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Texto 1: Gabriel Marcel nasceu em Paris em 7 de dezembro de 1889, cidade onde faleceu em 8 de

outubro de 1973 devido a uma insuficiência cardíaca.


Filho único, seu pai Henri Marcel foi Conselheiro de Estado; Tornou-se ministro plenipotenciário da
França, durante um ano e meio, em Estocolmo; mais tarde diretor de Belas Artes, da Biblioteca
Museus Nacionais e Nacionais.
Assim, desde a infância Gabriel viveu num ambiente de elevado nível cultural, viajou muito e teve
contactos frequentes com o mundo anglo-saxão. A morte de Laura, sua mãe, quando ele tinha
apenas quatro anos, será um acontecimento decisivo em sua vida e em sua obra, onde sua memória
assumirá diferentes formas: desde os personagens de seus dramas, a importância de suas
experiências, conversas com parentes que perderam os filhos na Primeira Guerra, quando trabalhava
na Cruz Vermelha, até suas reflexões sobre a imortalidade.
Aos dezoito anos começou a estudar, em seus textos originais, Schelling e Coleridge, obtendo dois
anos depois o I Diploma de Estudos Superiores com a tese: “As ideias metafísicas de Coleridge e
suas relações com a filosofia de Schelling”, que será publicada em 1971, mais de meio século
depois.
Aproximou-se do Cristianismo, entre outros motivos, pela influência que bons amigos e sua
madrinha, irmã de sua mãe, exerciam sobre ele. A madrinha era “judia de origem, mas pertencia a
uma família distante de qualquer crença, que se converteu ao protestantismo”.
Gabriel Marcel recebeu o batismo na Igreja Católica em 23 de março de 1929. Após sua agregação
em filosofia na École Normale Supérieure de Paris, dedicou sua atividade desde o início, embora
de forma intermitente, ao ensino em institutos. Era crítico de teatro, dramaturgo, músico e escreveu
diversos ensaios filosóficos. Também desenvolveu importante atividade editorial, especialmente na
editora Pión. Participou dos famosos debates filosóficos e literários de algumas das mais
importantes revistas. franceses, e particularmente os da Société française de Filosofia. Nas primaveras
de 1949 e 1950 deu dois ciclos de palestras nas famosas “Gifford Lectures” na Universidade de
Aberdeen (Escócia). Também ministrou cursos e conferências em outras universidades francesas e
estrangeiras, como Japão, Alemanha e Itália. Em 1952 foi eleito para o Institut de France e obteve
muitos outros reconhecimentos.
As influências literárias de Dostoiévski e de suas obras Os Irmãos Karamazov e O Idiota
convergem em Marcel, assim como em Marcel Proust, Péguy, Gide, Wassermann, Rilke e Claudel,
como ele mesmo relata ao longo de seus escritos.
Por outro lado, do ponto de vista filosófico, parte Teilhard de Chardin, Blondel ou Laberthonniére,
bem como o neotomismo do casamento Maritain e um certo "escolasticismo" sem sangue". Ele cita
Bergson ou Whitehead com admiração. chega às confessar que sua filosofia é vizinha da de Jaspers,
Heidegger e Bu- ber. Da mesma forma, ele reconhece o seu conflito com Sartre, que foi quem o
chamou de “existencialista cristão”, para grande consternação do nosso autor. Mais tarde, como ele
mesmo afirma, tanto Thi-bon quanto Max Picard e Henri Franck o influenciariam.
Alguns dos já mencionados tornaram-se verdadeiros amigos. Entre eles podemos citar também
Gilson, Michelet, Bernard, Ri-vière, Jean Wahl, Mauriac, Ricoeur, Boutang, Huisman, Dhabi e
Parain-Vial, entre outros. Além destes, também fez amizade com vários padres, especialmente
jesuítas, como Fessard, com quem manteve uma sólida correspondência, Jean Daniélou, Roger
Troisfontaines e Professor Tilliette.

A maior parte dos artigos recolhidos neste trabalho foram escritos durante a ocupação nazista da
França, quando os pensamentos de Marcel estavam polarizados pela esperança de uma libertação
futura. A década de 1940, em que se enquadram quase todos esses artigos, é marcada pela morte
de tia Marguerite, sua madrinha, que se casara com o pai após o morte de sua mãe. É nesta altura
que os Marcel adquirem uma nova casa em Corrèze, que servirá até de refúgio para parentes
perseguidos em Paris ou Lyon. Como ele mesmo destaca, é um período em que começa a “viver
sonhando”, a recuperar a alegria e a esperança. Lecionou em Montpellier durante o ano letivo de
1940-1941, embora sentisse repulsa pelo rígido sistema escolar francês e preferisse um tratamento
pessoal com os alunos, fazendo-os viver A filosofia.
Em 1943, sua esposa, Jacqueline, converteu-se do protestantismo ao catolicismo. Por sua vez, ele
confessa que sofre uma escuridão profunda no campo religioso e que alguns aspectos do culto
cristão o horrorizam, como aponta na sua correspondência com o referido Fessard. Nesta época
iniciou-se um fecundo período de encontros, o segundo, com filósofos e estudantes, uma vez por
mês.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, não deixou de denunciar os abusos de purificação de que
já tinha sido vítima. Aqui está separado dos critérios que tanto Sartre quanto Simone de Beauvoir
tinham a esse respeito. Em 1946, no Congresso de Filosofia de Roma, rejeitou o rótulo de
"existencialismo", embora toda a sua obra pudesse ser chamada de "filosofia da existência". Desta
forma, ele rejeita tudo o que possa parecer uma espécie de estudo sistemático da estrutura da
existência humana. «Não podíamos abranger a nossa existência porque É ela quem nos engloba”,
declara.
O leitor não encontrará temas ou intuições nestas páginas.
novos em comparação com seus empregos anteriores. Os grandes temas do A filosofia de Marcel já
foi exposta em obras como Journal Metafísica, Ser e ter o Da recusa à invocação, sin olvidar
Todo o seu trabalho teatral até o momento, que para ele é uma ocasião para reflexão metafísica.
Como afirmado na introdução à edição de 1965 desta obra, refletindo de 20 anos, “as ideias
essenciais não seriam diferentes, mas a tonalidade certamente seria diferente”.
Para entender esse conjunto de palestras, comentários aos diferentes livros ou aos escritos inéditos
aqui apresentados, não podemos deixar de apontar o caráter itinerante de sua pulsação filosófica. O
fato de o título desta coleção ser Homo viator responde à
ser e agir do nosso filósofo, que sempre se considerou no caminho e vislumbrou que esta seria a
única forma autêntica de fazer filosofia. Como diz um dos personagens de sua peça
L'Emisaire, estamos a caminho de um objetivo que juntos vemos e não vemos; e quando esse
objetivo aparece ou desaparece, é sinal que estamos caminhando. Na verdade, ser é estar a caminho.
Esse O filósofo itinerante nunca pensou ter chegado ao fim: viveu apaixonadamente este movimento
intelectual, que traduziu numa infinidade de leituras, encontros, conversas, debates, peças teatrais,
composições musicais... Este é o homem de Marcel, esta é a alma que Marcel descreve na bela
introdução que ele mesmo prepara: «É a alma, precisamente, que é um viajante.
A peregrinação torna-se assim um modo de vida, um modo de enfrentar os problemas vitais, os
apresentados pelo outro, a esperança, a família, a imortalidade, os valores, a salvação, dimensão
espiritual e as diferentes reflexões filosóficas do momento, como as de Sartre ou Proust. Como
todo peregrino, o a certeza de um objetivo não facilita o caminho, antes Faz com que você seja
especialmente sério com as questões que o acompanham, com as análises detalhadas e profundas do
assunto, e radicalmente ousado na espera pelas respostas. Na realidade, não se trata de metáforas,
diz o nosso autor: a vida reduz-se a uma viagem.
Outra chave importante para a compreensão deste trabalho é a dimensão sagrada da vida. Num
tempo de “sacrilégio generalizado”, o nosso autor reivindica constantemente esta dimensão sagrada
do homem e da vida. Cabe ao homem estabelecer este vínculo sagrado com a vida, pois o que é
humano não é autenticamente humano, exceto quando é sustentado por uma armadura.
incorruptível do sagrado. Aqui se insere a sua aguda reflexão sobre Rilke e o seu não-cristianismo:
este testemunho do espiritual apresenta-se também como ocasião para a recuperação de um certo
pena das almas e das coisas. Assim, estamos perante um amante das coisas humanas em geral, que
só têm consistência, afirma, quando são referidas a uma ordem supra-humana.

Texto 2: Gabriel Marcel faz parte de uma geração de filósofos, cuja especulação filo sófica tem como ponto
de partida a sua própria experiência pessoal. Ele recusa conceber a vida enquadrada num sistema, porque,
segundo ele, não existem sis temas de vida, mas unicamente sistemas de pensamento. Com efeito, não é
sensa to pretender enquadrar o ser humano, com todas as suas fraquezas, vícios e virtu des, vontades e
particularidades, em sistemas pré-determinados.
Gabriel Marcel está plenamente convencido de que só no quadro de uma fi losofia concreta é possível
pensar e compreender o homem, mas o homem das vi vências reais, aquelas que cada um vive.
Anti-intelectualista convicto, interessa-lhe simplesmente o ser concreto e individual. O filósofo é, aliás,
hostil à racionalização e à conceptualização da vida, uma vez que estas "faculdades" descambam facilmente
para a generalização e, consequentemente, para o plano do abstracto. E o filósofo, escreve ele, só pode
contribuir para salvar o homem de si mesmo, mostrando sem piedade nem descanso as devastações causadas
pelo espírito de abstracção.
Porque não é um defensor do espírito abstracto, Gabriel Mareei não preten de construir, com o seu
pensamento filosófico, um sistema para ser seguido. Pretende, apenas, com a sua metodologia, descrever as
experiências vividas, como, por exemplo, a experiência da sua própria conversão, que é uma experiên cia
única e pessoal, sentida e conhecida apenas por quem a vive.
Esta ou quaisquer outras experiências pessoais não podem ser transmitidas exactamente como se relata um
acontecimento observado ou uma fórmula cientí fica. Na hipotética transmissão escaparia sempre a
dimensão da vivência que não pode ser dada, por ser única. Deste modo, uma vez que as vivências não se
deter minam nem se enquadram por quaisquer fórmulas a priori, as experiências pes soais subtraem-se aos
métodos e aos sistemas.
Eis porque Gabriel Mareei se escusou a imaginar qualquer novo sistema de especulação filosófica. A sua
especulação, como ele faz questão de sublinhar, re sume-se a alguns lineamentos de uma filosofia que se
preocupa com o homem em situação e as experiência por si vividas.
A metodologia marceliana consiste, por conseguinte, em irmos ao encontro "do nosso próprio eu" e
apreender o que há de mais original e pessoal em nós, no sentido de compreendermos o ser que somos
enquanto estamos em situação, en quanto vivemos cada situação. E este percurso reflexivo que permite
descobrir o sentido e o valor filosófico da vida.
E esta experiência pura que consultamos e evocamos, enquanto seres-a- - -caminho; é esta a experiência que
Marcel denomina de existencial, porque ela nos faz participar na vida por inteiro.
A experiência pessoal e concreta,

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