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Pastoral I: Fundamentos
Anderson Macedo Inácio de Oliveira
31/03/2023
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ZANINI, Rogério Luiz. Interpelações metodológico-pastorais à luz da Evangelii Gaudium. In REB, Petrópolis
Volume 75, número 298 (2015). p 328.
2
Id., p. 329.
Ao não partir da realidade corre-se o risco de uma espiritualidade desencarnada, alienada e,
ainda pior, indiferente. Uma terceira implicação recai sobre a soteriologia cristã. Se esta não se
realiza, de alguma forma, na história, isto é, na realidade, a própria crença cristã da salvação
não passaria de uma ideia, podendo se tornar mesmo uma ideologia. Por estas implicações,
Zanini acredita ser fundamental ter como ponto de partida a realidade: “Assumir de modo
consciente e consequente a realidade faz com que a teologia se torne mais crítica, mais bíblica
e mais relevante historicamente.”3
Dando sequência a sua pesquisa, Zanini lança o olhar sobre A importância da
processualidade na ação evangelizadora. Ele frisa que a palavra “processo” aparece 24 vezes
na Exortação, mostrando a importância desta característica na evangelização. Para Francisco,
os processos ajudam a “ter presente o horizonte”, levando a “adotar os processos possíveis e a
estrada longa”, quer dizer, respeitando o crescimento “que se manifesta com o tempo” (EG
225). Para isso, Francisco oferece uma metodologia em cinco passos: a) “primeirear”, ou seja,
ter a iniciativa, buscando ser aquilo que faz parte de sua essência, isto é, uma Igreja missionária
e em saída; b) “envolver-se na vida das pessoas”, encarnando-se em sua realidade vital,
tomando consciência de que estamos no mundo, mesmo sendo Igreja; c) “dispor-se a
acompanhar”, entrando na vida dos outros, encontrando-os em seus caminhos, participando de
suas conversas, por meio do diálogo, enfim, acompanhar as pessoas em regresso de volta a
Igreja, especialmente os pobres e necessitados de justiça; d) “saber frutificar”, isso significa
“cuidar do trigo e não perder a paz por causa do joio”; e) “saber festejar”, isto é, saber incluir
todos no banquete eclesial, tanto nas celebrações litúrgicas quanto nos benefícios evangélicos,
a saber, a misericórdia e o amor de Deus (Cf. EG 24).
Mais adiante, Zanini propõe uma reflexão sobre O diálogo como paradigma da missão
cristã. Para ele, Francisco utiliza-se do diálogo como fio condutor de toda a Exortação, fazendo
deste um princípio teológico, pois a iniciativa de vir ao encontro do homem por parte de Deus
se revelou através do diálogo humano, quando Deus se encarnou em seu Verbo. Por isso,
citando Francisco em um discurso, Zanini destaca:
(...) a cultura do encontro, uma cultura na qual todo mundo tem algo bom com que contribuir,
e todos podem receber algo bom em troca, o outro sempre tem algo que me dar quando
sabemos nos aproximar dele com atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude
aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como humildade social, que é a que
favorece o diálogo.4
3
Ibid., p. 333.
4
Ibid., p. 339.
O autor coloca ainda que o diálogo supõe uma abertura e reconhecimento mutuo e uma
“indeterminação” dos resultados esperados, ou seja, uma abertura ao desconhecido e ao novo,
sem o qual não há síntese do diálogo, ou ainda, não há o próprio diálogo, tornando-se um
monólogo.5 Permitir o diálogo é transformar o ato de evangelizar em evangelização. Por isso,
dialogar é comunicar “um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que
mutuamente se dão no diálogo.” (EG 142).
Mais adiante, o autor ocupa-se sobre O princípio de participação na missão da Igreja.
Zanini aponta que Francisco, na Exortação, demonstra também o interesse por uma Igreja onde
todos participem do processo de evangelização, não apenas alguns agentes ou somente o clero,
mas todo e qualquer batizado. A missão evangelizadora da Igreja não é dever de alguns dentro
da instituição, e também não é compromisso dos bem formados, pois evangelizar é anunciar a
mensagem do Evangelho, e para isso, basta testemunhar a própria experiência de fé. Esta
experiência acontece em vários níveis, mas isso não deve ser razão para que poucos sejam
agentes evangelizadores. Por isso, Francisco afirma na Exortação: “a nova evangelização deve
implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados” (EG 120). Para essa efetivação é
necessário uma abertura por parte dos pastores, que geralmente são os protagonistas nas
decisões tomadas em prol da comunidade.
Deste princípio, Zanini destaca três consequências necessárias. A primeira é a
necessidade da opção pelo método em questão por parte dos pastores, pois é preciso que
coloquem em prática tal princípio, para além do discurso. Segundo, a mudança na resolução de
problemas antigos e novos, deixando para traz o velho pensamento de que “fez-se sempre
assim” (EG 33). E por último, a responsabilidade que deve brotar em todos os envolvidos
também na execução, fruto de uma decisão pensada coletivamente.
Por fim, O método como o espírito da ação evangelizadora será o último tópico
explorado pelo autor. Neste, o autor traz, inicialmente, o que Francisco quer significar com a
palavra “espírito”: “Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem
medo à ação do Espírito Santo.” (EG 259). A proposta de Francisco, segundo Zanini, é que o
agente torne a metodologia explorada pela Exortação o seu espírito evangelizador, algo que
brote do interior, como uma mística de vida, chamado a unir oração e ação, como Jesus de
Nazaré o fazia.
Já em suas considerações finais, Zanini destaca o seu objetivo inicial, qual seja, levar
o leitor a entender a relação entre verdade e realidade. A verdade que é imutável, irrenunciável,
5
Cf. Ibid., p. 340.
a própria pessoa de Jesus Cristo, mas que precisa ser anunciado, antes de tudo – como é a
proposta da Exortação de Francisco – com alegria, isto é, com leveza, com atração, como fruto
de uma experiência verdadeiramente existencial com Jesus Cristo, considerando que em toda a
realidade cosmológica existem sementes do próprio Verbo. Isso exige a utilização de um
método eficaz, o que foi proposto por Zanini ao longo de seu artigo. Por fim, o autor traz uma
citação da Exortação, nas palavras do próprio Papa Francisco, sintetizando o essencial de sua
proposta e ideal: “Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa
consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da
amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de
sentido e de vida.” (EG 49).
Queremos, ao final deste resumo, deixar nossa apreciação crítica sobre o artigo de
Zanini. Ao longo do texto percebemos forte influência daquilo que o Papa Francisco sonha para
a Igreja e deixou registrado na Exortação em questão. Acreditamos que o Santo Padre, apesar
de ser um papa dos últimos tempos, de nosso tempo, carrega em sua personalidade as intuições
evangélicas queridas por Jesus e que, ao longo da história, muitos homens e mulheres também
inspirados, foram sal e luz na humanidade da mesma forma que o Papa Francisco tem sido. Não
acreditamos que o Papa, em sua Exortação, trouxesse algo novo, não no sentido original, mas,
em nosso ponto de vista, ele simplesmente deve ser reconhecido como um dos “verdadeiros
adoradores em espírito e verdade” (Cf. Jo 4,23) que Jesus anunciara à samaritana.
Entretanto, sempre houve os que resistiram a este espírito e, pior ainda, passando-se
por “verdadeiros adoradores”, ignoram ou combatem homens como o Papa Francisco, como
também foi previsto por Jesus: “se eles me perseguiram, também vos perseguirão.” (Jo 15,20).
Mas algo acreditamos ser original em Francisco, é apresentar o Evangelho em sua positividade,
isto é, em sua alegria. Nós cristãos, por vezes, transformamos o Evangelho em algo difícil,
pesaroso, antipático e até impossível de ser vivido. Sabemos, sim, que estas são características
do Evangelho para aqueles que não encontraram a beleza da mensagem evangélica, não se
encontraram com a “Alegria do Evangelho”, e se nós, cristãos batizados, não enxergamos esta
alegria, deveríamos nos perguntar sobre qual evangelho temo-nos deixado ser atraídos.
A esperança cristã passa pela cruz, é verdade, mas ela não é o fim, e sim a passagem
(pessach) para a vida nova em Cristo, cheia de sentido e plenitude. Este sentimento deve nos
mover a querer anunciar e espalhar a mensagem evangélica, e se para isso é necessário o apoio
de métodos eficazes, devemos nos ater a eles, visando sempre o encontro pessoal com Jesus
Cristo. Este encontro, por vezes, foge aos esquemas humanos e institucionais, mas é o próprio
Jesus que nos envia a anunciá-Lo: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem
discípulos (...).” (Mt 28,19). Neste sentido, pode parecer-nos que a institucionalização do
anúncio é mais prejudicial que frutífero, entretanto, temos a convicção de que é a resistência, o
coração endurecido (Cf. Mc 8,17) que impede o bom funcionamento das estruturas, pois estas
dependem de indivíduos bem dispostos, comprometidos com a finalidade das mesmas
estruturas.
A Constituição dogmática Lumen Gentium, n. 5, nos ensina qual a missão e finalidade
da Igreja:
Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus
preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o
Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo
Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja
juntar-se ao seu Rei na glória.
Nós, batizados, somos chamados a ter os mesmos sentimentos que a Igreja, fazer de
sua missão a nossa. Para isso, precisamos de conversão, pois como o próprio texto nos levou
ao axioma da realidade sobre a ideia, devemos lembrar-nos que somos limitados, que a
realidade é limitada, e para nós também isso é motivo de alegria, visto que o próprio Espírito
Santo é quem conduz a missão da Igreja. Por isso, partir da realidade é também permitir a ação
do Paráclito. Concluindo nossa analise, afirmamos a necessidade de que as ideias desenvolvidas
neste artigo sejam difundidas e se tornem ponto de reflexão e partida para uma pastoral mais
dinâmica, mais efetiva e afetiva, enfim, mais evangélica.