
nós com o objetivo de corrigir

76 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges nossa visão.


O propósito de Deus é específico. Jesus se dirigiu de maneira
específica àquela mulher e ao seu problema.
O elemento mais importante nesse episódio não é a mulher, ou o
mal que ela possuía, ou ainda o tempo que ela vinha sofrendo com
aquilo, mas a presença de Jesus. A presença de Jesus é pessoal.
Seu objetivo é restaurar nossa objetividade.

Jesus não é uma força, ou uma filosofia positiva e nem uma opção
de religião ocidental. Ele é o criador e o redentor do homem. Ele nos
ama com inteligência e se importa com cada detalhe da nossa vida.

O que aconteceu com aquela mulher está registrado porque,


obviamente, também precisa e pode acontecer com qualquer um de
nós. Este texto registra os quatro toques da objetividade:

* O toque do olhar: “... vendo-a Jesus...”

Esse foi o momento profético na vida dessa mulher. Jesus tocou


aquela mulher com seu olhar de compaixão. Enxergou sua
desgraça. Tudo começa com uma visão objetiva. Depois de dezoito
anos, a sua vez chegou. Ela estava na hora certa e no lugar certo.
Ainda que não possamos enxergar a Jesus, Ele nos enxerga. Não
só nos enxerga, como também, vê aquilo que nos impede de
enxergá-lo!

* O toque do entendimento: “... chamou-a a si...”

Quando Jesus nos vê, ele nos chama. Ele se aproxima e, ao mesmo
tempo, nos atrai a Ele. Esse é o toque do entendimento. Ele
explorou uma outra faculdade daquela mulher para libertá-la. Ela
tinha dificuldade de direcionar sua visão para ele, mas podia ouvi-lo.
O chamado de Deus pode até ser ignorado, porém, jamais não
entendido. Deus é um expert em comunicação.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 77

* O toque da palavra: “... disse-lhe...”

Quando Jesus nos chama a si, ele fala o que quer fazer.
Esse é o toque da palavra, que restaura a fé. Ele veio para
proclamar libertação aos cativos: “Mulher, estás livre da tua
enfermidade “. Essa foi a palavra que desencurvou sua fé,
derrubando toda incredulidade e falta de esperança.

* O toque das mãos: “... pôs as mãos sobre ela...”

Quando Jesus fala algo conosco, ele também nos toca


sobrenaturalmente. Esse não é apenas o toque das mãos, mas o
toque do coração, da identificação, quando uma cura é transmitida.
Algum poder será liberado. Jesus comunicou algo dele para ela.
Impartiu Sua graça sobre a vida daquela mulher. Demonstrou-lhe
toda a sua empatia. Naquele momento, pela fé no sacrifício que
ainda faria, Jesus tomou sobre si mesmo a sua enfermidade: “... e
logo se endireitou, e glorificava a Deus”.

3. Uma enfermidade demoníaca

“E não convinha soltar desta prisão, no dia de sába-do, esta filha de


Abraão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?”

Este aspecto do diagnóstico é extremamente importante.

A situação daquela mulher era algo espiritualmente maligno.

Aqui podemos perceber como Satanás deseja destruir nossa visão,


nossos sonhos e principalmente nossa objetividade espiritual. A
Bíblia nos relata como Satanás atacou o sonho de José através da
inveja dos irmãos, a visão de Maria inspirando Herodes a matar
todas as crianças até dois anos de idade, etc.

Muitas vezes, esses terríveis ataques irão se suceder de forma


indireta e sutil.

78 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges O propósito


daquele espírito de enfermidade era fazer aquela mulher olhar
apenas para o chão da sua vida, mer-gulhando-a em uma
escravizante rotina de inferioridade e incredulidade. Jesus
descreveu a situação daquela mulher como “prisão”, alguém a quem
Satanás mantinha presa. Falta de visão e objetividade espiritual é
um tipo de cadeia imposta por Satanás. Aquela mulher já havia
cumprido uma sentença de dezoito anos de encarceramento no
“Presídio de Satanás”.

E quanto a nós? Há quanto tempo estamos andando em círculos e


olhando para o chão da vida, mergulhados na inferioridade,
idolatrando nossos problemas, lambendo nossas feridas e
acariciando nossa autopiedade? Temos que discernir que essas
situações são mais que uma “dificuldade emocional”: são
verdadeiras cadeias demoníacas. Dezoito anos frequentando a
mesma igreja e ninguém pôde discernir espiritualmente a situação
daquela mulher. Isso é mais que triste; é vergonhoso.

Quantas pessoas assim estão dentro de nossas igrejas? Alguns até


“satanistas” em potencial sem saber. Presos e cegos pela
sensualidade, desobediência aos pais, hipocrisia religiosa e outras
coisas que acarretam terríveis distúrbios à visão espiritual. Essas
pessoas, além de infrutíferas, acabam facilmente manipuladas por
forças demonícas a se tornarem cro-nicamente o pivô de confusões,
rebeliões e divisões.

4. Uma filha de Abraão

Esse é talvez o principal ponto para o qual precisamos acordar.


Aquela mulher fazia parte da congregação. Temos que admitir que,
de certa forma, ela era uma crente fiel. Se não fosse por isso, Jesus
não a chamaria de filha de Abraão, uma herdeira da fé salvadora.
Aqui podemos diagnosticar um dos maiores males que as pessoas
podem ter e têm dentro de uma igreja: Visão comprometida pela
falta de objetividade.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 79
História e destino: estrutura e objetividade Existe um elo entre a
nossa história e o nosso destino; entre a nossa estrutura e a nossa
objetividade. De alguma forma, todo ser humano tem um desejo
inato de possuir direção e propósito na vida.

Por que tantos dentro da igreja estão apáticos e sonolen-tos?


Mesmo de posse da mensagem mais poderosa do mundo, capaz de
mudar o destino eterno das pessoas, muitos sobre-vivem sem
nenhuma expectativa espiritual. Como já vimos, isso é demoníaco!
Um ateu inglês, certa vez, disse: “Se essa história de céu e inferno
que os crentes dizem fosse realmente verdade, eu estaria disposto
a atravessar a Inglaterra de joelhos por uma alma! Infelizmente, a
maioria dos crentes não atravessam nem uma rua por uma alma!
Esse é o maligno drama da falta de objetividade na vida de tantos
irmãos!

Uma estrutura espiritual correta se baseia em um passado bem


resolvido. A objetividade é o efeito disso se manifestan-do em um
futuro promissor e cheio de expectativas. Estrutura e objetividade
são causa e efeito. Um corpo sem uma estrutura óssea nada mais é
que um amontoado de órgãos. Estrutura promove a forma que provê
o justo e devido funcionamento de um organismo. Aquela mulher
tinha alguma coisa ainda não resolvida na sua história, que se
traduzia em uma terrível distorção da sua espinha dorsal. Nossa
visão será tão defeitu-osa quanto for nossa estrutura.

É necessário um conhecimento divino da nossa história.

Um profundo encontro com a misericórdia de Deus. Superar


traumas, aprender atitudes nunca recebidas, rever valores e
padrões de comportamento, corrigir erros espirituais que há muito já
nos encontramos viciados, nos desvencilhar de ca-coetes espirituais
que nada mais são que hipocrisia religiosa.

A pergunta aqui não é há quanto tempo você está na igreja, mas


com que intensidade a consciência de eternidade tem-no
80 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges impactado?
Muitas vezes, precisamos descobrir o quão frá-

geis, vulneráveis e débeis nós somos.

Para quê você está vivendo? Propósito e destino são palavras


moralmente sinônimas. Sem respondermos espiritualmente a essa
pergunta, atestamos o óbito da nossa fé. A fé sem visão e
objetividade é morta. Sem visão, o povo perece.

Sem profecia, ele se corrompe. Se almejamos o nada, vamos


acertar o nada! Sem objetividade nos condenamos à inatividade.
Aqui, nasce a ociosidade, o desânimo, a apatia, o comodismo,
monotonia, frustração, depressão, etc. Todos esses são filhos de
uma visão egocêntrica e da falta de objetividade espiritual na vida.
Levantando os olhos
Jesus disse: “...Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já
estão brancas para a ceifa” (Jo 4:35). Esse é um mandamento que
poucos entendem e obedecem. Jesus estava preparando os seus
discípulos para receberem a promessa do Pai:

“E há de ser depois, derramarei o meu Espírito sobre toda a carne,


vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão
sonhos, os vossos mancebos terão visões” (Jl 2:28).

Visões, alvos, objetivos, sonhos, profecias são elementos altamente


espirituais. Essas coisas só são possíveis através do derramamento
do Espírito de Deus sobre toda carne.

Sem o Espírito Santo, nosso presente será duramente marcado pelo


conflito que temos com o nosso passado e a incerteza do futuro. É
incoerentemente triste quando vemos pessoas

“cheias do Espírito”, com uma visão egoísta, vivendo um cris-


tianismo onde tudo se resume no status de sentir a presença de
Deus, conquistar apenas seus interesses e caprichos pessoais, uma
vida sem projetos ousados e outros se alimentando ilusoriamente de
façanhas futuras sem a mínima disposição de pagar o menor preço
que seja.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 81

Até que ponto a nossa história se identifica com a história dessa


mulher encurvada, que de modo algum, podia endireitar-se? Não
podemos perder de vista a promessa de que o Espírito Santo vai ser
derramado sobre nós em profecias, visões, sonhos que nos
delegarão objetividade, projetos ousados, planos e estratégias
abrangentes, designando um propósito consistente para a vida.
Objetividade é um atributo indispensável da visão. É o foco. A visão
sem objetividade fica tão dispersa e embaçada como a vida sem
propósito.

O SEGUNDO TOQUE – DE CEGO A VISIONÁRIO

“E, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia; e,


cuspindo-lhe nos olhos, e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe se
via alguma coisa. E, levantando ele os olhos, disse: Vejo os
homens; pois os vejo como árvores que andam. Depois tornou a
por-lhe as mãos nos olhos, ele, olhando firmemente ficou
restabelecido, e já via ao longe e distintamente a todos” (Mc 8:23-
25).

Árvores que andam

Acredito que Jesus não curou de uma só vez esse homem para
enfatizar a importância da objetividade. Precisamos confessar, como
esse homem também fez, que não existe foco na nossa visão. O
segundo toque é o toque da objetividade. Acredito que temos muitas
pessoas hoje que não estão enxergando as pessoas como
deveriam. Há uma confusão, uma leitura equivocada e, até mesmo,
interpretações absurdas e insensíveis em relação às pessoas com
quem nos relacionamos.

Precisamos ser tocados por Deus. Projetos nascem de uma visão


das pessoas dada por Deus. Deus não quer que

82 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges tenhamos


uma visão de países, mas de povos. Objetividade é quando Jesus
enxerga as necessidades das pessoas através dos nossos olhos
espirituais.

Olhar firme: responsabilidade nossa

“...Depois tornou a por-lhe as mãos nos olhos, ele,

olhando firmemente ficou restabelecido...”


Depois de Jesus impor as mãos novamente, esse homem precisou
olhar firme para ficar restabelecido. Comece a en-carar com firmeza
os desafios e o propósito de Deus. Com isso, sua visão ganha
objetividade. É necessário um esfor-

ço da nossa parte nesse sentido, ou seja, um exercício de


confiança.

Isaías descreve esse princípio da seguinte forma: “Tu con-servarás


em paz aquele cujo propósito (mente) está firme em ti; porque ele
confia em ti” (Is 26:3). A palavra “mente” ou

“propósito”, no hebraico é “yeçer” e desenvolve-se da raiz

“yãçar” que significa formar, moldar, imprimir diretrizes.

O principal fundamento da objetividade é nossa confiança em Deus.


Confiar é “fiar com”, ou seja, concordar com a fidelidade de alguém.
Deus nos revela sua fidelidade pessoalmente e ficamos na
responsabilidade de concordar ou discordar, ou seja, confiar ou
desconfiar. Se praticamos a desconfiança em Deus, vamos encurvar
e nos isolar em nós mesmos. Se confiamos, vamos endireitar e ter a
visão correta do propósito específico de Deus.

Confiança é uma atitude íntima e pessoal que caracteriza pessoas e


relacionamentos verdadeiramente livres. O primeiro aspecto da
restauração da objetividade é a firmeza de mente ou propósito em
Deus baseado na confiança. Deus irá formar, moldar revelações,
imprimindo diretrizes claras e tão pessoais quanto a nossa própria
identidade.

A OBJetIvIdAde esPIrItuAl - 83

O poder do segundo toque:

os três aspectos da objetividade


“... e já via ao longe e distintamente a todos.”

1. Via ao longe. A visão ganha profundidade.

Quanto mais firme for a sua visão, mais longe você vai ver. Através
da objetividade, começamos a desvendar novos horizontes nunca
antes percebidos.

2. Via distintamente. A visão ganha discernimento.

Quanto mais firme for a sua visão, mais detalhes você vai perceber.
Podemos focalizar questões que vão gerar um discernimento
imparcial e completo da situação.

3. Via a todos. A visão ganha consciência das pessoas.

Quanto mais firme for a sua visão mais pessoas você vai enxergar,
e mais você vai compreender em Deus as necessidades dessas
pessoas. Começamos a desfrutar da compaixão de Deus pelas
pessoas. A objetividade nos leva a ser práticos com as pessoas em
relação às suas reais necessidades.

CAPÍTULO 4

O Espírito da Aliança

Aliança é o complemento entre a entrega e a con-

fiança. A entrega é a força da oração e a causa da fé.

“E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e


nisto sou glorificado” (Jo 17:10).

O poder de uma oração e a manifestação sobrenatural da fé são


dimensionados pela profundidade da entrega. Muitos de nós
pensamos que o poder de uma oração reside na firmeza e
estridência da voz ou até mesmo na eloquência das palavras
emocionadas com as quais nos dirigimos a Deus. Porém, esse tipo
de “barulho”, apesar de impressionar algumas pessoas, não altera o
poder da oração. A força espiritual de uma ora-

ção não se concentra na grandeza das palavras, mas em uma


rendição total em relação aos nossos motivos diante de Deus.

O verdadeiro poder de uma oração também não reside no que


pedimos ou até mesmo no que recebemos, mas no que
entregamos. Essa atitude de entregar nossos direitos e ceder
nossos desejos e motivações compulsivas invoca,
sobrenaturalmente, uma intervenção divina, que santifica a vontade
e traz o melhor de Deus. Uma oração fundamentada na lei da
aliança glorifica o intercessor.

86 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Acredito que


essa declaração de Jesus exprime a mais simples e completa
definição de aliança: “E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas
coisas são minhas; e nisto sou glorificado.” Estar em aliança com
uma pessoa quer dizer que tudo que é seu passa a ser também da
outra pessoa e tudo que é da outra pessoa passa a ser também
seu. É quando há, voluntariamente, um compartilhamento integral
da vida que resulta em um saldo de glória.

Podemos definir a glória de Deus como o somatório dos seus


atributos e a expressão plena do seu caráter. Dessa forma, pode-se
garantir através dessa declaração de Jesus que honrar uma aliança
sempre desencadeia um processo de enchimento de caráter. A
natureza divina passa a ser enxertada em nossas vidas: “... pelas
quais ele nos tem dado as suas preciosas e grandíssimas
promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza
divina ...” (II Pe 1:4).

Uma aliança com Deus, portanto, significa, basicamente, que tudo


que é nosso precisa ser entregue a Deus, inclusive nossos pecados,
medos, dores e mazelas. Consequentemente, passamos a crer que
tudo que pertence ao Pai é também nosso. Lógico que, quando
pensamos em um pacto com Deus nessa dimensão, envolvendo
uma troca como essa, percebemos que estamos em uma posição
tremendamente privilegia-da, porém de muita responsabilidade.

Realmente, esse é um negócio de Pai para filho. Somos herdeiros


de Deus e co-herdeiros de Cristo. A aliança garante a herança. A lei
da herança determina que os filhos passam a ser donos daquilo que
pertence aos pais. Porém, não devemos nos esquecer de que
estamos falando de uma entrega mútua incondicional. Esse é o
aspecto primário do espírito da aliança e da lei da conquista.
Quando entregamos nossos direitos para Deus, os “direitos de
Deus” passam a ser nossos.

O esPírItO dA AlIAnçA - 87

O casamento e a salvação

Deus é um Deus de alianças. A base do nosso relacionamento com


Deus é uma aliança com Ele. A salvação é um casamento com
comunhão de bens onde Jesus é noivo e a Igreja a noiva. A aliança
é mais que um acordo entre duas pessoas; é um compromisso
mútuo que envolve voluntariamente uma entrega sem reservas.
Antes que nós entregássemos nossa vida a Deus, Deus entregou a
vida do seu Filho por nós.

Paulo descreve o mistério da salvação e do nosso relacionamento


com Deus através da intimidade legal desfrutada no casamento. O
casamento é um modelo de como deve ser a nossa aliança com
Deus.

“Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e se unirá à sua
mulher, e serão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas
eu falo em referência a Cristo e à igreja” (Ef 5:31,32).

Para haver filhos abençoados e protegidos, tem que se estabelecer


uma aliança através do casamento, e para haver frutos espirituais
que permaneçam, tem que se estabelecer uma aliança espiritual
com Deus que primariamente se dá através da salvação.

A aliança canaliza de forma saudável e protetiva o potencial de


fertilidade. Tudo que é gerado no contexto de uma aliança está
abençoado e vai prosperar. Tudo que é gerado fora da aliança
torna-se desprotegido e suscetível a uma série de infortúnios ou
maldições. Essa é uma regra básica do princípio da aliança.

Aliança no matrimônio significa basicamente que tudo que é do


marido pertence à esposa e tudo que é da esposa pertence ao
marido, inclusive o próprio corpo. “A mulher não tem autoridade
sobre o seu próprio corpo, mas sim o marido; e também da mesma
sorte o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas
sim a mulher” (I Co 7:4).

88 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Não podemos


falar de aliança sem falar de altar. Altar é um lugar de sacrifícios.
Para aceitarmos a salvação mediante o sacrifício de Cristo,
precisamos declarar, diante do altar de Deus que tudo que é nosso
pertence a Deus, e tudo que pertence a Deus, agora também é
nosso. Esse acordo é a base da confissão de fé que toda pessoa
salva precisa fazer. Portanto, a salvação, a rigor, antes de ser uma
grande conquista, é uma declaração de entrega total. A salvação é
um casamento com comunhão integral de bens.

Toda aliança espiritual é vigorada através do derramamento de


sangue. Envolve a entrega da vida e um profundo compromisso de
alma. Aliança é mais que uma sociedade. A diferença entre uma
sociedade e uma aliança é que a aliança envolve um pacto de
sangue. Basicamente, nesse sentido, a bênção da aliança foi
reservada apenas em relação à Igreja e à família.

Ou seja, biblicamente, só estamos autorizamos a fazer um pacto de


sangue com o corpo de “Cristo”, o qual morreu por nós, e também
com nosso cônjuge, e com ninguém mais. O
sangue liga o mundo físico ao mundo espiritual, e o temporário ao
eterno. Por isso Jesus declarou na ceia: “...Este cálice é a nova e
eterna aliança no meu sangue, que é derramado por vós”.

No casamento, o pacto de sangue se concretiza em cada relação


sexual. Sabemos que na relação sexual existe um mú-

tuo rompimento microscópico de vasos sanguíneos e esse


compartilhamento de sangue configura uma ligação especial e
espiritual entre almas. Esse nível de unidade e intimidade
proporciona um ambiente emocional e espiritual adequado para a
formação da família, e jamais deve ser quebrado.

Podemos ter acordos e sociedades dentro dos princípios de Deus


com pessoas e organizações, mas não uma aliança que vi-gore até
que a morte nos separe. Satanás sabe do poder de uma aliança e
por isso tenta estabelecer pactos com as pessoas envolvendo
relações sexuais ilícitas, feitiçarias a preço de sangue,

O esPírItO dA AlIAnçA - 89

aborto, suicídios, homicídios, etc. É dessa forma que pessoas se

“unem” com ele comprometendo também a sua descendência.

A oração de Ana

“Então Ana se levantou, depois que comeram e bebe-ram em Siló; e


Eli, sacerdote, estava sentado, numa cadeira, junto a um pilar do
templo do Senhor. Ela, pois, com amargura de alma, orou ao
Senhor, e chorou muito, e fez um voto, dizendo: Ó Senhor dos
exércitos! se deveras atentares para a aflição da tua serva, e de
mim te lembrares, e da tua serva não te esqueceres, mas lhe deres
um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida, e
pela sua cabeça não passará navalha” (I Sm 1:9-11).
Ana queria muito um filho. Era uma mulher estéril e tinha que
conviver com a vergonha espiritual de não deixar um descendente.
Nada mais triste e depressivo que uma vida sem frutos. Ela
precisava de um milagre e, para isso, sua úni-ca possibilidade
estava em Deus. Na verdade, Deus a estava levando a fazer parte
do Seu plano para a nação. Ou seja, não apenas Ana desejava um
filho, mas Deus queria um profeta.

A casa de Eli e o seu sacerdócio sobre a nação vinham expe-


rimentando uma franca decadência. Eli havia perdido a força moral
para corrigir seus filhos, que profanavam os sacrifícios e o culto ao
Senhor. Praticavam imoralidades na porta da Tenda da
Congregação. Deus precisava de um profeta. Eli envelhece-ra, não
apenas fisicamente, mas espiritualmente também.

Ana pediu a Deus um filho e, na sua oração, ela faz um voto ao


Senhor, uma entrega total a Deus do filho que tanto queria. Esse foi
o grande segredo da sua oração. Ana queria um filho que, antes de
ser dela, pertencesse a Deus. Aquilo sobrecarregou sua oração de
poder. O Espírito Santo veio tão fortemente sobre sua vida, que Eli a
teve por embriagada.

90 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Aqui está o


maior segredo do “Pentecostes”. Pentecostes, não é o tanto do
Espírito Santo que você tem, mas o tanto que o Espírito Santo tem
de você!

Imagino que, depois de procurar pelo seu profeta em muitas famílias


da nação, Deus o encontra na oração de Ana: “Ó

Senhor dos exércitos! se deveras atentares para a aflição da tua


serva, e de mim te lembrares, e da tua serva não te esqueceres,
mas lhe deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias
da sua vida, e pela sua cabeça não passará navalha.” Há tanto
tempo Deus esperava ouvir isso de alguém e agora acontecera!
A esterilidade foi arrancada do seu útero naquele momento. Algo
sobrenatural se deu tal como quando aquela mulher do fluxo de
sangue disse dentro de si mesma: “Se tão somente tocar na orla
dos seus vestidos, ficarei curada” .

Virtude fluiu de Jesus para ela. Da mesma forma, Ana tocou a Deus
com sua atitude de entrega e devoção. O poder fluiu de Deus para
Ana. Literalmente, ela “sobressaltou” o Banco dos Céus. O poder de
Deus a invadiu e curou o seu ventre. A fertilidade substituiu o aborto
e a esterilidade.

É dessa forma que se cumpre a palavra profética que diz:

“Mais são os filhos da estéril que da casada” . Ana queria um filho e


Deus procurava um profeta. Deus encontrou o profeta do seu
coração no coração rendido de Ana. Ela podia ser fisicamente
estéril, mas aquela atitude demonstrava sua fertilidade espiritual.
Estava pronta para conceber o plano de Deus para sua nação.
Aquela oração afetaria o destino de muitos povos!

Assim sendo, através de uma oração marcada por uma entrega


completa a Deus, o milagre acontece! Ana trouxe à existência a voz
profética de Deus para uma nação em decadência espiritual. Ela
gerou Samuel, aquele que ouve a Deus, o profeta que ungiu Davi e
discipulou a sua geração.

Desta forma, o desejo de Ana incorporou a vontade Deus.

Oração não é apenas você se anular em prol da vontade de

O esPírItO dA AlIAnçA - 91

Deus, mas é quando, através da entrega, nossos desejos são


santificados, ficando a serviço de Deus.

Oração é a nossa vontade santificada se unindo à vontade divina e


cooperando com a edificação do reino de Deus.
Aquilo que é bom, perfeito e agradável vem à luz. Através da lei da
aliança, desfrutamos da posição espiritual de co-criadores com
Deus.

A LEI DA ALIANÇA

“Só recebemos tudo quando entregamos tudo. Não recebemos


nada, porque não entregamos nada”. Essa é a poderosa lei da
aliança. Sem entrega e compromisso, jamais chega-remos a lugar
algum. O resultado da entrega é revelação de Deus e enchimento
de caráter. O resultado da falta de entrega é vergonha moral e
fracasso espiritual.

Vamos destrinchar os três aspectos básicos da lei da alian-

ça entendendo o dinamismo contido nessa lei: 1. Entrega: “E todas


as minhas coisas são tuas ...”

Já mencionamos que o que infesta uma oração de poder e


inspiração é a nossa entrega. Esse é o primeiro aspecto da lei da
aliança, o qual evidencia nossa parte e responsabilidade.

Nossa vida de oração precisa ser marcada por uma vulnerabi-lidade


total ao Espírito Santo, onde estamos sempre prontos a ceder tudo
que ele pedir.

Uma “grande vitória” espiritual é definida através de uma “grande


derrota” pessoal para o Espírito Santo. Assim sendo, espero que
você viva como um “derrotado” mediante a ação e convicção do
Espírito na sua vida. Deus não espera que fiquemos nos esforçando
para convencê-lo de nossos “méritos espirituais”; tudo que Ele
deseja é que nos rendamos.

92 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Tudo o que


você quer salvar na sua vida, você precisa entregar. Tudo que você
quer ganhar você precisa perder. Na verdade, tudo o que você não
entrega você perde. Acaba vazando pelos dedos. Essa é uma
verdade fatal.

“Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir após
mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me; pois, quem
quiser salvar a sua vida por amor de mim perdê-la-á; mas quem
perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois que aproveita ao
homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? ou que dará
o homem em troca da sua vida?” (Mt 16:24-26).

Você quer de fato o Espírito Santo que é o Espírito da Aliança e o


Senhor da Oração? Aprenda a ceder a sua vida, seus direitos, seus
planos, seus desejos, seus sentimentos, etc. Você tem que entender
o que é ser uma oferta, a personi-ficação de algo que está sendo
dado e entregue sem reservas ou condições. Esse é o princípio da
santificação da vontade.

Orar não é só pedir. Ou seja, Tiago diz que não podemos


espiritualizar nossa cobiça através de uma oração. Certamente, não
receberemos nada. “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o
gastardes em vossos deleites” (Tg 4:3). A oração sem entrega é
“pedir mal”. Acionamos a lei da aliança quando nossas motivações
estão batizadas por essa disposição incondicional de entrega: “E
todas as minhas coisas são tuas ...”

2. A dinâmica da fé: “... e as tuas coisas são minhas”

É muito importante entendermos esse segundo aspecto da lei da


aliança. A ordem que o espírito da aliança requer na oração é
primeiramente: “E todas as minhas coisas são tuas”.

Apenas através da entrega é que, posteriormente, nos apossa-mos


do espírito de fé: “e as tuas coisas são minhas”. Ou seja,

O esPírItO dA AlIAnçA - 93
a entrega precede a fé. Essa fé sobrenatural que nos faz apos-sar
da nossa herança em Deus só é viabilizada pela entrega.

Aqui, entendemos o drama do irmão do filho pródigo. Seu coração


egoísta e desprovido de generosidade impediu que ele desfrutasse
dos bens do pai como se fossem seus: “... Replicou-lhe o pai: Filho,
tu sempre estás comigo, e tudo o que é

meu é teu; era justo, porém, regozijarmo-nos e alegramo-nos,


porque este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e
foi achado” (Lc 15:27-32).

A entrega quebra a inércia da incredulidade, proporcionan-do um


ambiente de confiança espiritual. A incredulidade é o sintoma latente
da falta de entrega e devoção. Todas aquelas áreas de nossas vidas
que não entregamos para Deus tornam-se aprisionadas em
esquemas malignos de incredulidade. Para cada crédito de
incredulidade, há um déficit de entrega.

Quando entregamos tudo, ficamos surpresos com a fé sobrenatural


que naturalmente passa a nos mover com toda a ousadia em Deus.
A entrega libera a fé no nosso espírito. A entrega liberta o nosso
coração para crer. Quando tudo que é seu é entregue a Deus, você
vai crer sem reservas que tudo o que é de Deus pertence a você.
Essa fé interativa procede de Deus e é enxertada
sobrenaturalmente em nossas vidas, viabilizando o desempenho e o
cumprimento do propósito divino.

Por que tantos permanecem com uma dificuldade crônica, no


sentido de conseguir crer na vontade e na capacitação de Deus
para determinadas áreas de suas vidas? Por que agem em relação
a essas situações, como que faceando algo que sempre será
impossível para elas? Por que ainda continuam vivendo de forma
tímida e constrangida? A resposta é que, de fato, nunca entregaram
aquilo totalmente para Deus.
Algumas pessoas creem que Deus pode qualquer coisa, mas não
através delas. Elas não conseguem crer e agir com ousadia. Estão
frequentemente acuadas e intimidadas. Muitas estão condicionando
o seu relacionamento com Deus às

94 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges decepções


sofridas com pessoas. Estão vencidas pelo medo e com muitas
reservas e dúvidas. Esse quadro só é revertido quando o medo é
vencido pela entrega. Só temos medo de perder o que ainda não
perdemos. O que não perdemos para Deus acabamos perdendo
para o Inimigo. Tudo que não entregamos para Deus o diabo acaba
roubando, e tudo que entregamos a Deus, Ele mesmo nos devolve
em glória.

A falta de entrega a Deus é em si mesmo um ato de desconfiança


que glorifica os traumas. A entrega define se confiamos ou não na
outra pessoa. Esse é o crivo do espírito da aliança. A entrega é um
exercício de confiança que alarga as fronteiras da fé, estabelece a
aliança e constrói uma vida eficaz de oração.

É uma matemática simples: Sem entrega, a fé é subtraída.

Permaneceremos derrotados. Entregando tudo, a fé é multi-plicada.


Fica sobrenaturalmente fácil acreditar que Ele é poderoso para fazer
qualquer coisa através de nós. Acreditamos confortavelmente que
tudo que pertence a Deus também pertence a nós!

... Em 1989, meu amigo Gregório McNutt estava organi-zando um


Impacto de Evangelismo em Vina del Mar, no Chile, que aconteceu
durante o mês de Janeiro de 1990. Como já trabalhava com esse
tipo de evento, ele me convidou para ajudá-lo na parte de
treinamento e liderança dos evangelismos de rua que aconteceriam.

Quando tive condições de dar uma resposta positiva ao convite, já


estávamos quase em cima da data do Impacto. De repente, nos
deparamos com um grande imprevisto. Não haviam mais passagens
que nos possibilitassem chegar ao nosso destino na data que
precisávamos.

Começamos a orar sobre o que fazer e então, em uma reunião


informal com alguns amigos e companheiros de ministé-

rio, o Alexandre sugeriu: Por que vocês não vão no meu carro? O
carro dele era melhor que o meu, mas bastava dar uma

O esPírItO dA AlIAnçA - 95

olhadinha no tal “carro” para saber que aquela era uma su-gestão
absurda e fora de cogitação. Um Opala 76 bem chum-bado, com 14
anos de muito uso, radiador vazando, pneus com manchões...

Quando tentei “absurdizar” a situação, pois afinal de contas


estaríamos indo da costa do Atlântico até a costa do Pacífi-co,
atravessando três países por terra, então a voz de Deus falou ao
meu coração: É nesse carro que vocês vão! Já conhecia um pouco
o bom humor de Deus, mas aquilo era demais. Meu coração
estremeceu. O risco era muito alto. Porém, quanto mais considerava
os riscos, tanto mais sentia que estava em uma queda de braço com
Deus. Hoje, compreendo que Deus queria me levar a um nível maior
de confiança n’Ele.

Ainda tentei resistir um pouco. Reunimos nossa pequena equipe de


viagem e fomos ouvir a Deus para termos certeza do que fazer.
Fortemente, o Espírito Santo me deu uma Palavra: “Eis que estou
contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a
esta terra; pois não te deixarei até que haja cumprido aquilo de que
te tenho falado” (Gn 28:15).

Tínhamos um ditado que frequentemente usávamos para nos


animar e melhorar o humor em viagens onde os recursos eram
insuficientes: “Deus só mandou ir!” Jesus disse: “Ide”.
Ele não mandou ninguém voltar. Se você já tem o dinheiro para ir,
então está ok! Já tínhamos experimentado isso quando fomos com
uma equipe de 22 pessoas para Montividéu, então a brincadeira
realmente pegou.

Rindo da situação, mas considerando a real possibilidade do carro


quebrar no caminho, e não ter peças para comprar, alguém disse:
qualquer coisa nós vendemos o “Opalão” lá no Chile e damos um
jeito qualquer de voltar. Então humoristi-camente, Deus nos pegou
na nossa palavra dizendo que, não apenas chegaríamos ao Chile,
como também, Ele nos traria de volta até nossas casas, naquele
carro: “... e te farei tornar a esta terra” .

96 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Aquilo foi, no


momento, angustiante, mas emocionante!

Na medida em que nos entregamos para Deus, rendendo-nos


totalmente à Sua vontade, uma fé sobrenatural começou a brotar.
Nossa situação financeira não era melhor que aquele Opala, mas,
mesmo assim, uma convicção inabalável firmou nossos corações no
propósito de Deus. Estávamos experimen-tando o poder de uma
aliança com Deus, cedendo nossos medos e ansiedades a Ele.

Com a pequena e rápida reforma que fizemos no carro, sobrou-nos


menos dinheiro ainda para a viagem. Conseguimos, então, um
contato em Uruguaina, divisa entre Brasil e Argentina. Podíamos
chegar e simplesmente procurar aquela família que, certamente,
eles nos dariam todo o suporte necessário.

No Domingo, bem cedo, partimos de Curitiba rumo ao nosso


primeiro destino. Depois de 1200 Kms, chegamos, ao anoitecer, a
Uruguaiana. Já um tanto cansados, achamos o endereço da
senhora que devíamos procurar. Era uma casa pequena e ficamos
em dúvida sobre o que fazer. Estávamos em quatro pessoas e será
que haveria espaço para todos nós?
Resolvemos fazer contato. Chamamos, mas ninguém respondeu. A
vizinha apareceu na janela e disse que eles haviam ido para a
igreja. Decidimos dar uma volta na cidade e voltar mais tarde.

Enquanto isso, na igreja, o pastor estava contando uma ilustração


interessante no seu sermão: “Jesus disse para uma mulher que iria
visitar sua casa e que ela o aguardasse. En-tão, uma pessoa bateu
em sua porta pedindo alguma coisa, e ela disse que não poderia
atender porque estava esperando alguém. Após algum tempo, outra
pessoa vem visitá-la, mas ela recusa a visita, dizendo que estava
esperando um visitan-te muito importante. Porém, nada de Jesus
chegar. Mais uma vez, alguém toca a campainha e, quando ela
corre anciosa, se decepciona e diz para aquela pessoa que uma
visita muito

O esPírItO dA AlIAnçA - 97

especial estava chegando e ela não podia atendê-la. Depois de


esperar bastante, ela reclama com Jesus dizendo: Senhor, tu me
prometeste que virias à minha casa. Porque o Senhor ainda não
veio? E Jesus, então, respondeu no seu coração: Três vezes já bati
à sua porta e você não me recebeu!”

Quando, mais tarde, retornamos à casa daquela família, ao


tocarmos a campainha, uma senhora simpática abriu a porta, olhou
para nós, sem ainda nos conhecer, e disse: Entra rápi-do! Nem por
um momento ela nos deixou do lado de fora!

Aquilo era profético para ela. Ela não queria deixar Jesus para fora
de sua casa. Então, nos apresentamos, e só depois fomos saber do
que havia acontecido no culto. Deus realmente estava cuidando de
nós. Não sabíamos, mas seu marido era o responsável por um hotel
que havia acabado de ser construído ao lado de sua casa. Fomos
os primeiros hóspedes. Estávamos como em casa. Eles nos
receberam como se realmente fôssemos Jesus!
Tivemos que pedir, de Curitiba, uma autorização do pro-prietário do
carro para cruzarmos a fronteira, o que nos custou um dia de atraso
e descanso. Se não fosse por aquela providência de Deus,
estaríamos em apuros.

Seguimos viagem praticamente direto. Dormimos apenas umas três


horas em um posto de gasolina e, finalmente, chegamos incólumes
e a tempo do início do evento em Vina del Mar. Foi uma viagem
cansativa, mas também, uma experiência maravilhosa. Não tivemos
nem um pneu furado sequer. O

carro heroicamente chegou ao seu destino.

Ao chegarmos, algumas pessoas, assustadas com a rude aparência


daquele carro velho com placa de Curitiba, simplesmente não
acreditavam que havíamos vindo nele. Alguns entenderam aquela
façanha como muita ousadia, e outros, como loucura, o que não
deixava de ser! Éramos mais de 200

pessoas hospedadas em um grande colégio e, por incrível que


pareça, toda compra de alimento era também feita no Opala.

98 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges O


Evangelismo começou e coisas sobrenaturais foram acontecendo.
As reuniões de intercessão e treinamento transforma-ram-se em
cultos de avivamento. Era difícil parar. Nos evangelismos de rua,
centenas de pessoas, publicamente e em lágrimas, recebiam a
Jesus. A principais cidades litorâneas do Chile (Vina del Mar e
Valparaiso) estavam sendo sacudidas pelo poder de Deus.

Tínhamos pontos simultâneos de evangelismo com equipes de


teatro, louvor e coreografia que atingiam profundamente o coração
das multidões naquele local de veraneio. Enquanto o Gregório
liderava uma equipe de estrangeiros que estavam conosco, eu e o
Túlio, meu irmão, mobilizamos o resto do pessoal. Tivemos 1500
decisões públicas cadastradas em fichas que foram repassadas ao
pastores das igrejas locais.
Não apenas impactamos aquele local, como fomos surpreen-
dentemente impactados por Deus. Jamais vou me esquecer
daqueles dias.

Na hora de voltar, muitas pessoas se mostraram realmente


preocupadas conosco. Algumas delas estavam tendo cargas de
intercessão mesmo. Aquele carro nunca recebeu tanta ora-

ção. Porém, incrivelmente, estávamos totalmente tranquilos e


confiantes. Algo dentro de nós afirmava que Deus nos prote-geria,
como também, ao nosso “resto de carro”.

Iniciada nossa viagem, tínhamos andado em torno de 200

kms, pouco antes de começar a subir os “caracoles” na Cordilheira


dos Andes, quando, de repente, flagrei o ponteiro do marcador de
temperatura no vermelho. Assustado, imediatamente enconstei o
carro. A mangueira do radiador havia rachado. O que fazer agora?
Já sabíamos que não encontrarí-

amos uma peça substituta no Chile e mesmo porque também era


um domingo.

Tudo que tínhamos na nossa grande caixa de ferramentas parecia


não ajudar, exceto um rolo de fita isolante. Pensando na alta
pressão e temperatura que aquela mangueira suporta, come-

O esPírItO dA AlIAnçA - 99

cei a enroscar aquela fita isolante firmemente na parede externa da


mangueira, orando e clamando por um milagre de Deus.

Até quando aquela fita isolante aguentaria? E pior ainda, onde


conseguir água para o radiador vazio? Estávamos na estrada e não
havia nada ao redor, a não ser uma ponte pela qual acabáramos de
passar. Fomos até ali e nos deparamos com um riacho de águas
cristalinas que descia da cordilheira.
Respirei aliviado! Era coincidência demais ficar sem água no
radiador bem ao lado de um riacho.

Nossa fé estava sendo fortemente provada. Deus queria acentuar


uma revelação da Sua fidelidade conosco. Sem ter escolha,
prosseguimos. O carro suportou o trecho de mais de 200 Kms de
Cordilheira e, quando entramos na Argentina, o dia estava
extremamente quente. O norte da Argentina durante o verão é, sem
exagero, como um deserto. O calor era in-suportável. A temperatura
estava em torno de 45 graus centí-

grados. Mesmo com todas as janelas do carro abertas, o vento


quente que entrava era sufocante. Porém, minha preocupação era a
mangueira que, incrivelmente, foi se mantendo intacta.

O calor era tão forte que, frequentemente, precisávamos colocar


água no radiador devido à rápida evaporação.

Só quando entramos no Brasil é que conseguimos realmente nos


tranquilizar. Depois de quase 8000 Kms rodados, chegamos em
casa. O Alexandre ainda rodou mais de três meses com aquela
mesma fita isolante na mangueira do radiador. A Palavra de Deus se
cumpriu cabalmente: “Eis que estou contigo, e te guardarei por onde
quer que fores, e te farei tornar a esta terra; pois não te deixarei até
que haja cumprido aquilo de que te tenho falado” (Gn 28:15).

Cumprimos com Deus nossa missão no Chile, experimen-tando a fé


sobrenatural que vem da entrega, onde o espírito da aliança se
consolida. Só nos restava reconhecer a Deus em todos os detalhes
e dar a Ele toda a glória! Minha fé nunca mais foi a mesma depois
dessa experiência.

100 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges 3. O


enchimento de caráter: “... e nisto sou glorificado.”

O resultado final desse ciclo composto pela nossa entrega e pela


infusão da fé divina em nossos corações é um toque da glória de
Deus. A glória de Deus pode ser definida como o somatório dos
Seus atributos morais. Como Jesus descreve:

“e nisso sou glorificado”. Não confunda ser glorificado com roubar a


glória de Deus. A lei da aliança ensina que a nossa entrega é
correspondida com uma manifestação sobrenatural de fé, causando
assim, uma edificação sólida do caráter.

Quando entregamos tudo que Deus pede, recebemos tudo o que ele
promete. O saldo desse câmbio é um enchimento de caráter, uma
capacidade de assimilar os atributos morais de Deus, ou seja, uma
apropriação plena da própria natureza divina. Aqui está um dos mais
importantes pilares da ora-

ção do “justo” que muito pode nos seus efeitos. O poder para
construir uma vida de fé e obediência parte desse princípio.

Como Paulo disse: “E aos que justificou, a estes também glorificou”


(Rm 8:30). A oração do justo, fundamentada no espírito da aliança,
glorifica a identidade espiritual através de uma produção constante
dos frutos do Espírito Santo. Essa é uma das principais evidências
do crescimento qualitativo.

Através da entrega, exercita-se o quebrantamento e a fle-xibilidade.


A entrega aciona o princípio do relacionamento.

A lei do amor é cumprida. Quando abrimos mão dos nossos direitos,


podemos seguir a paz com todos. “Segui a paz com todos, e a
santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”

(Hb 12:14). Estamos falando não de uma santidade mística, mas


prática e alcançável.

Entrega gera relacionamentos. Barreiras são contunden-temente


desmoronadas. Colateralmente, a entrega também produz
revelação. Ou seja, a entrega aciona o princípio do relacionamento,
que aciona o princípio da revelação. Veremos ao Senhor tal como
Ele é. Você não pode ver ao Senhor sem

O esPírItO dA AlIAnçA - 101

ser transformado. A revelação que renova a mente também


transforma a vida e nos conforma com a boa, perfeita e agradável
vontade de Deus.

Podemos, portanto, expressar o espírito da aliança através desta


progressão espiritual: Entrega – descanso – fé – paz
(relacionamento) – revelação – transformação. Nosso caráter é
glorificado. A falta de entrega pode abortar todo esse processo que
expressa a essência da vida espiritual e o poder de uma vida de
oração vitoriosa, trazendo muitas perdas e derrotas.

Esse é o poder do espírito da aliança inspirando o estilo de vida do


intercessor. Tudo que entregamos a Deus estará poderosamente
sujeito às mais ricas bênçãos de Deus. De outra sorte, tudo que não
entregamos estará sujeito às mais desa-gradáveis interferências do
Inimigo!

CAPÍTULO 5

Coerência e Identificação

A coerência é a força do exemplo, a essência do

ensino e a autoridade da oração.

“E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam
santificados na verdade” (Jo 17:19).

Deus não espera que sejamos “perfeitos”, mas coerentes.

O perfeccionismo e a coerência levam a destinos opostos. O


perfeccionismo exalta o mérito pessoal e conduz a orgulho,
legalismo, justiça própria e controle. A coerência assegura a
dependência em Deus e nos conduz pela estrada da integridade.

O grande erro do perfeccionismo reside em uma motiva-

ção adoecida pelas feridas emocionais causadas pelo mau uso e


abuso da autoridade. O perfeccionismo sempre é carac-terizado por
uma incoerência entre o princípio e a motivação.

Evidencia-se uma hipocrisia cega e muito sutil. É o princípio

“certo” exercido com uma dose nociva de exagero devido a uma


motivação enferma e corrompida.

Coerência produz confiança e identificação. Enquanto a coerência


inspira, a hipocrisia fere e dispersa. O perfeccionismo se baseia no
princípio de imposição e manipulação. A coerência, por sua vez,
inspira a obediência.

104 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges A forma


mais poderosa de expressarmos uma influência moral é através da
lei do exemplo. A essência do discipulado de Jesus era “faça o que
eu faço” e não simplesmente “faça o que eu digo”. É por isso que
liderar é mais que chefiar; é servir. O chefe manda, o líder motiva.
Esse é o poder da lei do exemplo. Dessa forma comunicamos
sobrenaturalmente a graça de Deus que vai desatolar as pessoas
da letargia espiritual, trazendo-as para um plano de santificação.

A fé vem pelo ouvir, mas a santidade é inspirada pelo exemplo.


Nessa declaração de Jesus, percebemos que a santidade não deve
ser imposta, e sim inspirada. A base da santidade é a
voluntariedade: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer
como o efetuar, segundo a sua boa vontade”

(Fp:2:13). Deus opera o querer. Nossa voluntariedade é tudo de que


Deus precisa para agir.
A LEI DA COERÊNCIA

“E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam
santificados na verdade” (Jo 17:19).

A condição de ser e o poder de formar e transformar outros está


ligado a um estilo coerente de vida. Voltando à declaração de Jesus,
vamos analisar melhor a lei da coerência. Toda lei se baseia em um
princípio de causa e efeito:

•Causa: Podemos perceber neste texto, dois aspectos que são


agentes causadores. O primeiro é a responsabilidade com outros,
ou seja, a motivação: “... Por eles ...” O segundo é a
responsabilidade consigo mesmo, ou seja, o exemplo: “... Me
santifico a mim mesmo ...”, um profundo senso de coerência e temor
a Deus.

•Efeito: A consequência alavancada pelas causas descritas


anteriormente é a reprodução qualitativa: “... Para que eles

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 105

também sejam santificados na verdade.” Sem os dois primeiros


passos, não estaríamos discipulando ou santificando as pessoas “na
verdade”, mas “na mentira”. Isso definitivamente não funciona!

Jesus também disse ao Pai: “Dei-lhes a sua palavra.” Ou seja, Seu


ensino estava embasado em verdades, através das quais foi
duramente provado e que santificaram sua própria vida. Quando
ministramos uma verdade que transformou a nossa vida, isso vai
gerar um efeito sobrenatural na vida de outras pessoas. O

escritor de Hebreus enfatiza: “... ainda que era Filho, aprendeu a


obediência por meio daquilo que sofreu” (Hb 5:8).

A coerência do nosso estilo de vida é a grande chave do ensino e


do discipulado. O limite do nosso ensino e discipulado não é o que
falamos ou até mesmo o que fazemos circunstancial-mente, mas o
que somos, ou seja, o nosso caráter. Caráter é aquilo que você é
quando não está sendo policiado por ninguém.

A melhor maneira de se fazer discípulos é sendo um discí-

pulo. A melhor maneira de gerar pessoas santas, não é pregar


sobre santidade, ou cobrar “legalistamente” das pessoas um padrão
comportamental, mas simplesmente ser santo. Uma vida coerente
com o caráter de Deus é contagiante. Nisso reside um dos grandes
segredos do avivamento.

A ESSÊNCIA DO DISCIPULADO

“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em


nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a
guardar todos os meus mandamentos; e eis que eu estou convosco
todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28:19,20).

Gosto sempre de enfatizar que existe uma grande diferen-

ça entre ensinar os mandamentos e ensinar a guardar os man-

106 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges damentos.


“Ensinar os mandamentos” dissemina religiosidade e legalismo.
Podemos, até mesmo, como Jesus advertiu os fariseus, ao invés de
estar fazendo missões, cair no erro de estar transformando pessoas
em filhos do inferno duas vezes mais que nós mesmos. “Ai de vós,
escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra
para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas
vezes mais filho do inferno do que vós” (Mt 23:15). Esse é o poder
da religiosidade, que vem de uma vida incoerente e hipócrita.

“Ensinar a guardar os mandamentos” é ensinar a obediência.


Obediência só pode ser ensinada através da obediência.

Isso é algo realmente poderoso porque é respaldado pela un-


ção de Deus. Deus não unge a incoerência e o legalismo. Deus
unge a obediência. Aqui, reside o maior segredo e o grande poder
para se fazer um discípulo. É dessa forma que iniciativas de
mudanças são alavancadas na vida das pessoas, pro-duzindo
grandes e genuínas transformações.

“Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina: persevera nestas coisas;


porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo quanto aos que
te ouvem” (I Tm 4:16).

Antes de cuidar da doutrina, temos que cuidar de nós mesmos. Ou


seja, sem uma vida coerente com a doutrina, podemos ser
destruídos pela própria doutrina. Nesse aspecto é que muitos se
queimam e queimam a outros; se perdem e perdem seus ouvintes.
Uma vida ministerial infrutífera é o simples resultado de uma vida
espiritual incoerente!

Lavando os pés dos discípulos: a lei do exemplo

“Ora, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós


deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei exemplo,
para que, como eu vos fiz, façais vós

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 107

também. Em verdade, em verdade vos digo: Não é o servo maior do


que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou”
(Jo 13:14-16).

Empatia, amizade, quebrantamento e servidão determinam a força


do ensino e a autoridade da oração. Aqui, Jesus quebrou o maior
tabu da liderança, demonstrando a verdadeira essência de um
verdadeiro líder. No reino espiritual, liderar não é mandar e controlar,
mas alterar o comportamento de pessoas, inspirando-as pelo
exemplo.
Esse é o espírito de liderança que dá sentido espiritual a qualquer
estilo de liderança. Sem um espírito de liderança correto, qualquer
que seja o estilo de liderança estará condenado ao insucesso. Esse
texto expressa um dos mais relevantes princípios de liderança e
missões. Como líderes e enviados, precisamos fazer a mesma coisa
que o nosso Senhor fez como enviado do Pai. Ele discipulou os
seus discípulos, lavando os seus pés.

Tirando a morte de Jesus, acredito que essa foi a atitude que mais
abalou, confrontou e transformou a vida dos discí-

pulos. Enquanto não aprendermos isso, vamos fracassar em


reproduzir verdadeiros seguidores de Jesus. Como Ele mesmo
disse para Pedro: “... Respondeu-lhe Jesus: O que eu faço, tu não o
sabes agora; mas depois o entenderás. Tornou-lhe Pedro: Nunca
me lavarás os pés. Replicou-lhe Jesus: Se eu não te lavar, não tens
parte comigo” (Jo 13:7,8).

... Desde o início da década de 80, temos trabalhado com cruzadas


evangelísticas de rua em cidades de médio e grande porte, no Brasil
e América Latina, sempre procurando acom-panhar
estrategicamente uma rota de cidades com o objetivo de cooperar
com a redenção da nação. Foi muito significativo quando estivemos
em Maceió, logo após o “impeachment” do Collor. Foram dias
tremendos de evangelismo e intercessão.

108 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges


Antecedendo a comemoração dos 500 anos da descoberta do
Brasil, trabalhamos em Salvador, depois em Porto Seguro -

BA e São Vicente – SP, seguindo a rota das Caravelas.

Foi exatamente nesse ínterim, que Deus começou a nos falar sobre
algumas raízes espirituais da corrupção e feitiçaria que têm se
alastrado, não apenas na política, como também, na religiosidade
nacional. Comecei a sentir um grande peso em relação à África e
Deus compartilhou comigo sobre um impacto de evangelismo e
intercessão em Angola, com du-ração de 21 dias, que aconteceu em
Julho de 1997. Já havia estado uma vez lá e, portanto, já tinha uma
razoável ideia dos desafios que isso representaria.

Mobilizamos um grupo de aproximadamente 17 brasileiros e nos


unimos ao Marcos e à Márcia Azolin, que eram os líderes de Jocum
em Angola. Apesar de ter sido uma das pessoas que influenciou o
Marcos para missões, acredito que, no final das contas, ele tenha
me influenciado muito mais que eu o influenciei. Marcos faleceu na
África em um acidente de carro e foi enterrado lá mesmo, porque
era onde seu coração realmente estava.

Ele e a Márcia, sua esposa, enfrentaram guerra, ameaças de morte,


miséria, fome, doenças e toda sorte de desconfor-tos que você
possa imaginar para servir os povos angolanos.

Devido à influência deles, discípulos angolanos estão alcan-

çando, não só a nação, como também, “tribos e povos não


alcançados” anteriormente pelo Evangelho. Na primeira vez em que
estive com eles em Angola, fiquei impactado com o estilo de vida e
a disponibilidade total de pagar o preço da obediência ao chamado.
Eles tinham muito mais que obedi-

ência ao chamado, tinham amor ao chamado. Sinceramente, tenho


que confessar que a integridade, retidão e perseverança do Marcão
me confrontavam.

Juntamente com o pessoal da base de JOCUM em Angola, éramos


em torno de aproximadamente 40 ou 50 missioná-

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 109

rios, brasileiros e angolanos, além de muitas outras pessoas da


Igreja local, algumas das quais foram peças fundamentais no
evento.
Orando pelo impacto, sem ainda entender muito bem por quê, Deus
havia me falado claramente que estaríamos indo a Angola, não para
“ensinar”, mas para “aprender”. Não só para pregar, mas para nos
arrependermos e confessarmos diante dos angolanos os pecados e
as hediondas injustiças que nossos “pais europeus” praticaram
contra eles.

O cruel processo de colonização e escravidão deixou um legado de


inferioridade e ressentimento que tem sido vingado principalmente
através da feitiçaria e muitas declarações de maldições que refletem
alguns dos piores sintomas sociais, dentre eles, a imoralidade, a
violência, a corrupção e a de-sintegração familiar. Uma restituição
intercessória estaria in-terferindo nas raízes espirituais dessas
maldições que ainda assolam o Brasil.

Resolvemos que o impacto de evangelismo aconteceria em Luanda,


a capital. Luanda chegou a ser uma pérola da África, uma cidade
mais próspera que Lisboa. Porém, a partir da independência do
país, iniciou-se uma guerra que praticamente sucateou a cidade. A
população tenta sobreviver de vender quinquilharias nas feiras
livres, onde o povo se amontoa sobre a poeira e o lixo. Só vendo de
perto uma dessas feiras livres para entender como é a coisa. São
dezenas dessas feiras espalhadas pela Cidade nas quais circulam
de 20 mil até 500

mil pessoas, como é o caso do “Roque Santeiro”, que é, não só a


maior feira livre de Angola, como também, do mundo. Isso facilitou
muito a estruturação do trabalho de evangelismo. As multidões já
estavam reunidas. Só precisávamos ir até elas.

Nosso grupo missionário ficou hospedado na AEA (Associação


Evangélica de Angola), um local amplo, construído pelos
canadenses da MAF (Asas de Socorro) e, então, come-

çamos o evento. Pelas manhãs, tínhamos um tempo devocio-


110 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges nal
acompanhado pela intercessão criativa e ensino. Todas as tardes,
saíamos na carroceria de um grande caminhão, que também
funcionava como palco, para o evangelismo.

No primeiro dia, Deus colocou no meu coração que procurássemos


alguém de Angola para dar uma aula para nós brasileiros sobre a
cultura angolana, a história do país, da guerra e da Igreja. Essas
informações seriam vitais para a intercessão e o contato com o povo
no evangelismo.

Procuramos um rapaz angolano, que estava em treinamento


pastoral e trabalhava ali na AEA. Sentimos que ele seria a pessoa
certa para nos ensinar. Quando falei com ele sobre isso, fiquei
impactado com o impacto que ele sofreu.

Ele me disse: “O que? Vocês querem que eu ensine a vocês alguma


coisa?” Aquilo era inacreditável para ele. Angolanos nunca
ensinavam nada para os estrangeiros. Ele estava profundamente
surpreendido. Quando falei que estávamos ali principalmente para
aprender com eles, percebi seus olhos se enchendo de lágrimas.
Ganhamos mais que o conhecimento que ele tinha do seu próprio
povo; ganhamos o seu coração e um discípulo. Passei a entender
como aquelas pessoas vinham sendo desvalorizadas.

Em uma manhã, no momento da intercessão criativa, Deus


compartilhou conosco que os brasileiros lavassem os pés dos
angolanos em uma atitude de humilhação e reconciliação.

Quando os baldes de água foram chegando e nos ajoelhamos aos


pés dos angolanos, eles estavam atônitos e com os olhos
arregalados. Alguns resistiam! Mas, de repente, toda aquela
resistência se desabava em lágrimas. Uma presença santifica-dora
de Deus invadia o local.

Havia conosco um pastor de descendência alemã, que,


confessando os pecados da sua raça, lavava os pés dos africa-nos
com suas lágrimas. Foram momentos proféticos de arrependimento
e confissão. Era visível a rejeição e a inferioridade sendo
arrancadas do coração daqueles preciosos irmãos.

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 111

Aquele ato profético começou a repercutir imediatamente. O que


fizemos com eles, eles começaram a fazer entre si.

Pessoas de tribos diferentes, que tinham richas e desafetos,


começaram a pedir perdão umas para as outras, cada uma
representando seu povo, e dessa forma profetizando a paz em
Angola. Foram horas de arrependimento, reconciliação e
intercessão profética. Começamos a sentir os efeitos disso no
evangelismo.

O auge do evangelismo aconteceu no “Roque Santeiro”.

Alguns pastores nos advertiram seriamente a não irmos a essa feira


devido a violência que comumente era praticada contra
estrangeiros, que simbolizam dinheiro fácil. Porém, quando fomos
orar sobre isso, entendemos, claramente, que apesar do perigo,
Deus estava nos enviando para enfrentar espiritualmente o grande
desafio de alcançar as multidões naquela feira.

Quando estacionamos o caminhão em um lugar amplo, milhares de


pessoas se achegaram. De repente, um tumulto!

Sem nenhuma explicação, uma turma de mutilados de guerra


invadia a multidão, saltando e dando muletadas sobre as pessoas
que tentavam se evadir. Cada fio de cabelo do meu corpo estava
arrepiado. Podia perceber uma nuvem de trevas sobre aquela
imensa multidão ao nosso redor. Apesar do susto, entendi que
estávamos ali para colidir contra aquele principado.

Não é difícil imaginar o que se passa no coração de um mutilado de


guerra. Enquanto possuíam saúde, eram disputados por algum dos
dois exércitos nacionais que lutavam entre si pelo controle do país.
Após a mutilação foram descartados, jogados fora e marginalizados,
sem nenhum tipo de apoio.

Eram a expressão humana da rejeição e do ressentimento.

Ao olhar aquela cena, me dirigi ao Lidercino, que estava terminando


de montar o som, para me passar um microfone.

Senti que devia confrontar aquela intimidação com a pre-

112 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges gação do


Evangelho. Aquele era o momento de mergulhar a espada no
sangue do Inimigo. Uma profunda compaixão invadiu meu coração e
comecei a falar sobre o amor de Deus para com os Angolanos. Eles
eram mais valiosos que todas as minas de diamante da nação e que
todas as reservas de petró-

leo. Palavras brotavam de uma forma que até eu mesmo fiquei


surpreendido com as coisas que dizia.

Angola é uma nação mineralmente riquíssima, mas, infelizmente,


toda essa riqueza vem sendo usada para financiar a guerra civil,
enquanto o povo vive em uma miséria indescritível. A presença de
Deus quebrou toda a perturbação demoníaca. Percebi, então, o
tumulto se acalmando. Todos foram se aquietando, e quando fiz o
apelo, mais de mil pessoas estavam entregando suas vidas a Jesus.
Espiritualmente, os Céus foram se limpando e passamos a desfrutar
de um longo tempo de ministração naquele território inóspito.

Nunca vou me esquecer de um daqueles mutilados que rondava


nossa plataforma. Ele parecia enfurecido. Fui até ele, comecei a
conversar e descobri que tudo que ele queria era uma Bíblia. Não
podíamos distribuir nenhuma literatura abertamente. Todas as vezes
que algum de nós tentou fazer isso, virou um “boi de piranha”.
Pessoas rolavam no chão dis-putando o material que estava sendo
dado, arrancando-os de nossas mãos, ainda que fosse um folheto.
Prometi àquele rapaz uma Bíblia. Pedi que me aguardasse. Fui
sorrateiramente na cabine do caminhão, peguei uma Bíblia e, sem
que ninguém percebesse, eu a entreguei a ele.

Seu rosto se abriu num grande sorriso. Manquejando com sua


muleta, retirou-se satisfeito, assentando-se perto de nós. Cada vez
que olhava para ele, ele estava com sua Bíblia aberta devorando
cada palavra. Tivemos conversões tão fortes, que algumas dessas
pessoas passaram a nos seguir nos outros evangelismos
percorrendo, até mesmo a pé, enormes distâncias.

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 113

Visando a conservação dos frutos, sempre dávamos oportunidade


para que pastores de igrejas próximas se apresen-tassem às
multidões que se convertiam, passando o endereço de suas igrejas.

Para o último dia do evangelismo, programamos uma grande


“Marcha para Jesus”. Foi realmente tremendo. Mais de quatro mil
pessoas compareceram. Os principais pastores da cidade estavam
presentes. Fizemos um percurso bem no centro da cidade,
terminando em uma grande praça, onde estava preparado um
grande culto.

O Marcão (Marcos Azolin) me procurou e compartilhou que estava


sentindo que devíamos, publicamente, como brasileiros e
estrangeiros, pedir perdão aos angolanos, como ha-víamos feito
durante nossas intercessões. Ele sugeriu que eu fizesse isso, mas
entendi que ele era a pessoa certa para a tarefa. Ele foi ao pastor
Otávio (líder da AEA), que estava na direção daquele grande culto e
compartilhou sua intenção, que foi muito bem recebida.

O pastor Otávio, então, se dirigiu à multidão, dizendo que já tinha


ido algumas vezes ao Brasil e havia visitado locais que hoje são
pontos turísticos, que foram construídos pelos escravos angolanos,
mas que não teve coragem de trazer as fotos que tirou ali para
Angola, devido à miséria da nação.
Emocionado, ele disse que havia ali um grupo de brasileiros
dispostos a pedir perdão por toda a injustiça praticada contra os
angolanos que viveram e morreram como escravos no Brasil.

Nunca estrangeiros pediam perdão aos angolanos pelas atrocidades


cometidas. Estrangeiros eram conhecidos e tidos como donos e
exploradores. Um silêncio geral invadiu o ambiente quando o
Marcão pegou o microfone e começou a se humilhar e confessar os
pecados contra a raça negra no Brasil. A presença de Deus invadiu
a multidão que não se continha em lágrimas.

114 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Depois,


nosso grupo se ajoelhou representando a nação brasileira, e toda
aquela multidão levantou as suas mãos em nossa direção
perdoando e abençoando o Brasil. O Arlis comentou comigo: eu
pude ouvir literalmente o barulho de correntes de escravidão sendo
quebradas!

A partir dali, a reunião tomou um outro rumo. Angolanos de tribos


rivais começaram da mesma forma a pedir perdão uns para os
outros. Esse batismo de arrependimento e reconciliação só foi
interrompido pelo anoitecer, quando era muito perigoso continuar
nas ruas. Glória a Deus!

Discipulamos as nações, não apenas através de palavras e


mandamentos impostos, mas pelo exemplo. Ensinamos o
arrependimento, nos arrependendo. Ensinamos a reconcilia-

ção, nos reconciliando. Ensinamos a servidão, servindo. Essa é a lei


da coerência que dispara o poder da santificação!

A notícia do falecimento do Marcão na África chocou profundamente


a todos. Pensei assim: algumas coisas só vamos entendê-las na
eternidade. Porém, exatamente um ano após a sua morte, morre
também Jonas Savimbi, o guerrilheiro líder da UNITA. Depois de
quase trinta anos, finalmente, a guerra civil termina em Angola. As
coisas começaram a fazer sentido.
Acredito que a morte do Marcos e o fim da guerra em Angola são
fatos inteiramente ligados. O preço da transformação de um país é
também pago com o sangue dos apóstolos que vivem e morrem
como mártires. Por causa da obediência do Marcão e da Márcia,
dois jovens brasileiros que decidiram amar Angola, a história e o
destino de milhões de pessoas têm sido transformados e
abençoados.

DOIS PERFIS DE VIDA CRISTÃ

Existem dois modelos de vida cristã em que normalmente acabamos


nos enquadrando. Um, é irresponsável e superficial, e o outro,
responsável e genuíno. Ou seja, uma vida onde

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 115

a ênfase é apenas manter as aparências e projetar uma imagem


que possa agradar a todos, ou uma vida íntegra e coerente, que
também servirá de consciência para os transgressores.

1. A teologia dos principais dos sacerdotes. Uma vida onde a


ênfase é manter as aparências: “... amavam mais

a glória dos homens.”

“Apesar de tudo, até muitos dos principais creram nele; mas não o
confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da
sinagoga. Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória
de Deus” (Jo 12:42,43).

Esse grupo de pessoas a quem o texto se refere não eram


exatamente os fariseus; eles até creram em Jesus, mas estavam
saturados pelo temor de homens e pelo comodismo religioso.

Muitas coisas contribuem para que a nossa vida espiritual per-ca a


inspiração e o incentivo. Se não temos aquela disposição diária de
negarmos a nós mesmos, cultivando um relacionamento íntimo com
Deus, será apenas uma questão de tempo e estaremos submersos
em um padrão externo de religiosidade.

A situação agrava mais ainda quando nosso coração perde contato


com o quebrantamento, a contrição e a disposição voluntária de
adoração. É mais sutil do que pensamos essa correnteza que nos
leva a subir no pedestal do humanismo religioso e da vanglória. É
mais fácil que pensamos sustentar perante as pessoas uma
santidade sem transparência, que se resume em uma capa de
cerimonialismos e hábitos externamente reverentes.

Fazemos dos nossos pecados objetos de ocultismo; os sermões são


pré-fabricados; nossa frequência à igreja, uma rotina sem devoção.
Esse modelo de vida é possível, mas certamente vamos acabar
tropeçando na principal pedra de esquina a qual estamos rejeitando.

116 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges 2. A teologia


de Pedro e João: “... olha para nós” (At 3:4) Pedro e João
estavam indo para uma reunião de oração no templo, quando foram
interpelados por um aleijado que mendigava:

“E Pedro, com João, fitando os olhos nele, disse: Olha

para nós. E ele os olhava atentamente, esperando receber deles


alguma coisa. Disse-lhe Pedro: Não tenho prata nem ouro; mas o
que tenho, isso te dou; em nome de Jesus Cristo, o nazareno, anda.
Nisso, tomando-o pela mão direita, o levantou; imediatamente os
seus pés e artelhos se firmaram e, dando ele um salto, pôs-se em
pé. Começou a andar e entrou com eles no templo, andando,
saltando e louvando a Deus” (At 3:4-8).

Pedro e João percebem aquela necessidade como uma oprtunidade


para o milagre de Deus. Eles sabiam quem eram em Deus e que
Jesus precisava ser visto neles. Não subestimaram sua
responsabilidade espiritual mediante o desafio que faceavam.
Eles não espiritualizam a situação dizendo, como a maioria: “Não
olhe para nós, olhe só para Deus! Somos meros humanos e temos
muitas falhas. Eu até neguei o filho de Deus.

Olhe apenas para Jesus...” Não! Jesus havia partido e agora eles
eram o referencial. Assumiram a responsabilidade de ser o exemplo
e o canal do poder de Deus.

A primeira coisa que disseram foi esta: “olha para nós!”

Isso despertou a fé necessária para que algo acontecesse. Foi o


ponto de origem da intervenção divina. O alicerce da “ora-

ção do justo” estava solidificado. O ambiente espiritual ficou


saturado de esperança e poder.

Aquele mendigo ficou esperando receber deles alguma coisa. Deus


não se conteve mediante a integridade espiritual

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 117

de Pedro com a situação confrontada. Quando Pedro e João se


dispuseram responsavelmente diante da necessidade daquele
homem, a palavra de Deus veio a eles: “Não tenho prata nem ouro;
mas o que tenho, isso te dou; em nome de Jesus Cristo, o
nazareno, anda. ” Junto com a palavra veio uma ousadia estranha,
porém sobrenatural: “... tomando-o pela mão direita, o levantou”. E o
milagre aconteceu! Um aleijado de nascença agora, não só andava,
mas saltava, adorando a Deus!

Foi uma situação tão inédita e explosiva que a opinião pública foi
imediatamente mobilizada. Pessoas de todos os cantos vieram ver o
que havia acontecido e ficavam cho-cados. Todos conheciam aquele
aleijado que mendigava. A porta do templo era um local por onde
todos, sem exceção, passavam. Sem ter como negar o milagre,
começaram a olhar para Pedro e João como se fossem criaturas de
outro mundo, atribuindo a eles o mérito do espantoso
acontecimento:

“Pedro, vendo isto, disse ao povo: Varões israelitas, por que vos
admirais deste homem? Ou, por que fitais os olhos em nós, como se
por nosso próprio poder ou piedade o tivéssemos feito andar?” (At
3:12).

Porém, o mais tremendo é que, no momento de receber os méritos,


Pedro não engasgou na vanglória. Ele desvia o olhar das pessoas
para Jesus e O apresenta como verdadeiro autor do milagre.

Essa é a teologia de Pedro, o princípio da coerência. No momento


da responsabilidade ele disse: “Olha para nós” . No momento de
glória: “Por que fitais os olhos em nós? Olhem para Jesus, o autor
da vida e a única e verdadeira explicação do milagre”!

Esta é a coerência que Deus espera que haja em nós. Pedro teve a
integridade de chamar para si a responsabilidade de Deus usá-lo,
como também a humildade de desviar os olhos

118 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges da opinião


pública de si mesmo para Deus. Foi íntegro com Deus, responsável
com o aleijado, sincero com a opinião pú-

blica e coerente consigo mesmo!

Não devemos mandar as pessoas olharem para Deus ou para o


exemplo de Jesus quando elas têm que ver esse exemplo em nós; e
muito menos, não devemos mandar as pessoas olharem para nós
quando o que elas precisam é reconhecer a manifestação de Deus.
Se invertermos essa ordem, que é responsável pela nossa
integridade perante Deus, vamos nos enquadrar no modelo citado
anteriormente: uma vida sem conteúdo, onde o importante é manter
as aparências.
Essa coerência estabelece o segredo de uma liderança sem
desgastes e sobrecargas. Quando queremos manter o controle,
impondo que tudo saia como queremos, sem avaliar o nosso próprio
estilo de vida, vamos acabar com o coração frio e a cabeça quente,
ou seja, com muitas desilusões e conflitos.

Deus não unge a hipocrisia. Quando, ao invés, de querer controlar,


preferimos confiar e servir de exemplo, vamos acabar com o
coração quente e a cabeça fria, ou seja, uma vida espiritual
empolgante e cheia de paz.

Avivamento é quando Deus começa a tocar as pessoas através da


nossa santificação pessoal. A única pregação coerente de santidade
é através do exemplo. Fora isso, podemos correr o sério risco de
estarmos ingerindo o fermento dos fariseus e acabar inchados e
obesos na nossa carnal compreensão.

O mais sinistro nessa condição de subirmos no pedestal do


humanismo religioso é que somos elevados a níveis tão altos de
incoerência e arrogância, que uma queda fatal se torna inevitável.
Precisamos descer desse pedestal e abraçar uma vida coerente e
inspiradora, antes que o pior aconteça.

O poder de Deus é sempre liberado através de uma vida coerente.


Coerência produz identificação, afetando profundamente nossos
relacionamentos. Santidade, não é uma uto-

cOerêncIA e IdentIfIcAçãO - 119

pia mística e superficial com a qual manipulamos o respeito


espiritual dos outros; antes de tudo, fundamenta-se na coerência e
na responsabilidade de inspirar pelo exemplo!

E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam
santificados na verdade” (Jo 17:19).
Quando Jesus ora isso ao Pai, revelando uma tremenda fa-ceta do
Seu estilo de vida, podemos entender onde a teologia de Pedro
estava fundamentada. Pedro foi, não apenas o fruto da oração de
Jesus, mas da coerência que Ele praticava. Aquilo revolucionou sua
vida. Praticou a mesma coerência, e o milagre que transformou a
sua vida estava transformando a vida de outros. Um aleijado de
nascença, que tinha como úni-ca opção de sobrevivência mendigar,
experimentou uma cura extraordinária. Pedro não tinha como
receber os aplausos e as honrarias. Estava plenamente convencido
que a oração do Justo que mudou a sua vida é que também estava
se reprodu-zindo e mudando a vida daquele homem que jazia à
margem da sociedade. Nada poderia impedi-lo de viver de acordo
com um estilo de vida que é a senha do milagre!

CAPÍTULO 6

Visão e Esperança

A visão determina o alcance da oração e o teto

espiritual da nossa fé.

“Eu não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela
sua palavra hão de crer em mim” (Jo 17:20).

Quando abordamos sobre a objetividade, Jesus foi tão específico e


pessoal em relação aos seus discípulos, que até pode dar a
impressão de que Ele tivesse orado muito pequeno. A declaração:
“Não rogo pelo mundo” , pode sugerir momenta-neamente que
Jesus, talvez, não tivesse uma visão abrangente do mundo, das
nações e das gerações. Porém, quando chegamos nesse ponto,
percebemos que Ele orou, não só por aquela geração que foi
alcançada pelos seus discípulos, como também, por todas as
outras.

Na verdade, Ele não apenas orou pelo mundo inteiro, como pelo
futuro do mundo. Percebemos sua visão expandindo-se
ilimitadamente além daquela responsabilidade objetiva que Ele tinha
em relação aos seus discípulos. Temos aqui uma extraordinária
declaração de fé. A visão de Jesus fez sua ora-

ção ultrapassar seu mundo contemporâneo e atingir todas as


gerações vindouras.

122 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges A lei da


visão

Visão e esperança significam fé no futuro, fé no crescimento e na


ação progressiva das promessas de Deus. Assim sendo, a
operacionalização do princípio da fé na oração se baseia no alcance
da visão. A visão estabelece a estatura da fé. Essa é a lei da visão.
A fé, por definição, jamais ultrapassará os limites estabelecidos pela
visão.

A visão determina o tamanho espiritual da fé. Se a sua visão é seu


bairro, essa é a sua fé. Se a sua visão é a cidade, da mesma forma,
essa é a dimensão da sua fé. Se a sua visão se estende às nações,
com certeza você irá romper essas fronteiras pelo poder da fé.
Algum dia, essa esperança há de se cumprir. Portanto, sem visão e
esperança, a fé é abatida e a vida espiritual acaba tornando-se
enfadonha, irresponsável e medíocre.

Simultaneidade territorial: “... grande é a seara...”

“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espíri-to Santo, e ser-


me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e
Samaria, e até os confins da terra” (At 1:8).

Este texto exige uma simultaneidade da visão. Uma visão


abrangente é o resultado direto da ação do poder do Espírito Santo.
Uma das mais graves transgressões da Igreja é sequen-ciar a visão
em relação à grande comissão.
Primeiro, concentra-se a visão apenas na “nossa Jerusalém”, que,
muitas vezes, é até mesmo menor que a cidade. A menor visão
territorial que a Bíblia nos permite ter é a visão da cidade onde
vivemos. Supostamente depois de ganharmos a cidade,
expandimos a visão para a “nossa Judeia e Samaria”

e, só depois disso, é que estaríamos aptos a pensar nos con-

vIsãO e esPerAnçA - 123

fins da Terra, o que, provavelmente, nunca acontecerá. Uma


interpretação desse texto, dessa forma, está totalmente equivocada
e distorcida.

Precisamos estar simultaneamente envolvidos com desafios de


curto, médio e longo alcance. Jesus não disse primeiro em
Jerusalém, só depois na Judeia ... Ele disse: “...tanto em Jerusalém
como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” . Esse
exercício da visão é fundamental para o de-senvolvimento de uma
fé coerente com a grande comissão. A experiência adquirida nos
desafios interestaduais e internacionais contribui significativamente
para atingir os desafios municipais e vice-versa.

Uma visão bairrista denuncia uma fé tímida. Disso pode emergir a


mediocridade espiritual e a miopia, onde ficamos fadados a
enxergar apenas o que está muito perto. Quando o medo fala mais
alto que a fé, em nome da prudência, pratica-se a possessividade.
Ao invés do ide, praticamos o fique. Ao invés de missionários, nos
tornamos o campo missionário.

Aqui é onde muitos pastores enterram os talentos de suas igrejas:


“...Senhor, eu te conhecia, que és um homem duro, que ceifas onde
não semeaste, e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui
esconder na terra o teu talento; eis aqui tens o que é teu” (Mt
25:24,25).
Depois de muitas conferências sobre “Alcançar os povos não
alcançados”, têm-se chegado à conclusão de que o povo mais não
alcançado do mundo são os pastores. Quando os pastores são
alcançados e aprendem a oferecer o sacrifício de Abel, a ovelha
perfeita para Deus, o Reino dos Céus avança e conquista novas
fronteiras. Por causa de uma pessoa enviada, a história de tribos e
nações tem sido transformadas.

Quando olho para a vida de alguns amigos como o Salomão Cutrim,


o André Chagas e toda equipe de brasileiros na Rússia fico
impressionado. Por várias vezes tenho estado com eles na Rússia,
acompanhado o progresso do trabalho e o pre-

124 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges ço que tem


sido pago. Após alguns anos de empenho, dezenas de Russos
alcançados, transformados e treinados já trabalham como
missionários pelos interiores mais remotos da Nação.

Pessoas que talvez não daríamos nada por elas aqui no Brasil, com
um orçamento financeiro mínimo e até mesmo insuficiente, estão
fazendo uma enorme diferença em um dos campos missionários
mais desafiadores do mundo, que é a Rússia.
A vital necessidade do IDE
Naturalmente, após o nascimento, corta-se o cordão umbilical da
criança. Agora, é importante e vital que ela receba o seu alimento
pela boca e não mais por esse “cordão” que o ligava à mãe. Essa
pessoa vai crescendo e, mais tarde, o cordão da dependência
emocional e financeira é rompido com a família através do
casamento: “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e
unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne” (Gn 2:24).

É doentio quando um filho se casa e os pais se sentem no direito de


interferir na sua vida conjugal devido a alguns la-

ços de dependência que deveriam ser rompidos, mas não foram.


Muitos casamentos têm sido destruídos pela transgressão desse
mandamento. Isso só acontece porque ao invés de

“deixar pai e mãe”, os filhos vão morar com eles.

Esse passo de independência e autonomia dado a partir do


casamento é fundamental para o amadurecimento do novo casal,
capacitando-os a edificar uma nova família. A maturidade é o limite
entre a dependência e a independência. E a sinergia é o limite entre
a independência e a interdependência.

Da mesma forma, o “ide” é o momento onde esse cordão umbilical


que liga o discípulo ao discipulador é cortado. Todas as vezes que
esse cordão deixa de ser cortado no momento certo, a tendência
desse relacionamento é tornar-se doentio, e, com isso, líderes e
lideranças são abortados ou abafados. A liberalidade produz
paternidade e multiplica-

vIsãO e esPerAnçA - 125


ção, enquanto o sentimento de “donos” abre a porta para o
paternalismo e o ostracismo.

Jesus estabeleceu os três aspectos marcantes do discipulado: “O


vinde a mim”; “o vinde após mim” e “o ide e fazei discípulos”. Em
todo processo de treinamento e amadurecimento, é indispensável
discernir o momento certo de cortar o cordão umbilical. A
dependência precisa dar lugar a uma autonomia interdependente.
Além de fazer discípulos, é necessário formar líderes. Por isso, é
importante discernir o tempo de liberar para Deus e para os Seus
propósitos aquelas pessoas que estamos discipulando. Esse é um
passo fundamental para a formação de um novo líder.

O “ide” tem o poder de transformar um discípulo em um líder. Liderar


é mais que presidir; é também, investir na liderança de outros.
Enclausurar pessoas no processo de discipulado é um tiro que sai
pela culatra. Quanto mais tempo ficamos com um mesmo discípulo
além do necessário, apenas atesta nossa incompetência e
insegurança.

O tempo ideal de discipulado estipulado por Jesus foi de três anos.


O primeiro estágio foi o “vinde a mim” : Jesus chamou os seus
discípulos, levando não a carga, mas a sobrecarga deles. Um tempo
intenso de cobertura, convivência e ensino, andando lado a lado
com eles.

A segunda etapa do discipulado é marcada pelo “vinde após mim” .


Essa foi a fase mais difícil, quando os discípulos tiveram seus
maiores conflitos e reveses. Firmemente, Jesus os inspirou a uma
vida de cruz através da Sua própria entrega e morte. É nessa fase
que acontece um grande penei-ramento. E, por fim, completou o
processo de treinamento ordenando o IDE.

Ele não disse: Vinde a mim, vinde após mim e fiquem!

Não! Ele disse vinde a mim, vinde após mim e IDE! Tirar a grande
comissão da Bíblia é um erro que não apenas frustra os desígnios
de Deus, como também, adoece a Igreja.

126 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges O verdadeiro


sucesso de um líder não está em quantos discípulos ele tem, mas
quantos ele já enviou! Sem o envio, o processo de discipulado está
incompleto e até mesmo pode ser abortado. O sucesso de um
pastor não está no número de membros que ele possui, mas em
quantos discípulos ele já liberou para o ministério, transformando-os
em líderes.

A VISÃO E O CRESCIMENTO

A visão determina o padrão do crescimento quantitativo e qualitativo


pela oração:

1. O padrão de qualidade: as varas descascadas de Jacó

“Então tomou Jacó varas verdes de estoraque, de amendoeira e de


Álamo e, descascando nelas riscas brancas, descobriu o branco que
nelas havia; e as varas que descascara pôs em frente dos
rebanhos, nos co-chos, isto é, nos bebedouros, onde os rebanhos
bebiam; e conceberam quando vinham beber. Os rebanhos
concebiam diante das varas, e as ovelhas davam crias listradas,
salpicadas e malhadas. Então separou Jacó os cordeiros, e fez os
rebanhos olhar para os listrados e para todos os escuros no
rebanho de Labão; e pôs seu rebanho à parte, e não pôs com o
rebanho de Labão. E

todas as vezes que concebiam as ovelhas fortes, punha Jacó as


varas nos bebedouros, diante dos olhos do re-

banho, para que concebessem diante das varas; mas quando era
fraco o rebanho, ele não as punha. Assim as fracas eram de Labão,
e as fortes de Jacó” (Gn 30:37-42).

Percebemos nesse texto um estranho princípio de fé e fertilidade


que se baseia na visão. Incrivelmente, as ovelhas passaram a criar
de acordo com a visão das varas elaboradas por Jacó. De-

vIsãO e esPerAnçA - 127

pois de quatorze anos trabalhando apenas pelas esposas,


finalmente, as ovelhas listradas, salpicadas e malhadas que eram as
mais fracas foram dadas a Jacó como sendo o seu salário.

Na verdade, Deus estava tratando fortemente com Jacó. Ele havia


enganado o irmão e também o próprio pai, que era um homem
cego. Manipulou e tomou o lugar do irmão, recebendo a bênção da
primogenitura. Sempre que usamos meios carnais para conseguir
as bênçãos espirituais, acabamos pagando um preço alto. Devido a
tanta sagacidade e “esperteza”, Deus o enviou para o “Seminário do
Pastor Labão”. Deus sempre tem um “Labão” para cada “Jacó”
(enganador).

Labão era um líder extremamente explorador, que tentava en-


riquecer às custas do trabalho de Jacó. Chegou ao ponto de lançar
as filhas na arena de um casamento polígamo, buscando vanta-
gens financeiras. Para continuar a prender Jacó, ele passa a lhe dar
um salário minguado que eram as ovelhas fracas do rebanho.

Sob essas circunstâncias que sempre lhe eram desfavorá-

veis, Jacó tem um tremendo discernimento estratégico e, pela fé,


interfere naquela situação através de um estranho ato profético. Ele
descascou algumas varas e as colocou diante das ovelhas quando
concebiam, crendo que a visão iria alterar a espécie das novas
ovelhas. Estava explorando o poder da visão. De uma forma
miraculosa, conseguiu alterar a estrutura genética das ovelhas
fortes, que pertenciam a Labão. Ao conceberem olhando para as
varas, as crias nasciam com as características das ovelhas que
deveriam ser suas:

“Mas vosso pai me tem enganado, e dez vezes mudou o meu


salário; Deus, porém, não lhe permitiu que me fizesse mal. Quando
ele dizia assim: Os salpicados serão o teu salário; então todo o
rebanho dava salpicados. E quando ele dizia assim: Os listrados
serão o teu salário, então todo o rebanho dava listrados. De modo
que Deus tem tirado o gado de vosso pai, e mo tem dado a mim”
(Gn 31:7-9).

128 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Esse é o


poder da visão. Essas varas verdes de estoraque, amendoeira e
Álamo com riscas brancas descascadas são a tipologia da palavra
revelada e da visão profética. A visão tem o poder de interferir na
qualidade da frutificação. Todas as ovelhas que concebiam tendo
essas varas descascadas diante dos olhos geravam crias de acordo
com a visão. Ainda que fossem de cor lisa, as crias saíam listradas,
salpicadas e malhadas, tais como as varas. Fé e visão caminham
juntas. A visão determina a espécie e a qualidade dos frutos. Nossa
herança vem como consequência de praticarmos a visão de Deus.

2. O padrão de quantidade: Abrão, o pai das alturas Precisamos


também visualizar a dimensão da nossa heran-

ça. Foi assim que Abrão conquistou a promessa e o propósito de


Deus. Ele foi intitulado de o pai da fé. Por quê? Só há uma resposta.
Sua fé foi tão grande quanto sua visão. Por várias vezes,
percebemos Deus estimulando sua fé. Um aspecto visionário já
estava embutido na identidade de Abrão, que significa “Pai das
alturas”. O segredo da visão é andar nas alturas de Deus. Quanto
mais alto, mais longe enxergamos.

Podemos perceber que o processo pelo qual Deus discipulou Abrão


embasou-se, principalmente, no exercício da sua visão espiritual. Os
eventos mais importantes do relacionamento de Abrão com Deus
refletem três leis concernentes à visão espiritual:

• A lei do deslocamento

“...vai para a terra que eu te mostrarei” (Gn 12:1).


Precisamos nos deslocar de acordo com a visão que Deus está nos
mostrando. Ninguém nasce na terra prometida. Essa é uma regra
básica da vida espiritual. A Bíblia sempre apon-

vIsãO e esPerAnçA - 129

tou para a necessidade de um deslocamento. É necessária uma


mudança espiritual e até mesmo geográfica, de endere-

ço, se queremos desfrutar de todas as promessas que Deus tem


para nós.

Existe um território que é a expressão das promessas e do propósito


de Deus. A visão de Deus determina essa localidade.

Esse é o sentido mais profundo do “Ide” de Jesus. A visão é o

“eu te mostrarei” . Isso indica que Ele caminha conosco. E, de fato,


o mais importante, não é para onde você vai, mas com Quem você
vai.

A terra prometida é o local onde a presença de Deus permanece


conosco. Jesus deixou bem claro que o “... estarei convosco todos
os dias até a consumação dos séculos” está condicionado a uma
obediência à grande comissão. Os sinais seguem os que obedecem
ao ide. Correr atrás dos sinais quase sempre é o sintoma de que
você não está indo, mas ficando em relação à visão de Deus para a
sua vida.

• A lei da posse

“E disse o Senhor a Abrão, depois que Ló se apartou dele: Levanta


agora os teus olhos, e olha desde o lu-

gar onde estás, para a banda do norte, e do sul, e do oriente e do


ocidente. Porque toda esta terra que vês,
te ei de dar a ti, e a tua semente para sempre” (Gn 13:14,15).

Tudo o que Deus manda você ver é seu. Quando Deus quer nos dar
algo, primeiro, Ele nos dá uma visão. Ver e possuir são palavras que
se encaixam. Dessa forma, podemos dizer que a nossa herança é
determinada por tudo aquilo que a nossa visão engloba. Você só
possui ou possuirá o que você vê.

A visão, além de dimensionar a fé, também estabelece os limites da


nossa herança. Primeiramente, você precisa estar

130 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges no lugar


certo para enxergar sua herança: “...olha desde o lugar onde
estás...” . A lei do deslocamento é um pré-requisito para a lei da
posse. É necessário deslocar-se para possuir.

Abrão, simplesmente, poderia ter erguido seus olhos e olhado em


um raio de mil metros e estabelecido ali a sua propriedade. Porém,
no reinado de Salomão, quando a nação de Israel atingiu os limites
máximos da sua extensão territorial, percebemos que Abrão
enxergou muito além das suas limita-

ções físicas. Até onde você vê, em todas as direções, pertence a


você e à sua descendência. Essa é a lei da posse determinada pelo
alcance da visão.

• A lei da multiplicação

“Então o levou fora e disse: Olha agora para os céus,

e conta as estrelas, se as podes contar. E disse-lhe: as-

sim será a tua semente. E creu ele no Senhor, e foi-lhe imputado


isto por justiça” (Gn 15:5,6).

A capacidade de enxergar o inxergável e contar o incontável. As


estrelas do céu apontam para a nossa descendência espiritual. É
nesse sentido que a Bíblia afirma que mais são os filhos da estéril
que os da casada. É quando nos relacionamos confortavelmente
com a infinitude de Deus e descansamos na sobreexcelente
grandeza do Seu poder.

Responsavelmente, deixamos os resultados com Deus. Não o


limitamos mais. Olhamos para os Céus. Nosso coração é se-
dimentado com uma firme convicção de que Ele fará através de nós,
abundantemente mais que pensamos, pedimos, sonha-mos e
oramos, segundo o Seu infinito poder que em nós opera.

Podemos contar com resultados incontáveis e com frutos que


apenas serão genuinamente avaliados na eternidade.

A identidade é transformada e a carne circuncidada.

Abrão, o Pai das Alturas, foi transformado em Abraão, o Pai

vIsãO e esPerAnçA - 131

de muitas nações. O crescimento vem como uma avalanche.

Essa é a herança de Abraão e a justiça de Deus na vida daqueles


que creem e que têm olhos para o invisível.

VISÃO, MISSÃO E UNÇÃO – O chamado de Isaías Uma missão é


precedida por uma visão e precisa ser acompanhada pela unção.
Não podemos pegar a missão de uma pessoa como algo isolado da
visão e da unção.

Visão: onde chegar

“No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi o Senhor

assentado sobre um alto e sublime trono, e as orlas do seu manto


enchiam o templo” (Is 6:1).
Uzias foi um grande rei que prosperou muito, mas acabou se
corrompendo. Começou bem, mas terminou mal. Na verdade,
idolatrou sua prosperidade a ponto de tornar-se ególatra. Tornou-se
um rei ambicioso e dominador. Cobiçou o ministério sacerdotal que
pertencia à classe levítica e, por causa dessa transgressão, foi
duramente ferido de lepra até o fim de sua vida.

O maior perigo da prosperidade é que ela aciona dispositivos que


podem nos desviar sutilmente e paulatinamente da visão de Deus, a
ponto de cometermos terríveis sacrilégios.

Esse texto estabelece o principal pré-requisito da visão.

Antes da visão de Deus, o rei Uzias que está dentro de nós precisa
morrer. Todo referencial de liderança baseado na am-bição humana,
no autoritarismo e na autoimposição precisa morrer para que a visão
de Deus se manifeste.

A visão traz o sonho que vem de Deus, que nos permite ir além da
realidade que nós vemos. Dessa forma, podemos estender os
limites em relação ao que temos crido, alargar o

132 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges nosso


entendimento em relação à vontade de Deus e dilatar o nosso
coração para o mover diretivo do Espírito Santo.

Porém, esse é o ponto em que podemos ser bloqueados por feridas,


medos, frustrações, e tantas outras coisas. Para a visão sobreviver,
para sabermos aonde Deus quer nos levar, tem que haver uma cura
no coração e na alma. A resposta para isso está na unção.

Unção: poder para chegar

“Então disse eu: Ai de mim! pois estou perdido; porque sou homem
de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; e
os meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos! Então voou para
mim um dos serafins, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do
altar com uma tenaz; e com a brasa tocou-me a boca, e disse: Eis
que isto tocou os teus lábios; e a tua iniquidade foi tirada, e
perdoado o teu pecado” (Is 6:5-7).

A unção transforma a visão em missão. Todo adestramento é


importante, mas, sem a unção do Espírito Santo, seremos engoli-
dos por decepção e fracasso. A unção é uma capacidade interior
que vem de Deus como fruto de uma submissão perseverante ao
Seu tratamento. A unção é o poder para testemunhar e comunicar
nossa missão. Isso vem de um profundo quebrantamento que nos
ajusta com a vontade divina. A unção está sempre ligada à
santificação e à responsabilidade de alcançar o perdido.

Isaías convivia com um terrível quadro espiritual. Quando se


negligencia a missão, pecados e feridas se instalam. Os primeiros
cinco capítulos do livro de Isaías mostram como a nação estava
totalmente ferida e corrompida por rebelião e apostasia: “Toda a
cabeça está enferma e todo o coração fraco” (Is 1:5b). Tudo que
sobrou foi uma religiosidade que Deus já não suportava mais.

vIsãO e esPerAnçA - 133

A primeira perspectiva da unção divina é trazer arrependimento,


confissão e cura. O temor de Deus invade o coração do profeta que,
após confessar pessoalmente sua culpa, e interces-soriamente a
iniquidade da nação, é tocado de forma redentora por Deus. A
unção é liberada. Uma brasa viva do altar cauteriza sua carnalidade,
cancela o poder de influência das maldições da nação sobre a sua
vida e purifica seus lábios, preparando-o para o ministério profético.
Foi ungido com o fogo do altar e capacitado, sobrenaturalmente,
para ser o enviado de Deus.

Aqui, a palavra comissão passa ter um maior significado.

A unção nos liga de maneira sobrenatural a Deus. Mais que uma


missão, você tem uma co-missão, ou seja, uma missão em parceria
com Deus.
Missão: como chegar

“Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e


quem irá por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim” (Is
6:8).

A essência da missão é a disposição. A missão exige um plano de


ação, estratégia, trabalho, o como fazer o sonho acontecer. Aqui o
potencial de tomar iniciativas fala alto. É

necessário coragem e força moral para tomar decisões radi-cais e


pagar o preço, mantendo uma disposição de alcançar e servir, de
acordo com a vontade de Deus, aqueles que se encontram
espiritualmente perdidos.

Visão traz a unção e a unção traz a missão. Unção sem missão é


vaidade espiritual, é poder sem propósito e responsabilidade.
Quando deixamos de fazer o que Deus nos mandou fazer,
começamos a fazer o que Ele não nos mandou fazer.

Facilmente somos fagocitados por motivações corrompidas e


doentias, que vão comprometer seriamente nosso relacionamento
com o corpo de Cristo.

134 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Missão sem


a visão de Deus é forçar a barra conosco mesmos, é fazer a nossa
obra. É dessa forma que muitos inspirados por motivações
estranhas à vontade divina deixam de servir a Deus e passam a “se
servir”, usando as pessoas. A missão deve ser a expressão de uma
visão genuína que veio do alto.

Missão sempre começa com uma mudança de endereço.

Não só física, mas também, espiritual. Mudanças profundas se


fazem necessárias. Transformar uma visão em uma missão é um
ponto de muito esforço e batalha espiritual. Isso pode custar uma
vida inteira. É necessário poder de iniciativa e perseverança. Um
missionário é um sonhador, mas um sonhador nem sempre é um
missionário. Muitos apenas permanecem dormindo na inércia
espiritual e nunca acordam para realizar os seus sonhos.

Antes da fundação do mundo, Deus escreveu um plano. O

problema é que a Igreja está adiando o que Deus tem. O que mais
existe na vida são rotinas e distrações que nos impedem de tomar
as decisões que Deus espera de nós. Muitas vezes, Deus já falou,
afirmou, confirmou, reafirmou e nós ainda estamos parados. Se há
alguém que está atrasando a obra de Deus, não é o diabo, mas a
própria Igreja!

MUDANDO DE DOMICÍLIO

Na mais importante profecia apocalípitica, Jesus condicio-nou o fim


dos tempos ao desempenho visionário e missionário da Igreja: “E
este evangelho do reino será pregado no mundo inteiro, em
testemunho a todas as nações, e então virá o fim” (Mt 24:14).

Existem quatro coisas que estão destruindo a capacidade visionária


da Igreja, amarrando a obra missionária e retardando a volta de
Jesus. Essas situações são tão envolventes, que podemos defini-las
como “domicílios” de onde precisamos nos mudar.

vIsãO e esPerAnçA - 135

1. Sodoma: o domicílio da corrupção espiritual e da


procrastinação

“Então disseram os homens a Ló: Tens mais alguém aqui? Teu


genro, e teus filhos, e tuas filhas, e todos quantos tens na cidade,
tira-os para fora deste lugar; por-

que nós vamos destruir este lugar, porquanto o seu clamor se


tem avolumado diante do Senhor, e o Senhor nos enviou a destruí-
lo. Tendo saído Ló, falou com seus genros, que haviam de casar
com suas filhas, e disselhes: Levantai-vos, saí deste lugar, porque o
Senhor há de destruir a cidade. Mas ele pareceu aos seus genros
como quem estava zombando. E ao amanhecer os anjos apertavam
com Ló, dizendo: Levanta-te, toma tua mulher e tuas duas filhas que
aqui estão, para que não pereças no castigo da cidade. Ele, porém,
se demora-

va; pelo que os homens pegaram-lhe pela mão a ele, à sua mulher,
e às suas filhas, sendo-lhe misericordioso o Senhor. Assim o tiraram
e o puseram fora da cidade... E

subverteu aquelas cidades e toda a planície, e todos os moradores


das cidades, e o que nascia da terra. Mas a mulher de Ló olhou para
trás e ficou convertida em uma estátua de sal” (Gn 19:12-26).

Este texto fala sobre pessoas que perderam a visão, a un-

ção e a missão. Ló saiu juntamente com Abraão para o seu


chamado. Ele havia deixado tudo para começar uma vida de
obediência à visão de Deus. Juntos, eles prosperaram muito e
alguns problemas vieram. A prosperidade, muitas vezes, leva as
pessoas a reassumirem direitos que haviam sido entregues a Deus.
A consequência é a contenda. Então foi necessária uma separação
entre Abraão e Ló.

Ló tem uma nova visão. Ele deseja as campinas do Jordão.

Traído pelos olhos, acaba fazendo uma decisão errada, que

136 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges


comprometeu o seu chamado. Queria facilidades e encontrou
problemas. Cobiçou o fértil vale de Sodoma e acabou terminando
seus dias entocado em uma caverna. A prosperidade, muitas vezes,
oferece um ambiente de ociosidade espiritual, onde floresce a
decadência e a depravação. Será só uma questão de tempo e o
juízo virá. Precisamos sair desse endereço.
É muito importante entendermos o retrocesso da família de Ló, pois
ele reflete fortemente um aspecto real da atual Igreja. Pessoas que
começaram muito bem e, de repente, co-meçam a parar. Como
aqueles que dão tudo no início de uma maratona para, rapidamente,
verem suas forças terminarem e seu fôlego se exaurir. Não
souberam administrar seus esfor-

ços, e, agora, encontram-se num lugar perigoso e, ao mesmo


tempo, sem ter a consciência do perigo em que vivem. Esse foi o
drama da mulher de Ló, que é a tipologia da Igreja que começou
bem e, simplesmente, estacionou e apostatou.

Eles haviam saído para o chamado de Deus e aprenderam a viver


pela fé. Enquanto estavam com Abraão, tinham uma vida de
beduínos. Moravam em tendas e viviam assim, de lugar em lugar e
de tenda em tenda. A esposa de Ló lavava sua roupa no riacho,
improvisava muitas vezes o alimento, etc. Mas agora, em Sodoma,
ela tinha sua casa, com tudo o que sempre quis. Começou a ficar
perigosamente acomodada, espiritualmente amortecida.

Ela se sentia muito bem. As pessoas ali não eram tão taxativas.
Sentia-se melhor em relação à sua consciência.

Suas debilidades morais nem eram mais notadas. Afinal, aquelas


pessoas eram liberais até demais. Seu coração foi criando raízes e
se ajustando rapidamente à nova situação.

Porém, estavam se detendo em um lugar espiritual perigoso.

É quando falamos: “já sofri demais, agora quero é conforto!” Quando


precisou sair, olhou para trás. Não podia deixar tudo aquilo que a
fazia se sentir tão bem. Por fim, virou uma estátua de sal, um ícone
da apostasia, uma mensagem

vIsãO e esPerAnçA - 137


a nunca ser esquecida, como Jesus disse: “Lembrai-vos da mulher
de Ló” (Lc 17:32).

Deus levantou Abraão como intercessor, e então veio uma


mensagem muito clara para Ló: “Saia desse domicílio!”. Há perigo
onde vocês estão. Mesmo assim eles estavam se detendo. Deus
estava dizendo: “Ló, você tem que mudar de endereço. Santifica sua
vida. Sua esposa está contaminada, suas filhas já estão
contaminadas, e se você não sair, você vai morrer também!” Porém,
eles estavam acomodados demais.

Começaram a procrastinar.

Os anjos estavam empurrando-os para fora daquele lugar, e eles


ainda estavam enrolando: “...os anjos apertavam com Ló ... Ele,
porém, se demorava” . É quando Deus já nos falou quinhentas
vezes o que devemos fazer, mas não fazemos. Estamos distraídos e
conformados demais na nossa ociosidade espiritual e próspera
tranquilidade.

Ló não era um grande pecador. A Bíblia o descreve como justo.


Porém, um justo que se acomodou. Por causa dessa transgressão,
consequências catastróficas atingiram sua famí-

lia. Sua esposa foi fulminada. Depois disso, transformou-se em um


homem deprimido, bêbado, e que se deixou perverter pelas próprias
filhas. Deixou um terrível legado de maldição sobre sua
descendência. Seus filhos, que também eram netos, Amom e
Moabe, tornaram-se grandes inimigos de Israel e povos avessos à
salvação.

2. Ur dos caldeus: o domicílio do medo e da insegurança


familiar

“Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra,


da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te
mostrarei. Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e
engrandecerei o teu nome; e tu, sê uma bênção” (Gn 12:1,2).

138 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges

“Tinha Abrão setenta e cinco anos quando saiu de Harã” (Gn


12:4).

Deus queria levar Abraão para um lugar onde ele iria romper os
seus limites. Com 75 anos, Abraão ainda estava amar-rado à sua
parentela. É impressionante constatar quanto tempo Abraão ficou
acomodado. Alguns estão há tempo demais agarrados na barra da
saia da mãe. Ele tinha que deixar o domicílio do medo e da
insegurança. Deus falou para Abraão:

“Mude-se!” Se permanecer onde está, você será infrutífero.

Se mudar, a semente dará fruto! E o fruto são povos e nações!

A bênção centuplicada reside nesse passo de fé e obediência: “E


todo o que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe,
ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes
tanto, e herdará a vida eterna. Entretanto, muitos que são primeiros
serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros” (Mt
19:29,30). Aqui está o poder do ministério apostólico. Quantas
casas, irmãos, irmãs, pais, mães, terras estão aguardando por nós?

É interessante que Jesus não discipulou doze pastores, ou doze


mestres, mas doze apóstolos. O apóstolo tem uma visão para fora.
É um conquistador de novos territórios. Vivemos um tempo profético
quando Deus está restaurando a visão apostó-

lica da Igreja. O ministério apostólico, não apenas dá força e


equilíbrio à pluralidade ministerial, como abre caminho e gera
oportunidades para os novos desempenharem seus ministérios.
Já temos ficado tempo demais no nosso ninho. Estamos de-
masiadamente seguros e confortáveis. Mas, para crescer é preciso
correr riscos, aceitar desafios, irmos para o lugar onde nossa fé será
provada e desafiada. O medo da insegurança familiar pode nos
colocar em último lugar no reino de Deus. Um apego exagera-do a
estruturas seguras revela a nossa insegurança. O perigo aqui é uma
vida seca e infrutífera, onde vemos Deus levantando outros para
fazer o que nós mesmos deveríamos estar fazendo.

vIsãO e esPerAnçA - 139

3. Horebe: o domicílio do comodismo espiritual

“O Senhor nosso Deus nos falou em Horebe, dizendo:

Assaz vos haveis demorado neste monte. Voltai-vos, ponde-vos a


caminho, e ide à região montanhosa dos amorreus, ... Eis que tenho
posto esta terra diante de vós; entrai e possuí a terra que o Senhor
prometeu com jura-mento dar a vossos pais, Abraão, Isaque, e
Jacó, a eles e à sua descendência depois deles” (Dt 1:6-8).

Aqui se corre o risco de uma espiritualidade irresponsável e sem


conteúdo. O perigo é que as pessoas se sentem muito espirituais,
mesmo deixando de conquistar a herança. A segurança da
congregação, em detrimento da conquista; o dom, em detrimento da
responsabilidade e apenas como objeto de status espiritual.

Sentimo-nos tão bem com os irmãos, com Deus, com o que Deus
está fazendo, falando, movendo que deixamos de conquistar nossa
herança. Participamos dos cultos, dos congressos, dos seminários.
Vamos a todos os lugares para “receber” cada vez mais. Tornamo-
nos experts em “avivamento”. Porém, tudo isso é canalizado para
reforçar nosso comodismo espiritual.

Muitos têm caído no erro de um avivamento sem propósi-to. O


perigo aqui é uma incredulidade mortal que nos condena a morrer
no deserto, fora da terra prometida. É necessário sair desse
endereço.

4. Emaús: o domicílio da desilusão

“Então ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crerdes


tudo o que os profetas disseram!” (Lc 24:25) Depois de três anos e
meio seguindo de perto a Jesus, Ele morre de forma repentina e
brutal. Aqueles dois discípulos,

140 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges em estado


de choque, não suportam mais Jerusalém, a cidade sanguinária que
mata os profetas e apedreja os enviados de Deus. Eles vão para
Emaús.

Emaús representa a vida para a sobrevivência, uma vida


depressiva, sem sonhos e ideais. Acomodamo-nos a uma vida
medíocre, sem muitos problemas, sem desafios. É quando falamos:
Não aguento mais; para mim chega! Estou fora! Emaús é o domicílio
da depressão, da desistência e do trauma, onde nos sentimos
traídos, rejeitados, frustrados e passamos a idolatrar as feridas e as
perdas. Se não sairmos desse lugar, vamos amargar o funeral da
nossa esperança. Emaús é o cemité-

rio dos sonhos e das visões.

Porém, quando você se volta para Emaús, Jesus se volta para você.
“Enquanto assim comentavam e discutiam, o próprio Jesus se
aproximou, e ia com eles” (Lc 24:15). Ele quer nos tirar desse
domicílio do trauma e da desilusão. É necessário voltar para
Jerusalém, o ponto de partida da grande comissão, o lugar espiritual
onde o Espírito Santo é derramado sobre as nossas vidas movendo-
nos para uma missão e um propósito eterno!

Infelizmente, vivemos em um mundo de muitas ilusões e desilusões.


A traição conjugal, o abandono paterno, o abuso sexual infantil, a
defraudação de líderes e pastores, a perda de pessoas íntimas,
golpes financeiros praticados por sócios e parceiros, a desilusão
sentimental, decepções com amigos e tantas outras frustrações
causadas por pessoas íntimas têm o terrível poder de aniquilar a
capacidade de confiar. Aqui, o sonho pode se transformar em um
dramático pesadelo, e uma profunda ferida passa a ser o eixo da
vida.

A desilusão tem o poder de furtar os ideais, matar os sonhos,


castrar a inspiração e destruir o propósito que dá sabor à vida.

Não podemos deixar o nosso coração demorar nesse lugar.

Alguns estão vivendo já há muito tempo nesse endereço, como Jó,


coçando as feridas com o caco de telha da justiça própria e
remoendo a amargura. Tornaram-se néscios e tar-

vIsãO e esPerAnçA - 141

dos de coração. Perderam a inspiração e até mesmo a força para


reagir. Em Emaús é que muitos desistem de viver. Só existe uma
saída da desilusão: a estreita porta da cruz, onde negamos a nós
mesmos, despojamo-nos da justiça própria, decidimos perdoar
incondicionalmente, e assim, retomamos nossos ideais.

Tudo que o diabo quer é que você não se mude desses domicílios.
Ele até “investe” na sua vida espiritual, não lhe incomoda muito,
desde que você não mude. Mas, se há algo que incomoda o Espírito
Santo é a nossa inércia, e Ele vai lidar com isso. Até quando vamos
relutar contra Deus, amoldando-nos a uma perspectiva medíocre de
vida?

Essa é a chamada de Deus e o forte apelo do seu coração: muda-


te! Santifica-te! Deixa o domicílio, da corrupção espiritual, do medo,
do comodismo, da desilusão! Por quantas vezes Deus já vem
tentando nos empurrar para fora desses lugares e continuamos
resistindo? Até quando vamos continuar no marasmo, na
dependência humana, acomodados a um status espiritual, ou ainda,
lambendo as nossas feridas e lamentando as decepções? Até
quando essas coisas vão afo-gar nossa visão e esperança,
despojando-nos da armadura de um intercessor?

Só há uma maneira de ter certeza de que você já se mudou.

É quando o que o amedrontava, não amedronta mais! É quando o


que o vencia, não vence mais! É quando o que lhe de-primia, não
deprime mais! É quando o seu passado não mais hipoteca o seu
presente! Você está livre para decidir e agir!

VISÃO E DIVULGAÇÃO

“Então o Senhor me respondeu , e disse: Escreve a vi-são e torna-a


bem legível sobre tábuas, para que a possa ler quem passa
correndo. Pois a visão é ainda para o

142 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges tempo


determinado, e até o fim falará, e não mentirá.

Ainda que se demore, espera-o; porque certamente virá, não


tardará” (Hc 2:2,3).

A visão é a resposta de Deus para a questão fundamental da vida. É


a espinha dorsal da nossa existência. Uma visão, nada mais é que a
revelação objetiva do propósito divino. É

enxergar o futuro proposto por Deus. A visão é mais que o nosso


sonho; é o projeto de Deus. O poder da visão reside no fato de
escrever aquilo que nos tem sido mostrado por Deus.

A visão, não só tem que vir de Deus, como também, ser bem
projetada, tornando-se, assim, executável. Uma visão tem o poder
de transformar uma simples pessoa em um grande líder. É algo
muito poderoso.
O ponto relevante aqui é que a visão tem que ser bendita e bem
divulgada. A visão tem que alcançar os apressados. É também
necessário paciência e discernimento em relação ao “tempo
determinado” para o seu pleno cumprimento. Precisamos ser
sensíveis à visitação de Deus. A visão tem que ser implantada e
executada da maneira de Deus. Quando levamos a “arca” do nosso
jeito, muitos, como Uzá, acabam morrendo. Davi aprendeu
dolorosamente que o zelo, sem entendimento e flexibilida-de, mata
até os que querem ajudar.

A visão até o fim falará. A visão nos persegue. Também, como diz
Habacuque, “não mentirá” . Por que falar isso? Porque são tantas as
provas que vêm para nos confundir, que é muito fácil desistirmos da
visão. O profeta também adverte: “Se tardar, espera” . Esse é o
ponto principal, a grande dica de Deus para con-cretizarmos Seus
sonhos em nossas vidas: “se tardar, espera” .

Visão lida com o futuro. Exige liderança e, acima de tudo, algo ainda
mais elevado que a esperança: a perseverança.

Esse texto estabelece um aspecto fundamental da visão.

A visão tem que ser bem comunicada. Para ser bem comunicada,
tem que ser acreditada. Entre a visão e a divulgação

vIsãO e esPerAnçA - 143

existe um espaço que precisa ser preenchido por uma atitude de fé


e concordância.

Aqui está o ponto crítico que agora quero abordar. Um dos


princípios bíblicos mais relevantes sobre comunicação foi descrito
por Paulo, da seguinte forma: “Pois é com o coração que se crê
para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação” (Rm
10:10). Há uma ligação espiritual entre o cora-

ção e a boca, entre a fé e a confissão.


A discordância pode facilmente produzir a difamação. O

maior ataque de Satanás contra um ministério é difamar a visão.


Enquanto alguns constroem com fé e obras, outros destroem com a
boca e as palavras contrárias. Dessa forma, a obra não sai do lugar.
Satanás drena os recursos através de uma queda de braços interna.

O ponto crítico da batalha espiritual se concentra em uma questão


de fé e divulgação. Infelizmente, muitos ministérios têm sido
imobilizados, divididos e destruídos pela maledicência de seus
próprios membros.

Divulgação versus difamação: domando a língua O curso de um


ministério é determinado pela linguagem dos seus membros. Tiago
ensina que a língua é como um pequeno leme, que determina o
rumo de uma grande embarcação; um pequeno fogo, que produz
um grande incêndio que tudo destrói.

A vida e a morte estão no poder da língua. Aqui é que muitos se


tornam porta-vozes do Acusador, juízes da lei e vítimas desse
mesmo juízo. O selo da perfeição está em domar a língua.

A Igreja é a expressão da multiforme sabedoria de Deus:

“Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E

há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E

há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo


em todos” (I Co 12:4-6). Precisamos, além de respeitar as
diferenças, achar o nosso lugar no Corpo.

144 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges A


diversidade não é inimiga, e nem as diferenças um problema. Basta
um simples entendimento sobre a forma como Deus quer nos
complementar. O reino de Deus não aborda apenas nossa
singularidade, mas, acima de tudo, a unidade na diversidade.
Somos um grande corpo com membros dis-tintos e funções
diferentes.

Divulgação é a consequência natural de se integrar em um corpo


com o qual você compartilha da visão. Disso sobressal-ta a palavra
da fé e a oração do justo, que gera vida no Corpo:

“cri, por isso falei” . Sem a palavra da fé, começamos a ter um


comportamento injusto com Deus e depreciativo com as pessoas.
Nossa divulgação se torna doentia. A frustração acaba sempre
saindo pela boca.

Assim sendo, um dos mais altos pontos em termos de batalha


espiritual é saber discordar. Essa sabedoria em discordar tem o
poder de corrigir o que precisa ser corrigido. Uma falta de domínio
próprio e sabedoria nesse sentido, além de nos envenenar, também
destrói muita coisa na obra de Deus. A maledicência é o mais forte
sintoma que qualifica uma pessoa reprovada. Pela maledicência,
ouve-se a voz do Acusador e executa-se o seu trabalho.

O princípio da divulgação é a alma da visão, assim como a


propaganda é a alma do negócio. Muitos ministérios têm nau-
fragado nas águas da difamação. Nesse sentido, Pedro intro-duz um
importante chamado à santificação: “Antes santificai a Cristo, como
Senhor, em vossos corações; e estai sempre preparados para
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão
da esperança que há em vós” (I Pe 3:15).

A visão determina o curso e a razão da vida. A divulgação, por sua


vez, determina se essa visão vai viver ou morrer. A difamação
destrói a visão e mata a esperança. A oração do justo, pela palavra
da fé, constrói a visão e aviva a esperança.

Com difamação, o inferno prevalece, e com divulgação, a vi-são


cresce e o reino de Deus prospera.

CAPÍTULO 7
O Espírito de Unidade

Unidade é a chave da revelação do evangelho e do


amor do Pai ao mundo.
“Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade,
e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os
tens amado a eles como me tens amado a mim” (Jo 17:23).

A unidade e a perfeição

A unidade expressa, não apenas a santidade da trindade, como


também, a perfeição de Deus. Ela está inerentemente embutida na
natureza divina e precisa ser enxertada na natureza da Igreja.

Esse foi o grande clamor com o qual Jesus finaliza sua ora-

ção sacerdotal. Essa é uma das poucas áreas em que a Palavra de


Deus exige uma perfeição. Sabemos que a perfeição é praticamente
impossível em muitas situações e condições da vida humana. O
máximo que podemos tentar ser é coerentes ou peritos em algum
tipo de habilidade ou atividade e, mesmo assim, com algumas ou
muitas reservas.

Porém, acerca da unidade, o padrão requerido por Jesus é a


perfeição. Assim sendo, moralmente falando, as motivações

146 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges que norteiam


nossos relacionamentos podem e devem estar cem por cento
purificadas de todo ressentimento, malícia e egoísmo.

Unidade: a chave do evangelismo

Após estabelecer um alto conceito de unidade, caracteriza-do pela


perfeição, Jesus condiciona a revelação do Seu amor e salvação ao
desempenho dessa unidade. Aqui está o mais significativo segredo
do evangelismo. Tão importante quanto se ter um legítimo Salvador
é o seu reconhecimento por outros. Nisso reside a arte espiritual de
evangelizar. Nenhuma estratégia de evangelismo é capaz de
superar a unção que a unidade libera no sentido de produzir uma
forte consciência acerca da necessidade da salvação, bem como,
de agraciar os não-salvos com uma revelação pessoal de Deus.

A unidade, além de ser a chave para a revelação do Salvador ao


mundo, é também, a chave para a revelação e a convicção do amor
do Pai. Jesus está dizendo que o mundo só vai conseguir acreditar
de fato no grande amor de Deus, quando esse amor for praticado
pela Igreja através da unidade.

Podemos, portanto, definir a unidade como uma chave.

Uma chave precisa ser perfeita, caso contrário ela não abre a
fechadura. O modelo da chave, cada detalhe, cada ranhura precisa
combinar e se adequar ao formato da fechadura. O

segredo entre uma chave e a fechadura é a compatibilidade, o


encaixe preciso, a unidade perfeita. Uma ranhura a mais já emperra
o processo e a porta continua trancada. É aqui que muitos se veem
diante de uma porta fechada com a chave quebrada dentro da
fechadura.

Vamos ver como através dessa chave-mestra podemos ampliar o


território da Igreja, rompendo os limites impostos pelo Inimigo,
fazendo a luz brilhar em lugares tenebrosos e a revelação
prevalecer sobre a ignorância espiritual imposta

O esPírItO de unIdAde - 147

pelo príncipe das trevas. A unidade libera a presença de Deus, que


alcança os perdidos, liberta os cativos e solta os prisioneiros da
morte.

DESTRANCANDO OS PORTÕES DO INFERNO

“Mas vós, perguntou-lhes Jesus, quem dizeis que eu sou?


Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Disse-lhe Jesus: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque
não foi carne e sangue que to revelou, mas meu Pai, que está nos
céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do hades (habitação dos
mortos ou “inferno” em latim) não prevalecerão contra ela; dar-te-ei
as chaves do reino dos céus; o que ligares, pois, na terra será ligado
nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt
16:15-19).

Em primeira instância, temos aqui a grande revelação que mudou o


nome de Pedro, o qual se tornou a primeira pedra colocada por
Jesus no alicerce da Igreja. O ponto de partida é uma revelação
pessoal do Pai acerca do Filho. Essa foi a tremenda experiência de
Pedro que não só mudou seu nome, mas os rumos ministeriais da
sua vida. É impossível falar de revelação sem falar de
transformação, expansão e conquista.

A identidade ministerial: nosso lugar no Corpo O Pai revela o


Filho e o Filho revela o Espírito Santo e edifica a Igreja. Esse é o
princípio do apostolado. Como o Pai revelou para Pedro a
identidade e o caráter da missão de Jesus, o próprio Jesus,
simultaneamente, revela para Pedro Seu plano para ele na Igreja,
através de uma mudança de identidade.

148 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Portanto,


complementando a revelação do Pai, veio o “também eu te digo” de
Jesus: “Você não será mais aquele Simão pescador, mas agora tu
és Pedro, um pescador de homens e uma pedra viva do alicerce da
minha Igreja sobre a qual muitos outros serão edificados”.

A identidade de Simão é desvendada, marcando também o início do


seu ministério apostólico. O espírito de unidade praticado por Jesus
já estava destrancando dons ministeriais na vida dos discípulos.

Revelação: o princípio da edificação da Igreja Depois de mudar o


nome de Pedro, Jesus acrescenta uma nova revelação. Ele diz:
“sobre esta Pedra edificarei a mi-

nha igreja” . A pedra à qual Jesus agora se refere não é Pedro,


mas é a revelação que Pedro teve do Pai sobre a identidade
messiânica de Jesus. Portanto, é sobre a revelação que temos do
Pai acerca de Jesus que a verdadeira Igreja é construída.

A Igreja é edificada com pessoas que andam debaixo da revelação


de Deus, ocupando posições adequadas, cumprindo funções
específicas, mas, acima de tudo, como corpo ajustado e provido de
juntas e ligaduras, expressando a glória e a multiforme sabedoria de
Cristo. Daqui vem o conceito Paulino da Igreja como um organismo
divino. Porém, isso tudo ainda são revelações primárias. Vamos
continuar avançando no texto.

Confronto territorial: saqueando o Inimigo A questão maior é que


toda edificação precisa de um solo, e Jesus explica que o solo
estava ocupado pelo “Hades”. Jesus começa a mostrar a
necessidade de um confronto. O inferno colocou portões sitiando a
Igreja e impedindo o seu avanço em direção às pessoas sem
salvação. Temos, portanto, uma importante pergunta: “Como lidar
com os

O esPírItO de unIdAde - 149

portões e muros do inferno que impedem o estabelecimento e a


edificação da Igreja?”

Por muito tempo tentei resolver isso “na base da violência” através
de orações agressivas, mas pouco ofensivas espiritualmente: “Oh
Senhor! Agora mesmo, em nome de Jesus, quebramos e
arrombamos as portas do inferno na nossa cidade!” Porém, o maior
problema é que muitas vezes temos muita coragem e pouco
entendimento. Deixamos de ver as proezas de Deus devido à nossa
imprudência e ignorância espiritual.
É interessante que nesse diálogo, que é uma verdadeira aula de
batalha espiritual, Jesus não apenas menciona os

“portões do inferno” , mas também fala das “chaves do reino

dos céus” . Chave é algo que combina com porta. Passei a


entender, espiritualmente, que Deus não nos quer como arrom-
badores, mas destrancadores, principalmente em relação às portas
fechadas estabelecidas pelo império inimigo.

A salvação do perdido, o entendimento, os dons, o chamado,


recursos, etc, de alguma forma, foram aprisionados e precisam ser
destrancados. Tudo que precisamos é disso que Jesus chamou de
“chaves do reino dos céus”. Mas o que seriam essas “chaves
mestras” que abrem todas as portas. O que Jesus estava querendo
dizer espiritualmente com isso?

Toda porta tem uma fechadura, até mesmo as portas do inferno. A


Bíblia menciona que essas chaves da morte e do inferno estavam
sob o poder de Satanás, porém foram conquistadas através do
ministério messiânico de Jesus, que culminou na Sua morte e
ressurreição, passando a ser propriedade dos Céus: “Não temas; eu
sou o primeiro e o último, e o que vivo; fui morto, mas eis aqui estou
vivo pelos séculos dos séculos; e tenho as chaves da morte e do
hades” (Ap 1:18).

Isso que dizer que, não é mais Satanás quem detém as chaves da
morte e do inferno. É Jesus quem possui essas chaves agora!
Aleluia!!! A vitória de Jesus foi tão massacrante que o

150 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges diabo perdeu


até as chaves de casa! Todos que ele sequestrou e tudo o que ele
roubou, mantendo cativo no seu território, pode ser resgatado. O
trabalho da Igreja é o trabalho de abrir e resgatar. Porém, abrir só é
um trabalho simples e possível quando se tem as chaves. Quando
não se tem, o trabalho pode se tornar, não só pesado e arriscado,
como também, impossível!
Assim sendo, a questão maior não é mais ter que tomar essas
chaves do diabo, mas recebê-las de Deus. E é aqui que a unidade
pela qual Jesus tanto orou, entra. Ele esclarece acerca da posse
das chaves do reino dos Céus dizendo: “o que

ligares (concordares) , pois, na terra será ligado (concor-

dado) nos céus, e o que desligares (discordares) na terra

será desligado (discordado) nos céus”. Ele conceitua essas


chaves através da oração de concordância.

A concordância evidencia o aspecto qualitativo e genu-

íno da unidade. Unidade não se baseia apenas no número de


pessoas reunidas, mas no nível de concordância que está sendo
praticado por essas pessoas na oração. Ou seja, a Igreja destranca
os portões do inferno através da concordância e da unidade. A
concordância da Igreja estabelece uma conexão entre o mundo
físico e o espiritual, afetando a realidade nesses dois planos. A
chave que abre os portões da morte é a própria Igreja em
concordância, configurada através de um perímetro de unidade.
Essa é a chave que Jesus deseja colocar em nossas mãos que nos
permitirá avançar saqueando o inferno.

Portanto, o poder de avanço e edificação da Igreja contra as


resistências demoníacas em uma localidade depende,
primariamente, do nível de concordância e do perímetro de unidade
estabelecido pelos líderes espirituais, assim como seus ministérios e
denominações. A resposta para o denominacionalismo não é o a-
denominacionalismo ou o anti-denominacionalismo, mas o
interdenominacionalismo. É até bom

O esPírItO de unIdAde - 151

que tenhamos muitas denominações porque isso expressa a


multiforme sabedoria de Deus. O problema não são as “diferenças”
denominacionais, mas as “divergências” denominacionais. Ou seja,
é quando a independência toma o lugar da interdependência.

Não quero dizer que temos que ter uma unidade doutriná-

ria, mas simplesmente concordar com a diversidade do Corpo de


Cristo e com o fato de que temos um inimigo comum.

Nossa luta não pode ser direcionada para uma concorrência


denominacional, mas contra Satanás e suas hostes. A principal
força-tarefa de todo principado territorial é produzir divisão e
inimizade entre líderes e denominações. É dessa forma que a Igreja
perde a chave que determina o seu avanço.

Quando pastores e líderes de uma localidade


interdenominacionalmente se reúnem para orar, confessar os seus
pecados e os pecados da Igreja, um ambiente de concordância e
autoridade é estabelecido. Consequentemente, a confissão dos
pecados territoriais e a intercessão como corpo unido passam a
destrancar os portões do inferno. O inferno dá lugar ao Reino dos
Céus no coração das pessoas e no ambiente espiritual daquele
território!

Preste muita atenção! Isso só acontece proporcionalmen-te a estes


elementos específicos: a dimensão do perímetro de unidade; a
profundidade do quebrantamento espiritual e da transparência dos
intercessores, pastores e líderes reunidos; a precisão das
confissões em relação às iniquidades praticadas e que vinham
sustentando a opressão demoníaca local; e também o nível de
perseverança nesse modelo de intercessão.

Dessa forma, assim como Neemias e os líderes da sua geração


fizeram, muramos nossa cidade garantindo a proteção espiritual da
sua população. Consequentemente vem uma grande colheita como
resultado de um empenho evangelístico.
Aqui está o ápice da revelação de Deus nesse texto que expressa
um dos grandes segredos do crescimento fenomenal

152 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges da Igreja


primitiva. Os apóstolos souberam estruturar a igreja sobre a
revelação e o puro ensino de Jesus, enfocando a diversidade e a
pluralidade ministerial, usando como método de tomada de decisões
concílios com ampla representatividade.

Tudo isso contribuiu para um Corpo organizado, interligado, unido e


concordante que desencadeou a presença e a revela-

ção de Deus. Dessa forma, aquela geração foi poderosamente


conquistada.

Usando as “chaves do Reino dos céus”

Um exemplo específico e sobrenatural de como a unidade abre


literalmente prisões pode ser evidenciado pela sol-tura de Pedro:
“Pedro, pois, estava guardado na prisão; mas

a igreja orava com insistência a Deus por ele” (At 12:5). A Igreja
estava mais que reunida, estava unida em perseverante oração de
concordância, o que destrancou as portas do Hades impostas por
Herodes contra Pedro.

As chaves do Reino dos Céus foram usadas pela Igreja. O

nível de concordância exercido na oração trouxe a interven-

ção sobrenatural de um anjo, que abriu todas as cadeias que


detinham Pedro, o qual aguardava, sem poder fazer nada, a
execução da sua morte.

“Pedro então, tornando a si, disse: Agora sei verdadeiramente que o


Senhor enviou o seu anjo, e me livrou da mão de Herodes e de toda
a expectativa do povo dos judeus. Depois de assim refletir foi à casa
de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde
muitas

pessoas estavam reunidas e oravam” (At 12:11,12).

Por causa da unidade da Igreja, muitos líderes são pou-pados e a


Igreja imbativelmente consegue avançar contra as resistências
demoníacas.

O esPírItO de unIdAde - 153

Almirante Tamandaré: conquistando nosso território

... Moramos em uma pequena cidade chamada Almirante


Tamandaré, com 90.000 habitantes, que integra a região
metropolitana de Curitiba. Depois de um tempo de muitas
dificuldades na nossa agência missionária, Deus nos orientou a
começar um processo de discipulado com nosso corpo de obreiros
através de reuniões diárias de oração. Começamos com um jejum
de vinte e um dias obedecendo uma direção específica de Deus.
Com isso, percebi que alguns problemas começaram a ser
facilmente dissolvidos e ganhamos uma nova sensibilidade para
discernir as orientações proféticas.

Durante esse tempo de jejum e oração, o Espírito Santo me


surpreendeu através de uma forte confrontação pessoal.

Pensando e orando apenas dentro da cerca do nosso ministé-

rio, Deus me mostrou que essa perspectiva medíocre e egoísta


havia nos confinado debaixo das mesmas prisões espirituais que
eram impostas sobre a cidade.

Senti na pele a minha negligência em relação à conquista da cidade


quando o Espírito Santo quase que audivelmente me falou estas
palavras: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas
os que a ti são enviados! Quantas vezes quis
eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pin-tos
debaixo das asas, e não o quiseste! Eis aí abandonada vos é a
vossa casa” (Mt 23:37,38). Percebi, então, que o ministério profético
das igrejas na nossa cidade estava assolado pela divisão, e muitas
condições desfavoráveis eram apenas um efeito colateral disso.
Mas, acima de tudo, aquilo era algo pessoal de Deus para comigo.

O primeiro golpe veio mesmo, quando o Espírito Santo me


perguntou como pastor: “Quantas vezes eu vos quis ajuntar nessa
cidade?” Comecei a pensar. Quantas vezes Deus já teria tentado
unir os pastores em Almirante Tamandaré? Tentei imaginar quanto
esforço o Espírito Santo já tinha feito nes-

154 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges se sentido,


mas percebi que estávamos em xeque diante de Deus. Não sabia o
que responder.

Então, novamente, o Espírito falou ao meu coração: “Quantas vezes


eu quis vos ajuntar, mas você não quis?” Isso me pegou de jeito e
percebi claramente que precisava mudar radical-mente meu
comportamento. Quantas vezes eu mesmo boicotei a unidade?
Quantas vezes eu pequei contra a unidade, perpe-tuando legados
demoníacos sobre a Igreja e a cidade? Quantas vezes, ao invés de
agir como reconciliador, agi como perturbador, maldizendo obreiros,
criticando colegas e a obra de Deus?

Quantas vezes eu cansei a Deus com a dureza do meu coração,


escolhendo o isolamento, o orgulho, o exclusivismo, a indiferença,
etc? Fui, então, não apenas convencido, mas vencido pelo Espírito
Santo. Comecei a me arrepender...

Entendi claramente por que estávamos como estávamos:

“Eis aí abandonada vos é a vossa casa” (Mt 23:38). Casa de-serta,


vida de sequidão, atrofia espiritual e ministerial são maldições que
vêm quando não optamos pela unidade. Por que é tão difícil a
unidade? A unidade é tão difícil porque exige humildade. Jamais
haverá unidade sem humildade.

Muitos estão estagnados ou até mesmo desistindo da carreira


espiritual, porque fracassam nesse ponto. Precisamos reagir e abrir
o coração para uma visão de Corpo.

Na nossa busca diária, dentre muitas coisas, Deus nos deu uma
palavra específica para a cidade, quando Jesus disse que: “Esta
casta não sai senão com jejum e oração”. Ao invés de uma reunião
de oração por dia, começamos a ter duas, e montamos também
uma escala de jejum. As reuniões de ora-

ção começaram a se transformar em intercessão territorial.

Alguns intercessores estavam literalmente sentindo dores de parto


pela Igreja e pela cidade.

Começamos a fazer um mapeamento espiritual da cidade


considerando feridas, injustiças, idolatria, derramamento de sangue
inocente, etc. Com isso, também reunimos alguns

O esPírItO de unIdAde - 155

poucos pastores para intercedermos e nos arrependermos juntos


pelas coisas que Deus estava nos mostrando. Fomos identificando
os principados demoníacos e combatendo-os, com unidade e
oração.

Depois de um ano com reuniões ininterruptas de oração em nossa


base, e também orando com alguns poucos pastores, recebemos o
convite da Igreja Assembléia de Deus para todos juntos fazermos
uma grande cruzada evangelística na cidade. Quase que não podia
acreditar. Aquilo era a mão de Deus. Devido ao evento, passamos a
ter reuniões com aproximadamente 40 a 50 pastores, o que era uma
marca inédita.
Como fiquei responsável por toda intercessão do evento, tinha em
mãos, agora, um perímetro de unidade multiplica-do. Sentia que em
cada uma dessas reuniões o nosso arrependimento corporativo pela
Cidade rompia os céus e desmoro-nava as estruturas demoníacas.
Na verdade, algumas pessoas nem estavam percebendo o que
estava acontecendo.

Dentre algumas reuniões de intercessão, promovemos um café da


manhã em nossa base onde, como pastores, estaríamos orando
pela Cidade e pelo Prefeito. Foi uma reunião tremenda.
Aproveitamos para passar a fita “Transformações”, do Jorge Ottis, e
o Prefeito saiu dali muito impressionado, principalmente porque,
como ele mesmo disse, foi a primeira vez que ele foi a uma reunião
onde ninguém pediu nenhum favor, pelo contrário, queríamos orar
pelos milagres que ele estava precisando na sua vida e
Administração.

Poucas semanas depois, foi sancionada pela Prefeitura da cidade


uma lei inaugurando o dia dos evangélicos, onde também uma
praça, em frente à Prefeitura, no coração da cidade, foi reformada e
cedida aos evangélicos. Isso já era um indício da conquista territorial
que espiritualmente fora concretizada.

Teríamos, portanto, dois eventos importantes pela frente: a


inauguração da Praça dos Evangélicos e a Cruzada, que também
recebeu todo o apoio da Prefeitura. Poucos dias antes

156 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges da praça ser


entregue aos evangélicos, o Pr. Timóteo, colega de ministério e
companheiro de batalhas, procurou-me com uma carga de oração e
disse: “Deus está me falando que eu devo ter um momento no início
da cruzada para fazer uma oração confessando os pecados da
cidade e desentronizando a entidade (senhora virgem da
conceição), para a qual a cidade foi entregue”. Até no hino da
cidade essa consagração se exibia vergonhosamente. E ele
também disse: Isso tem que acontecer com a presença e o amém
do Prefeito.

Percebi que aquilo seria algo fundamental. A tarefa básica dessa


entidade, que não tem nada a ver com Maria, a mãe de Jesus, é
destruir a fertilidade e a produtividade. Secar o ventre e esterilizar a
vida. Ela é a versão feminina de Moloque.

Almirante Tamandaré tornara-se não mais que uma cidade


dormitório. Queríamos reverter esse quadro.

Tentamos esse espaço, mas o cronograma da cruzada não permitiu


e não queríamos forçar a barra. Ficamos um pouco sem entender,
mas Deus tinha Seus planos. Ele sabe o que faz. Bem no dia da
inauguração, quando o Prefeito e todos os secretários e assessores
estavam entregando, em um ato público, a praça à Igreja
Evangélica, havia um pastor escalado para uma oração durante
aquela cerimônia que, por algum motivo, não compareceu. Com
certeza algum anjo deve tê-lo segurado pelo caminho.

Repentinamente, então, o secretário do Prefeito, para nossa


surpresa, convida exatamente o Pr. Timóteo para fazer a oração
pela cidade. Quando ele subiu no palanque, o Espí-

rito Santo veio sobre ele e uma oração de confissão proféti-ca pela
cidade desentronizando a idolatria e entronizando a Jesus jorrou da
sua vida. Podíamos sentir claramente algo se rompendo no reino
espiritual. Toda aquela multidão foi poderosamente tocada pela
presença de Deus.

No outro dia, antes de iniciar a cruzada, fui chamado em uma sala à


parte pelo Prefeito. Tentei imaginar o que ele que-

O esPírItO de unIdAde - 157

ria comigo. Quando entrei, ele se dirigiu a mim e disse: “Por favor,
eu quero compreender a Bíblia. Eu leio, mas não consigo entender.
Explique-me o salmo 133”. Na nossa linguagem ele estava me
pedindo: “Por favor, pregue para mim!”

Ele havia colocado um monumento na Praça dos Evangélicos com


uma Bíblia aberta nesse salmo, mas não podia compreender
aquelas escrituras. Ele me perguntou: “Que negócio é esse de
barba de Arão, Monte Hermon?” Aquela sabedoria que Jesus disse
que nos daria diante das autoridades come-

çou a fluir de tal maneira que eu mesmo fiquei surpreso com a forma
como preguei para aquele homem faminto de Deus.

Quando a cruzada começou, o Prefeito foi chamado para dar uma


pequena palavra, que, incrivelmente, assumiu uma performance
profética. Resumindo, ele declarou que estava contemplando aquele
lugar, se referindo à Igreja Evangélica reunida, como um grande
ventre para a cidade, de onde muitas coisas seriam, a partir daquele
momento, geradas.

Acredito que ele disse isso por ser o dia das mães. Porém, havia
uma conotação profética nessa colocação, que poucos se deram
conta. Veja bem, o principado demoníaco da cidade, como já
mencionamos, era a “Conceição”, a “falsa mãe de Deus”, cuja tarefa
é conceber esterilidade, imoralidade, aborto de projetos e visões,
etc. Devido a isso, a cidade havia se tornado uma cidade dormitório,
uma das regiões mais pobres de Curitiba, tendo como fonte de
renda muitos motéis. Ao ser desentronizado esse principado pela
oração pública do Pr. Timóteo respaldada pela unidade dos
pastores, o próprio Prefeito estava proferindo que a Igreja seria,
agora, o novo ventre da cidade e não mais a “Conceição”. Glória a
Deus! O

que Deus havia compartilhado com o Pr. Timóteo se cumpriu


plenamente.

Então, o prefeito quebrou o cronograma da cruzada, chamando-me


para dizer às pessoas o que eu tinha dito para ele sobre o salmo
133. Fiz o que ele pediu, e para respaldar a

158 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges minha


palavra, senti que devia pedir perdão a todas aquelas pessoas que
representavam praticamente todas as denomina-

ções da Cidade. O mesmo conserto que havia feito com Deus, fiz
profeticamente com a Igreja, confessando uma lista de pecados que
havia praticado contra a unidade e a diversidade do Corpo de Cristo.
Eram quase duas mil pessoas dizendo amém para a unidade da
Igreja, e creio eu que um poderoso altar de unidade foi levantado
para Deus. Toda glória a Ele!

Oportunamente, depois dos eventos, alguém comentou:

“O melhor preletor da cruzada evangelística foi o Prefeito, apesar de


ainda não ser nascido de novo, mas Deus o usou como um profeta!
Aquilo foi um milagre!”

Depois disso, estávamos para promover um Seminário de


Libertação e Cura Interior em Curitiba, porém Deus nos disse
claramente que esse seminário deveria acontecer em Almirante
Tamandaré. Topamos o desafio e Deus nos surpreendeu. Tivemos
em torno de 90 pessoas, dentre as quais vários pastores
participando. Foi um mês inteiro (de 1 a 30 de junho de 2000) de
ensino, comunhão, arrependimento, intercessões proféticas,
fortalecimento da unidade, etc. Atualmente, esse mesmo modelo de
seminário está se repetindo em muitos lugares do Brasil e no
exterior.

Um dos atos proféticos que Deus nos orientou durante o Seminário


foi uma caminhada de oração. Estabelecemos um percurso da
fronteira com Curitiba até o portal de Almirante Tamandaré. Cada
igreja percorria com uma Bíblia na mão um percurso em oração,
orando pelos bairros, casas e pessoas, confessando pecados e
profetizando contra os altares do inferno: “Zé Pilintra” (bares),
“Pombas giras” (Motéis) e “Virgem da Conceição” (locais de
idolatria), etc.

Passando o bastão, que era uma Bíblia, de pastor para pastor, e


isso até nos encontrarmos todos na entrada da cidade, onde
tivemos ali mais um tempo juntos de intercessão.

Percorremos as duas vias de acesso principal a Almirante

O esPírItO de unIdAde - 159

Tamandaré abrindo caminho para o avivamento chegar e fe-chando


as portas da cidade para os demônios. Cada percurso totalizou
aproximadamente 8 kms de caminhada de oração.

Usamos uma Bíblia como bastão, porque o logotipo da cruzada


havia sido uma Bíblia aberta emitindo luz para toda a cidade, e
também, como o Prefeito nos tinha dado o monumento com uma
Bíblia aberta, queríamos que essa Bíblia que passou durante a
caminhada, de igreja em igreja e pastor em pastor, pudesse ser um
presente autografado por todos os pastores para o Prefeito, como
ato profético que a Palavra de Deus afetaria o governo político,
social e econômico de Almirante Tamandaré.

Oramos também em um local onde três jovens haviam sido


chacinados. Pedimos perdão a Deus pelo crime e derra-mamos óleo
sobre o local ainda marcado pelo sangue daquelas pessoas.
Levantamos nossa voz contra o espírito de violência.

Bares e inferninhos começaram a fechar e atualmente uma imensa


quadrilha tem sido desmantelada na cidade.

Já terminada a caminhada, “coincidentemente” chegamos ao trevo


da cidade, onde havia um despacho com mais de dez animais
sacrificados. Mais uma vez, pedimos perdão a Deus e desfizemos
toda aquela obra de feitiçaria. Tudo funcionou como um relógio.
Terminamos esse ato profético com uma forte convicção de que o
inferno fora, mais uma vez, fortemente abalado.

De algum tempo para cá temos percebido mudanças estruturais na


cidade. Igrejas estão se fortalecendo e crescendo também em
qualidade. Só nesse ano, o Prefeito inaugurou mais de 10 obras
novas que têm sido fundamentais para a população. As ruas, que
antes eram esburacadas, foram con-sertadas. Outras ruas têm sido
pavimentadas. Uma importante via marginal (Contorno norte da
Cidade de Curitiba), cuja obra estava há anos interrompida, foi
retomada e já está pronta. O abastecimento de água foi otimizado e,
aos poucos,

160 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Almirante


Tamandaré está deixando de ser apenas uma “cidade dormitório”.

Um dos pedidos de oração que o Prefeito nos fez tem sido


significativamente atendido. Muitas empresas estão vindo para o
Município. Nesses últimos três anos, em torno de 50 novas
empresas foram estabelecidas na Cidade, trazendo empregos e
recursos. Estamos cada vez mais surpreendidos com o que Deus
tem feito em nossa base missionária e na nossa cidade.

Sabemos que tudo isso é apenas um pequeno começo.

Também estamos cientes das dificuldades de manter essa postura


no dia a dia e no decorrer dos anos. Deus tem nos falado sobre uma
grande colheita, o que aguardamos perseverando na oração e na
unidade.

A CARREIRA ESPIRITUAL - O segredo do pódio

“Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade,


correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira
que o alcanceis. E todo aquele que luta, de tudo se abstém; ora,
eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma
incorruptível” (I Co 9:24,25).
O que o apóstolo Paulo quer dizer com isso: ... um só é que recebe
o prêmio? Acredito que essa não é uma questão de quantidade,
mas de unidade. Todos nós estamos correndo, mas só através da
unidade podemos vencer; apenas “sendo um só” é que
alcançaremos o prêmio.

Unidade nos põe na frente da corrida, elimina o stress da


competição, tira o cansaço da independência, cura os desgastes da
falta de perdão, traz o conforto emocional do apoio mútuo e
estabelece a plena autoridade da Igreja. Para isso, temos que subir
no pódio da cruz. Não existe unidade sem a cruz. Só podemos
atingir o equilíbrio exigido pela lei do

O esPírItO de unIdAde - 161

amor negando a nós mesmos, praticando a cruz. Na cruz é que


somos premiados com o verdadeiro avivamento e com uma grande
colheita.

“E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim. Isto dizia,
significando de que modo havia de morrer” (Jo 12:32,33).

Como já mencionamos, o prêmio que a unidade confere são vidas


salvas, pessoas sobrenaturalmente atraídas e redi-midas pela cruz
de Cristo. A unidade glorifica o sacrifício de Jesus, revelando a
palavra da salvação ao mundo. Unidade é o ponto de partida da
nossa carreira espiritual. Nesse sentido, a nossa vitória pessoal está
condicionada a uma vitória coletiva.

Renúncia: “entrando em forma”

“E todo aquele que luta de tudo se abstém.”

Toda corrida da unidade envolve também uma grande luta.


Precisamos atingir novos limites de resistência. A dica que Paulo
está dando aqui é que o nosso maior adversário somos nós
mesmos. Barreiras internas, motivações egoístas, desgaste
emocional, inimizades, pecados ocultos, sentimentos facciosos,
preconceitos e muitas outras coisas que precisam ser tratadas e
vencidas. O ponto de partida para isso é um quebrantamento
profundo de alma que vem pelo entendimento da cruz.

A grande chave para prevalecer é esta: “de tudo se abstém” . Tudo


precisa estar no altar. Tudo que Deus está pedindo precisa
permanecer entregue: posições, títulos, cargos, direitos, razão, etc.
Tudo na nossa vida precisa ser santificado pelo fogo da renúncia.
Só assim alcançamos, de fato, a coroa in-

162 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges corruptível.


Caso contrário, tudo o que vamos conseguir são resultados
corruptíveis.

Se estivermos lutando por direitos carnais não tocaremos o


incorruptível que Deus tem para nós. A Bíblia fala: “Mas digo isto,
irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus;
nem a corrupção herda a incorrupção” (I Co 15:50). Jesus também
falou a Nicodemos: “O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6).

Portanto, o que é carne jamais será espírito. Se queremos o


incorruptível do Reino de Deus precisamos começar e realizar as
coisas no espírito. Eliminar os filhos e as obras da carne.

É necessário um desabastecimento dos desejos da alma.

Isso é o que vai liberar a unção, o vigor, e as virtudes do Es-pírito


Santo sobre nós e através de nós. Nosso “preparo físi-co” espiritual
depende desse tipo de “exercício de piedade”: a renúncia. Devido
ao fato dessa palavra “renúncia” estar sendo evitada no vocabulário
evangélico, é que muitos líderes e obreiros têm tomado uma surra
do “mundo espiritual”.

Encontram-se derrotados e sem forças para correr e persistir.


Quanto maior a ausência da renúncia, maior a resistência do mundo
espiritual contra nós. Ganhamos velocidade e unidade quando
entregamos tudo o que Deus pede. Precisamos estar abertos para
este desafio de Deus: “E todo aquele que luta de tudo se abstém.”

CREDORES OU DEVEDORES - O dilema da unidade

“Eu sou devedor, tanto a gregos quanto a bárbaros, tanto a sábios


quanto a ignorantes” (Rm 1:14).

Um importante princípio de coletividade pode ser interpre-tado nesta


pequena frase: “Quem não integra, não aceita”. Uma das mais fortes
raízes dos problemas de uma organização ou de um organismo, no
caso da Igreja, reside na falta de integração

O esPírItO de unIdAde - 163

em relação aos desafios comuns. Com frequência, vemos pessoas


opinando, e até mesmo, criticando, sem a mínima disposição de se
envolver responsavelmente. Isso pode parecer não ser um grande
problema, mas sempre acaba sendo como um fermento que azeda
toda a massa e estraga a vida de muitos.

Pessoas que ficam na periferia, sempre como espectadores,


acabam exercitando um péssimo hábito: o hábito de diagnosticar,
combinado com a ineficiência de solucionar. Cobranças rotineiras,
exigências capciosas, críticas irresponsáveis, pre-venções doentias,
caprichos egoístas, e muitas outras formas de milindrosidades, que
para nada servem senão para des-gastar ainda mais os
relacionamentos e sustentar um clima de instabilidade.

Problemas em uma organização não justificam nossa saí-

da, mas a nossa permanência. Nossa saída seria apenas um


atestado de que aquele problema nos derrotou. Problemas em uma
organização devem servir para despertar nossa responsabilidade de
participar e servir com integração.
Quem não integra acumula motivos para críticas e murmurações.
Torna-se parte do problema. São aquelas partes infeccionadas do
corpo que acabam sendo expelidas. Quem integra já está
solucionando. Está batizado na verdadeira motivação de amar.

Toda cobrança descomprometida traz consigo o poder des-truidor


da acusação. Acusação é a essência da identidade de Satanás.
Tudo que o diabo faz está baseado nessa identidade e ele empresta
a boca de pessoas para isso.
A atitude de um devedor
O coração de um devedor é comunicado através de al-guém que se
integra. O que é integrar? É participar com identificação. Deixar de
ser um espectador alheio aos desafios.

Converter-se e acreditar na visão. Integrar-se é servir. Este, na

164 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges verdade, é o


grande problema dos que não se integram: não são servos. Gostam
de estar isolados no seu comodismo. Integrar é também estar em
uma posição de compaixão e não de orgulho crítico. Aqui vamos
saber quem são os verdadeiros intercessores e quem são os
profetas imaturos.

Integrar também requer calcular o preço. Essa é a evidência prática


de alguém que decidiu ser um discípulo, subme-tendo-se,
voluntariamente, à disciplina de agir responsavelmente. Em Lc 9:52-
67, Jesus ensina a tônica de como fazer um apelo para se tornar um
discípulo, mostrando o preço a ser pago. O Evangelho é de graça,
mas não é barato. Custou um preço de sangue.

A um Jesus disse: “As raposas tem covis, e as aves do céu ninhos,


mas o filho do homem não tem onde reclinar a sua cabeça.” Tem
que estar pronto a padecer privações, quando necessário. Renúncia
e voluntariedade precisam andar juntas constantemente na vida de
um discípulo.

A outro simplesmente disse: “Segue-me” . Ele estava indo ser


crucificado em Jerusalém. Não existe Evangelho de poder sem a
cruz. É preciso saber se nortear pela senda do caminho estreito nas
encruzilhadas da vida.

A outro também disse: “Deixa aos mortos enterrar os seus mortos;


porém tu vai e anuncia o reino de Deus.” Aqui Jesus fala do preço
da família, abrir mão dos pais e do aconchego do lar para se tornar
um pregador do Evangelho. Chega o momento em que a
dependência emocional e financeira com a família precisa ser
cortada.

A outro ainda disse: “Ninguém que lança mão do arado e olha para
traz é apto para o reino de Deus.” Não vale desistir.

Tem-se que estar disposto a perseverar. Superar os acidentes de


percurso, como Paulo disse: “Deixando as coisas que para trás
ficam, prossigo para o alvo da soberana vocação...”

Liderar é influenciar pessoas de tal forma que elas funcionam com


integração. Sempre temos uma visão maior do que

O esPírItO de unIdAde - 165

aquilo que estamos fazendo, e esse fato não deve nos impedir que
haja uma peneiração das pessoas para esse ministério.

Não devemos vender uma ideia de uma posição apresentan-do


apenas o aspecto atraente e glamoroso da coisa. Devemos mostrar
o preço a ser pago. É importante as pessoas estarem cientes da
parte difícil e negativa. Não devemos comprar as pessoas com
meias verdades, mas levá-las a terem um cora-

ção responsivo.

Se realmente queremos fazer diferença, ser uma parte eficiente do


Corpo, precisamos chegar a este nível de compreensão que Paulo
chegou: Sou devedor! Isso é um grande para-doxo. Paulo
complementa essa revelação mostrando o saldo positivo dessa
dívida: “A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que
vos ameis uns aos outros: porque quem ama aos outros cumpriu a
lei do amor” (Rm 13:8).
Dessa forma, ele nos induz à consciência de que sempre teremos
uma dívida: o amor. Já que o amor é a essência de todos os
mandamentos, jamais podemos deixar de pagar essa dívida. Isso
corrige nossas motivações e aplaina os nossos caminhos. Somos
devedores! Essa é a única dívida que gera créditos nesse mundo e
no vindouro.

Assim sendo, jamais devemos cobrar amor, mas sempre pagar


amor! Cobrar amor nos leva a uma série de tormentos e cadeias. É
o inverso da lei do amor. Nossa vida emocional, psicológica e
espiritual ficam embotadas e adoecidas pela ca-rência e
autopiedade.

“Sou devedor” é a expressão maior para quem quer se relacionar,


viver na luz, para quem ama a comunhão e desfruta de saúde
espiritual. Essa é a genuína postura moral que nos sintoniza com o
coração de Deus. É a confissão maior de uma pessoa inteira, com
estrutura plena em Deus, que não está ferida, não está doente e
nem deformada espiritualmente.

Essa é a expressão de quem desistiu do egoísmo para, de fato,


cumprir a lei do amor e viver para a glória de Deus. É

166 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges também a


expressão de alguém que, verdadeiramente, acei-tou o desafio de
negar a si mesmo, tomar diariamente sua cruz e seguir a Jesus,
tornando-se um discípulo genuíno, e não um embuste da
religiosidade. “Sou devedor” traduz a es-sência de uma pessoa
encaixada no Corpo de Cristo.

Por que é tão importante estar na posição em que Paulo se colocou


de devedor? Simplesmente, porque vamos resolver tudo através de
uma motivação de servir e perdoar. Uma atitude de perdão é
acompanhada pela sabedoria de reconciliar o que foi quebrado e
perdido. Perdão é sinônimo de solução.
Obviamente que tudo isso não quer dizer que não tenhamos de
tratar abertamente com os problemas e as feridas das pessoas,
confrontando-as quando necessário.
O CREDOR INCOMPASSIVO
Um credor é simplesmente alguém desviado da responsabilidade
cristã de ser um devedor. O pior dessa condição moral de credores
é que ela destrói a compaixão, tornando-nos vítimas da nossa
própria “justiça” e dureza de coração.

Vamos ver uma história que pode e deve ser confrontada por esta
declaração de Paulo: “Sou devedor” - A parábola do credor
incompassivo. Essa é a terrível história de um homem que perdeu a
visão de que era um devedor.

“Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis
fazer contas com os seus servos; e, começan-do a fazer contas, foi-
lhe apresentado um que devia dez mil talentos; e, não tendo ele
com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus
filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se
lhe pagasse. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava,
dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então
o senhor daquele servo, movido de íntima com-

O esPírItO de unIdAde - 167

paixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele


servo, encontrou um de seus conservos, que lhe devia cem
dinheiros, e, lançando mão dele, o sufocava, dizendo: paga-me o
que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés,
rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo e tudo te pagarei.
Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que
pagasse a dívida. Vendo pois os seus conservos o que acontecia,
contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que
passara.

Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo


malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste, não
devias tu igualmente ter compaixão do teu companheiro, como eu
também tive misericórdia de ti? E

indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que


pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também meu Pai
celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as
suas ofensas” (Mt 18:23-35).

É importante ressaltar que esse ensinamento foi dirigido aos


discípulos e não às pessoas não-crentes. Jesus estava res-
pondendo a uma pergunta de Pedro, o futuro líder e apóstolo da
Igreja: “Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e
eu hei de perdoar? Até sete?” (Mt 18:21) Podemos tirar deste texto
o que chamei de “os seis esquecimentos capitais”. Algumas coisas
que os credores incompassivos esquecem:

1. Esqueceu-se da justiça de Deus: “... o reino dos céus pode


comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus
servos”.

Com a mesma medida que usamos para medir, seremos me-didos.


Nossa sentença sai dos nossos próprios lábios. Por mais

168 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges que a vida


se mostre injusta, Deus é inabalavelmente justo, bem como o Seu
governo moral do mundo. A justiça de Deus, apesar de não ser
imediata, é precisa. Dessa forma, Deus dá ao ofensor a chance de
se arrepender, e ao ofendido, a imperdí-

vel oportunidade de perdoar. Apesar de muitos sofrerem pela


irresponsabilidade de poucos, isso não invalida a justiça de Deus.
Podemos e devemos continuar confiando nele.

Em Mt 5:22, Jesus menciona que qualquer que sem motivo se


encolerizar contra seu irmão será réu de juízo. Ou seja, existe um
tribunal humano que irá julgá-lo. Ele também diz que qualquer que
disser ao seu irmão: Raca (um insulto), será réu do sinédrio. São
questões que devem ser julgadas pela Igreja. E qualquer que lhe
disser: Louco (tolo), será réu do fogo do inferno. Ou seja, aquilo que
achamos ser menos grave é o próprio Deus quem julga; coisas
mínimas e imperceptí-

veis podem acabar nos levando para o inferno.

A justiça estabelecida pela cruz se baseia em misericórdia e perdão.


Se semearmos essa justiça, a Bíblia garante que vamos colher a
paz. Se fizermos injustiça à misericórdia, sonegando o perdão,
vamos nos tornar réus de julgamento. Esse homem foi levado
subitamente da cadeira do juiz para o ban-co de réus porque se
esqueceu da justiça de Deus.

2. Esqueceu que era um devedor: “...foi-lhe apresentado um que


lhe devia...”

A partir do fato bíblico que “Todos pecaram e destituídos estão da


glória de Deus”, ninguém é melhor ou pior que ninguém, somos
todos devedores. Todos estamos comprometi-dos. O maior favor
que podemos fazer para nós mesmos é semearmos misericórdia e
perdão. Por quê? Porque pecadores são devedores.

Portanto, como pecadores, jamais podemos esquecer que somos


devedores. Nossa situação legal diante de Deus pode

O esPírItO de unIdAde - 169

ser explicada pelo termo do direito penal: “prisão condicional”, ou


seja, você está solto condicionalmente: “Assim vos fará também
meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu
irmão, as suas ofensas”.

Você só continuará em liberdade desde que, ou com a condição de


se manter humildemente na posição de devedor.
Precisamos manter nossa consciência sempre viva com este fato:
“As misericórdias de Deus são a causa de não sermos consumidos;
porque as suas misericórdias não têm fim” (Lm 3:22). Quando
abandonamos o dever de estender compaixão nos tornamos
credores, ou seja, quando esquecemos que somos devedores, nos
lembramos de ser credores. E esse é um erro fatal.

3. Esqueceu-se do valor da sua dívida: “...Dez mil talentos...”

O credor incompassivo devia dez mil talentos enquanto que o seu


devedor lhe devia apenas 100 denários. Um talento apenas equivale
a 6.000 denários, portanto 10 mil talentos é uma fortuna quase
imensurável. Para se ter uma ideia de valores, um denário é o
salário de um dia de trabalho. O

credor incompassivo devia em torno de 600 mil vezes mais que o


seu devedor.

Essa parábola nos ensina que, em vista do valor da nossa dívida,


perdoar é o mínimo que podemos fazer. A coisa mais absurda e
injusta é um crente dizer que não consegue perdoar. A partir do
momento em que Deus nos tem perdoado de uma dívida eterna,
como vamos deixar de perdoar qualquer tipo de falha que seja, em
relação a qualquer ofensor que seja?

O espírito de cobrança é o pai da incoerência espiritual.

Quando cobramos uma coisa que devemos, estamos sendo


incoerentes. Esse esquecimento moral em relação ao valor da
nossa dívida é denunciado por Jesus como hipocrisia: “Hipó-

crita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em

170 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges tirar o


argueiro do olho do teu irmão” (Mt 7:5). Queremos tirar o “cisquinho”
do olho da outra pessoa quando tem um “toco”
no nosso olho bloqueando nossa visão. O credor incompassivo
deixou de perdoar uma dívida de 100 denários enquando devia 60
milhões de denários.

Credores incompassivos sempre caem nesses erros de grandeza,


confundindo os reais valores como “coar um mosquito e engolir um
camelo”; “tirar o cisco do olho do outro, tendo um argueiro no próprio
olho”; “limpar o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio
de rapina e iniquidade”. Essa hipocrisia denuncia escandalosamente
nossa injustiça.

4. Esqueceu que não tinha com que pagar a sua dívida:

“... não tendo ele com que pagar...”

Aquele credor era também um devedor que, apesar de ter


negociado sua dívida, não tinha como pagá-la. Isto o fez um
escravo. Devedores são escravos. Escravo, na definição bíblica, é
alguém que tem uma dívida e não tem com o que pagar.

Está à mercê do seu credor.

Porém, o nosso credor, Deus, através do Seu Filho Jesus, levou


sobre si mesmo todo o mal que merecíamos justamente.

Ele mesmo levou sobre si nossas dores, nossas enfermidades,


nossos pecados, nosso castigo, nossa condenação, e também
morreu nossa morte eterna. E, mais ainda, concedeu-nos vida e
dons que jamais merecíamos ou mereceremos.

Deus tem um plano em dois níveis em relação à nossa posi-

ção de escravos. Primeiramente, Ele quer nos fazer servos, ou seja,


escravos por amor d’Aquele que mais nos ama, e também amigos,
onde ele vai investir tudo o que ele é e tem em um relacionamento
de confiança conosco. Assim sendo, devido ao infinito amor de
Deus, a rude escravidão se transforma em um relacionamento
íntimo e voluntário. Liberdade está na índole do amor de Deus.

O esPírItO de unIdAde - 171

Não podemos permitir essa falha moral de memória, es-quecendo-


nos de que, infelizmente, contraímos uma dívida impagável, porém,
que foi quitada na cruz, através do sacrifí-

cio perfeito de Jesus.

5. Esqueceu-se da pena que ele merecia: “... o seu senhor


mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com
tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse”...

Devedores comprometem, não apenas a sua vida e liberdade, como


também, a vida das pessoas que lhe são mais queri-das. A lei da
herança assegura que a nossa condição física e moral será
transmitida aos nossos familiares e descendentes.

Portanto, cada pessoa se encontra diante de uma grande


responsabilidade em relação às futuras gerações. Aqui reside o
princípio da maldição que influencia uma linhagem familiar a
obedecer um esquema de propagação da iniquidade.

Estamos debaixo de uma sentença que pode ser invocada. “Visto


que amou a maldição, ela lhe sobrevenha, e pois que não desejou a
bênção, ela se afaste dele” (Sl 109:17).

Como invocar essa sentença contra nós mesmos? A resposta está


no versículo anterior: “Porquanto não se lembrou de

usar de misericórdia; antes perseguiu o varão aflito e o ne-


cessitado, como também o quebrantado de coração, para o matar
(Sl 109:16).”
Pecadores são devedores. Devedores são escravos. E escravos
cumprem uma pena ao preço da própria liberdade e da família. Em
qual tribunal de Justiça vamos resolver nossos relacionamentos? No
de Deus, onde a justiça é a cruz, ou no nosso, através da justiça
própria? Aquele homem tinha uma terrível pena que deveria ter sido
cumprida, mas que foi revo-gada pela compaixão do seu credor.
Porém, o revogamento da pena foi cancelado porque, ao optar pelo
tribunal da justiça própria, tornou-se duplamente transgressor.

172 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges 6.


Esqueceu-se de como ele dependeu da generosidade de
alguém: “ Então o senhor daquele servo, movido de íntima
compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.”

Cada experiência com a bondade e a misericórdia de Deus nos faz


cada vez mais responsáveis. O ponto crucial na vida desse credor
incompassivo é que ele estava pecando contra uma graça revelada.
Entender o plano da salvação é uma das responsabilidades mais
sérias que contraímos.

Seremos sempre provados pelo que recebemos. Aprovação parte


do princípio de dar, e não de receber. O maior milagre, não é
quando recebemos, mas quando damos alguma coisa.

Devemos perdoar porque fomos perdoados sem merecermos ser


perdoados. Também devemos abençoar porque fomos abençoados
sem merecermos ser abençoados.

Mediante sua atitude impiedosa, esse credor revelou claramente


suas motivações. Denota-se, na verdade, que o seu rogo, nada
mais foi que o desespero da sua cobiça. Aquele homem se
humilhou, sem ser humilde, sendo inspirado apenas pelo interesse
próprio. Foi terrivelmente mesquinho. Ele agiu sem temor e com má
fé. Quando ele devia compartilhar a mesma generosidade recebida,
simplesmente não o fez, demonstrando um apego espiritualmente
doentio aos direitos e valores próprios.
Ele se esqueceu da compaixão do seu senhor. Ele aprendeu a fazer
o bem, e não o fez. Pecou contra uma verdade revelada. Agrediu o
reino da luz. Pagou o bem com o mal.

Sua recusa em demonstrar compaixão despertou a indigna-

ção do seu senhor. Ele não foi capaz de comunicar a graça que
havia recebido, ainda que em um valor mínimo. Essa é a maior
evidência de um coração duro. O que será de nós se nos
esquecermos da misericórdia de Deus? Jesus ensinou através
dessa parábola que para cada déficit de compaixão existe um
crédito de ira.

O esPírItO de unIdAde - 173

CONCLUSÃO

Devedores ou credores? Esse é o grande dilema da reconciliação e


da unidade. A postura espiritual tomada restrita a esse conflito vai
fazer uma diferença fatal em todas áreas de nossas vidas. A maior
dívida que contraímos é quando sonegamos compaixão e perdão.
Esse é o grande impasse da unidade. Quando não assumimos a
posição de devedores que Paulo se refere, acabamos ocupando a
situação oposta de credores, filhos da incompassividade. Esse é o
princípio da desgraça.

O que aconteceu com aquele credor incompassivo? A sua sentença


em relação ao seu companheiro recaiu sobre si mesmo. Ele foi
condenado pelas próprias palavras de cobrança:

“Não devias tu igualmente ter compaixão do teu companheiro, como


eu também tive misericórdia de ti? E indignado, o seu senhor o
entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia”.

A falta de compaixão nos faz ser filhos da ira, da indigna-


ção. Estaremos aprisionados a uma série de tormentos realmente
malignos. Cairemos nas mãos dos torturadores. Muitos estão
sofrendo enfermidades, males emocionais, cadeias sen-timentais,
colapsos nervosos, reveses financeiros, etc, porque assumiram uma
posição de credores. Além do que, ter que

“pagar tudo que devemos” pode significar também, o inferno.

Precisamos nos arrepender dessa terrível transgressão e sair dessa


posição iníqua de credores. Que esta possa ser a nossa confissão:
Sou devedor! E jamais uma postura irresponsável e ferina de
cobrança. Como estamos semeando? Como credores ou como
devedores? Se semearmos como credores, vamos colher
“atormentadores”. Se semearmos como devedores, vamos ceifar
misericórdia e rica comunhão. Essa é a estrada da unidade que nos
leva rumo à perfeição e à poderosa perspectiva da oração do justo
que muito pode em seus efeitos!

174 - A OrAçãO dO JustO | MArcOs de sOuzA BOrges Foi assim


que Jesus terminou a sua vida. Ele pôde dizer:

“Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem” . Palavras como


estas só podem ser ditas da cruz. Através de um cora-

ção perdoador, Ele enxergou a cegueira dos transgressores.

Essa é a oração do Justo, que ecoa até hoje, trazendo a mi-lhões a


mesma convicção que aqueles soldados romanos, que
testemunharam sua morte, tiveram: “... verdadeiramente este é o
Filho de Deus” !

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Este livro foi composto e impresso pela Editora Jocum Brasil, na


fonte ZapfEllipt BT, em papel Off Set 60 g/m2.

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