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A filosofia de deleuze

 LUIZ B. L. ORLANDI
I. O filósofo e o seu tempo

Gilles Deleuze nasceu em Paris no dia 18 de janeiro de 1925, às 2:45. Recordando a


infância[2], diz que sua mãe era “a melhor das mulheres” e que seu pai, engenheiro, era um
“homem delicado, benevolente e charmoso”. Por ser proprietário de uma empresa de
impermeabilização de telhas, diz-se que a família era burguesa e apavorada com a corrosão
financeira dos anos 30: à crise econômica, somavam-se as medidas populares tomadas
pelo Front Populaire (1936-1937). Enfraquecido seu próprio negócio, o pai passou a
trabalhar para outra empresa. Nessa tensa atmosfera, marcada por lutas sociais,
reacionarismo, anti-semitismo e guerra é que Gilles vivia sua infância, assim como seu irmão,
Georges Deleuze, um pouco mais velho que ele. A respeito do irmão, Gilles mostra-se
discretíssimo nas entrevistas. Mas, sem dúvida, o destino de Georges trouxe para muito
perto de Gilles uma dor que se espalha com a invasão nazista: é que Georges, cursando o
secundário no Liceu Carnot, em Paris, e participando, como outros jovens, do movimento de
Resistência, foi preso e morto no trem que o conduzia ao campo de concentração de
Auschwitz.

A ocupação nazista já provocara no adolescente Gilles uma descoberta: “deixei de ser


idiota”, diz. É que, crescendo numa família “inculta” e sendo um “jovem extremamente
medíocre” nos primeiros anos escolares, “sem interesse algum”, sua oportunidade de
“acordar” dependia da complexidade de outros encontros, como ainda conceituará sua
filosofia. Esse acordar não ficou só na oposição aos intoleráveis. Por exemplo, à beira-mar,
em Deauville, onde, por um tempo, os meninos ficaram sob os cuidados de uma dona de
pensão, foi-lhe “marcante” ver pessoas que olhavam o mar pela primeira vez, imersas na
experiência do “prodigioso”, do “esplêndido”, do “inimaginável”, do “sublime e grandioso”.
Admirou uma “jovem de Limousin” contemplando o mar durante horas. Tanto esse ver que
vê Visões quanto o ouvir que ouve Audições precisa dos outros. “Quando se é acordado
num certo momento, a gente é acordado por alguém”, diz ele ao recordar a bela voz com
que Pierre Halbwachs, então professor em Deauville, lia com entusiasmo aos alunos, e a ele
em particular, textos de Baudelaire, de Anatole France, de Gide… encontros que lhe abriram
o mundo da literatura e o impressionaram enormemente[3].

Descobre a filosofia nas aulas do professor Vial, em 1943, no Liceu Carnot, naquela Paris
invadida[4]. Ouviu que havia “coisas estranhas”, os conceitos, as ideias de Platão, e isto lhe
pareceu “muito vivo”, “animado”, algo que era “para mim”, diz. Desde então, nunca mais teve
problemas escolares: em letras e filosofia, “tornei-me muito bom aluno”. Entre 1944 e 1948,
cursou filosofia na Sorbonne. Admirava seus professores e ganhava novos amigos[5]. Nessa
Paris da Libertação, aos 22 anos, em 1947, sob a direção de Hippolyte e Canguilhem,
Deleuze obtém seu Diploma de Estudos Superiores sobre David Hume (1711-1776), estudo
que ganhará excepcional acolhida acadêmica[6]. Em 1948, passa pelo concurso que lhe dá o
direito de ensinar história da filosofia no secundário e na universidade. Neste momento,
Jean-Paul Sartre (1905-1980) traz a ele novos ares e novas maneiras de pensar[7]. Entre
1948 e 1957, lecionou no Liceu de Amiens (uma “cidade livre”), no de Orléans (uma “cidade
severa”) e no Louis-le-grand em Paris. Depois, e já casado com Fanny (Denise Paule)
Grandjouan em 1956[8], torna-se assistente na Sorbonne em história da filosofia entre 1957
e 1960, e pesquisador ligado ao Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) até 1964;
ensina na Faculdade de Lyon entre 1964 e 1969.
É admirável sua capacidade de trabalho nesses anos[9]. No intervalo dessas obras, em 1962,
teve seu primeiro encontro com Michel Foucault (1924-1984). Considerava-o o maior
pensador atual, o maior filósofo moderno, dedicando-lhe o livro Foucault (1986). Ambos
reformularam o modo de pensar a relação dos intelectuais com o poder. Unia-os forte
admiração mútua, raríssimo exemplo de fecunda ligação de diferenças intelectuais entre
pensadores vivos[10]. A partir de 1969 até sua aposentadoria em 1987, Deleuze sentiu-se
um professor feliz ao ministrar, na Universidade de Paris VIII-Vincennes, cursos que se
tornaram famosos, muitos dos quais correm pela Internet.

Seja nas obras já referidas, seja nos cursos, Deleuze já impunha sua maneira própria de
mover-se em estudos filosóficos e literários. Mas a prova disso é incontestável em Diferença
e repetição (1968), a obra que estabelece com exaustivo rigor a problemática de uma
filosofia da diferença, prova secundada de um modo disciplinado por Espinosa e o problema
da expressão (1968), e, de um modo livre, por Lógica do sentido (1969), além do
pequeno Espinosa (1970), ampliado em Espinosa – Filosofia prática (1981).

Antes dessa ampliação, e já com os devires colhidos nos encontros de Maio de 1968, temos
a veemente radicalização dessa filosofia em obras que contaram com a importantíssima
colaboração de Félix Guattari (1930-1992), e que ressoam nos mais variados campos
culturais: O Anti-Édipo (1972), Mil platôs (1980), dois grandes e distintos movimentos da
série Capitalismo e Esquizofrenia, além de O que é a filosofia? (1991).

Salientemos ainda o bloco de obras que dão testemunho dos encontros que Deleuze
intensificou entre filosofia e artes[11], assim como o das obras que coletam diálogos,
entrevistas e artigos escritos ao longo de uma vida filosófica e eticamente atenta ao seu
mundo[12].

Mas quando o corpo, doente, já não pode reiterar a vitalidade dos encontros, uma velha
tarefa grita sua urgência: a de conceber a própria morte e afirmar alguma potência num lance
final. O suicídio de Deleuze ocorre em Paris no dia 4 de novembro de 1995[13].

GATO TEO

***

II. A filosofia de Deleuze

A experiência dos encontros

No conjunto dos seus escritos, entrevistas e aulas, Deleuze consolidou conceitualmente uma
determinada filosofia da experiência: a experiência da complexidade dos encontros. Do
abstrato ponto de vista dos ismos, essa filosofia não se define como um “empirismo” vulgar e
nem como um “dogmatismo”, pois ela quer evitar tanto o “erro” empirista de “deixar exterior
o separado” quanto o erro dogmático de “sempre preencher o que separa”. O que ela quer
assinalar é “o ponto ‘crítico’ em que a diferença, como diferença, exerce a função de reunir”.
É no sentido de um diferencial capaz de reunir heterogêneos que ela se define como
“empirismo transcendental”[14]. Se acharmos que uma tal filosofia complica as coisas, ela
nos responderá que a complicação já está nos próprios encontros. Em nossos estados de
vivência comum, nesses estados de não-filosofia, sentimos que uma admiração, um espanto
ou um susto em face de algo é uma experiência complexa que nos lança para dimensões não
contidas nesse algo, mas que nele insistem.

Todo encontro ordinário está exposto a uma reviravolta instantânea que pode projetar tudo
para fora dos eixos. É como se a própria vida se sentisse abalada por esse vinco em que uma
experiência ordinária é dobrada junto a outra, a extraordinária. Pressentimos que a efetiva
complexidade da experiência dos encontros depende do que se passa nessa dobra, razão
pela qual manteremos nosso ânimo aberto à sua explicitação. Cada um sente e exprime a
seu modo essa ocorrência simultânea de linhas divergentes, a estranha dobradura na qual os
juntados experimentam seu próprio vínculo como sendo aquilo que os lança num tempo fora
dos eixos: o fantasma que aparece a Hamlet, revelando que sua mãe e seu tio assassinaram
seu pai, é um lance complicando sua situação, a sensação de um eu rachado e de um tempo
que não se reconcilia consigo mesmo. É o que diz a singular expressão de Shakespeare: “o
tempo está fora dos gonzos”[15]. Deleuze leva esta e outras “fórmulas poéticas” ao
encontro de subversões kantianas. Neste caso, a subversão consiste em pensar o tempo
como “forma autônoma”, forma “imutável da mudança e do movimento”, a forma pura da
determinação pela qual o eu penso determina o eu sou. Com isso, esse “eu” ganha a
rachadura que não se nota na fórmula cartesiana do cogito: “penso, logo existo”[16]. É a
complexidade da experiência pedindo passagem.

Por que esse flerte com uma subversão kantiana? Quando Deleuze cria ou apreende uma
ressonância como essa entre Hamlet e Kant, vemos que a complexidade da experiência dos
encontros insinua-se também na elaboração conceitual. É que essa ressonância “romântica”,
criada entre o filósofo e o personagem literário, passa por referências a combinações de um
novo conceito de tempo. Essas combinações ocorrem num plano que se erige à medida que
um filósofo é tomado pela criação dos seus conceitos. Portanto, pensar conceitualmente os
encontros exige dedicação aos próprios encontros conceituais. Sem essa dedicação não se
entra em filosofia alguma, dedicação que é também a do “empirismo”, pois ele “trata o
conceito como o objeto de um encontro, como um aqui-agora”[17]; e Zourabichvili acerta ao
dizer que “a exposição dos conceitos é a única garantia de um encontro com um
pensamento”[18].

Para Deleuze e Guattari, ao lado da arte e da ciência, o pensamento filosófico é uma das
“três grandes formas” ou “vias” de pensar. Sem hierarquia, elas são basicamente definidas
pela comum tarefa de “enfrentar o caos”. Mas cada uma erige seu próprio e distinto plano
de exercício do seu modo de pensar. Enquanto a arte pensa “por sensações”, traçando um
“plano de composição”, enquanto a ciência pensa “por funções”, traçando um “plano de
coordenadas”, a filosofia, ao enfrentar a caótica dos encontros, traça um “plano de
imanência” que se erige à medida que ela “pensa por conceitos”[19]. Portanto, o
aprendizado filosófico da complexidade da experiência nos expõe a uma dupla impregnação:
a da própria caótica dos encontros seja lá com o que for e a do vai-e-vem vertiginoso,
“voltiginoso”[20], que os conceitos exibem nos variados encontros mútuos a que são
levados por problemas a que têm de corresponder.

Esses problemas não são verborragias, como os tais eternos problemas da filosofia, que
seriam sanáveis por uma higienização da linguagem. São problemas que ganham sua objetiva
verdade numa pragmática dos encontros[21]. Com efeito, em O que é a filosofia?, os
conceitos ganham sentido por corresponderem dinamicamente a problemas que lhes
transferem uma força de autoposição, de modo que eles, irredutíveis à arbitrariedade
subjetiva ou ao simples engajamento discursivo do filósofo, implicam um modo de invenção
sensível ao caráter problemático dos encontros. Desde o primeiro livro de Deleuze, esse
caráter efetivamente problemático está numa relação de imanência com a
circunstancialidade dos encontros e já se insinua na ideia de que os encontros constitutivos
do próprio sujeito implicam relações exteriores aos termos relacionados[22]. Em outro
escrito, Deleuze deixa ver que a própria “voz” incide na “dinâmica” dos encontros
conceituais:

a filosofia é a arte de inventar os próprios conceitos, de criar novos conceitos dos


quais temos necessidade para pensar nosso mundo e nossa vida. Deste ponto de
vista, os conceitos têm velocidades e lentidões, movimentos, dinâmicas que se
estendem ou se contraem através do texto: eles não remetem a personagens, mas
são eles próprios personagens, personagens rítmicos. Eles se completam ou se
separam, confrontam-se, estreitam-se como lutadores ou como apaixonados.[23]
 

Sentir e pensar nos encontros

Isso nos leva a perguntar por conceitos deleuzeanos que nos ajudem a pensar o que se
passa na dobra de complicação dos encontros, a pensar aquilo que nos liga à experiência dos
encontros, às circunstâncias de suas ocorrências, ao que nos abre ao seu jogo de forças, ao
que nos absorve em suas tensões etc. Lembremo-nos de uma das frases ditas por Deleuze
ao recordar sua infância: quando se é acordado num certo momento, a gente é acordado por
alguém. A cada instante, um problemático alvoroço de encontros vai golpeando o meio da
nossa imersão vital. O encontro com alguém ou algo de fora propicia e até mesmo impõe,
por vezes muito violentamente, a experiência de variações não simplesmente
autodeterminadas. O encontro não é só importante para acordar a gente, para nos fazer
sentir nossa situação de outro modo, pois ele também ocorre na experiência de outros
verbos do viver, como imaginar, memorar, falar… e também pensar, caso este que nos
interessa particularmente, pois o próprio encontro com o pensamento de um filósofo acaba
nos dando o que pensar, acaba nos forçando a pensar a própria diferença que o atrai e que
nos contamina.

Dentre as linhas que nos ligam à experiência dos encontros, duas delas gozam de um
privilégio que se reitera há séculos. Trata-se de sentir e pensar. Quando Deleuze retoma
conceitualmente os encontros, notamos que ele elabora uma singular relação entre sentir e
pensar. O que o atrai nessa nova elaboração? O que o atrai é aquilo que determina seu
destino, sua fortuna, seu fado, sua sorte na história da filosofia: a problemática da diferença
embutida nos encontros. A relação entre sentir e pensar foi reelaborada graças a essa nova
problemática, justamente porque se tornou possível notar o
quanto, nos encontros, algo impunha a cada uma dessas linhas uma fissura até então
insuficientemente tematizada. A mera pluralidade dos sentidos não diz o drama que se passa
quando, ao romper a própria tecedura do sentir, uma fissura propaga-se como raio e vem
fissurar o pensar, o imaginar etc. Isto impõe a Deleuze a tarefa de corresponder
conceitualmente a essa dramaturgia. A fórmula resumidora disso é esta: “eis-nos forçados a
sentir e a pensar a diferença”[24]. Então, a pergunta pelo que se passa na dobra de
complicação dos encontros deve agora se aproximar de outra pergunta: aquela interessada
no modo pelo qual certa ideia de diferença atua nessa dramaturgia em que sentir e pensar
são ditos afetados por uma fissura que, duplicando-os, impõe uma revisão de suas relações.
Com efeito, Deleuze contraria toda uma tradição que, segundo ele, erigiu uma imagem dita
“dogmática” do que significa pensar. Como “forma da representação”, essa imagem simplifica
o problema: algo impressiona nossos sentidos, nossa percepção o apreende, e nosso pensar
o representa a partir do esforço voluntário, do “exercício natural de uma faculdade”; essa
faculdade de pensar estaria por si mesma, desde o seu íntimo, dotada de uma “afinidade
com o verdadeiro”, de modo que o pensador, enquanto tal, se caracterizaria por uma “boa
vontade”, assim como seu pensamento se caracterizaria por uma “natureza reta”, atribuindo-
se os erros e desacertos a paixões, a uma falta de métodos etc.[25] Trata-se de subverter
essa forma, essa imagem representativa ou recognitiva que escamoteia o que efetivamente
se passa quando sou levado a sentir, a pensar etc. E como Deleuze faz isso? Ele o faz,
chamando a atenção para a própria experiência de encontros que, disparando a
sensibilidade, disparam o pensar. Em aliança com Proust, ele dizia que “o pensamento nada é
sem algo que force a pensar, que faça violência ao pensamento”[26].

Isto não quer dizer que, no encontro, não haja consciência do algo encontrado: pode ser
fulano, que reconheço pelo semblante ou pela voz, pode ser determinada favela, que
reconheço por ter vivido em seu labirinto etc. Do mesmo modo, no encontro, aquele que
percebe esse algo tem consciência de o estar apreendendo com alegria ou dor. Porém, se o
encontro ficasse apenas nisso, nesse nível da consciência de algo e na consciência dos
sentimentos pessoais, então não se poderia, rigorosamente, chamá-lo de fundamental, do
ponto de vista da problemática que nos ocupa. Digamos que um encontro desse tipo, isto é,
nesse nível, é não só inevitável como necessário, útil etc. do ponto de vista da sobrevivência,
dos passeios, da vida em geral. Ele está presente em qualquer circunstância e funciona na
comum apreensão das situações. São encontros extensivos.

Sentir e pensar de outro modo

Como o plano de organização dos encontros extensivos não esgota a problemática dos
encontros, precisamos retomar a pergunta: concretamente, que ocorre nos encontros que
Deleuze considera fundamentais, encontros que põem em jogo uma outra experiência de
exercício das faculdades de sentir, de memorar, de imaginar, de pensar etc? Num encontro
dito fundamental, o que se passa é um processo complexo: suponhamos que eu, neste aqui e
agora, neste atual presente em que vivo, esteja saboreando a qualidade sensível deste
gostoso e leve bolinho chamado madalena, como aquela de Proust, por exemplo; e
suponhamos que, como Proust, esse encontro gustativo com a madalena desencadeie em
mim uma alegria tão singularmente intensa que não posso atribuí-la apenas a isto que me
foi dado neste encontro, a esta qualidade sensível do bolinho na minha boca; assim como
não posso explicá-la recorrendo a lembranças do vivido por mim no passado. Por que?
Porque essa intensa alegria, que só pode ser sentida, abre-me a estados aos quais sou
involuntariamente lançado; impõe-me atmosferas que transbordam situações vividas; abre-
me a virtualidades que insistem naquilo que me foi dado no encontro, mas que não
aparecem no próprio dado.

Ora, um encontro desse tipo não é um encontro qualquer. Vejamos. É certo que também
aqui, como nos encontros extensivos, temos consciência dos partícipes: ficamos alegres ou
levamos um susto quando encontramos “Sócrates, o templo ou o demônio”; e temos
consciência de estarmos apreendendo a presença dessas companhias “sob tonalidades
afetivas diversas, admiração, amor, ódio, dor”. Ou seja: mesmo um encontro fundamental
comporta as séries das diferenças extensivas que, num encontro marcadamente extensivo,
são aparentemente as únicas; vale dizer: nunca estamos totalmente livres do “senso
comum”, de modo que nos reconhecemos contentes ao saborear a madalena, que ela é um
“sensível na recognição”, isto é, que conta com o acordo pelo qual os sentidos (visão, paladar
etc), em seu exercício empírico, reportam-se a um “objeto” (a madalena) “que pode ser
lembrado, imaginado, concebido”. De repente, porém, a intensidade da alegria fissura a linha
do sentir, escapa das ligações recognitivas comandadas pelo senso comum, com o que a
linha do pensar é também fissurada, pondo em nocaute o voluntarismo e a boa vontade do
pensador. E até uma lágrima pode saltar, forçando-nos a perguntar pelo que se passa nesse
estranho instante que lanceta passado e futuro simultaneamente.

Paradoxo: a filosofia é um modo de pensar por conceitos, mas o pensamento não seria
suficiente, por si, para chegar à necessidade do que é pensado ou à própria necessidade de
pensar. O que é preciso ocorrer para que haja essa dupla necessidade? Eis como Deleuze
encaminha a resposta numa frase que escancara sua filosofia à intromissão do fora, isto é, ao
acaso do encontro: “não contemos com o pensamento para assentar a necessidade relativa
do que ele pensa; contemos, ao contrário, com a contingência de um encontro com aquilo
que força a pensar, a fim de realçar e erigir a necessidade absoluta de um ato de pensar, de
uma paixão de pensar”. É o cuidado com essa abertura aos encontros que justifica o
combate pela “destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si próprio” e que
se julga capaz de fixar um fundamento das coisas. E uma outra afirmação acrescenta mais
um ponto nesse combate: “há no mundo alguma coisa que força a pensar. Este algo é o
objeto de um encontro fundamental e não de uma recognição”.

EL ANATSUI

Primeiro, não sabemos ainda como opera esse algo. Por isso, não antecipamos o seu nome.
Mas, pela frase, desconfiamos que essa alguma coisa não se esgota como objeto para o
pensamento de um sujeito pronto e recognitivo, já que é posta como objeto de umencontro
fundamental. Por que fundamental? Porque, em primeiro lugar, esse estranho objeto cintila na
fissura da linha sentir. Essa fissura é tal que o vetor determinante nessa linha deixa de ser
aquele dominado pelo senso comum, ou seja, não é mais aquele do seu exercício empírico
(exercício ordinário, embora importante), aquele pelo qual a qualidade sensível do dado é
recebida pelo sentido (a simples doçura da madalena presente ao paladar); o vetor agora
determinante é o da “sensibilidade” elevada à “enésima potência”, sensibilidade que nasce
momentaneamente na linha do sentir, que nasce por força do que provocou a fissura e
daquilo que nela cintila, cintilação que insiste no dado, embora não apareça como o dado (a
intensidade da alegria, no exemplo da madalena de Proust). É a esse estranho objeto de um
encontro fundamental que Deleuze dá o nome de “signo”[27].

A intensificação nos encontros

Por que dissemos que esse objeto, o signo, é estranho? Por uma razão aparentemente
simples, mas que mostra a preocupação nietzscheana de Deleuze de colocar seus conceitos
a serviço do caso: então, se algo não suscitar alguma estranheza na própria experiência de
encontrá-lo, já não posso conceituá-lo como signo. Com efeito, se eu consigo submeter esse
algo a uma identificação na situação do encontro, se posso tomá-lo como semelhante a seja lá
o que for, se consigo confrontá-lo com outra coisa que penso ser-lhe oposta ou se me é
dado encontrar uma analogia entre ele e outro fenômeno, então esse algo já estará de
antemão enredado por macro-operações que o submetem ao meu senso comum, ao meu
poder (ilusório ou não) de representá-lo. Eu o submeto à imagem representativa do
pensamento, ao grande jogo dessa “quádrupla sujeição”, como diz Deleuze, “em que só pode
ser pensado como diferente o que é idêntico, semelhante, análogo e oposto”, esses quatro
guardiões da representação[28]. Mas quando a estranheza de algo me pega, sinto sem
esoterismos a fragilidade desse poder de sujeitar e de fazer de cada coisa um diverso no
meio de outros, ou de tomá-la como parte de um funcionamento extensivo qualquer etc.
Então, ela me pega como signo, provocando variações em meu poder de ser afetado,
forçando-me a sentir, a memorar, a imaginar… a pensar de outro modo, quer dizer, sem o
apoio dos dispositivos de simplificação dos meus encontros, dispositivos de fixação de
identidades, de semelhanças, de oposições e de analogias.

Na reconstrução conceitual deleuziana, o próprio encontro é pensado como relação


complexa, uma relação que comporta linhas heterogêneas. Conforme o que se passa nessas
linhas, o próprio encontro varia: é marcado como extensivo, quando as diferenças empíricas
são dadas a afecções e percepções que o pensamento representa por meio de categorias
sobrepostas; mas ele pode ser marcado como encontro intensivo, quando “fluxos de
intensidades” passam pelas linhas. Experimentados como

vibrações de “corpos sem órgãos”[29], esses fluxos abrem afectos e perceptos, isto é, outros
modos de sentir e perceber, e disparam no próprio pensar um “pensamento por demais
intenso”[30], lançado num “trabalho rizomático” em meio a “percepção de coisas, de
desejos”, em meio a “percepções moleculares”, ‘”micro-fenômenos’”, ‘”micro-operações’”…
um “mundo de velocidades e de lentidões sem forma, sem sujeito, sem rosto”, mobilizado
pelo “ziguezague de uma linha” ou pela “’correia do chicote de um carroceiro em fúria’”[31].

É de um ponto de vista ético, como veremos, que os autores valorizam extremamente os


encontros intensivos. Mas é também do ponto de vista do exercício do pensamento. Com
efeito, ao mesmo tempo em que afirmam que o “essencial” está nas “forças, nas densidades
e nas intensidades”, e não “nas formas e nas matérias”, é preciso entender o seguinte: a
seleção valorativa do intensivo ressoa com uma tendência filosófica “moderna”, esta “idade
do cósmico”, dizem. Pois bem, em Deleuze e Guattari, essa tendência quer exigir mais do
próprio ato de pensar. Por que? Porque se trata de “elaborar material de pensamento” para
captar “forças não pensáveis em si mesmas”. O “problema” filosófico dessa tendência não é
o de um “começo” e muito menos o de uma “fundação-fundamento”. Trata-se, isto sim, de
um “problema de consistência ou de consolidação: como consolidar o material, torná-lo
consistente, para que ele possa captar”, no plano de imanência que ele erige à medida que
traça seus conceitos, “essas forças não sonoras, não visíveis, não pensáveis?” Neste ponto,
esta filosofia retoma seus encontros dionisíacos com as artes. Dionisíacos, porque não se
trata simplesmente de uma comunicação extensiva entre ideias ou conceitos dominadores e
fragmentos de arte postos a serviço de teses filosóficas. Trata-se de uma comunicação por
encontros intensivos[32].

A disparação intensiva nos encontros

Empregamos a palavra intensidade, pressupondo que ela exprima um conceito, mas não
temos ainda uma ideia dele. Sabemos que ele opera na determinação do signo como aquilo
que, intensificando o sentir, nos força a pensar. E já devemos destacar um detalhe. Dizer que
ele nos força a pensar já é dizê-lo portador de uma “relação da força com a força”. Essa
relação, ou cruzamento de forças, implica “o elemento diferencial da força” (força dominante
/ força dominada) que Deleuze, em seus encontros com Nietzsche, liga à ideia de “vontade
potência”[33]. Afirmar que esse elemento diferencial é a nietzscheana vontade
de potência quer dizer o seguinte: é como elemento diferencial que essa vontade está “em
seu mais elevado grau”, em “sua forma intensa ou intensiva”[34]. Neste momento,
salientemos que é como “princípio ‘intensivo’”, como “princípio de intensidade pura”, que a
ideia de vontade de potência se desprende do “gosto” nietzscheano pela energética, do
interesse pela física das “quantidades intensivas”, e opera na ideia de um diferenciador da
diferença e de um critério de seleção dos encontros, seleção duplamente orientada: tanto na
direção de uma ética, como veremos, quanto em prol de um pensar mais exigente, pois que
coligado ao esforço por “desprender a forma superior de tudo o que é”, ou seja, “a forma de
intensidade”[35].

No caso do signo, sua forma superior (a que não se reduz às qualidades sensíveis de uma de
suas faces) é justamente aquela pela qual a intensificação do sentir força o ato de pensar.
Por que isso ocorre? Por que se desprende essa forma intensiva superior? Nessa filosofia,
não podemos buscar a causa dessa superioridade num transcendente externo ou interno ao
sujeito pensante. Então, temos de buscar na própria imanência dos encontros a operação
pela qual as diferenças disparam por intensificação. Nessa imanência dos encontros,
qualquer coisa pode ser signo, desde que seja portadora de um sistema de diferenças ou de
diferenciações complexas em que haja uma disparação intensiva. Algo é signo quando
ocorre por disparação num “sistema dotado de dissimetria”, num sistema em que há
“disparatadas ordens de grandeza”. Deleuze diz ainda que o signo (ou o fenômeno) “fulgura
no intervalo” dos “disparates”, pondo aí a vibrar uma estranha “comunicação”. Propriamente
falando, o “signo é um efeito” de séries divergentes, efeito composto de “dois aspectos: um
pelo qual, enquanto signo” (propriamente dito) “ele exprime a dissimetria produtora; o
outro” (seu aspecto de dado atual) “pelo qual ele tende a anular” a própria dissimetria
produtora[36]. É sob este último aspecto que ele ainda deixa um flanco aberto a macro-
apropriações redutoras do seu impacto, como quando se diz que aquela intensa alegria
proustiana, no exemplo já referido, remetia tão-só a encontros extensivos ocorridos no
passado vivido. Nos encontros extensivos, o vivido quer dizer apenas “qualidades sensíveis”.
Mas, quando disparado, o vivido quer dizer “o ‘intensivo’” numa processualidade em que
primam devires, “passagens de intensidade”[37]. Por implicar intensificações e passagens de
intensidade em fluxos e cortes de fluxos (“já que cada intensidade está necessariamente em
relação com uma outra, de tal modo que alguma coisa passe”), o “estado vivido” não é
necessariamente “subjetivo” e nem “individual”, mas pleno desse “movimento”, ou “jogo”,
que é o das “intensidades, das quantidades intensivas”, como outros também “viram”[38].

ROSALIE GASCOIGNE

A proliferação intensiva     

Depois dessa breve passagem por alguns pontos da teoria deleuzeana do signo, tendo
grifado o jogo dos encontros, reteremos o seguinte: em cada caso pensado, Deleuze
encontra a necessidade e os meios de sua criação filosófica na disparação de encontros
intensivos. O paradoxal centro nervoso dessa disparação é uma síntese de linhas
heterogêneas, é uma síntese disjuntiva. Paradoxal, porque, em cada caso, a articulação
disparadora é ameaçada por bordas grudadas à própria síntese: de um lado, são bordas que
entulham os encontros extensivos com um excesso de opiniões e de comunicativismo
irrisório; de outro, são bordas que trazem para muito perto a caótica das intensidades, que,
todavia, não podem ser simplesmente suprimidas, sob pena de não se estar à altura da
problemática da diferença. Por isso, para Deleuze, “falar da criação” é estar “traçando seu
caminho entre duas impossibilidades”[39]. Por um lado, não é possível levar a crítica da
representação a ponto de simplesmente suprimir o extensivo. Por outro lado, se o acaso é o
mais necessário, então, nos encontros, as articulações criativas precisam das intensidades,
mesmo com a ameaça de sua caótica: “dir-se-ia que a luta contra o caos” é inseparável de
certa “afinidade” com este “inimigo”, pois ficar na mesmice já é perder a luta[40].

SAUL LEITER

Que nome dar ao estranho ato que dispara todas as articulações cuidadas por essa filosofia
em seus encontros? É o mesmo do qual os signos são efeitos. É também ele que
encontramos na construção de todos os conceitos deleuzeanos. E nada existiria ou
apareceria sem o paradoxal contágio mútuo dos heterogêneos, sem essa relação dita síntese
disjuntiva, sem esse impalpável díspar, portanto. Desde o bom encontro teórico de Deleuze
com a renovação do problema da individuação por Gilbert Simondon, díspar aparece, mas
“sem a condição de um mínimo de semelhança entre as séries”; aparece como “’precursor
sombrio’”, estabelecendo “comunicação” intensiva entre “séries disparates”, desencadeando
“acoplamentos, ressonâncias internas”, “movimentos forçados”, assim como a “constituição
de eus passivos e de sujeitos larvares no sistema, e a formação de puros dinamismos
espacio-temporais” etc.[41]. Díspares também operam como “elementos últimos do
inconsciente”[42]. Díspar aparece como “elemento paradoxal que percorre as séries”
divergentes, fazendo-as “ressoar, comunicar e ramificar”, e ainda comandando “a todas as
retomadas e transformações, a todas as redistribuições”; isto faz com que Deleuze o pense,
nesse momento, como o “lugar de uma questão” numa conexão especial com a ideia de
problema: “o problema é determinado pelos pontos singulares que correspondem às séries,
mas a questão [é determinada] “por um ponto aleatório que corresponde à casa vazia, ao
elemento móvel”, sendo que o complexo questão-problema (que está no paradigma do
par virtual-atual) caracteriza o “modo do acontecimento” como “problemático”[43].

Pensar díspar como lugar de uma questão é uma fórmula retomada de outro modo em Mil
platôs. Trata-se de uma incidência decisiva no sistema conceitual deleuzeano, pois não
acentua o díspar apenas em função de ressonâncias. No platô denominado “Tratado de
nomadologia: a máquina de guerra”, Deleuze distingue as ciências “teoremáticas” (geometria
euclidiana, por exemplo, voltada para as “constantes”) das ciências “problemáticas” ou
“nômades” (como a geometria arquimediana). Díspar opera fortemente nessa distinção[44].
O que aí notamos é um desdobramento de díspar como operador de liberações, como
disparação de estados intensivos, estados que aguçam no aprendiz o estar à espreita da
disparada de linhas de fuga. Esse desdobramento era como que previsível desde o emprego
de uma “tautologia” que definia díspar como “diferença de intensidade”. Tautologia, porque
“toda intensidade é diferencial, é diferença em si mesma”. Há um diferenciar “infinitamente
desdobrado” em mudanças de fases ou estados que, citando Rosny, Deleuze anota como
sequência de proliferações quebradiças: “toda intensidade é E-E’, em que o próprio E remete
a e-e’, e e’ remete a e-e’ “[45].

Como paciente dos encontros intensivos, como sujeito larvar do seu próprio sistema,


mantendo-se à espreita dos díspares, é que o pensador pode vir a pensar e a criar nos seus
conceitos as variações que correspondam aos problemáticos dinamismos espacio-temporais
não submetidos a uma forma prévia. Pode-se dizer que essa intensificação do pensar implica
uma “involução” a sínteses passivas. Implicaria uma “regressão” que não remontasse “a um
princípio”[46]. É que “a ‘regressão’ é mal compreendida enquanto não se vê nela a ativação
de um sujeito larvar, único paciente capaz de sustentar as exigências de um dinamismo
sistemático”[47]. Implicando disparações, esse duplo movimento corresponde a um
problema que circula pelo sistema deleuzeano, problema fecundado justamente pela
complexidade dos encontros, mas que também percute na própria elaboração dos
conceitos[48].

Um problema desse tipo cria uma boa relação entre o filósofo Deleuze e o animal não
edipianizado. Por exemplo, a ideia de marcar um “território”, este “domínio do ter”, situação
que nos diz respeito, mas que já concernia os animais. Marcar um território não se reduz a
funcionalidades. É que, por meio de “posturas, cantos, cores”, são atingidas linhas de uma
“arte em estado puro”. Além disso, um “território só vale em relação a um movimento
através do qual se sai dele”. Ou seja, não há território sem “desterritorialização”, isto é, “sem
um vetor de saída do território; e não há saída do território, ou seja, desterritorialização,
sem, ao mesmo tempo, um esforço para se reterritorializar em outra parte”. E os animais
participam disso, porque “emitem signos” e “reagem a signos”, e “produzem signos”. E tanto
quanto o “escritor” e o “filósofo”, o animal “é o ser à espreita, um ser, fundamentalmente, à
espreita”[49].

Como percorrer os encontros conceituais deleuzeanos?

Esta pergunta não é meramente didática e só dirigida aos que nunca leram algum escrito
desse filósofo. Ela sempre retorna a cada texto lido por um iniciante ou relido por um
experimentado pesquisador. Não apresentamos um guia turístico que dê a ela uma resposta.
Apontamos aquilo que pulsa em qualquer detalhe dessa filosofia da experiência da
complexidade dos encontros: a pulsação díspar como operação amortecida ou proliferada
nos encontros e implicada na criação dos próprios conceitos deleuzeanos. Como elemento
sem identidade, a pulsação díspar dispara também em nós, aprendizes, a sensação de que o
sistema deleuzeano é um labirinto. E a pergunta retorna: não encontraríamos por aí uma
espécie de fio de Ariadne, como aquele que guiou Teseu na labiríntica aventura em que
venceu o monstro?

Em filosofia, digamos que o monstro é o pensamento do filósofo… monstro, sim, por razões
que ele recria a seu modo, que não nos confirmam em nossas opiniões, nem mesmo
naquelas baseadas em outros filósofos. A monstruosidade aparece na forma de velozes e
intempestivos encontros de noções, ideias afiadas num afã de se distinguirem umas das
outras, mas que se dedicam, ao mesmo tempo, a se ajudarem mutuamente em estranhas
concatenações. Só quando a leitura se sente afirmativamente afetada por uma força nascida
do seu encontro com o texto, é que o estudioso percebe que não precisa matar o monstro,
mas impregnar-se dele, aliar-se com suas travessuras e, com isso, vencer em si mesmo seu
inevitável estado de lentidão. Isto quer dizer que o fio de Ariadne não nos espera à porta do
labirinto deleuzeano. Por que?

Referindo-se à literatura, Deleuze conecta a “obra de arte moderna”, essas “obras


problemáticas”, ao “abandono da representação”, passando a ser decisiva uma importante
questão presente em sua filosofia: a da construção de um sistema de diferenças irredutíveis
a um centro ou a uma convergência. Neste momento, ele se alia a Umberto Eco em torno do
“problema da Obra Aberta”[50]. Ele se alia para dizer que “a obra de arte ‘clássica’ é vista
sob várias perspectivas e está sujeita a várias interpretações, mas que a cada ponto de vista
ou interpretação não corresponde ainda uma obra autônoma, compreendida no caos de uma
grande-obra. A característica da obra de arte ‘moderna’ aparece como a ausência de centro
ou de convergência”[51]. Achamos que também a filosofia deleuzeana está em ressonância
com a modernidade de obras de arte assim caracterizadas, pois ela própria implica um
princípio de proliferação intensiva de leituras, proliferação que acaba corroendo centros e
convergências em prol de uma coexistência intensiva que nos ziguezagueia[52].

Mas que tem isso a ver com o termo ‘labirinto’? Pois bem, é a um dos operadores dessa
proliferação que Umberto Eco se refere ao escrever o Pós-Escrito ao seu romance O Nome
da Rosa. Ele determina três tipos: o “labirinto clássico”, de Teseu, mas que é também o de
Sherlock Holmes, percorrido com o auxílio do “fio de Ariadne”, comportando “entrada para o
centro” e caminho do “centro para a saída”; há o “labirinto maneirista”, estruturado como
“árvore”, em “forma de raízes com muitos becos sem saída”, comportando “uma só saída” e
também carecendo do socorro de um fio condutor. Por fim, diz ele, há “aquilo que Deleuze e
Guattari chamam de rizoma”. Neste labirinto “cada caminho pode ligar-se com qualquer
outro”, não havendo “centro”, “periferia” ou “saída”, por ser ele “potencialmente infinito”.
[Diríamos que a pulsação díspar dispara nele uma ilimitação]. Eco rizomatiza o “mundo em
que Guilherme” (uma das personagens) “pensa viver”, mundo “estruturado em forma de
rizoma: ou melhor, estruturável, mas nunca definitivamente estruturado”[53].

Sem a lógica de Sherlock Holmes, Guilherme, que investiga assassinatos num mosteiro
medieval, é abertura acolhedora de uma série de escolhas possíveis, a tal ponto que sua
busca se complica numa prática rizomática só resolvida ao acaso dos encontros. É que “o
rizoma”, tal como a conjunção “e”, não é precisamente uma coisa, mas um “inter-ser”, uma
mobilidade entre-coisas que “conecta um ponto qualquer com qualquer outro ponto, e cada
um dos seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza”, podendo por
“em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não-signos”. Ao contrário
da “árvore”, o rizoma é irredutível ao Uno e ao múltiplo; ele “não é feito de unidades, mas de
dimensões, ou antes, de direções movediças”. Rizomatizar implica disparações e a tarefa de
“mapear” multiplicidades substantivas. Então, para que o rizoma seja “modelo” dinâmico
destas, é também preciso que rizomatizar comporte operações de disparação que levem o
mapeamento a se aliar àqueles componentes que, presentes nas multiplicidades, possam
romper os processos que concorrem para o bloqueio delas, processos que são também
produzidos nelas mesmas. Por comportar esse tipo de operação, é que os autores podem
dizer que o rizoma “não tem começo nem fim, mas sempre um meio, pelo qual ele cresce e
transborda”[54]. Aí está o produtivo e paradoxal funcionamento teórico-prático do rizoma: o
modelo que mapeia dobra-se em operações que mudam a natureza do mapeado.

E se o desejo, como querem Deleuze e Guattari, é a potência desse meio, é porque ele
próprio se define, não pela falta de algo, mas como “princípio imanente” de uma
produtividade complexa. Essa produtividade, tão natural quanto artificial, é a de um produzir
que se reitera diferentemente, uma surpreendente maquinação do fora, um “produzir
sempre o produzir”, que vem a ser, justamente, a “regra” imanente das “máquinas
desejantes”[55]. O ponto de vista que procuramos para vislumbrar essa filosofia, o
ponto díspar, não pode ser indiferente ao modo como essa regra opera na própria escrita
deleuze-guattariana, regra que não deixa de invadir também a proliferação de textos
envolvidos com essa filosofia.

Ética nos encontros


A filosofia deleuzeana propende a uma proliferação intensiva de bons encontros. Ele quer
isso, acreditando que “não há obra que não indique uma saída para a vida, que não trace um
caminho entre as pedras”[56]. Deleuze entende o que seja um bom encontro a partir dos
seus bons encontros com Nietzsche e Espinosa.

Com efeito, a nietzscheana vontade de potência é díspar, é elemento diferencial numa


relação de forças quando está em seu mais elevado grau, em sua “forma intensa ou
intensiva”. Nesse estado intensivo, que a distingue de uma vontade de poder, ela força o
pensar a “desprender a forma superior de tudo o que é”, ou seja a “forma de intensidade”.
Porém, ela também atua como critério de seleção dos encontros ao promover uma postura
ética: esta “não consiste em cobiçar e nem mesmo em tomar, mas em dar e em criar”; é para
ela que Zaratustra encontra o “verdadeiro nome”: em sua forma intensa, a vontade de
potência “é a virtude que dá”[57]. Espera-se que pulse nessa virtude o que sugere o
imperativo ético nietzscheano: “elevar o que se quer à última potência, à enésima potência”.
O problema ético se repõe no movimento das intensidades, impondo-se um cuidado com o
“jogo das intensidades baixas e intensidades elevadas”, “a maneira pela qual uma intensidade
baixa pode minar a mais elevada e mesmo ser tão elevada quanto a mais elevada, e
inversamente”[58].

Da Ética de Espinosa, este caso de amor extremado, Deleuze recolhe uma etologia. Isto quer
dizer, grosso modo, que a distinção dos bons e dos maus encontros, dispensando as
prescrições transcendentes da moral, passa a depender do que se passa em duas ordens de
dimensões: aquela em que os entes vivem a experiência da maneira como suas respectivas
relações constitutivas se compõem ou não em seus movimentos e repousos e em suas
velocidades e lentidões (longitude); e aquela em que, nas suas mútuas relações, vivem a
experiência do aumento ou diminuição da sua “força de existir” e do seu “poder de ser
afetado” (latitude), a experiência do que se passa, portanto, em seus “estados intensivos”,
experiências que os lançam em paixões alegres ou tristes[59], estes signos que a vida vai
colhendo em seus encontros.

***

III. Dez Conceitos

Em ordem alfabética, apresentamos a seleção de alguns poucos conceitos deleuzeanos,


apropriando-nos de seus empregos em textos do próprio Deleuze[60].

Atual e virtual: “Toda multiplicidade implica elementos atuais e elementos virtuais. Não há
objeto puramente atual. Todo atual se envolve de uma névoa de imagens virtuais”. “A
relação do atual e do virtual constitui sempre um circuito, mas de duas maneiras: ora o atual
remete a virtuais como a outras coisas em vastos circuitos, onde o virtual se atualiza, ora o
atual remete ao virtual como a seu próprio virtual, nos menores circuitos onde o virtual
cristaliza com o atual. O plano de imanência contém, a um só tempo, a atualização como
relação do virtual com outros termos, e mesmo o atual como termo com o qual o virtual se
permuta. Em todos os casos, a relação do atual e do virtual não é a que se pode estabelecer
entre dois atuais. Os atuais implicam indivíduos já constituídos, e determinações por pontos
ordinários, enquanto a relação do atual e do virtual forma uma individuação em ato ou uma
singularização por pontos notáveis a serem determinados em cada caso”[61].
Complicação: “Mundo de diferenças implicadas umas nas outras”. “Mundo complicado, sem
identidade, propriamente caótico”. “A caos-errância opõe-se à coerência da representação;
ela exclui a coerência de um sujeito que se representa, bem como de um objeto
representado”. “O mundo intenso das diferenças, no qual as qualidades encontram sua razão
e o sensível encontra seu ser, é precisamente o objeto de um empirismo superior”. “É
preciso mostrar a diferença diferindo”. “Este caos é o mais positivo” e “a divergência é objeto
de afirmação”. “A trindade complicação-explicação-implicação dá conta do conjunto do
sistema, isto é, do caos que mantém tudo, das séries divergentes que dele saem e nele
entram e do diferenciador”, o díspar “que as relaciona umas às outras”[62].

Corpo: “Um corpo não se define pela forma que o determina, nem como substância ou
sujeito determinados, nem pelos órgãos que ele possui ou pelas funções que exerce. No
plano de consistência, um corpo se define somente por uma longitude e uma latitude: pelo
conjunto dos elementos materiais que lhe pertencem sob tais relações de movimento e de
repouso, de velocidade e de lentidão (longitude); pelo conjunto dos afectos intensivos de
que ele é capaz sob tal poder ou grau de potência (latitude). Somente afectos e movimentos
locais, velocidades diferenciais. Coube a Espinosa ter destacado essas duas dimensões do
Corpo e de ter definido o plano de Natureza como longitude e latitude puras. Latitude e
longitude são os dois elementos de uma cartografia”[63].

Corpo sem órgãos: “O corpo sem órgãos opõe-se menos aos órgãos do que a essa
organização de órgãos chamada organismo. É um corpo intenso, intensivo. É percorrido por
uma onda que traça no corpo níveis ou limiares segundo as variações de sua amplitude.
Portanto, o corpo não tem órgãos, mas limiares ou níveis”. “Não é o testemunho de um nada
original, nem o resto de uma totalidade perdida”. “Não é uma projeção: nada tem a ver com
o corpo próprio ou com uma imagem do corpo. É o corpo sem imagem”. “Ele é
perpetuamente re-injetado na produção” “É o campo de imanência do desejo, o plano de
consistência própria do desejo”. “O corpo sem órgãos é desejo, é ele e por ele que se
deseja”[64].

Devir: “Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla
captura, de evolução não paralela, de núpcias entre dois reinos”. “A vespa e a orquídea são o
exemplo. A orquídea parece formar uma imagem de vespa, mas, de fato, há um devir-vespa
da orquídea, um devir-orquídea da vespa, uma dupla captura, pois ‘aquilo que’ cada um
devém não muda menos do que ‘aquele que’ devém. A vespa devém parte do aparelho de
reprodução da orquídea, ao mesmo tempo em que a orquídea devém órgão sexual para a
vespa. Um único e mesmo devir, um único bloco de devir”[65].

Hecceidade: “Há um modo de individuação muito diferente daquele de uma pessoa, um


sujeito, uma coisa ou uma substância. Nós lhe reservamos o nome de hecceidade. Acontece
de se escrever ‘ecceidade’, derivando a palavra de ecce, eis aqui.um erro, pois Duns Scot cria
a palavra e o conceito a partir de Haec, ‘esta coisa’. Mas é um erro fecundo, porque sugere
um modo de individuação que não se confunde precisamente com o de uma coisa ou de um
sujeito. Uma estação, um inverno, um verão, uma hora, uma data tem uma individualidade
perfeita, à qual nada falta, embora ela não se confunda com a individualidade de uma coisa
ou de um sujeito. São hecceidades, no sentido de que tudo aí é relação de movimento e de
repouso entre moléculas ou partículas, poder de afetar e de ser afetado. Quando a
demonologia expõe a arte diabólica dos movimentos locais e dos transportes de afectos, ela
marca simultaneamente a importância das chuvas, granizos, ventos, favoráveis a esses
transportes”[66].

Linha de fuga: “Uma fuga é uma espécie de delírio. Delirar é exatamente sair do traçado”.
“Há algo de demoníaco numa linha de fuga”. “É próprio dos demônios saltar os intervalos, e
de um intervalo a outro”. “A linha de fuga é uma desterritorialização”. “Fugir não é de modo
algum renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do imaginário. É
igualmente fazer fugir, não forçosamente os outros, mas fazer fugir algo, fazer fugir um
sistema como se rompe um tubo”. “Não há somente estranhas viagens na cidade, mas
viagens no mesmo lugar; não estamos pensando nos drogados, cuja experiência é por
demais ambígua, mas antes nos verdadeiros nômades”. “Viagem no mesmo lugar, este é o
nome de todas as intensidades, mesmo que elas se desenvolvam também em extensão”[67].

Multiplicidade: “As multiplicidades são a própria realidade, e não supõem unidade alguma,
não entram em totalidade alguma e tampouco remetem a um sujeito. As subjetivações, as
totalizações, as unificações são, ao contrário, processos que se produzem e aparecem nas
multiplicidades. Os princípios característicos das multiplicidades concernem a seus
elementos, que são singularidades; a suas relações, que são devires; a seus acontecimentos,
que são hecceidades (quer dizer, individuações sem sujeito); a seus espaços-tempos, que são
espaços e tempos livres; a seu modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao
modelo); a seu plano de composição, que constitui platôs (zonas de intensidade contínua);
aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e graus
de desterritorialização”[68]. “Não se trata de opor os dois tipos de multiplicidades, as
máquinas molares e moleculares, segundo um dualismo que não seria melhor que o do Uno
e do múltiplo. Há somente multiplicidades de multiplicidades”. “A distinção não é
absolutamente a do exterior e do interior, sempre relativos e cambiantes, intervertíveis, mas
a dos tipos de multiplicidades” [extensivas e intensivas] “que coexistem, se penetram e
mudam de lugar”. “As relações, as determinações espacio-temporais não são predicados da
coisa, mas dimensões de multiplicidades”[69].

Plano de imanência: “Esse plano que conhece apenas as longitudes e as latitudes, as


velocidades e as hecceidades, nós o chamamos plano de consistência ou de composição (por
oposição ao plano de organização e de desenvolvimento). É necessariamente um plano de
imanência e de univocidade”. “É um plano de proliferação, de povoamento, de contágio”. É
menos ainda uma regressão que remontaria a um princípio. É, ao contrário, involução, em
que a forma não para de ser dissolvida para liberar tempos e velocidades”. “A imanência não
se reporta a Algo como unidade superior a qualquer coisa, nem a um Sujeito como ato que
opera a síntese das coisas: é quando a imanência já não é imanência a outra coisa, que não a
si, é que se pode falar de um plano de imanência”[70].

Síntese disjuntiva: “Toda a questão é saber em que condições a disjunção é uma verdadeira
síntese, e não um procedimento de análise que se contenta em excluir os predicados de uma
coisa em virtude da identidade de seu conceito (uso negativo, limitativo ou exclusivo da
disjunção). A resposta é dada na medida em que a divergência ou o descentramento
determinados pela disjunção tornam-se objetos de afirmação como tais”. “As disjunções
subsistem”. “A disjunção deveio inclusa, tudo se divide, mas em si mesmo”[71].

***

IV. Percursos e influências

A filosofia de Deleuze traça percursos que justificam a variação dos seus estímulos em
estudos filosóficos e no campo das ciências humanas, da educação e das artes, bem como
nos combates pela dignificação do viver. Em relação ao modo como ele praticou uma
história quebradiça da filosofia, escolhendo os encontros propícios às suas criações, basta
uma frase de um contemporâneo seu, Jean-François Lyotard, escrita por ocasião da morte
de Deleuze: “todos os seus livros foram feitos para colhermos neles tudo o que precisamos.
Principalmente aquilo de que não precisamos por não termos nem ideia da sua existência”.
Por que? Porque, com Deleuze, “comentar” é “inventar”. Ora, completa Lyotard: “a utilidade
se mede pelo aumento da potência de inventar”[72].
Não nos cabe, aqui, percorrer a maneira surpreendente pela qual Deleuze se relacionou com
filósofos do passado e da contemporaneidade. O meio dos seus escritos, além de prazeroso,
é um lugar de surpresas, de aprendizado constante. Nesse meio, passeamos com novo olhar
por paisagens conceituais que julgávamos fixadas em estudos certamente relevantes, mas
não únicos. Assim, ganhamos um novo Hume, o do empirismo superior, com Empirismo e
subjetividade. Um novo Proust com Proust e os signos: em vez do apego ao passado empírico,
os signos enredam o aprendizado de um homem de letras. Os livros que ligam Nietzsche e
Espinosa justificam essa junção de guerreiros afirmativos, desses que combatem na
imanência por uma vida eticamente valorizada e não moralmente depreciada.

Em Lógica do sentido, os incorporais dos estóicos ajudam a dimensionar a ideia de


acontecimento. E também reanimamo-nos com Epicuro, Lucrécio e outros. Com O
Bergsonismo, entendemos melhor as nuanças bergsonianas do hábitat deleuzeano. E como
que aplicando uma crítica de Bergson a mistos mal compostos, encontramos importante
desmontagem do misto denominado sado-masoquismo em Apresentação de Sacher-Masoch.
Em outro cruzamento, ganhamos nova explicitação conceitual da dobra barroca em A dobra
– Leibniz e o Barroco. Reencontramos aí o conceito de ocasião atual, de Whitehead. Pouco
antes, Deleuze publicara seu benquisto e conhecido Foucault; com isto, obtemos uma
variação de perspectivas com a questão das combinações das forças atuantes no homem e
das forças do fora. Se, com Leibniz, nossas forças se combinam com aquelas de elevação ao
infinito sob a forma-Deus, o problema muda, não sendo nem mesmo o de submeter à forma-
Homem as relações entre nossas forças e as que determinam nossa finitude na vida,
trabalho e linguagem. Outra combinação impõe-nos o problema da dissolução da forma-
Homem: as forças atuantes no homem combinam-se com forças de ilimitação do finito,
desencadeando combinações talvez ilimitadas de conglomerados finitos de componentes.
Redobram-se os cuidados, pois isso ressoa nas atuais pesquisas de ponta em várias ciências,
mas também na proliferação dos controles na sociedade.

Superposições trata das operações com que Carmelo Bene cria seu teatro menor. O esgotado,
por sua vez, leva-nos ao encontro de Samuel Beckett e a distinguir o esgotado (que desliza
por disjunções inclusivas) do fatigado (que pratica o jogo das disjunções exclusivas):
enquanto o fatigado só esgotou a realização e já nada pode realizar, o esgotado esgota todo
o possível e nada mais pode possibilitar, coisa que lhe ocorre de várias maneiras. Há
intensidade no esgotamento, assim como, na pintura de Francis Bacon, há intensidade na
dissipação da imagem. Lógica da sensação, que acompanha essa pintura, tematiza a
passagem da matéria-forma à matéria-força. Com Deleuze, visitamos também o cinema e a
literatura. Mas não para falar sobre filmes, sobre romance. Com o socorro de filmes, de
estudos dessa arte, ele cria conceitos do cinema em Imagem-movimento e em Imagem-tempo,
discriminando seus signos, pensando relações constitutivas dessa arte em suas variações.

Além do cinema, há muita literatura pensada nesse meio deleuzeano. É o que ocorre no livro
escrito por Deleuze e Guattari, Kafka – Por uma literatura menor. Neste livro, certas noções
ganham duradoura consistência, como a de agenciamento, a de devir imperceptível, de
máquina social etc. E nele também aprendemos que fazer fugir é muito mais que criticar. Essa
auto-exigência deleuzeana é praticada justamente em Crítica e clínica, uma reunião de
textos, muitos dedicados à escrita literária: crítica, como traçado do plano de consistência da
obra, e clínica como traçado de linhas sobre esse plano: o delineamento do bebê como
combate, o de uma lógica extrema sem racionalidade, o da avaliação imanente, o dos cristais
do inconsciente etc.

Proliferam outros recantos nesses percursos: Diálogos; Conversações, A Ilha deserta e Dois


regimes de loucos, coletâneas importantes para quem se interesse pela pluralidade das
facetas teóricas e práticas dos debates culturais e políticos contemporâneos. A colaboração
entre Deleuze e Guattari propiciou mais três outros livros de grande alcance: uma nova
teoria do desejo em O Anti-Édipo, desejo não mais marcado pela falta, mas por uma
produtividade coextensiva ao meio natural-social-histórico; um vasto e complexo
inconsciente espinosano distribuído em planos intensivos em Mil platôs; e nova concepção
do que seja ou deva ser a própria filosofia em O que é a filosofia? Esses percursos são
multiplicáveis. Seria uma dispersão de temas justapostos carentes de um modelo
interpretativo? Nada disso. Nele, qualquer coisa pode forçar o pensamento filosófico a
cumprir sua única tarefa: sentir e pensar o jogo problemático dos encontros, o jogo que
envolve a diferença e o problema em pauta em cada caso, como tematiza Diferença e
repetição. Para não fazer o jogo dos guardiões da representação, impõe-se que o próprio
jogo da diferença fuja sem receituários metodológicos: na experiência real dos encontros,
todo e qualquer X se diz univocamente como correspondências problemáticas de
heterogeneidades que chicoteiam o pensar.

As paisagens e os operadores conceituais dessa filosofia favorecem o deslocamento por ela


e se ajustam a variados interesses: viabiliza instrumentalizações culturais, sejam as
propulsoras de modismos ou as que operam como intercessoras junto a criações nas mais
variadas atividades intelectuais; como qualquer filosofia, propicia também inúmeras
monografias acadêmicas, dissertações de mestrado e teses de doutorado; ao mesmo tempo,
essa filosofia é multifacetada pelas publicações de coletâneas de comentários inter ou
transdisciplinares[73]. Além disso, a multiplicidade conceitual deleuzeana torna possível o
advento de densos comentários utilíssimos como auxiliares de leitura[74]. É claro que essa
multiplicidade também suscita a vontade de pensar seu conjunto em função desta ou
daquela estratégia interpretativa, seja uma estratégia que visa submeter o pensamento
alheio por meio do destaque ardiloso de um conceito que opera sob determinadas
condições na obra, condições que são, porém, minimizadas pelo ardil interpretativo[75], seja
uma estratégia que visa pensar Deleuze em relação a outros filósofos[76] ou a que faz dele
um pensamento que arromba “burocracias intelectuais”[77], ou a estratégia que elabora
determinados tópicos, abrindo horizontes em outros campos[78]. Em suma, embora
limitadas, essas referências bibliográficas dão um sinal do quanto os encontros com os
escritos deleuzeanos, espalhando visões [274] e audições por toda parte, favorecem
diferentes e diferenciadoras retomadas em dicções dos mais variados matizes.

***

 
Bibliografia

           

1. Os escritos de Deleuze, cuja publicação ele autorizou, estão reunidos em cerca de trinta
e duas obras. Anotamos abaixo uma seleção delas.

2. Empirisme et subjectivité, Paris, P.U.F., 1953. (Empirismo e subjetividade, Trad. Luiz L.


Orlandi, São Paulo, Editora 34, 2001).

3. Nietzsche et la philosophie, Paris, P.U.F., 1962. (Nietzsche e a filosofia, Ruth Joffily Dias e
Edmundo Fernandes Dias, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976).

4. Proust et les signes, Paris, P.U.F., 1976. (Proust e os signos, Antonio Piquet e Roberto
Machado, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987).

5. Le bergsonisme, Paris, P.U.F., 1966. (Bergsonismo, Trad. Luiz B. L. Orlandi, São Paulo, Ed.
34, 1999. Anexos: “A concepção da diferença em Bergson” (1956), tr. de Lia Guarino e
Fernando Fagundes Ribeiro, pp 95-123, e “Bergson, 1859-      1941” (1956), tr. br. de Lia
Guarino, pp 125-139).

6. Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968. (Diferença e repetição, Luiz Orlandi e Roberto
Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988; 2ª ed. 2006).

7. Spinoza et le problème de l’expression, Paris, Minuit, 1968. (Spinoza y el problema de la


expresión, Horst Vogel, Barcelona, Muchnik Ed., 1996).

8. Logique du sens, Paris, Minuit, 1969. (Lógica do sentido, Luiz Roberto Salinas Fortes, São
Paulo, Perspectiva, 1982).

9. L’anti-Oedipe (c/ Félix Guattari), Paris, Minuit, 1972. (O anti-édipo, Geoges Lamazière,


Rio de Janeiro, Imago, 1976).

10. Dialogues (c/ Claire Parnet), Paris, Flammarion, 2ª ed. 1996. (Diálogos, Trad. Eloísa A.
Ribeiro, São Paulo, Escuta, 1998).

11. Mille Plateaux (c/ F. Guattari), Paris, Minuit, 1980. (Mil platôs, Coletiva em 5 vol. São
Paulo, Ed. 34).

12. Philosophie pratique, Paris, Minuit, 1981. (Espinosa. Filosofia prática, Trad.Daniel Lins e
Fabien Pascal Lins, São Paulo, Escuta, 2002).

13. Francis Bacon – Logique de la sensation, Paris, Seuil, 1981. (Francis Bacon – Lógica da
sensação, Rio de Janeira, editora Jorge Zahar, 2007)

14. Cinéma 1. L’image-mouvement, Paris, Minuit, 1983. (Cinema 1. A imagem-movimento,


Stella Senra, São Paulo, Brasiliense, 1985).

15. Cinéma 2. L’image-temps, Paris, Minuit, 1985. (Cinema 2. A imagem-tempo,Eloísa A.


Ribeiro, São Paulo, Brasiliense, 1990).

16. Foucault, Paris, Minuit, 1986. (Foucault, Claudia Sant’Anna Martins, São Paulo,
Brasiliense, 1988).
17. Le pli. Leibniz et le baroque, Paris, Minuit, 1988. (A dobra. Leibniz e o barroco, Luiz
B.L.Orlandi, Campinas, Papirus, 1ª ed. 1991; 2ª ed., 2000).

18. Pourparlers (1972-1990), Paris, Minuit, 1990. (Conversações (1972-1990), Peter Pál
Pelbart, Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992).

19. Qu’est-ce que la philosophie?, (c/ F. Guattari), Paris, Minuit, 1991. (O que é a filosofia?,
Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro, Editora 34, 1992).

20. Critique et clinique, Paris, Minuit, 1993. (Crítica e clínica, Trad. Peter Pál Pelbart, São
Paulo, Editora 34, 1997).

21. L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée par David
Lapoujade, Paris, Minuit, 2002. A Ilha deserta e outros textos (textos e entrevistas 1953-
1974), Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006).

22. Deux régimes de fous ( textes et entretiens 1975-1995). Éd. Préparée par David
Lapoujade, Paris, Minuit, 2003. (Two Regimes of Madness – Texts and Interviews 1975-
1995. Trad. Ames Hodges and Mike Taormina, Edimburgo, Edinburgh University

Notas

[1] Com o título “Deleuze”, este texto foi publicado como capítulo de libro em Rossano
Pecoraro (Org.), Os Filósofos – Clássicos da Filosofia, Editora Puc-Rio e Editora Vozes,
Petrópolis, 2009, Vol. III, pp. 256-279.
[2] As anotações entre aspas são extraídas das letras E (Enfance – Infância), F (Fidélité –
Fidelidade) e P (Professeur – Professor) de “L’Abécédaire de Gilles Deleuze”, entrevista a Claire
Parnet realizada por P. A. Boutang em 1988 e transmitida em série televisiva a partir de
novembro de 1995 pela TV-ART, Paris, Vídeo Edition Montparnasse, 1996. Sobre o
esquerdismo de Deleuze, ver letra G (Gauche – Esquerda). Para muitas outras informações,
ver François Dosse, Gilles Deleuze, Félix Guattari – Biographie croisée, Paris, Éd. La
Découverte, 2008, 480 pp.
[3] Dois anos antes de sua morte, Deleuze diz que a literatura, atravessada por uma vida,
pode levar a linguagem a uma “reviravolta”, a um “limite”, a um “fora ou a um avesso que
consiste em Visões e Audições que já não pertencem a língua alguma” e que “não são
fantasmas, mas Ideias que o escritor vê e ouve nos interstícios, nos desvios de linguagem”.
Cf. Gilles Deleuze, “A literatura e a vida »” (1993), em Critique et clinique (1993).
[4] Ele vê que há os indiferentes à situação política, que há os partidários do governo que se
rendeu à Alemanha nazista em 1940; mas ele também sente a presença dos “jovens
resistentes”, os rumores que espalham a história de Guy Moquet, fuzilado em 1941 pelos
ocupantes; e no ano seguinte, em 1944, sentirá os rumores que comunicam o massacre
praticado pelos nazistas na cidade de Oradour-sur-Glane vitimando mais de 600 civis no dia
10/06/1944, incluindo mulheres e crianças.
[5] Professores como Jean Wahal, Ferdinand Alquié, Georges Canguilhem, Maurice de
Gandillac, Jean Hippolyte. Além dos amigos que já tinha (Michel Tournier e os irmãos Claude
e Jacques Lanzmann), ganha outros, como Michel Butor, Olivier Revault d’Allones, Jean-
Pierre Bamberger e François Châtelet, a quem homenageará com o livro Péricles e Verdi – A
filosofia de François Châtelet (1988).
[6] Gilles Deleuze, Empirisme et subjectivité, Paris,  P.U.F., 1953
[7] Ver « Il a été mon maître » (1964), em Gilles Deleuze, A Ilha deserta e outros textos (textos
e entrevistas 1953-1974), Trad. Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006.
[8] Os filhos Julien Deleuze e Emilie Deleuze nascem em 1960 e 1964, respectivamente.
[9] Além de dois importantes artigos sobre Bergson na década de 50, publica Nietzsche e a
filosofia (1962), A filosofia crítica de Kant (1963), a primeira edição de Proust e os signos (1964;
a 2ª ed. virá em 1976), o pequeno Nietzsche (1965), O Bergsonismo (1966) e Apresentação de
Sacher-Masoch (1967).
[10] Para avaliar o alcance desse respeito mútuo, cf. também Michel Foucault, “Theatrum
philosophicum”, Paris, Critique, novembro de 1970, nº 282, republicado, primeiramente, em
M. Foucault, Dits et Écrits, Paris, Gallimard, 1994, tomo II, texto 80, pp. 75-99, e, depois, no
cinquentenário daquela revista: Critique, agosto-setembro de 1996, nº 591-592, pp. 703-
726.
[11] Além dos referidos Proust e Sacher-Masoch, temos: Kafka – Por uma literatura
menor (com Guattari – 1975), Superpositions (com Carmelo Bene – 1979), Francis Bacon:
Lógica da sensação (1984), Cinema 1. A imagem-movimento (1983), Cinema 2. A imagem-
tempo (1985). Por que não incluir A dobra. Leibniz e o Barroco (1988)? E por que não Péricles
e Verdi (1988)? Incluo O esgotado (1992) e Crítica e clínica (1993).
[12] Diálogos (com Claire Parnet – 1977 e 2ª ed. 1996), Conversações – 1972-1990 (1990), A
Ilha deserta e outros textos 1953-1974 (2002) e Dois regimes de loucos – 1975-1995 (2003).
[13] Sobre homenagens póstumas, ver Cadernos de Subjetividade, São Paulo: Educ, nº
especial, Gilles Deleuze (Org. por Peter Pál Pelbart e Suely Rolnik), junho de 1996.
[14] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, pp. 221, 187. (Diferença e
repetição, Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, pp. 278-
279, 237; 2ª ed. 2006, pp. 244 e 209).
[15] Shakespeare, Hamlet, I, 5 (“The time is out of joint”).
[16] Gilles Deleuze, “Sur quatre formules poétiques qui pourraient résumer la philosophie
kantienne” (1986), in Critique et clinique, Paris, Minuit, 1993, pp. 40-49. (Crítica e clínica,
Trad. Peter Pál Pelbart, São Paulo, Editora 34, 1997, pp. 36-44). Ver também Gilles Deleuze,
Félix Guattari, Qu’est-ce que la philosophie?, Paris, Minuit, 1991, pp. 29-31. (O que é a
filosofia?, Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro, Editora 34, 1992,
pp. 37-40).
[17] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 3. (Diferença e repetição,
Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 17; 2ª ed. 2006,
p.17)
[18] François Zourabichvili, Le vocabulaire de Deleuze, Paris, Ellipses, 2003, Introdução, item
2.
[19]Gilles Deleuze, Félix Guattari, Qu’est-ce que la philosophie?, Paris, Minuit, 1991, pp. 186-
187. (O que é a filosofia?, Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro,
Editora 34, 1992, pp. 253-254).
[20] Em Ave, Palavra (12/20), voltiginoso é um intensificador que Guimarães Rosa põe em
companhia de peresperto numa expressão que diz uma visão de colibris: “depois, mudam
com a luz, bruxos pretos, uns sacis de perespertos, voltiginosos, elétricos, com valores
instantâneos”. Cf. Nilce Sant’Ana Martins, O Léxico de Guimarães Rosa, São Paulo, Edusp,
2001.
[21] Eis a primeira regra que Deleuze extrai de Henri-Louis Bergson (1859-1941): “Aplicar a
prova do verdadeiro e do falso aos próprios problemas, denunciar os falsos problemas, reconciliar
verdade e criação no nível dos problemas”. Gilles Deleuze, Le bergsonisme, Paris, P.U.F., 1966,
p. 3. (Bergsonismo, Trad. Luiz B. L. Orlandi, São Paulo, Ed. 34, 1999, p. 8).
[22] Gilles Deleuze, Empirisme et subjectivité, Paris, P.U.F., 1953, pp. 109-110. (Empirismo e
subjetividade, Trad. Luiz B. L. Orlandi, São Paulo, Editora 34, 2001, pp. 110-111).
[23] Gilles Deleuze, “Ce que la voix apporte au texte” (1987) – “O que a voz proporciona ao
texto” (1987), em Deux régimes de fous, Paris, Minuit, 2003, p. 303.
[24] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 293. (Diferença e repetição,
Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 363; 2ª ed.
2006, p.320.)
[25] Ibid., (francês) p. 171, (português 1ª ed.) p. 218, (português 2ª ed.) p. 192.
[26] Gilles Deleuze, Proust et les signes, Paris, P.U.F., 1976, p. 117. (Proust e os signos, Trad.
Antonio Piquet e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987, p. 94).
[27]Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 182. (Diferença e repetição,
Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 231; 2ª ed.
2006, p.203)
[28] “O Eu penso é o princípio mais geral da representação, isto é, a fonte destes elementos
e a unidade de todas estas faculdades: eu concebo, eu julgo, eu imagino, eu me recordo, eu
percebo – como os quatro ramos do Cogito. E, precisamente sobre estes ramos, é
crucificada a diferença. Quádrupla sujeição, em que só pode ser pensado como diferente o
que é idêntico, semelhante, análogo e oposto; é sempre em relação a uma identidade
concebida, a uma analogia julgada, a uma oposição imaginada, a uma similitude percebida
que a diferença se torna objeto de representação”. Ver Gilles Deleuze, Différence et
répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 180. (Diferença e repetição, Trad. Luiz Orlandi e Roberto
Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 228-229; 2ª ed. 2006, p.201.)
[29]Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 200. (Mil platôs:
capitalismo e esquizofrenia, vol. 3, Trad. Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia
Cláudia Leao e Suely Rolnik, São Paulo, Ed. 34, p. 25).
[30]Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 164. (Mil platôs:
capitalismo e esquizofrenia, vol. 2, Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leao, São Paulo,
Ed. 34, p. 87).
[31] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 347. (Mil platôs:
capitalismo e esquizofrenia, vol. 3, Trad. Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia
Cláudia Leão e Suely Rolnik, São Paulo, Ed. 34, p. 76-77). Neste ponto, os autores passam
por Misérable miracle, obra de Henri Michaux (1899-1984).
[32] “Mesmo o ritornelo torna-se ao mesmo tempo molecular e cósmico, Debussy… A
música moleculariza a matéria sonora, mas torna-se assim capaz de captar forças não
sonoras como a Duração, a Intensidade. Tornar a Duração sonora. Lembremo-nos da ideia de
Nietzsche: o eterno retorno como pequena cantilena, como ritornelo, mas que capta as
forças mudas e impensáveis do Cosmo. Saímos, portanto, do canto e dos agenciamentos
para entrar na idade da Máquina, imensa mecanosfera, plano de cosmicização das forças a
serem captadas”. Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p.
422,423. (Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4, Trad. Suely Rolnik, São Paulo, Ed. 34,
p. 158-159).
[33]Essa relação ou cruzamento de forças implica “o elemento diferencial da força” (força
dominante / força dominada) que Deleuze liga à ideia de “vontade potência”. Gilles
Deleuze, Nietzsche et la philosophie, Paris, P.U.F., 1962, p. 7. (Nietzsche e a filosofia, Trad.
Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias, Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1976, p. 5).
[34] Gilles Deleuze, “Conclusions sur la volonté de puissance et l’éternel retour” (1967),
em L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée par David
Lapoujade, Paris, Minuit, 2002, pp. 166-167. A Ilha deserta e outros textos (textos e entrevistas
1953-1974), Trad. Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006, p. 158).
[35] Ibid., (francês) p. 171, (português) p. 161-162.
[36] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p 31. (Diferença e repetição,
Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 50; 2ª ed. 2006,
p.44)
[37] “Capitalisme et schizophrénie” (1972), em Gilles Deleuze, L’île déserte et autres
textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée par David Lapoujade, Paris, Minuit,
2002, p. 331. A Ilha deserta e outros textos (textos e entrevistas 1953-1974), Trad. Coletiva,
São Paulo, Iluminuras, 2006, p. 301).
[38] Como Klossowski e Lyotard. Ver “Pensée nômade”, Gilles Deleuze, L’île déserte et autres
textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée par David Lapoujade, Paris, Minuit,
2002, pp. 358-360. A Ilha deserta e outros textos (textos e entrevistas 1953-1974), Trad.
Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006, p. 324-326).
[39] Gilles Deleuze, Pourparlers (1972-1990), Paris, Minuit, 1990, p. 182. (Conversações
(1972-1990), Trad. Peter Pál Pelbart, Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992, p. 166).
[40] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Qu’est-ce que la philosophie?, Paris, Minuit, 1991, p. 191.
(O que é a filosofia?, Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz, Rio de Janeiro, Editora
34, 1992, p. 261).
[41] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, pp. 156, 356. (Diferença e
repetição, Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, pp. 199,
437; 2ª ed. 2006, pp.174, 384.)
[42]Gilles Deleuze, L’anti-Oedipe, Paris, Minuit, 1972, p. 386. (O anti-édipo, Trad. Geoges
Lamazière, Rio de Janeiro, Imago, 1976, p. 410).
[43]Gilles Deleuze, Logique du sens, Paris, Minuit, 1969, pp. 72, 69. (Lógica do sentido, Trad.
Luiz Roberto Salinas Fortes, São Paulo, Perspectiva, 1982, 59, 57).
[44] “Como elemento da ciência nômade, o díspar remete a material-forças, mais do que à
matéria-forma. Já não mais se trata, exatamente, de extrair constantes a partir de variáveis,
mas de pôr as próprias variáveis em estado de variação contínua. Se há ainda equações, são
adequações, inequações, equações diferenciais irredutíveis à forma algébrica, e inseparáveis
por sua vez de uma intuição sensível da variação. Captam ou determinam singularidades da
matéria em vez de constituir uma forma geral. Operam individuações por acontecimentos ou
hecceidades, e não por ‘objeto’ como composto de matéria e forma; as essências vagas são
tão-somente hecceidades”. Gilles Deleuze, Felix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980,
p. 422,423. (Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 5, Trad. Peter Pál Pelbart e Janice
Caiafa, São Paulo, Ed. 34, pp. 36-37).
[45] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 387. (Diferença e repetição,
Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 356; 2ª ed.
2006, p.314)
[46] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 326. (Mil platôs:
capitalismo e esquizofrenia, vol. 4, Trad. Suely Rolnik, São Paulo, Ed. 34, p. 56).
[47] Gilles Deleuze, L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée
par David Lapoujade, Paris, Minuit, 2002, p. 136. (A Ilha deserta e outros textos (textos e
entrevistas 1953-1974), Trad. Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006, p. 133. Ver
ainda Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 128-140.
[48] Eis como François Zourabichvili enuncia esse problema: “como, para além de Bergson,
articular as duas dinâmicas inversas e não obstante complementares da existência, de um
lado a atualização de formas e de outro a involução que destina o mundo a redistribuições
incessantes”? Ver Le Vocabulaire de Deleuze, Verbete “Corpo sem órgãos”.
[49] L’abécédaire de Gilles Deleuze, Letra A como Animal.
[50] Umberto Eco, Obra Aberta, Trad. Giovanni Cutolo com revisão de Pérola de Carvalho,
São Paulo, Ed. Perspectiva, 1971.
[51]Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 94 n. 1. (Diferença e
repetição, Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1ª ed. 1988, p. 109,
n 23.)
[52] “Quando invoco o ziguezague, a questão é como por em relação singularidades
díspares”, diz Deleuze em L’Abécédaire, p. 200. Isso é a Ideia, mas é também o “vai pra lá que
eu vou pra cá”, de Robinho.
[53] Umberto Eco, Postille a “Il nome della rosa” (1984). Pós-Escrito a “O Nome da Rosa”, Trad.
Letizia Z. Antunes e Álvaro Lorencini, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2a.ed., 1985, pp.45-
47.
[54] Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mille plateaux, Paris, Minuit, p. 31. (Mil platôs, Vol. 1.
“Introdução: Rizoma”, tr. br. de Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa, São Paulo, Ed. 34,
1996, p. 32.)
[55] “A produção como processo excede todas as categorias ideais e forma um ciclo ao qual
o desejo se relaciona como princípio imanente”. (…) “A regra de produzir sempre o produzir,
de inserir o produzir no produto, é a característica das máquinas desejantes ou da produção
primária: produção de produção”. Gilles Deleuze e Félix Guattari, L’anti-Oedipe, Paris, Minuit,
1972, pp. 10-11, 13.
[56] Gilles Deleuze, Pourparlers (1972-1990), Paris, Minuit, 1990, p. 196. (Conversações
(1972-1990), Trad. Peter Pál Pelbart, Rio de Janeiro, Ed. 34, 1992, p. 179).
[57] Gilles Deleuze, “Conclusions sur la volonté de puissance et l’éternel retour” (1967),
em L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-1974). Éd. préparée par David
Lapoujade, Paris, Minuit, 2002, pp. 166-167, 171. A Ilha deserta e outros textos (textos e
entrevistas 1953-1974), Trad. Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006, p. 158, 161-162).
[58] “Pensée nômade”, Gilles Deleuze, L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-
1974). Éd. préparée par David Lapoujade, Paris, Minuit, 2002, pp. 358-360. A Ilha deserta e
outros textos (textos e entrevistas 1953-1974), Trad. Coletiva, São Paulo, Iluminuras, 2006, p.
324-326).
[59] “Spinoza et nous” e “Sur la différence de l’Ethique avec une morale”, em Gilles
Deleuze, Spinoza. Philosophie pratique, Paris, Minuit, 1981, p. 171, 27. (Espinosa. Filosofia
prática, Trad.Daniel Lins e Fabien Pascal Lins, São Paulo, Escuta, 2002, p. 130, 23).
[60] Não listaremos conceitos que já receberam alguma atenção neste livro. Além disso, há
séries mais extensas e detalhadas em dois Vocabulários: François Zourabichvili, Le
vocabulaire de Deleuze, Paris, Ellipses, 2003; Sasso et Villani (Dir.), Le Vocabulaire de Gilles
Deleuze, Paris, Vrin, 2003.
[61] Gilles Deleuze, Claire Parnet, Dialogues, Paris, Flammarion, 2ª ed. 1996, pp. 179, 184.
[62] Gilles Deleuze, Différence et répétition, Paris, P.U.F., 1968, p. 80.
[63] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 318.
[64] (Francis Bacon – Logique de la sensation, p. 33); Gilles Deleuze, Félix Guattari, L’anti-
Oedipe, Paris, Minuit, 1972, p. 14-15; y Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris,
Minuit, 1980, pp. 203, 191.
[65] Gilles Deleuze, Claire Parnet, Dialogues, Paris, Flammarion, 2ª ed., 1996, pp 8-9.
[66] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, pp. 318-319.
[67] Gilles Deleuze, Claire Parnet, Dialogues, Paris, Flammarion, 2ª ed. 1996, pp. 49-50, 47; y
Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p. 602.
[68] Gilles Deleuze, Deux régimes de fous (textes et entretiens 1975-1995), éd. Préparée par
David Lapoujade, Paris, Minuit, 2003, pp. 289-290.
[69] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, pp.48, 49, 321.
[70] Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Paris, Minuit, 1980, p 326; y Gilles
Deleuze, Deux régimes de fous (textes et entretiens 1975-1995). Éd. Préparée par David
Lapoujade, Paris, Minuit, 2003, p.260.
[71] Gilles Deleuze, Logique du sens, Paris, Minuit, 1969, p. 204; y Gilles Deleuze, L’Épuisé,
Paris, Minuit, 1992, pp. 59-60.
[72] Jean-François Lyotard, “Ele era a biblioteca de Babel”, Trad. Lia Marcondes, Fortaleza, O
Povo, 18/11/1995, p. 4).
[73] Faço uma primeira referência a dois conjuntos de artigos marcantes a esse
respeito: Deleuze, em L’Arc, nº 49, Paris, 1972 (e nova edição em 1980) e Gilles Deleuze em
Philosophie nº 47, Paris, Minuit, 1995. Cf. também Paul Patton, Deleuze: a critical reader,
Oxford, Blackwell, 1996. Além de outros conjuntos, como Gilles Deleuze – Immanence et vie,
Rue Descartes, Paris, P.U.F., 1998, destaco a reunião de 40 artigos em: Bruno Gelas e Hervé
Micolet (Dir.), Deleuze et les écrivains: Littérature et philosophie, Nantes, Éd. Cecile Defaut,
2007. Sobre encontros no Brasil, cf., por ex., Eric Alliez (Dir.), Gilles Deleuze – une vie
philosophique – Rencontres Internationales RJ-SP 14-14 junho de 1996, Paris, Institut
Synthélabo, 1998, tradução brasileira coordenada por Ana Lúcia de Oliveira: Gilles Deleuze:
uma vida filosófica, São Paulo: Editora 34, 2000. Temos a série “Deleuze e Nietzsche”: são
comunicações apresentadas nos “Simpósios Internacionais de Filosofia” organizados em
Fortaleza por Daniel Lins e colaboradores: Intensidade e paixão, Rio de Janeiro, Relume
Dumará, 2000; Pensamento nômade, Idem, 2001; Que pode o corpo, Idem, 2002; Bárbaros,
Civilizados, São Paulo, Anablume, 2004; Arte,Resistência, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2007; Imagem, Literatura, Educação, Idem, 2007. Margareth Rago
(Org.), Imagens de Foucault e Deleuze, Rio de Janeiro, Ed. DP&A, 2002. Vários Autores, A
diferença, Campinas, Ed. Unicamp, 2005.
[74] É um “exercício lógico adjacente” que encontramos literalmente em François
Zourabichvili, Deleuze. Une philosophie de l’événement, 1ª ed., Paris, P.U.F, 1994, p. 5 ; 2ª ed.
revista e ampliada, Paris, Quadrige / P.U.F, 2004, p. 13. No ano anterior, já encontrávamos
numerosas explicitações em Jean-Clet Martin, Variations – la philosophie de Gilles Deleuze,
Paris, Payot, 1993. Por sua vez, Philippe Mengue, Gilles Deleuze ou le système du multiple,
Paris, Éd. Kimé, 1994, faz uma sondagem extensa de múltiplos pontos da inserção filosófica
de Deleuze. O procedimento de uma leitura auxiliar reaparece em Eric Alliez, La Signature du
monde, Paris, Ed. du Cerf, 1995, Trad. Maria Helena Rouanet, A assinatura do mundo – O que
é a filosofia de Deleuze e Guattari?, Rio de Janeiro, 1995. Ver também Eric Alliez, Deleuze.
Filosofia virtual, Trad. Heloisa B. S. Rocha, São Paulo, Editora 34, 1996. Arnaud Villani dá
indicações metodológicas preciosas em “Méthode et théorie dans l’oeuvre de Gilles
Deleuze”, em Les Temps Modernes nº 586, Paris, jan.-fev. de 1996. Há um minucioso
percurso pela noção deleuzeana de tempo em Peter Pál Pelbart, O tempo não-reconciliado,
São Paulo, Ed. Perspectiva, 1998; E muitos outros livros poderiam ser aqui referidos.
[75] É uma tal estratégia que noto em Alain Badiou, Deleuze, la clameur de l’Être, Paris,
Hachette, 1997 ou em Alberto Gualandi, Deleuze, Paris, Les Belles Lettres, 1998. Não busco
mobilizar leitores contra esse tipo de ardil, mas apenas ficar de olho em seu jeito de reter o
fluxo alheio, de enquadrar o “flufluxo” do outro, como diria Guimarães Rosa, Ave, Palavra,
28/38, cf. Nilce Santana Martins, O léxico de Guimarães Rosa, São Paulo: Edusp, 2001.
[76] Este é um dos traços, não único, é claro, do livro pioneiro de Roberto Machado, Deleuze
e a filosofia, Rio de Janeiro: Graal, 1990, assim como do livro de Michael Hardt, Gilles Deleuze
– an apprenticeship in philosophy, Regents of the University of Minnesota, 1993. Cf. também
Manola Antonioli, Deleuze et l’histoire de la philosophie, Paris, Kimé, 1999.
[77] José Luis Pardo, Deleuze: violentar el pensamiento, Madrid, Ed. Cincel, 1990, p. 7.
[78] Por exemplo, a busca de uma “estética” de Deleuze em Mireille Buydens, Sahara –
L’Esthétique de Gilles Deleuze, Paris, Vrin, 1990; ou a relação dele com o tema da “linguagem”
em Jean-Jacques Lecercle, Deleuze and Language, Palgrave, Macmillan, 2002 e em Júlia
Almeida, Estudos deleuzeanos da linguagem, Campinas, Ed. Unicamp, 2003; ou a exploração
do tema da geofilosofia em Manola Antonioli, Geophilosophie de Deleuze et Guattari, Paris,
L’Harmattan, 2003; a presença deleuzeana em educação pode ser notada em Sylvio de
Sousa Gadelha, Subjetividade e menor-idade, São Paulo, Anablume, 1998, em Tomaz Tadeu,
Sandra Corazza e Paola Zordan, Linhas de escrita, Belo Horizonte, Ed. Autêntica, 2004,
preocupação que é também a de Sílvio Gallo, Deleuze e a educação, Belo Horizonte, Ed.
Autêntica, 2005. Pode-se acompanhar a presença sutil de Deleuze em música, lendo Silvio
Ferraz, Música e repetição – a diferença na composição contemporânea, São Paulo, Educ, 1998
e Livro das sonoridades, Rio de Janeiro, 7 Letras, 2005. A busca de uma ontologia reaparece
em Véronique Berger, L’ontologie de Gilles Deleuze, Paris, L’Harmattan, 2001. E a respeito da
relação de Deleuze com o Cinema, cf. o livro de Jorge Vasconcelos, Deleuze e o Cinema, Rio
de Janeiro, Ed. Ciência Moderna, 2006, e a bibliografia nele referida, em estudos literários,
Paulo Tarso Cabral de Medeiros, exercita um delicado enlace entre Rosa e alguns conceitos
de Deleuze e Guattari em Travessuras do desejo em Grande Sertão: Veredas (no prelo); em
psicologia clínica, entre muitos outros estudos, encontramos o de Aragon, L.E.P., O
impensável na Clínica: virtualidades nos encontros clínicos, Porto Alegre, Sulina, Ed. da UFRGS,
2007.

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