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5ª edição

Copyright © 2011, by Khristian Paterhan C.

Revisão: Denis ????


Capa e diagramação: Alexandre Brum

Nova edição revisada

Quartet Editora
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20550-900 – Rio de Janeiro/RJ
Tel./Fax: (21) 2516-5353
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www.quartet.com.br

2011
Impresso no Brasil
A Eleanor Coelho,
pelo seu apoio e estímulo.

Este livro é uma homenagem a Georges Ivanovich Gurdjieff,


o homem que iniciou o resgate do Eneagrama para nosso tempo
e dedicou sua vida ao desenvolvimento
harmonioso do ser humano.

“Lembrem-se desses encontros e das observações que fizeram,


porque é impossível estudar a ciência dos tipos
a não ser encontrando tipos. Não há outro método.
Tudo mais é imaginário.”

G. I. Gurdjieff
Agradecimentos

Agradeço a todos aqueles que colaboraram na construção


deste livro com seus depoimentos e vivências.
Eles são a base desta obra e sem essa participação
não valeria a pena tê-lo escrito.
Como ler, aplicar e tirar maior proveito deste livro . ...................27

Introdução ao Eneagrama
O legado de Georges Ivanovich Gurdjieff . .................................31

Algo sobre o valor objetivo de certos símbolos e as origens do Ene-


agrama segundo Gurdjieff; Aplicação psicológica do Eneagrama
nos ensinamentos de Gurdjieff; Os Três Grupos de Seres Humanos
Básicos e os Quatro Grupos Superiores de Seres Humanos segundo
Gurdjieff; A importância do estudo prático do Eneagrama para o auto-
conhecimento; O Eneagrama dos nove Traços Principais; Definições
de Gurdjieff para o estudo dos Traços Principais. Para além dos Nove
Traços Principais. A questão dos “Eus”. O Eneagrama interior.

Parte I
Centro Físico ou Motor (Tipos 8, 9 e 1) . ......................................75

O Tipo 8: O eu que confronta . .......................................................77

Então, vamos nos conhecer melhor ou não? O poder: a grande


fascinação dos “guerreiros” do Eneagrama; Como e por que os
Tipos 8 brigam desde cedo com “o mundo todo”; Para estar prote-
gido do mundo, é necessário controlar tudo; Lealdade e proteção:
algo valioso que se pode cobrar; Conquistando novos territórios...
sem limites; O Traço Principal: o excesso e a luxúria aumentam a
agressividade; Raiva e ação instintiva; A influência “negativa” dos
parceiros eneagramáticos 7 e 9: gula e indolência; Insensibilidade e
poder; Insensibilidade e violência: uma reflexão necessária; O Tipo
8 e o Tipo Intuitivo Extrovertido de Jung; Iniciando o processo de
mudanças positivas; Desenvolvendo o positivo das influências 7 e
9; Observando os movimentos a favor e contra a seta (do 8 ao 5 e
do 8 ao 2); Redescobrindo a simplicidade e a leveza da inocência:
a virtude que conduz ao poder verdadeiro.
O Tipo 9: O eu que espera . ...........................................................99

Um nome maravilhoso; A “doença do amanhã”. Os Tipos 9 são


preguiçosos? Esquecimento de Si Mesmo: eis causa do Traço Prin-
cipal! Deixando de lado o mais importante; A dificuldade de estar
presente; A questão do “território aberto” e “sem limites”; Iniciando
o processo de mudanças positivas; Observando a raiva: a influência
negativa dos parceiros 8 e 1; O negativo dos movimentos ao 6 e ao
3: reconhecendo o medo e a mentira; O Tipo 9 e o Tipo de Sensação
introvertida de Jung; O positivo do movimento 9–6–3; A influência
positiva dos parceiros 8 e 1; Lembrança de si mesmo: cultivando
as virtudes do amor e da reta ação.

O Tipo 1: O eu que ordena ..........................................................125

Ah, esses perfeitíssimos Tipos 1; O tipo1 e seu Traço Principal; Como


surgiu sua máscara; O próprio “território”; O melhor modo de evitar as
cobranças de perfeição; O surgimento da raiva e do ressentimento;
Movimento em direção à angústia; rigidez interna/externa; A face
oculta aparece; A divisão interna; Iniciando o processo de mudanças
positivas; movimentos do 1 ao 4 e do 1 ao 7; 9 e 2: uma influência
positiva ou negativa; O Tipo 1 eo Tipo de Pensamento Extrovertido
de Jung; O cultivo da virtude e da serenidade.

Parte II
Centro Emocional (Tipos 2, 3 e 4) . ............................................153

O Tipo 2: O eu que ama . .............................................................155

Existem seres mais amorosos que os Tipos 2? A sutileza do orgu-


lho; A “Identificação” e o Traço Principal: “Ser para os outros” como
manifestação do orgulho; “Ser para os outros” como consideração
interna; Ah, esses importantes “outros”! A necessidade de atrair a
atenção dos outros; O Tipo 2 e o Tipo de Sentimento Extrovertido de
Jung; A sensação de perder a liberdade; Duas razões para a mesma
conduta; Iniciando o processo de mudanças positivas; Aprimorando
a observação de si mesmo; Centrando-se na equanimidade do Ponto
4; 1 e 3: influências positivas e negativas; A humildade nos lembra
nossa real importância.

O Tipo 3: O eu que compete . ......................................................179

Aparentemente tudo está sempre bem com você, não? Como


o aparente sucesso externo produz a falta da felicidade interna;
Esquecendo as necessidades emocionais e sentindo-se superfi-
cial; A “Identificação” e o Traço Principal – A vaidade é mentirosa;
Aprendendo a mentir e a mentir-se; À procura da admiração e do
reconhecimento alheios; Quanto mais vaidade mais narcisismo;
As aparências enganam por isso o Tipo 3 gosta delas!; O Tipo 3 e
o caráter mercantil de Fromm; O 3 como falso “exemplo” de vida
certa; Procurando um “bode expiatório” para os fracassos; Para não
ter a mesma sorte de Narciso; Iniciando o processo de mudanças
positivas; Os movimentos no triângulo equilátero: verdadeiro sentir,
verdadeira ação, verdadeira esperança; O que evitar e o que aprender
com os parceiros 4 e 2; “A verdade os fará livres”: o desafio final.

O Tipo 4: O eu que idealiza . ........................................................209

A dificuldade de ser feliz; Lembrando outros exemplos; A inveja


que parece tristeza; O maravilhoso Krajcberg; A perda do para-
íso; A insatisfação com o presente; Felicidade... só de longe, só
desejada; A tristeza de não ser feliz no presente; O Tipo 4 e o Tipo
Intuitivo Introvertido de Jung; Quando sofrer se transforma na arte
de acabar com você; Iniciando o processo de mudanças positivas;
A observação dos companheiros eneagramáticos 3 e 5; O negativo
e o positivo dos movimentos aos Pontos 2 e 1; Trabalhando para
conseguir ser equânime; Superando “o vício do sofrimento”; Aplique
o conselho de Gurdjieff.
Parte III
Centro Intelectual (Tipos 5, 6 e 7) . ............................................239

O Tipo 5: O eu que pensa . ..........................................................241

Não quero invadir sua privacidade; A tendência ao isolamento ou


a sutileza da avareza; Como surge o Traço Principal? O medo e as
racionalizações (percebendo a dificuldade dos relacionamentos);
Desconfiança demais! Somatizando o medo; Talvez “sumir do
mapa” seja o mais correto! A tristeza de não poder sentir para não
sofrer a tristeza de sentir; Uma boa desculpa: “antes só do que mal-
acompanhado”; As armadilhas que separam os Tipos 5 da realidade;
O Tipo 5 e o Tipo de Pensamento Introvertido de Jung;A perigosa
invasão; Escrever é melhor que falar o que sinto; Iniciando o processo
de mudanças positivas; Observando o negativo dos Pontos 4 e 6;
As influências positivas dos pontos 4 e 6; Os movimentos 5 - 7 e 5
- 8; Enxergando a realidade tal qual ela é; O desapego: a virtude de
ficar entregue; A diferença entre conhecimento vivo e conhecimento
morto; A lição do geógrafo no Pequeno príncipe.

O Tipo 6: O eu que imagina . .......................................................273

Medo: o Traço Principal, ou como uma espada pode virar uma ben-
gala branca, segundo Woody Allen. Ambivalência: extrema covardia
ou extrema ousadia; Os filhos do casal ambivalência-medo;O Tipo 6
e o Tipo de Sentimento Introvertido de Jung; Como surgiu o Traço
Principal; Errar por medo do erro ou “Por que estão me castigan-
do?”; O mundo oculto: motivo de rejeição e de atração; Iniciando
o processo de mudanças positivas; Observando seus parceiros 5
e 7; Imaginação consciente: percebendo as “78 faces” da realida-
de; Conquistando a virtude da coragem e desenvolvendo uma “fé
consciente”; O valor da fé consciente.
O Tipo 7: O eu que projeta . .........................................................293

A alegre, maravilhosa e original turma dos 7! Negando o medo como


uma maneira de sentir liberdade; A decisão de ser um puer aeternus
(eterna criança); Hedonismo ou como os Tipos 7 decidem não sofrer
nunca; O Traço Principal – gula – e suas consequências;O Tipo 7 e
o Tipo de Sensação Extrovertida de Jung; Uma mistura perigosa:
gula e intemperança; A projeção para o futuro: os riscos do “sonhar
acordado”; Iniciando o processo de mudanças positivas; Quando
o movimento ao Ponto 1 aumenta seu narcisismo e excesso de
autoconfiança; A necessidade de sentir-se “livre” e seus aspectos
positivos e negativos; Seus parceiros 6 e 8 (tente pegar só o melhor
deles!); Controlando o sentimento de “inferioridade”; Problemas com
hierarquias e autoridades; Controlando a agressividade e a luxúria;
Conquistando a virtude do equilíbrio; Relacionando liberdade e
responsabilidade com o autoconhecimento.

Palavras Finais
O Eneagrama positivo e a possível evolução humana ...............321

Referências Bibliográficas . .......................................................331


Prefácio
Por Alaor Passos*

Confesso-me honrado por receber do autor o pedido para escrever


“um texto” para a reedição deste livro, o que faço com prazer. Ao mesmo
tempo ainda me sinto surpreendidamente intrigado ao dar-me conta da
sincronicidade da chegada do convite. Foi justamente quando eu aca-
bava de reler a edição anterior, cujo exemplar ele me havia presenteado,
com simpática dedicatória, quando nos conhecemos pessoalmente por
ocasião do Io Congresso Brasileiro de Eneagrama, SãoPaulo/2006, pro-
movido pela IEA/Brasil – Associação Internacional de Eneagrama – da
qual Khristian viria a ser presidente na gestão posterior. Daí para frente
nos encontramos várias vezes e transformamos a empatia mútua inicial
em consistentes laços de proximidade amiga, confiança, admiração e
intercâmbio de ideais transformadores, visando melhorar a qualidade e
o sentido da vida humana no planeta.
Para melhorar a qualidade de vida, faz-se necessária a elevação da
consciência humana planetária cuja aceleração, já perceptível, se faz
cada vez mais urgente e possível neste período de transição de milênios.
Transição esta que coincide com o fechamento/abertura de ciclos de
dimensões cósmicas, cujo alcance e consequências parecem estar muito
além da possibilidade de compreensão da consciência ordinária que
ainda prevalece entre os humanos. Daí a notória defasagem existente
entre o vertiginoso avanço tecnológico da civilização atual globalizante
e o baixíssimo nível de consciência coletiva e pessoal que permanece
estagnada na dormência do esquecimento de quem somos, como somos,
onde estamos, de onde viemos e para onde vamos.
A correria estressante do moderno jeito de “mal viver” trouxe em
seu bojo o aumento da angústia, da violência, dos conflitos inter e in-
trapessoais, da competição, do egoísmo, da perda de valores éticos e a
consequente sensação incômoda de vazio existencial. Poucos indivíduos,
em qualquer das camadas sociais, desde os mais ricos e sofisticados até
o extremo oposto das camadas mais pobres, conseguem escapar da ar-
madilha dos efeitos do “autoesquecimento” gerado pela engrenagem en-
louquecedora que criou o estranho jeito de viver da civilização moderna
que se sustenta no tripé do assim chamado “complexo industrial/militar/
tecnológico” que tem se expandido desde o fim da Grande Guerra.
Cada vez mais acentua-se o paradoxo que nos impede de gozar
plenamente e com felicidade das conquistas crescentes da tecnologia
altamente desenvolvida que, ao invés de bem-estar e melhor qualidade
de vida, tem nos roubado de nós mesmos, sem nos deixar tempo nem
motivação para nos dedicar ao desenvolvimento de nosso potencial
humano e às inquietudes do espírito, ou da essência transcendente da
vida que habita em nosso corpo. Cabe aqui uma paráfrase do que Ge-
raldo Vandré denunciava em sua bela canção que continua tão viva hoje
como quando foi criada nos idos anos sessenta. Refiro-me aos “indecisos
cordões”, propensos a morrer sem ter vivido, ou “morrer pela pátria
e viver sem razão”. Substitua-se a palavra “pátria” por civilização,
trabalho, profissão, posse, dinheiro, consumo ou o que quer que seja, e
mude-se o “viver sem razão” por vazio existencial, ausência de Ser, etc.
e talvez sejamos capazes de escutar o chamado do refrão: “vem, vamos
embora ...” que só labutar não é viver! “Quem sabe faz a hora” para
se autoconhecer e cultivar seu próprio Ser.
A releitura da edição anterior me deu muito prazer, além de ampliar
minha facilidade de compreensão do que já havia lido. Atribuo isto ao
fato de ter conhecido o autor e interagido com ele, podendo perceber a
profundidade de suas qualidades humanas, a solidez de seus conhecimen-
tos e seu estilo de falar e comunicar-se. A leitura tornou-se então uma
espécie de “conversa escrita” na qual Khristian permaneceu presente e
inteiro, por seu estilo coloquial de escrever, ao mesmo tempo erudito e
consistente, muito semelhante a seu jeito natural de falar. Entendi em
seguida que na convergência de nossos pensamentos, pontos de vista,
sonhos e esperanças, embora muitas razões pudessem ser comentadas,
salientava-se uma que é suficiente em si mesma. É que, por muitos anos,
ambos estivemos usando o Eneagrama como instrumento catalisador
no caminho do autoconhecimento, e observado o efeito transformador
que esta quase desconhecida e milenar sabedoria operava para melho-
rar a qualidade de vida dos iniciados. Por certo que ambos sabíamos
da existência um do outro, mas não nos conhecíamos, e nem estáva-
mos conscientes da afinidade que permeava nosso jeito de trabalhar.
Chegamos ao Eneagrama por caminhos diferentes, é certo, mas no
encontro pessoal ficou evidente que tínhamos o mesmo zelo e a mesma
esperança que nos fez preservar a pureza dos ensinamentos tal como
haviam sido originados nos elos primordiais de sua origem secreta e de
sua transmissão sutil através de milênios.
De minha parte, tive a sorte de receber ensinamentos diretamente
de Claudio Naranjo, acompanhando-o muito de perto nos últimos
trinta anos e reconhecendo-o como o legítimo elo atual da corrente de
transmissão milenar desta sabedoria hermética que chegou ao Ociden-
te primeiro através do trabalho de Gurdjieff na Europa e em seguida
vetorizada por Oscar Ichazo, com grande impacto nas Américas. O
bastão da maestria foi logo passado a Claudio Naranjo, um psiquiatra
gestaltista, buscador e pesquisador incansável que desenvolveu e am-
pliou pioneiramente e com brilhantismo ímpar aquilo que Ichazo havia
introduzido em Arica, Chile apenas elementarmente no que se refere à
aplicação do Eneagrama ao estudo da personalidade. Naranjo criou o
que veio a ficar conhecido como Psicologia dos Eneatipos para a qual
proveu ampla e completa descrição de toda a tipologia à qual Ichazo
fez menção apenas dos seus fundamentos básicos nos tempos de Arica.
Do massivo e ainda crescente interesse despertado pelo tema, que já
dura quatro décadas, muitos nomes gabaritados foram se destacando
em muitos lugares. Foge a meus propósitos contar aqui essa história,
por isso não desenvolvo mais que este pequeno trecho. Sem deixar de
dizer que embora Naranjo tenha feito reconhecimento público de que
Oscar Ichazo foi sua “parteira espiritual” ele também afirma que no
concernente ao Eneagrama como instrumento de estudo aplicável ao ser
humano, foi pouquíssimo o que Ichazo lhe ensinou em comparação com
tantas outras coisas que aprendeu dele. Desta forma, fica evidenciado
que toda a descrição tipológica que viria circular em abundante número
de livros, deve créditos a Naranjo, mesmo aqueles que não explicitam
o devido reconhecimento.
Da parte de Khristian Paterhan C., por outro lado, o leitor verá neste
livro a história contada por ele mesmo de como chegou ao Eneagrama.
E reconheço-lhe o mérito da difícil tarefa que empreendeu com sucesso
para extrair diretamente dos herméticos ensinamentos de Gurdjieff a base
de seus conhecimentos tão consistentes. Ouvi-o reconhecer, na presença
de Naranjo, que as descrições explícitas derivadas da Psicologia dos Ene-
atipos foi de considerável ajuda para permitir-lhe entender as passagens
habilmente disfarçadas e não sistemáticas de onde ele conseguiu extrair
a mesma tipologia por meios tão originais. Tal reconhecimento apenas
faz crescer minha admiração e respeito por sua integridade humilde e
sincera, uma de suas notáveis qualidades humanas.
Imagino que o dito até aqui seja suficiente para justificar meu empe-
nho para atender o pedido honroso que recebi do autor, e me dá opor-
tunidade para acrescentar algo mais substancial sobre a convergência do
trabalho que ambos viemos fazendo paralelamente ao longo de anos.
Só recentemente me dei conta que Khristian e eu fomos pioneiros
da introdução do Eneagrama no Brasil, sem saber um do outro. Talvez
tenhamos sido os dois primeiros, numa considerável sincronicidade e
quase perfeita simultaneidade. Ambos começamos no início da década
de oitenta. Ele desenvolvendo o que veio a ser seu prestigioso Instituto
IDHI conforme menciona no livro, tornando-se uma referência nacio-
nal confiável que tem ajudado a muita gente, com ênfase especial em
sua atuação no meio empresarial por onde transita com desenvoltura
profissional fluida e marcante.
Apenas um pouquinho antes (1984) eu tive a grata oportunidade de
trazer Claudio Naranjo ao Brasil para um primeiro seminário longo. Daí
para frente suas vindas anuais consecutivas, até hoje têm propiciado a um
grande número de pessoas estudar o Eneagrama em profundidade e eu
me tornei seu braço direito brasileiro na qualidade de discípulo e repre-
sentante nacional. É disto que falarei em seguida. Aprendi diretamente
dele tudo que pude absorver de nossa convivência estreita e colaboração
longa e profícua. Dei alcance nacional a seu trabalho criando grupos de
estudo de Eneagrama em muitas das principais cidades brasileiras. Criei
o Instituto Eneasat do Brasil, um veículo administrativo para organizar
e promover os ensinamentos da Escola SAT, sob a maestria de Naranjo,
da qual passarei a falar na sequência.
A Escola SAT internacional não é uma instituição física/admi-
nistrativa. Ela é a guardiã de um corpo de conhecimentos inserida
nos moldes de uma Escola do Quarto Caminho que funciona à luz do
Eneagrama, enriquecido de inúmeras atividades multidisciplinares de
cunho especificamente terapêutico que ajuda a “passar a vida a limpo”
para que a sabedoria do Eneagrama opere com mais inteireza e veloci-
dade, maximizando seu potencial condutor do autoconhecimento levado
a níveis ilimitados, pois ilimitado é o potencial de evolução possível ao
ser humano que consiga alcançar a iluminação.
Os eventos através dos quais a Escola transmite seus ensinamentos
consistem de módulos vivenciais periódicos e intensivos de imersão
total. Em tal formato as obrigações mundanas do entorno sócio/
familiar/profissional, que todos temos que executar por razões de so-
brevivência visando adequado grau de sucesso em nossas atividades
regulares, podem ser realizadas sem interferir com a dedicação à busca
das qualidades superiores de vida que são intrínsecas ao autoconheci-
mento. Faz parte do aprendizado a necessidade de “aprender a apren-
der”, expressão derivada de um aforismo da tradição eneagramática
de linhagem Sufi que afirma que no caminho da evolução é preciso
“aprender a estar no mundo sem ser do mundo”. Ou seja, estar to-
talmente inserido e ter êxito nas responsabilidades mundanas, porém
desapegadamente delas, conduzindo conscientemente o próprio destino
independentemente das circunstâncias externas do entorno em que
se vive. Portanto sem necessidade de renúncia ao mundo ou refúgio
isolado com pretensos propósitos “espiritualizantes”. Talvez Gurdjieff
estivesse inspirado nesta sintonia quando proferia algumas de suas
afirmações chocantes, como por exemplo, “mosteiro não é refúgio de
proteção para fracassados” ou ainda, a ênfase dada à necessidade de
que o buscador da transcendência espiritual deveria ser primeiro um
vencedor no mundo, capacitando-se para prover suas próprias neces-
sidades mundanas com sobra suficiente para atender as necessidades
básicas de pelo menos vinte pessoas mais.
A Escola SAT, moldada nos figurinos do Quarto Caminho intenciona
propiciar o desenvolvimento harmônico do Ser integral, onde torna-se
possível manter o equilíbrio da saúde corporal/emocional e simultane-
amente cultivar-se e desenvolver a inteligência espiritual que é a meta
principal que pode ser atingida no trabalho sobre si mesmo direcionado
ao autoconhecimento.
A sigla “SAT”, que dá nome à Escola, necessita alguns comentários
para ser corretamente entendida. Quando escrito por extenso o nome
completo seria: Escola de Buscadores da Verdade – Teekers After Truth,
no original inglês – cujas primeiras letras das três palavras formam a sigla
que veio a ficar conhecida. Além da referência explícita a uma conhecida
Ordem de linhagem Sufi ela contém outros significados relevantes.
O primeiro deles tem a ver com o prefixo sânscrito que antecede a
trindade conhecida no hinduísmo como SaT – Chiti-Ananda, onde SAT
tem o significado de existência absoluta, ou Ser Essencial Absoluto.
Traduzindo-se para o contexto aportuguesado do autoconhecimento
podemos então entender o significado da Escola como sendo uma escola
do Ser, e/ou para o Ser, que contém uma proposta e uma oportunidade
para o resgate do próprio Ser essencial que habita em todos nós. Por-
tanto, está em consonância com mais uma das quatro recomendações da
Unesco para orientar o conteúdo da educação moderna. Anteriormente
já fizemos referência a “aprender a aprender”, que é outra das quatro
recomendações atuais para serem ensinadas pela educação do século
XXi. Talvez seja oportuno aqui mencionarmos as duas faltantes que
são respectivamente “ensinar/aprender a fazer” e “ensinar/aprender a
conviver”.
Uma delas (ensinar a fazer) é a única que em seu sentido convencional
mais superficial é atendida, embora precariamente, pelo modelo educa-
cional oficial da educação profissionalizante vigente entre nós. Ou seja,
é certo que nosso sistema educacional se propõe ensinar a fazer, mas
na prática está mais dedicado a transmitir informações para ensinar a
passar em exames, até que o aluno consiga aprovar-se num certo número
de provas suficientes para obter um diploma ou certificado profissional.
Depois que consegue, podemos observar generalizadamente falando,
que dificilmente alcança um estado de plenitude profissional onde sente
que exerce sua vocação como expressão do seu Ser. É provável que viva
enorme frustração ao dar-se conta que apenas venceu etapas necessárias
à sobrevivência mundana e a intensidade do esforço continuado logo
vai lhe custar a saúde e o sentido de viver. Mas ampliar a discussão
disto foge ao escopo dos propósitos deste texto. O fazer prático, via de
regra, tem que ser aprendido fora do contexto escolar e quase sempre
a posteriori, quando se consegue o primeiro emprego. Este é um fato
amplamente conhecido pelas gerações que saem dos bancos escolares,
com ou sem o respectivo diploma.
Entretanto, à luz das demais recomendações, parece óbvio que
a Unesco pretende recomendar mais do que o significado profissio-
nalizante do termo “fazer”. Basta lembrar certas afirmações de Gurd-
jieff – também um Buscador da Verdade da Ordem Naquishbandi do
Sufismo – para que se percebam os significados mais profundos desta
recomendação. Ele afirma que o Homem, em seu estado ordinário de
consciência não sabe fazer. Aliás, suas afirmações são mais radicais e
pioram a situação, pois o que ele diz é que o Homem, em sua condição
humana ordinária, é incapaz de realmente fazer qualquer coisa. Não
sabe o que fazer pois foi condicionado apenas para reagir, tornando-se
uma máquina automática e adormecida, e não ativa mas apenas reativa
aos estímulos externos que não vem do núcleo do Eu superior. Uma
pluralidade de pequenos “eus”, desconhecidos entre si, se alternam em
sucessivos plantões que perpetuam o estado de sono da máquina huma-
na ordinária, impedindo-a da habilidade de realmente fazer, o que só
acontece quando os centros superiores do Eu estejam deliberadamente
ativados. Ou seja, apenas quando o indivíduo se educa verdadeiramente
até atingir um grau mínimo de consciência ativa ele se torna verdadei-
ramente capaz de fazer por si próprio, cujo significado vai muito além
da reatividade automática da dormência que caracteriza nossa condição
humana “normal”. Estou aproveitando o livro de Khristian, tão soli-
damente embasado nos ensinamentos de Gurdjieff, para atrever-me a
mencionar este sentido mais profundo de “fazer”, pois em nossos bancos
escolares seriam pouquíssimos os que talvez pudessem vislumbrar algum
sentido no que acabei de escrever resumidamente. Declaro apenas, para
completar, que esta conclusão vem da minha experiência como pro-
fessor universitário. Penso, inclusive, que só uma pequena minoria de
meus colegas professores estaria apta a compreender adequadamente o
sentido deste parágrafo. A maioria, infelizmente, além da incapacidade
de compreensão sequer teria interesse no tema e na forma que estou
expondo. Não é à toa que Idris Shah, quando desistiu de seus grupos
latino-americanos para os quais pretendia ensinar o Sufismo, afirmou
que o povo daqui não tinha ainda a capacidade para compreender a
sabedoria que seus ensinamentos poderiam atingir.
A restante das quatro recomendações da Unesco refere-se a ensinar/
aprender a conviver de forma sadia. Mas como, dado que nosso siste-
ma educacional incentiva a competição em graus altíssimos? Que dizer
então do “bullying” e da violência que lastra nas escolas ocidentais em
crescente e vertiginosa velocidade? Como alcançar um relacionamento
pacífico e solidário entre os povos e nações, quando o próprio modelo
educacional predominante prepara os jovens para o contrário disto?
Nem as famílias, em larga extensão, são capazes de criar e incentivar
valores de genuíno relacionamento pacífico e harmônico.
Que fazer, então? Certamente que esta pergunta não tem o mesmo
significado da pergunta de Lenin na Rússia nos anos vinte do século
passado. Nem sua resposta pode ser semelhante à que ele tentou. Mas,
será que conseguiremos coletivamente sair deste labirinto abismal? Con-
fesso que estou entre os que ainda não perderam a esperança, mas não
vislumbro soluções fáceis. Por isso peço desculpas ao leitor por não me
alongar mais na explicação dos outros significados aplicáveis à palavra
SAT que dá nome a nossa Escola. Os que tiverem interesse podem en-
contrar mais referências em outros livros meus, ou principalmente em
vários dos muitos livros de Claudio Naranjo. Mais informações podem
também ser encontradas no site da Fundação Cláudio Naranjo (www.
fundacionclaudionaranjo.com) ou mesmo no site do Instituto EneaSat
(www.eneasat.com.br).
Prefiro dedicar as linhas seguintes para tratar de aspectos mais subs-
tanciais das atividades da Escola. Ao reconhecer que pertenço ao grupo
dos que ainda não perderam a esperança, devo acrescentar que atribuo
isso ao SAT. Os mais de trinta anos de exposição aos ensinamentos de
Naranjo e as décadas de dedicação à Escola são os pilares onde minha
esperança se afirma. Também não perdi o entusiasmo, entendido em seu
significado etimológico mais remoto = “estar com Deus dentro”.
Ao longo dos setenta anos de minha vida o mundo deu muitas voltas
e me fez passar por muitas curvas. Mas ambos, esperança e entusiasmo,
permaneceram quase juvenis. Como nos tempos de estudante quando
enfrentamos a ditadura militar mergulhados nos filões do marxismo.
Fui parar no exílio, primeiro no Chile sem deixar de querer mudar o
mundo pela força das balas. Por curto tempo, quando posteriormente
fui estudar na Inglaterra, ajudei a engrossar os cordões que sonhavam
com os nobres ideais da frustrada Revolução Universitária, começada
na França em maio de 1968 e rapidamente espalhada pelo mundo. Vejo
hoje que a alternativa de ir estudar na Europa foi um presente que a vida
me deu para não ter morrido ao lado de Che Guevara na aventura da
Bolívia. Quase fui, se não tivesse “amarelado” na hora “H” decisiva de
comprometer-me com a viagem acabaria sem volta.
Que os três parágrafos anteriores sirvam para a compreensão de
um aspecto da Escola que introduzirei agora. Tem a ver com minhas
inquietudes a respeito da educação atual e com a vontade de contribuir
para mudar o mundo. São duas das sementinhas que ainda permanecem
hibernadas bem no âmago de meu Ser.
A Escola SAT tem múltiplas vertentes, todas permeadas por um
fio condutor invisível que os une. Por isso afirmo que nossos eventos
acontecem sob a Luz da sabedoria guardada no Eneagrama.
Mencionarei apenas uma das vertentes. É a que vem ganhando corpo
ao longo da última década. Ao público foi apresentada primeiramente
por sucessivas conferências de Naranjo em muitos lugares, inclusive na
UnB, acho que em 1998/99 com o título: “Uma Nova Educação Verda-
deira para o Século Vinte e Um”. Em seguida viria seu livro, Mudar a
Educação para Mudar o Mundo, traduzido e publicado em português
pela editora Esfera, de São Paulo. Nasceu de uma experiência piloto que
fizemos no Chile, em três módulos, durante o primeiro governo demo-
crático que sucedeu a longa ditadura militar que derrubou o governo
democrático e socialista do Presidente Allende. Reunimos professores
universitários representantes de todas as universidades públicas chilenas
selecionados e auspiciados pelo Ministério da Educação local.
A semente germinou em alguns países dos quais não falarei aqui.
Atenho-me apenas ao Brasil. Coube a mim, em 2007/2008 implantar
na capital de Rondônia um Projeto Piloto, também de três módulos,
para cerca de 80 professores de educação primária e média selecionados
e financiados pela prefeitura de Porto Velho, através de sua Secreta-
ria Municipal de Educação (SEMED). Dirigi, como representante de
Naranjo, uma equipe grande e multidisciplinar, porém especializada na
Escola, cujos membros se alternaram conforme o conteúdo vivencial
de cada módulo. O relatório da experiência completa transformou-se
num pequeno livro publicado pelo Instituto Eneasat com o título: SAT
na Educação – a experiência pioneira dos professores de Porto Velho
e a humanização da educação. Foi uma experiência muito exitosa, em-
balada no sonho de humanizar os educadores para que humanizem a
educação, pelo menos no entorno individual onde cada um atua. Fomos
movidos pela certeza de que podemos (e devemos) ajudar a formar os
formadores das novas gerações. Aliás, esta é uma das afirmações sempre
presente nos projetos nascidos na vertente que tem ficado conhecida
como SAT-Educação, ou SAT-educ, em vários países e lugares.
Uma experiência puxa outras e assim o SAT tem avançado na educa-
ção, embora em ritmo mais lento que o desejável e necessário. A situa-
ção calamitosa da educação oficial tem crescido em ondas gigantes que
prenunciam tissunames globais iminentes. Temos que sair fora dos mo-
delos oficiais da “deseducação” acumuladora de informações, se nosso
propósito é salvar os contingentes juvenis cujos sonhos foram reduzidos
ao pesadelo de ter que ser aprovado no exame vestibular para poder
conquistar um título profissional que lhe dê a ilusão de haver conquis-
tado um lugar ao sol. Sol escaldante, inóspito e desértico de conteúdos
humanizadores. Este é o resumo da situação prevalecente, embora os
arautos das políticas e reformas “educacionais” sigam batendo na mesma
tecla falida. Parecem ter uma obsessão quantitativa apoiada apenas em
números estatísticos. De qualidade nada entendem, nem parecem inte-
ressados. Por isso insistem em dar mais do mesmo, sem sequer perceber
a infecção epidêmica intrínseca ao modelo que continuam defendendo,
aplicando e fingindo que querem reformar apenas retocando curriculum
e aumentando a informação. Nem se dão conta que hoje esta já está
amplamente disponível na internet. O que realmente estão aumentando
é a quantidade de analfabetos funcionais, que saem alfabetizados das
escolas mas não sabem ler. Todos intoxicados pelo acúmulo da ingestão
forçada de “mais do mesmo” indigerível e inabsorvível. O que a educação
realmente precisa, além da quantidade numérica não é de reformas, mas
sim de uma radical mudança de parâmetros.
Humanização? Valores humanos? Cultivo das emoções superiores
e repúdio à “virtudização” moralista? Sentido de vida, alegria de vi-
ver, harmonia pacífica nos relacionamentos, afetividade, intimidade
confiante? Nada disso importa, pensam os políticos e os burocratas
educacionais. Pensam que seria um luxo afrontante num país que se-
quer tem escolas em quantidade suficiente. Portanto, há que investir
recursos no básico e assim poder exibir números e estatísticas só de
melhoras quantitativas. Como não sabem (ou não se interessam?) medir
a qualidade, então tratam de vender a ilusão de que estão empenhados
em melhorar o ruim. Não percebem (ou não querem perceber?) que
o ruim já ultrapassou o péssimo, sem volta atrás. Tentar melhorar o
ruim receitando mais do mesmo que está produzindo o mal só pode
empurrar o que está mal para o péssimo. Qual será o nível seguinte?
Será que alguém que tenha poder de decisão se interessaria em mudar
os parâmetros educacionais para propor, por exemplo, a mudança na
ênfase dada à medição do PIB (Produto Interno Bruto) por, digamos,
FIT (felicidade interna total)? Ou IRC (índice de renda per capita)
por IFP (índice de felicidade pessoal)? Parece que estamos longe de
tais inquietudes, que são ausentes na cabeça dos poderosos e dos
burocratas.
O conteúdo intrínseco da escola SAT, em qualquer de suas vertentes,
é a Reeducação Permanente integral e humanizadora. Há umas quatro
décadas a Unesco já sinalizava nesta direção. Só mais recentemente, en-
tretanto, com as quatro recomendações, que comentamos, os caminhos
foram alargados e pavimentados. Fora do sistema oficial dominante,
sobretudo nas chamadas vias alternativas ou nas Escolas do Quarto
caminho é que multidões crescentes buscam direcionamentos para encon-
trar e percorrer as trilhas rumo ao novo e ao desconhecido. A maioria,
entretanto, ainda se ilude e pensa que está percorrendo os trilhos soli-
damente construídos de uma ferrovia imaginária. Embora estressados,
famintos e sedentos, marcham com determinação e esforço admiráveis,
conduzidos por miragens alucinantes que aparecem sempre um pouqui-
nho à frente. Que acontecerá quando perceberem, massivamente, que
a estrada solidamente construída que estão tentando percorrer os está
levando do nada a lugar nenhum?
Prezado leitor, para terminar, falta dizer-lhe uma coisa muito impor-
tante. A importância dela é proporcional ao gosto/desgosto que você
tenha tido ao ler tudo que escrevi nas páginas anteriores. Esperando
que você tenha gostado, então vou lhe dar uma dica secreta, pois sei
que todo mundo gosta de segredos, principalmente quando os tornam
públicos, fingindo guardá-los.
Meu segredo é o seguinte. No livro que você tem em mãos, você en-
contrará tudo o que escrevi aqui e muito mais. Melhor ainda, o livro está
bem escrito e é sumamente consistente. Espero que além de divertir com
o estilo peculiar e cativante de Khristian Paterhan C., você se abra aos
grandes segredos embutidos no tema desenvolvido tão magistralmente
por ele. Mais ainda, que você se motive o suficiente para participar vi-
vencialmente dos eventos periodicamente disponíveis que lhe conduzirão
da simples compreensão teórica a níveis inimagináveis de compreensão
interna transformadora. Compartilho com Khristian principalmente
desta intenção de usar o Eneagrama como poderoso instrumento de
verdadeira transformação, individual e coletiva. Que você faça bom
proveito do que este livro lhe dirá, são meus genuínos desejos.

*
Sociólogo e professor adjunto da Universidade de Brasília – UnB. Foi funcionário
internacional das Nações Unidas, lotado na CEPAL, em Santiago, Chile, e no ILPES, no
México. Assessor da OECD, em Paris. “Visiting Scholar” no Peace Research Institute,
Oslo, Noruega, 1968, com publicações em revistas locais especializadas.
Introduziu o estudo da Psicologia dos Eneatipos no Brasil no princípio dos anos 80.
Discípulo de Claudio Naranjo desde então. Ensina à luz do Eneagrama nas principais
capitais brasileiras desde 1992. Já ministrou cursos na Austrália, Chile, México, Colômbia
e Itália e participou de Congressos Internacionais na Espanha, França e Estados Unidos.
Membro da equipe internacional de terapeutas da Escola SAT, organiza e coordena suas
atividades no Brasil como representante de Claudio Naranjo. Fundador e diretor do Ins-
tituto EneaSAT do Brasil é membro fundador e Presidente da IEA Brasil - International
Enneagram Association.
Como ler, aplicar e tirar
maior proveito deste livro

Antes de ensinar como utilizar melhor este livro devo advertir que,
para compreender realmente o Eneagrama, não basta ler um ou vá-
rios livros sobre o assunto. É fundamental participar de um ou vários
workshops vivenciais, compartilhar e trocar experiências com pessoas
que possuam o mesmo Traço Principal (Tipo), ouvir o que pessoas com
outros Tipos/Traços Principais dizem a respeito de si mesmas.
Sem vivência é impossível sentir e compreender toda a força e sabe-
doria que esta ferramenta possui.
Se você está lendo sobre o assunto pela primeira vez, aconselho ler
este livro da seguinte maneira:

1. Faça o Teste Simplificado disponível no site da Escola de Eneagrama,


ou copie este link no seu browser: http://www.escolaeneagrama.com.br/
view/teste-de-eneagrama/

O resultado do Teste permitirá que você tenha uma visão inicial e


básica do seu Tipo de Personalidade Eneagramático Principal que será
aquele com maior número de respostas afirmativas. Quanto mais você for
sincero(a) e honesto (a) nas suas respostas, mais serão as probabilidades
de identificar rapidamente seu Traço ou Tipo de Personalidade Principal.
Lembre-se de que dessa atitude depende que o Eneagrama se transforme
em um “aliado” da sua evolução e crescimento pessoal e profissional.

2. Leia neste livro as descrições, depoimentos e orientações relaciona-


das ao Tipo de Personalidade Eneagramático identificado. Caso tenha
dúvidas entre dois Tipos, leia as descrições de ambos.

É muito provável que após a leitura desses Tipos escolhidos, você terá
mais certeza sobre qual é o seu Traço ou Tipo Principal. Reflita sobre
seu Tipo e decida o que, em seu caso, você deveria começar a trabalhar
e observar para aprimorar sua personalidade.
28 Khristian Paterhan C.

Os Tipos de Personalidade Eneagramáticos estão agrupados de acor-


do com o Centro ao qual pertencem, ou seja: os Tipos 8, 9 e 1 (Grupo
de Seres Humanos cuja vida psíquica está relacionada com o Centro do
Movimento ou Centro Físico); os Tipos 2, 3 e 4 (Grupo de Seres Humanos
cuja vida psíquica esta relacionada com o Centro Emocional) e os Tipos
5, 6 e 7 (Grupo de Seres Humanos cuja vida psíquica está relacionada
com o Centro Intelectual).

3. Leia os Tipos que acompanham seu Tipo Principal-chamados de


“asas”, “braços” ou “companheiros eneagramáticos”. Por exemplo,
se você é um Tipo 3, leia as características dos Tipos 2 e 4 e veja
como elas o influenciam. Se você é um Tipo 5, leia os Tipos 4 e 6 e
assim por diante.

4. Leia as características dos Tipos relacionados com seus movimentos


imediatos no Eneagrama. Por exemplo, se você é Tipo 5, o “movi-
mento a favor da seta” é para Ponto 7 e o movimento contra a seta é
para Ponto 8 do Eneagrama. Leia e reflita nestes Tipos Eneagramáti-
cos e tente observar como se dá em você a influência deles, tanto
positiva como negativamente.

5. Estude todos os Tipos. Lembre-se que no seu mundo interior estão


todos os Nove “eus” eneagramáticos e que você deve conhecer cada
um deles profundamente para torna-lhos seus aliados. Verifique que
aspectos negativos dos outros Tipos se dão em você e quais aspectos
positivos você deveria imitar e /ou fortalecer.

6. Inicie a Observação e Lembrança de si mesmo.

Lembre-se de que você não é a máscara (personalidade) e que pode


aprimorar-se, aperfeiçoar-se e ser cada dia melhor como ser humano.

7. Comece a pôr em prática o Eneagrama. Participe de nossos treina-


mentos, seminários e workshops vivenciais sobre este assunto. Pouco
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 29

a pouco, com a prática você poderá identificar os Tipos Eneagramá-


ticos de seus clientes, colegas de trabalho, amigos e parentes. Sua
capacidade de comunicação interpessoal vai melhorar porque você
será capaz de compreender como os “outros” interpretam a realida-
de. Aprenda a tratar cada Tipo segundo suas características tipo-
lógicas, despertando e estimulando o melhor de cada um e de cada
situação.

8. Aprenda em nossos workshops e treinamentos como aplicar o Enea-


grama nos seus negócios e/ou relacionamentos profissionais, pratican-
do o melhor modo de se relacionar e negociar com cada tipo, anali-
sando quais os aspectos positivos e negativos de cada um e geran-
do uma comunicação mais produtiva. Lembre-se de que cada Tipo
Eneagramático observa o mundo de um ângulo diferente. Aprenda a
perceber quais as motivações de cada Tipo. Argumente de acordo com
essas motivações e melhore seus relacionamentos pessoais, profissio-
nais e comerciais.

Se você é empresário e deseja fazer um treinamento específico com os


seus colaboradores, leia o Portfólio e depoimentos de clientes disponível
no site: http://www.escolaeneagrama.com.br/view/home/
Introdução ao Eneagrama
O legado de Georges Ivanovich Gurdjieff
(o homem que trouxe o Eneagrama para o Ocidente)

Esta introdução foi escrita para aqueles que desejam aprofundar


nas origens filosóficas do Eneagrama. Caso você deseje, leia após ter
feito o Teste Simplificado e/ou terminado a leitura do seu Tipo de Per-
sonalidade.
Hoje em dia podemos afirmar que Georges Ivanovich Gurdjieff
(1872-1949), criador do sistema de desenvolvimento humano conhecido
internacionalmente como Quarto Caminho, foi um dos mais notáveis
transpessoalistas modernos. Sua obra que, como alguém acertadamente
escreveu, somente por ignorância é colocada nas prateleiras das cha-
madas “obras esotéricas” (as quais ele sempre desprezou, advertindo
sobre seus perigos e extravagâncias), se mostra, a cada ano que passa,
mais atual e exata. Os livros que ele escreveu guardam, para quem os
estuda, reflete e pratica, preciosos tesouros, frutos de uma das sínteses
mais valiosas do conhecimento psicofilosófico do Oriente e do Ocidente.
Não vou fazer aqui um resumo da sua biografia, nem escrever sobre o
que já está escrito em centenas de livros e comentários, alguns dos quais
traduzidos para o português e que cito na bibliografia.
O legado de G. I. Gurdjieff é hoje um dos mais importantes, espe-
cialmente neste momento em que a humanidade precisa dar um “salto
quântico” no seu desenvolvimento como espécie.
Foi ele quem trouxe ao conhecimento do Ocidente, há mais de 80
anos, a existência do Eneagrama, milenar símbolo-síntese criado por
sábios de uma época esquecida na qual as ciências exatas e a “psicologia
da possível evolução humana”, como a chamava Piotr Demianovich
Ouspensky, um de seus mais notáveis discípulos, estavam ligadas.
Quem deseje conhecer e praticar a filosofia de vida ensinada por
Gurdjieff e contida no Eneagrama, pode estabelecer contato com
a Escola de Eneagrama “Khristian Paterhan C.”, e/ou pesquisar
sobre outros grupos de trabalho de Quarto Caminho no Brasil e no
mundo.
32 Khristian Paterhan C.

Gurdjieff foi um profundo conhecedor das psicofilosofias e tradições


antigas, e teve acesso, por meio de uma misteriosa ordem secreta cha-
mada Sarmung, aos “fragmentos de um ensinamento desconhecido”
(P.D.Ouspensky), cujas origens se perdem na noite dos tempos e se ligam
com a extraordinária cultura sumério-babilônica, hoje reconhecida
pelos historiadores como uma das mais avançadas da Antiguidade em
termos culturais e científicos. Atualmente seus ensinamentos deveriam
ser tratados com “espírito científico”, já que estamos em condições cul-
turais de completar e compreender – para benefício da nossa espécie e
graças aos níveis que temos atingido nos campos das ciências humanas
e exatas – esse “quebra-cabeça” do conhecimento humano, do qual ele
nos deixou tantos e valiosos “fragmentos”.
Com efeito, Gurdjieff afirmava que existiu, num remoto passado, um
“Grande Conhecimento”, do qual faziam parte todas as ciências, artes
e filosofias e de cuja existência pouco ficou registrado na história escrita
da humanidade. O Eneagrama, segundo ele, fazia parte desse “Grande
Conhecimento” que unificava todas as coisas.
Com o intuito de promover maiores níveis de consciência entre os
seres humanos e tendo como objetivo incentivar “a unidade de todas as
coisas”, Gurdjieff fundou na França, em 1922, o Instituto para o De-
senvolvimento Harmonioso do Ser Humano, mediante o qual atualizou
parte desses antigos ensinamentos.
Sua obra atraiu importantes personagens de todas as áreas do co-
nhecimento humano, muitos dos quais inspirados pelos ensinamentos
que revelou de uma forma incomum, os incorporaram às suas áreas de
atuação profissional com excelentes e notáveis resultados.
Seu trabalho foi pioneiro no sentido de demonstrar objetivamente
que existem níveis de consciência passíveis de serem desenvolvidos
mediante práticas exatas. Muitos anos antes que se falasse sobre temas
como “ecologia”, “psicossomática”, “relatividade”, “inteligência emo-
cional”, “holismo”, “psicologia transpessoal” e outros assuntos que
hoje se abordam cada vez com mais facilidade e objetividade, graças
aos avanços das ciências, Gurdjieff já os tratava com uma profundidade
que se mostra cada vez mais exata e completa.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 33

Tive o privilégio de conhecer sua proposta e o Eneagrama na déca-


da de 80, no meu país, Chile, por meio de pessoas muito especiais que
desejam permanecer no anonimato.
Desde então, nunca parei de pesquisar, trabalhar e difundir o legado
deste homem notável e faço isso como ele ensinou, para pagar parte da
minha “divida com a existência”.
Foi justamente com o objetivo de divulgar e dar um enfoque mais
abrangente das ideias de Gurdjieff e da sua relação com outras linhas
filosóficas do Oriente Antigo,1 que fundei em 1986 o Instituto para el
Desarrollo Humano Integral, IDHI®, no Chile. Seis anos depois (1992)
refundei-o aqui no Brasil, com o apoio de amigos muito especiais, alunos
e discípulos. As atividades do IDHI® foram encerradas no ano 2005,
para dar inicio a uma nova fase de trabalhos a través da atual Escola
de Eneagrama “Khristian Paterhan” www.escolaeneagrama.com.br
e da minha empresa a “Upgrade Nine-Consultoria e Treinamento de
Pessoal Ltda.”, “instrumentos” através dos quais possibilito o trabalho
de desenvolvimento humano, tanto pessoal quanto profissional, de todos
aqueles que almejam o autoconhecimento e a realização integral como
seres humanos.
Devo advertir que o Eneagrama não está atrelado a qualquer “tra-
dição mística” nem é “propriedade” de qualquer escola ou instituição
conhecida na atualidade. Sua natureza em termos de exatidão e objeti-
vidade é única, e já se tem realizado estudos, teses e pesquisas empíricas,
algumas das quais disponíveis na internet.
Nas últimas décadas, o trabalho de Gurdjieff sofreu ataques de
setores interessados em provocar o “esquecimento” da sua obra, assim

1
As quais tive a oportunidade de aprender vivencialmente desde os 15 anos de idade
Entre elas a Filosofia Vedanta Advaita, uma das principais linhas filosóficas da India,
o Budismo, sistema psicofilosófico pelo qual Gurdjieff tinha uma especial simpatia, e
o Hermetismo, filosofia milenar de origem egípcia, especialmente difundida na Europa
durante a Idade Média e cujas origens estão relacionadas com as lendas ancestrais de
Thot-Hermes.
34 Khristian Paterhan C.

como em diminuir sua importância especialmente no que se refere aos


seus conhecimentos sobre o Eneagrama. Não me parece estranho que
se tenha combatido tanto o “sistema” de Gurdjieff nem que se tenham
feito tantos esforços para desacreditá-lo, porque estas são as maneiras
mais comuns de se tratar os grandes mestres e gênios.
Esses mesmos setores não podem evitar que os ensinamentos de
Gurdjieff se tornem cada vez mais conhecidos e aplicados em diversos
campos da atividade humana e no mundo todo. Um desses setores tentou
– e ainda tenta – provar que Gurdjieff não teria ensinado as aplicações
psicológicas do Eneagrama. Porém, uma análise fria e serena da sua
obra pode demonstrar que ele não somente conhecia suas aplicações
psicológicas profundamente, como também as utilizava para explicar
outros fenômenos universais com total mestria, como o demonstra nos
seu livro Relatos de Belzebu a seu neto, obra já traduzida para o portu-
guês. Demonstrarei isto nesta introdução ao tema.
É importante advertir também que ninguém pode se atribuir a “inven-
ção” do Eneagrama como ferramenta de desenvolvimento humano. Do
mesmo modo que dizemos que Pitágoras “criou” “seu” famoso teorema
e ficamos muito tranquilos sem perceber que estamos demonstrando
uma tremenda ignorância, já que ele não criou esse teorema, apenas o
“herdou” de pessoas que sabiam e o tinham conservado (dados sobre
esse teorema existem na China muito antes de Pitágoras existir), assim
também acontece com o Eneagrama cujos verdadeiros criadores são
desconhecidos, calculando-se que exista, segundo o pesquisador J. G.
Bennet,2 há uns 4. 500 anos ou mais.
Pela mesma razão, é importante cuidar para que este “patrimônio”
científico-cultural da humanidade não seja “propriedade intelectual” de
ninguém e sim um meio de desenvolvimento e unificação das ciências,
artes e filosofias.

2
J.G.Bennet foi um notável discípulo de Gurdjieff nos Estados Unidos. Escreveu várias
obras sobre o sistema filosófico conhecido como “Quarto Caminho” e uma sobre o
Eneagrama, publicada no Brasil pela Editora Pensamento sob o título: O Eneagrama:
um estudo pormenorizado do Eneagrama usado por Gurdjieff.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 35

Sobre a importante contribuição e atualização do Eneagrama,


realizadas por Oscar Ichazo e Claudio Naranjo

Não posso deixar de mencionar aqui a importância da atualização e


sistematização do Eneagrama feita pelo sábio boliviano, Dr. Oscar Icha-
zo, e, especialmente as realizadas pelo internacionalmente prestigiado
psiquiatra e escritor chileno, Dr. Claudio Naranjo, cuja contribuição
e descrições dos Nove Eneatipos foi fundamental para que eu pudesse
reconhecer os mesmos nos textos de Gurdjieff.
No Congresso de Eneagrama realizado em 2010 em Fortaleza e
organizado pela International Enneagram Association - IEA do Brasil,
no qual Naranjo recebeu uma merecida homenagem e reconhecimento
público pela sua contribuição e obra com relação ao Eneagrama, tive
a oportunidade de conversar com ele sobre minha defesa e argumentos
de que Gurdjieff conhecia sim a “tipologia eneagramática”, fato que
demonstrarei na continuação desta introdução. Aceitando meus argu-
mentos, Claudio me disse: “Porém, você não haveria descoberto isso
sem a ajuda das minhas definições (dos Nove Tipos)”.
É isto é verdade! Foi a partir do seu notável trabalho e das descobertas
de Ichazo, no inicio dos anos 70, no meu país, Chile, que muitos outros
pesquisadores e estudiosos do comportamento humano, eu incluído,
iniciaríamos importantes e valiosos estudos sobre o tema Eneagrama,
um tema que está longe de ser esgotado quando se compreende que este
símbolo milenar supera os limites de uma simples tipologia psicológica.
Alguns desses estudos, trabalhos e obras já estão traduzidos para o
português e são citados na bibliografia complementar.

Algo sobre o valor objetivo de certos símbolos e as origens


do Eneagrama, segundo G. I. Gurdjieff

Gostaria, antes de começar, transcrever aqui algumas palavras de P.


D. Ouspensky com as quais me identifico plenamente e que foram ditas
por ele no início de uma série de palestras sobre o sistema do Quarto
36 Khristian Paterhan C.

Caminho, as quais ficaram reunidas num volume que leva o mesmo


título.

Ele declarou:

“Antes de começar a explicar-lhes de um modo geral sobre o que


trata este sistema, e de falar sobre nossos métodos, quero gravar parti-
cularmente nas suas mentes que as ideias e princípios mais importantes
do sistema não me pertencem. Isto é o que os faz valiosos, porque, se
me pertencessem, seriam como todas as outras teorias inventadas pelas
mentes correntes: somente dariam uma visão subjetiva das coisas.”

Espero que o leitor, a partir de agora, lembre constantemente este


importante esclarecimento.
No Capítulo XIV do livro Fragmentos de um ensinamento desco-
nhecido, Ouspensky nos revela, baseado em sua notável memória e em
notas tomadas durante encontros com Gurdjieff, as milenares origens
do Eneagrama. Vou tentar sintetizar ao máximo o texto, citando apenas
o necessário para o objetivo desta obra.
Primeiramente, Ouspensky nos lembra que Gurdjieff costumava
falar de uma antiga “Ciência Objetiva” que não se baseava nos dados
e experiências produtos de “estados subjetivos de consciência” e que
teria existido na terra há milhares de anos, fruto da experiência de seres
altamente evoluídos.3 Esta “Ciência Objetiva” teria como uma de suas
idéias centrais “a unidade de todas as coisas, a unidade na diversidade”.
Os sábios que compreenderam a importância e profundidade destas
ideias perceberam que a transmissão e conservação das descobertas
feitas graças a esta “Ciência Objetiva” implicavam um grande esforço

3
Inspirado nesses e outros dados e nos Relatos de Belzebu a seu neto de Gurdjieff, escrevi
uma obra de ficção que trata, dentre outras coisas, da provável origem extra-terrestre
do Eneagrama, que foi publicada sob o título “Apocalipse 21: Uma Visão do Bem Que
Está Por Vir” (Quartet Editora).
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 37

de síntese para conseguir preservá-las e transmiti-las às gerações futuras.


Pensaram, então, num meio exato para atingir este importante objetivo.
Descobrir esse meio deu, com certeza, muito trabalho a estes sábios,
porque na “ciência objetiva, inclusive a ideia de unidade, só pertence
à consciência objetiva”, nível no qual a realidade é observada tal qual
ela é e que, obviamente, não é um estado habitual entre nós.
Com efeito, Gurdjieff ensinava que esta nossa incapacidade de ob-
servar a realidade tal qual ela é se devia ao fato de que grande parte
da nossa existência, ou quase toda ela, vivemos num estado de “sono
e sonho” ou “estado de consciência subjetiva” no qual é impossível
“observar” e muito menos “sentir” a realidade tal qual ela é. Por esta
razão, é extremamente difícil perceber essa “unidade de todas as coisas”,
quando se está habituado a acreditar num “mundo fragmentado” e di-
vidido em “milhões de fenômenos separados e sem ligação”, ainda que
intelectualmente até “entendamos” que “algo” unifica tudo. Sabemos
que, com efeito, o fato de não compreendermos esta unidade intrínseca
de todas as coisas, é uma das principais causas da perigosa situação que
temos provocado no equilíbrio ecológico do planeta, a razão dos ódios
raciais, das injustiças sociais, dos conflitos e separatismos religiosos e
políticos e de tantos outros nefastos efeitos produtos do que Buda cha-
mou, “sentimento de separatividade” que afeta a psique humana.
Cientes destas nossas limitações, estes sábios decidiram que o único
meio de transmitir seus conhecimentos objetivos era utilizando, entre
outros recursos, símbolos especiais, os quais conteriam, graças a uma
síntese matemático-psicológica exata, os principais dados dessa “Ciência
Objetiva”. Ou seja, eles poderiam ser resgatados no futuro por aqueles
que trabalhassem profunda e seriamente para conhecerem a si mesmos
além das suas subjetivas e limitadas personalidades. Esta previsão foi
acertada e, por esta razão, novamente o Eneagrama foi atualizado con-
servando sua extraordinária exatidão matemática, cuja origem exata
continua sendo ainda um mistério.
Os símbolos aos quais se referia Gurdjieff, “continham os diagramas
das leis fundamentais do universo e transmitiam não só a própria ciência,
mas mostravam igualmente o caminho para chegar a ela. O estudo dos
38 Khristian Paterhan C.

símbolos, da sua estrutura e significação, era parte muito importante


dessa necessária preparação sem a qual não é possível receber a ciência
objetiva, e era uma prova do porque uma compreensão literal ou formal
dos símbolos se opõe à aquisição de qualquer conhecimento ulterior.
Os símbolos eram divididos em fundamentais e secundários; os pri-
meiros compreendiam os princípios dos diferentes ramos da ciência; os
segundos exprimiam a natureza essencial dos fenômenos em sua relação
com a unidade.”
Entre as leis fundamentais sintetizadas nesses símbolos que “ex-
primiam a natureza essencial dos fenômenos em sua relação com a
unidade”, duas são de fundamental importância para compreender os
ensinamentos de Gurdjieff: a “Lei de Três” e a “Lei de Sete”, conhecida
também como “Lei de Oitava” por sua relação com a escala musical
e sua sequência dó, ré, mí, fá, sol, lá, si, dó que guarda dentro de si as
relações matemáticas, associadas ao som correspondente a cada nota
musical.
“As leis fundamentais das tríades e das oitavas penetram todas as
coisas e devem ser estudadas simultaneamente no homem e no universo”,
ensina Gurdjieff.
Porém, devido ao fato de existir num nível de consciência subjetiva,
o homem precisa primeiro iniciar o estudo dessas duas leis em si mesmo,
para depois compreender suas manifestações universais:

“Mas o homem é, para si mesmo, um objeto de estudo e de ciência


mais próximo e mais acessível que o mundo dos fenômenos que lhe são
exteriores. Por conseguinte, esforçando-se por atingir o conhecimento
do universo, o homem deverá começar por estudar em si mesmo as leis
fundamentais do universo.”

Por outro lado, o conhecimento dos símbolos e das leis fundamentais


que eles guardam não pode ser apenas “teórico”, já que, nesse nível, os
símbolos ainda estão sujeitos a interpretações errôneas devido à nossa
forte subjetividade e ao nosso ainda baixo nível de consciência. Daí que,
para compreendê-los profundamente, deve-se atingir um nível no qual as
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 39

considerações subjetivas que provocam discussões e contradições sejam


superadas completamente, o que exige um profundo conhecimento de si
mesmo, único modo de compreender as leis fundamentais do universo,
ou seja: “(...) a verdadeira compreensão dos símbolos não pode prestar-
se a discussões”.
Para quem pretende atingir esse nível de compreensão, Gurdjieff
adverte:

“(...) se alguém imagina poder seguir o caminho do conhecimento de


si, guiado por uma ciência exata de todos os detalhes, ou se espera ad-
quirir tal ciência antes de se ter dado o trabalho de assimilar as diretrizes
que recebeu, no que concerne a seu próprio trabalho, engana-se; deve
compreender, antes de tudo, que nunca chegará à ciência (objetiva) antes
de ter feito os esforços necessários e que somente seu trabalho sobre si
mesmo permitirá atingir o que busca. Ninguém lhe poderá dar o que ele
ainda não possui; nunca ninguém poderá fazer por ele o trabalho que
ele deveria fazer por si mesmo. Tudo o que outro pode fazer por ele é
estimulá-lo a trabalhar e, desse ponto de vista, o símbolo compreendido
como deve ser, desempenha o papel de um estimulante em relação à
nossa ciência (objetiva)”.

A advertência de Gurdjieff mostra-se claramente necessária, já que,


nos nossos dias e apesar de todos os nossos avanços e conhecimentos
“teóricos”, ainda não compreendemos a importância de “leis básicas”
como a de “causa e efeito”, por exemplo, pois, se as compreendêsse-
mos, primeiro em relação a nós mesmos e, em seguida, em relação à
natureza da qual somos parte, concluiríamos, sem ter que discutir e
sem “subjetividades” de nenhuma espécie, que uma série de erros sim-
plesmente não poderia ser cometida sob nenhum aspecto, se as aplicás-
semos “objetivamente”. Porém, a maioria não tem consciência de que
muitos “efeitos” indesejáveis e negativos só existem porque não somos
conscientes dos nossos atos, ou seja, não “compreendemos” o que essa
lei de “causa e efeito” implica, ainda que sejamos capazes de “decorá-
la” quando passamos pelo colégio. Também vemos que essa falta de
40 Khristian Paterhan C.

“compreensão” acontece inclusive em relação a signos simples, que são


meios de expressar certos dados menos profundos que os contidos nos
símbolos, porém, não menos importantes na prática. Assim, por exemplo,
um sujeito pode “aprender”, por meio do Regulamento do Trânsito, que
um cartaz ou painel de fundo amarelo com a figura em cor preta de uma
criança que carrega livros significa: “atenção-diminua-a-velocidade-do-seu-
carro-porque-você-está-passando-por-um-local-próximo-a-uma-escola-e-
crianças-menos-responsáveis-que-você-que-é-adulto-estão-por-perto, etc.,
etc.” Porém, o fato de este sujeito “aprender” a “interpretar” esse “sinal
de trânsito”, internacionalmente aceito, não implica necessariamente que
compreendeu a necessidade de obedecê-lo, e pode vir a atropelar uma ou
várias crianças que, “acidentalmente”, estejam perto da dita escola no dia
em que ele não respeite esse “signo”. O “estímulo” para a compreensão foi
dado, porém não foi “vivenciado” pelo sujeito que o recebeu.
Voltemos ao assunto dos símbolos e das chamadas “leis fundamen-
tais”. Gurdjieff afirma, em outra parte do Capítulo XIV da citada obra
de Ouspensky, que: “a lei de oitava conecta todos os processos do uni-
verso e, para aquele que conhece as oitavas de transição e as leis de sua
estrutura (ou seja, a Lei de Três e a Lei de Sete), surge a possibilidade
de um conhecimento exato de cada coisa ou de cada fenômeno em sua
natureza essencial, bem como de todas as suas relações com as outras
coisas e com os outros fenômenos”.
Então nos revela que, “para unir, para integrar todos os conhecimen-
tos relativos à lei da estrutura da oitava, existe um símbolo que toma a
forma de um círculo cuja circunferência se divide em nove partes iguais,
mediante pontos ligados entre si, numa certa ordem, por nove linhas”.
Ou seja, o Eneagrama.
Os sábios que deram origem a este símbolo-síntese não pertenciam,
ensina Gurdjieff, a nenhuma das linhas de conhecimento “tradicional”
conhecidas na atualidade: nem hebraica, nem egípcia, nem iraniana,
nem hindu, nem qualquer outra conhecida. A despeito de respeitáveis
tradições desejarem ser os “pais da criança”, como se diz aqui no Brasil,
este símbolo “não poderia ser encontrado em nenhum de seus livros”,
e, embora se atribua o Eneagrama aos respeitáveis místicos sufis e suas
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 41

tradições orais, por exemplo, Gurdjieff sustenta que este símbolo “não
é objeto de uma tradição oral”.
Quando discute as origens do Eneagrama Gurdjieff ensina:

“O ensinamento, cuja teoria expomos aqui, é completamente autôno-


mo, independente de todos os outros caminhos e, até hoje [ou seja, até a
data em que Gurdjieff o revelou aos seus discípulos], tinha permanecido
inteiramente desconhecido. Como outros ensinamentos, utiliza o método
simbólico e um de seus símbolos principais é a figura que mencionamos,
isto é, o círculo dividido em nove partes.”

Observe que Gurdjieff está se referindo a um sistema de conhecimento


a que ele teve acesso e no qual o Eneagrama é um, somente um, dos
símbolos principais, o que significa que nesse sistema existem, ou exis-
tiam, mais símbolos, alguns dos quais Gurdjieff revelou indiretamente
por meio das suas exatas “Danças Conscientes”, que você pode apreciar
no filme baseado em sua obra autobiográfica “Encontros com homens
notáveis” dirigido por Peter Brook .
A descrição que Gurdjieff faz do Eneagrama nesse mesmo capítulo
é a seguinte:

“Este símbolo toma a seguinte forma:

Figura 1
42 Khristian Paterhan C.

O Círculo está dividido em nove partes iguais. A figura construída


sobre seis desses pontos tem por eixo de simetria o diâmetro que desce
do ponto superior. Esse ponto é o vértice de um triângulo equilátero
construído sobre aqueles pontos, dentre os nove, que estão situados fora
da primeira figura.”

Ampliando suas explicações matemáticas sobre este símbolo, Gurd-


jieff diz:

“As leis da unidade refletem-se em todos os fenômenos. O sistema


decimal foi construído sobre as mesmas leis. Se tomarmos uma unidade
como uma nota que contém em si mesma uma oitava inteira, devemos
dividir essa unidade em sete partes desiguais correspondentes às sete
notas dessa oitava. Mas, na representação gráfica, a desigualdade de
partes não é levada em consideração e, para a construção do diagra-
ma, toma-se primeiro um sétimo, depois dois sétimos, depois três,
quatro, cinco, seis e sete sétimos. Se calcularmos as partes decimais,
obteremos:

1/7 = 0, 142857...
2/7 = 0, 285714...
3/7 = 0, 428571...
4/7 = 0, 571428...
5/7 = 0, 714285...
6/7 = 0, 857142...
7/7 = 0, 999999... = 1

Você pode observar que, com exceção da última dízima periódica, em


todas as restantes “encontram-se presentes os mesmos seis algarismos,
que trocam de lugar segundo uma sequência definida; de tal modo que,
quando se conhece o primeiro algarismo do período, torna-se possível
reconstruir o período inteiro”. Você também observou que nesses perío-
dos “os números 3, 6 e 9 não estão incluídos (...) [porque eles] formam
o triângulo separado – a trindade livre do símbolo”.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 43

Se você leitor prestou atenção à sequência definida segundo a qual


os algarismos trocam seus lugares, está em condições de compreender o
“movimento” que este símbolo representa, e que se conhece como “mo-
vimento eneagramático externo” e se expressa por “setas” que indicam
a direção desse “movimento” contínuo: 1 4 2 8 5 7 1 ,
e assim por diante:

Figura 2

8 1

7 2

5 4

Aqui o triângulo equilátero é considerado como uma “unidade” e


os 6 “pontos” (1, 4, 2, 8, 5 e 7) lembram a “Lei de Sete” ou “Lei de
Oitava” (6 + 1 = 7).
44 Khristian Paterhan C.

Os números 3, 6 e 9 ficam nos vértices do triângulo e seu “movi-


mento”, conhecido como “interno”, é: 9 - 6 - 3 - 9 - 6 - 3, etc. e são
indicados com as “setas” correspondentes:

Figura 3

Estas indicações preliminares serão importantes quando considerar-


mos os Tipos Eneagramáticos e seus movimentos psicológicos contra e/
ou a favor da seta de acordo com seu “Traço ou Defeito Principal”.
Ouspensky deixou registrado também que “Gurdjieff voltou ao
Eneagrama em múltiplas ocasiões”.
Numa dessas ocasiões revelou que: “(...) é necessário compreender
que o Eneagrama é um símbolo universal. Qualquer ciência tem seu
lugar no Eneagrama e pode ser interpretada graças a ele. E, sob este
aspecto, é possível dizer que um homem só conhece realmente, isto é,
só compreende aquilo que é capaz de situar no Eneagrama. O que não
é capaz de situar no Eneagrama, não compreende. (....) Se um homem
isolado no deserto traçasse o Eneagrama na areia, nele poderia ler as leis
eternas do universo. E cada vez aprenderia alguma coisa nova, alguma
coisa que ignorava até então.”
E mais: “(...) O Eneagrama é o movimento perpétuo, é esse perpetuum
mobile que os homens buscaram desde a mais remota antiguidade, sem-
pre em vão. E não é difícil compreender por que não podiam encontrá-
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 45

lo. Buscavam fora de si o que estava dentro deles (...) A compreensão


desse símbolo e a capacidade de utilizá-lo dão ao homem um poder
muito grande (...).”
Gurdjieff também diz: “(...) A ciência do Eneagrama foi mantida se-
creta durante muito tempo e, se agora, de certo modo, está sendo tornada
acessível a todos, é apenas sob uma forma incompleta e teórica, pratica-
mente inutilizável para quem não tenha sido instruído nessa ciência por
um homem que a possua. Para ser compreendido, o Eneagrama deve ser
pensado como em movimento, como se movendo. Um Eneagrama fixo
é um símbolo morto; o símbolo vivo está em movimento.”
Um dos “movimentos” do Eneagrama tem relação com os aspectos
dinâmico-psicológicos que diferenciam os seres humanos uns dos outros
como já foi mostrado. É sobre esse “movimento” que tratamos neste
livro à luz dos ensinamentos de Gurdjieff.

A aplicação psicológica do Eneagrama


nos ensinamentos de Gurdjieff

OS TRÊS CENTROS BÁSICOS: Como profundo conhecedor do


Eneagrama, G. I. Gurdjieff baseou todo o seu método de desenvolvimento
humano na aplicação deste símbolo milenar e nas leis das quais ele é a
síntese: a “Lei de Sete” e a “Lei de Três”.
Baseado na “Lei de Três” presente no Eneagrama, ele dividia o ser
humano, para facilitar o estudo e a compreensão de si mesmo, em três
níveis ou “centros” básicos: Centro Intelectual, Centro Emocional e Cen-
tro Motor. Como lembra Ouspensky, “tentava inicialmente ensinar-nos
a distinguir essas funções, a encontrar exemplos e assim por diante”.
46 Khristian Paterhan C.

No Eneagrama esses “centros” têm a seguinte localização:

Figura 4

Centro Motor
ou Centro do Movimento
9

8 1

7 2

Centro Centro
Intelectual 6 3 Emocional

5 4

Você pode observar como, para cada Centro, existe uma manifestação
eneagramática “tripla” e um correspondente vértice do triângulo central.
Os números associados ao Centro Motor são: 8, 9 e 1; os associados ao
Centro Emocional são 2, 3 e 4; e, finalmente, os associados ao Centro
Intelectual são 5, 6 e 7.
A localização dos Centros como se vê no gráfico não é aleatória. Obe-
dece a uma ordem exata, revelada por Gurdjieff a seus alunos e que foi
preservada por Ouspensky no Capítulo IX da obra citada. Não tratarei
deste tema aqui por sua complexidade e porque só costumo falar sobre
ele com quem já tem um certo tempo de prática com o Eneagrama.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 47

Figura 5

Centro
do Movimento

Pé esquerdo Pé direito

Mão esquerda Mão direita

HCI HCD
(Centro Intelectual) (Centro Emocional)

Relação dos Três Centros com nossa Bilateralidade Cerebral


e os Três Cérebros

Antes de continuar, vou apresentar aqui uma nova visão do


Eneagrama, que chamo de “O Eneagrama Invertido”. Ao contrário
do que geralmente se divulga, descobri que no Eneagrama devemos
observar o ser humano ao contrário (Figura 5): ou seja, no Centro
Físico ou do Movimento (Pontos 8,9,1), localizamos o sistema diges-
tivo, o reprodutor e pernas; no Centro Intelectual o lado esquerdo
do corpo até o umbigo, abarcando os órgãos desse lado do corpo e o
braço e mão esquerda (Pontos 6 e 7); e no Centro Emocional o lado
direito do corpo até o umbigo, os órgãos desse lado do corpo e braço
e mão direita (2,3). Por último, nos Pontos 4 e 5 devemos imaginar
a cabeça, o cérebro, suas partes e hemisférios cerebrais: no Ponto 5
o Hemisfério Cerebral Esquerdo (HCI) e no Ponto 4 o Hemisfério
Cerebral Direito (HCD).
48 Khristian Paterhan C.

De acordo com o princípio de bilateralidade cerebral o Hemisfério Ce-


rebral Esquerdo rege o lado direito do ser humano (Centro Emocional) e o
Hemisfério Cerebral Direito rege o lado esquerdo do ser humano (Centro
Intelectual). Daí a importância do desenvolvimento harmonioso dos três
Centros, já que, uma das questões mais descuidadas na educação é a do
desenvolvimento das faculdades do Hemisfério Cerebral Direito, relacio-
nado com o Centro Emocional no Eneagrama, e, uma supervalorização
do desenvolvimento das faculdades relacionadas ao Hemisfério Cerebral
Esquerdo, ligado ao Centro Intelectual no Eneagrama, e, um descuido
quase total com o desenvolvimento do Centro Físico ou do Movimento
relacionado, em parte, aos nossos instintos. Gurdjieff dava extrema im-
portância ao desenvolvimento equilibrado de todos os Centros como única
maneira de formar um ser humano mais harmonioso, já que, segundo ele
somos seres TRICEREBRAIS ou de Três Cérebros. Estes são:

1. O Reptiliano: relacionado com o Centro Físico da AÇÃO e ATIVI-


DADE e com os Pontos 8, 9 e 1 do Eneagrama Invertido.

Este Centro está conectado principalmente com o Cerebelo, camada


do nosso cérebro que temos em comum com os répteis e mamíferos
e que é responsável por nossas manifestações instintivas tais como a
sobrevivência (Ponto 9 do Eneagrama) , com a reprodução, a luta e
com nossa necessidade de poder e de hierarquias (Ponto 8 do Enea-
grama) e com hábitos, condicionamentos e rotinas (Ponto1).

2. O Límbico: relacionado com o Centro Emocional e com os nossos


sentimentos e aos Pontos 2, 3 e 4 do Eneagrama Invertido. Esta ca-
mada do cérebro presente também nos mamíferos, inclui o Tálamo
e Hipotálamo e se relaciona ao controle do comportamento e do
sistema nervoso autônomo.

3. O Neocórtex: relacionado ao Centro Intelectual e aos Pontos 5, 6, 7


do Eneagrama Invertido. Esta camada do cérebro que compartilha-
mos com os mamíferos superiores é considerada subjetivamente a
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 49

mais “evoluída” e esta relacionada com nossa capacidade de racioci-


nar (Ponto 5 do Eneagrama Invertido), com a chamada “linguagem
simbólica” (Ponto 6 do Eneagrama Invertido) e com a linguagem
conceitual e verbal. Como possui neurônios altamente especializados
que possibilitam ao ser humano a realização de múltiplas tarefas si-
multâneas (Ponto 7 do Eneagrama), este terceiro cérebro é chamado
de “centro da inteligência” ou “cérebro inteligente”.

Todos possuímos estes Três Cérebros ou Centros, porém, um deles


é predominante em nossas vidas e atividades. Por esta razão, a divisão
básica do ser humano em Três Centros é muito importante no estudo
do Eneagrama. Compreendendo-a, é possível apreender uma segunda
divisão de Gurdjieff, maior, mas pouco conhecida, cujo profundo valor
sequer se suspeita, tendo a maioria se limitado a repetir o que Ouspensky
escreveu a respeito. Refiro-me aos Três Grupos de Seres Humanos
Básicos e aos Quatro Grupos de Seres Humanos que correspondem a
níveis superiores de evolução consciente. Note-se que novamente estão
presentes aqui as Leis de Três e de Sete. Vejamos.

Os Três Grupos de Seres Humanos Básicos e os Quatro Grupos


Superiores de Seres Humanos, segundo G. I. Gurdjieff

Gurdjieff ensinava que existem Três Grupos de Seres Humanos Bási-


cos, os dos “Homens número Um”; “Homens número Dois” e “Homens
número Três”, que não devemos confundir com os números dos Tipos
1,2, 3 Eneagramáticos e seus Traços Principais.
Para ele os Grupos de Seres Humanos “Um, Dois e Três constituem
a humanidade mecânica; na qual os seres humanos permanecem no
nível em que nasceram”. Só poderiam ascender a um nível superior
de consciência mediante um trabalho perseverante de autoconheci-
mento que objetivasse a evolução individual, por meio das escolas
conectadas com o que Gurdjieff chamava “Círculo Consciente da
Humanidade”.
50 Khristian Paterhan C.

Os seres humanos do Grupo número Um correspondem no “Eneagra-


ma dos Traços Principais” aos Tipos 8, 9 e 1 e, segundo Gurdjieff, teriam
o “centro de gravidade de sua vida psíquica no Centro Motor”. Seriam os
homens “do corpo físico, em quem as funções do instinto e do movimento
predominam sobre as do sentimento e do pensar”. Estes aprendem por
imitação, por memorização e por repetição. (Reptiliano)
Os seres humanos do Grupo número Dois correspondem no
“Eneagrama dos Traços Principais” aos Tipos 2, 3 e 4 e, segundo
Gurdjieff, seriam aqueles nos quais o “centro de gravidade de sua
vida psíquica está no Centro Emocional, e, [o ser humano] em quem
as funções emocionais predominam sobre as outras é [o ser humano]
do sentimento, [o ser humano] emocional”. Aprendem somente o
que lhes “agrada”, o que “gostam”. Quando sadios procuram tudo
o que lhes “agrada”; quando “doentios” são atraídos para o que os
“desagrada”. (Límbico)
Os seres humanos do Grupo número Três correspondem no “Enea-
grama dos Traços Principais” aos Tipos 5, 6 e 7 e, segundo Gurdjieff,
é o tipo de ser humano “cujo centro de gravidade da sua vida psíquica
está no Centro Intelectual, noutros termos, é [o ser humano] em quem
as funções intelectuais predominam sobre as funções emocionais,
instintivas e motoras; é o [ser humano] racional, que tem uma teoria
para tudo o que faz, que parte sempre de considerações mentais [...]
O saber [dos seres humanos Três] é um saber fundado num pensar
subjetivamente lógico, em palavras, numa compreensão literal [...]”.
(Neocortex)
Naturalmente, para cada aspecto predominante, existem outros dois,
só que com menor poder de influência e desenvolvimento. Para “visua-
lizar” esta divisão da humanidade, fiz o seguinte gráfico:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 51

Figura 6

Centro Motor
Seres Humanos do Grupo número Um de Gurdjieff
Tipos Eneagramáticos 8, 9 e 1
9

8 1

7 2

Centro Centro
6 3
Intelectual Emocional

5 4

Centro Intelectual / Seres Humanos Centro Emocional / Seres Humanos


do Grupo número Três de Gurdjieff / do Grupo número Dois de Gurdjieff /
Tipos Eneagramáticos 5, 6 e 7 Tipos Eneagramáticos 2, 3 e 4

Além destes Três Grupos de Seres Humanos Básicos, Gurdjieff definia


um grupo de Seres Humanos Intermediários (ou seja, que estão iniciando
um processo de evolução consciente) e três Grupos de Seres Humanos
Superiores, produtos de uma evolução deliberada, consciente e gradual,
fruto de um conhecimento exato relacionado com o desenvolvimento
objetivo de novos níveis de consciência e nos quais os Três Centros
estão em equilíbrio, permitindo, a partir do quinto nível evolutivo, a
manifestação plena do que ele chamava de “Centros Superiores”, que
existem só potencialmente nas primeiras três categorias “mecânicas”, e
com alguns sinais básicos de manifestação na quarta categoria.
Ao ser humano do Grupo número Quatro Gurdjieff o definia como
aquele que, tendo nascido nos Grupos Psicológicos Um, Dois ou Três,
conhece um sistema de trabalho interno, que lhe permite desenvolver
52 Khristian Paterhan C.

nele “um centro de gravidade permanente feito de suas ideias, de sua


apreciação do trabalho (interno) e de sua relação com a escola (na qual
aprende a realizar esse trabalho de autoconhecimento). Além disso, seus
centros psíquicos já começaram a se equilibrar; nele, um centro não
pode mais ter preponderância sobre os outros, como é o caso das três
primeiras categorias”. Gurdjieff completa dizendo que este tipo de ser
humano, diferentemente dos que pertencem aos três primeiros Grupos,
“já começa a se conhecer, começa a saber para onde vai”.
Sobre os seres humanos das categorias Cinco, Seis e Sete (repito,
não confundir com os Tipos 5, 6 e 7 do Eneagrama), Gurdjieff se refere
apenas ao tipo de saber que desenvolvem com as seguintes palavras
citadas por Ouspensky:
“O saber do homem [do Grupo] número Cinco é um saber total
e indivisível [...]. Possui um Eu indivisível e todo o seu conhecimento
pertence a esse Eu. Não pode mais ter um ‘eu’ que saiba alguma coisa
sem que outro ‘eu’ esteja informado disso. O que ele sabe, sabe com
a totalidade de seu ser. Seu saber está mais próximo do saber objetivo
[lembra o que já revelamos sobre o conhecimento objetivo anteriormen-
te?] do que pode estar o do homem número Quatro.O saber do homem
[do Grupo] número Seis representa a integralidade do saber acessível ao
homem; mais ainda pode ser perdido. O saber do homem [do Grupo]
número Sete é bem dele e não lhe pode mais ser tirado; é o saber objetivo
e totalmente prático (ou seja, vivencial, não teórico) de Tudo.”
Em seguida e para reflexão dos conhecedores do Quarto Caminho
e interessados no autoconhecimento e na evolução “espiritual” da hu-
manidade, deixo um insight que tive em relação a estes ensinamentos e
que resumi no seguinte “Eneagrama da evolução possível do homem”
da minha autoria, para cuja confecção apliquei o Princípio Hermético
de Correspondência, a Lei de Três e a Lei de Sete.4

4
Sobre o “7 Princípios Herméticos” consultar minha obra Iniciação e Autoconhecimento:
Um Guia para o seu Despertar Espiritual.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 53

Figura 7

Nível da possível evolução humana Nível da consciência subjetiva


(Consciência de si e Consciência (Humanidade “mecânica”)
objetiva)

9. Círculo Interno
da Humanidade

8. Seres humanos do Grupo Quatro (em desenvolvimento da cons- 1. Seres humanos dos Grupos Um, Dois e Três. – Níveis físico,
ciência de si). Os três centros inferiores iniciam o processo emocional e intelectual em desequilíbrio. Visão parcial e sub-
de equlíbrio. Necessidade de superesforços para jetiva da realidade e do mundo. Tipos Eneagramá-
manter o processo em andamento. ticos não trabalhados. Traços Principais são
desconhecidos e dominam suas manifes-
tações egóicas (Humanidade mecânica
de Gurdjieff).

2. Seres humanos cujos processos


7. Seres humanos do Grupo de autoconhecimento começam
Seis (plena consciência de si, Triângulo interno. a ter resultados objetivos e de-
centros superiores atualizados Nível dos ‘’Três em Um’’ monstram maior controle de seus
e completando o nível de cons- ou da Tri-Unidade. Traços Principais. Geralmente já
ciência objetiva). Seres humanos do estão em contato com Escolas
Grupo 7. (Possuidores preparatórias corretas, mas ainda
de consciência podem sofrer “desvios”.
objetiva. Realizados).
6. Mestres visíveis. 3. Escolas Iniciáticas (ou Prepara-
Segundo Ponto de choque tórias) de 1º, 2º, 3º e 4º Caminhos.
consciente. Primeiro Ponto de choque consciente
para a evolução.

5. Seres humanos do Grupo Cinco. Maior desenvolvimento da 4. Seres humanos que desejam conhecer a si mesmos e iniciam
consciência de si e iniciando o desenvolvimento da consciência processos de autoconhecimento e de elevação de seus níveis de
objetiva. Três Centros em equilíbrio. Iniciam Atualização dos Cen- consciência subjetiva, através de leituras, métodos de auto-ajuda,
tros Superiores. terapias, análises de diversas linhas, métodos e sistemas diversos;
por meio de instituições e/ou grupos místicos, fraternais, religiosos,
esotéricos, sectários etc, de acordo com o Grupo humano a que
pertencem e a seus Traços Principais. Grandes riscos de erros e
desvios no processo.
54 Khristian Paterhan C.

A importância do estudo prático e vivencial do Eneagrama


para o autoconhecimento

É fácil observar no gráfico anterior (Figura 7) como são importantes


o estudo e o conhecimento de si mesmo por meio do Eneagrama, já que,
teoricamente, nos podem conduzir a níveis de desenvolvimento muito
elevados.
Iniciar um processo de autoconhecimento implica, primeiramen-
te, perceber e aceitar que vivemos sujeitos a um nível de consciência
subjetivo e “mecânico” e que fazemos parte de um desses três grupos
psicológicos básicos de seres humanos ensinados por Gurdjieff. Em
segundo lugar devemos compreender que o único meio para nos livrar-
mos dessa “mecanicidade” passa necessariamente por um processo de
aprimoramento que não pode ser improvisado e que deverá incluir o
desenvolvimento harmonioso dos Três Centros (Físico, Emocional e
Intelectual). Enquanto não soubermos o que implica tudo isso, não será
possível compreender por que é fundamental o Eneagrama para iniciar
este processo objetivamente.
Muitas pessoas iniciam seus primeiros esforços em busca do autodo-
mínio e do autoconhecimento estimuladas pela expectativa dos sonhados
benefícios espirituais, materiais e individuais que isso lhes poderá propor-
cionar. Porém, as diversas razões pelas quais uma pessoa deseja ter maior
domínio e conhecimento de si mesma podem claramente ser diferenciadas
e definidas quando sabemos a qual dos grupos principais ela pertence
como ser humano. É fácil comprovar que existem motivações básicas bem
diferentes. Pessoas do Grupo Um (Centro Motor) talvez desejem obter
maior poder pessoal, maior controle das situações e dos demais, maior
domínio de si mesmas, objetivando “resultados materiais”. Pessoas do
Grupo Dois (Centro Emocional) querem lidar e interagir melhor com
as pessoas em termos emocionais, querem aprender a controlar suas
emoções e as das outras pessoas, querem ampliar suas possibilidades de
servir aos outros com sucesso já que isto as satisfaz e realiza. Por último,
pessoas do Grupo Três (Centro Intelectual) querem saber quais são as
causas e as leis que governam seus mundos internos, querem conhecer
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 55

as causas pelas quais os fenômenos acontecem, querem ter os conheci-


mentos que lhes permitam compreender a vida e a si mesmas, ou seja,
talvez queiram apenas “saber”. Naturalmente, em todas elas, algo das
motivações que influenciam com maior força os outros dois grupos aos
quais não pertencem, está presente, ainda que em menor grau. A razão
é que em todos os três Grupos é possível perceber um desenvolvimento
psicológico unilateral, pelo qual um dos Centros se tornou mais “sensí-
vel” que os outros aos “estímulos externos” e “interpreta” a realidade
a partir de “necessidades” e “motivações” diferentes.
O que dificulta o estudo prático de si mesmo é o fato de as pessoas
não se darem conta do que implica ser parte de uma humanidade me-
cânica ou que vive num baixo nível de consciência.
Em primeiro lugar, no nível de consciência habitual ou subjetivo, o ser
humano não é realmente “livre”. Gurdjieff ensina que nesse nível o ser hu-
mano não faz, tudo simplesmente lhe acontece. É muito difícil compreender
e aceitar esta afirmação porque todos achamos que “fazemos” e que somos
“livres”. Só que, falando em termos estritos, nenhum ser humano nos três
Grupos (Físico, Emocional e/ou Mental) poderia considerar que suas con-
dutas, modos de agir e/ou reagir perante a existência são “conscientemente”
escolhidos ou mesmo originais, já que todos os que integram esses grupos
agem e reagem pelas mesmas causas básicas. Esta é uma das verdades mais
provocantes que o Eneagrama nos permite “descobrir”.
O único meio de que dispomos para nos livrarmos dessa “mecani-
cidade” é conhecer como ela se manifesta em cada um de nós, ou seja,
quais são essas características mecânicas e previsíveis que acompanham
essa nossa determinada e “mecânica” manifestação pessoal. É aqui que
o Eneagrama dos Traços ou Tipos Principais se torna valioso, porque
por meio dele conseguiremos saber:

1. Qual é o Grupo (Um, Dois ou Três) ao qual pertenço como ser hu-
mano no nível “mecânico”.

2. Qual é o Traço ou Defeito Principal (são três para cada grupo), no


qual devo concentrar meus esforços de observação, lembrança e
56 Khristian Paterhan C.

autocontrole para superá-lo e conseguir efetivamente o real conhe-


cimento de mim mesmo.

3. Qual o trabalho específico, relacionado com meu grupo e Traço


Principal, que me ajudará a aprimorar meu autoconhecimento e
autodomínio, e, a partir daí, ter a possibilidade de passar para o 4to
Tipo de seres humanos.

Vamos, então, conhecer o Eneagrama dos Traços ou Tipos e suas


três causas principais.

O Eneagrama dos Nove Traços (Tipos) principais


segundo Gurdjieff

Gurdjieff costumava usar uma linguagem muito exata para transmitir


seus conhecimentos, de tal maneira que seus conceitos podem ser muito
bem identificados e diferenciados por alguém que estude e reflita sobre
sua obra com atenção. Isso me permitiu realizar a análise eneagramática
dos mesmos e definir explicitamente o Eneagrama dos Traços Principais
implícitos nas obras de Gurdjieff e Ouspensky. Baseado nesta experiência
e comparando essas observações com os estudos e descobertas eneagra-
máticos feitas por Ichazo e Naranjo, segundo foram revelados, pesqui-
sados e comentados nas obras do próprio Naranjo, e de autores como
Don Richard Risso, Helen Palmer, David Daniels e outros pesquisadores
do tema, pude, ao longo do tempo, concluir que, eneagramaticamente
falando, os Três Problemas Fundamentais e Nucleares que segundo
Gurdjieff impedem o autoconhecimento e a realização humana são:

1. O Esquecimento de Si Mesmo
2. A Consideração Interna
3. A Identificação
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 57

Destes três problemas principais, que podemos e devemos associar aos


Três Grupos Humanos Básicos, surgem os seguintes Traços Principais:

Do Primeiro Grupo: associado ao Esquecimento de Si Mesmo,


questão nuclear que afeta os seres humanos Tipos 8, 9 e 1, cujo centro
de gravidade psicológico está localizado no Centro Motor ou do Mo-
vimento, surgem:

a) Os seres humanos que se caracterizam por um constante estado de


luta e defesa contra tudo o que parece estar contra eles, revoltados,
sempre acham que alguma “injustiça” está sendo cometida contra
eles, ou seja, os Tipos 8.

b) Os seres humanos proteladores e esquecidos de si mesmos que se


caracterizam por sofrer do que Gurdjieff chamava de a “doença do
amanhã”, ou seja, os Tipos 9.

c) Os seres humanos que se caracterizam por uma forte inclinação a


separar as coisas em “boas” e “más”, “corretas” e “incorretas”,
“certas” e “erradas”, ao que Gurdjieff denominava a “Moral Ex-
terna” ou “moral subjetiva”, ou seja, os Tipos 1.

9
Figura 8 8 1
Grupo Um dos seres humanos /
Centro Motor ou do Movimento /
Tipos 8, 9 e 1.

Questão Nuclear: Esquecimento


de Si Mesmo / Traços ou
Defeitos Principais:

A “revolta” (8) A “Doença do


amanhã” (9) e a “Moral Externa
ou subjetiva” (1).
58 Khristian Paterhan C.

Do Segundo Grupo: Da Identificação, questão nuclear que afeta os


seres humanos Tipos 2, 3 e 4 e cujo centro de gravidade psicológico está
localizado no Centro Emocional, surgem:

a) Os seres humanos que se caracterizam por acreditar que não con-


sideram os outros o suficiente, que não dão o suficiente de si e que
se tornam escravos dos outros quando amam, ou seja, os Tipos 2.
Identificados com as emoções alheias.

b) Os seres humanos que se caracterizam por suas “exigências”, ou


seja, que exigem admiração, estima e consideração constante dos
outros para que se sintam agradados e felizes, ou seja, os Tipos 3.
Identificados com a “imagem” necessária para obter a consideração
alheia.

c) Os seres humanos que sofrem “tolamente”, aqueles para os quais


o “sofrimento inconsciente” se tornou uma escravidão, ou seja, os
Tipos 4. Identificados com seus próprios “sofrimentos”.

Figura 9

Grupo Dois dos seres humanos /


Centro Emocional / Tipos 2, 3 e 4.
2
Questão Nuclear: Identificação /
Traços ou Defeitos Principais:
“Amor escravo” (2).

A “Exigência” de atenção (3) 3


e o “Sofrimento tolo” (4).

4
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 59

Do Terceiro Grupo: Da Consideração Interna, questão nuclear que


afeta os seres humanos Tipos 5, 6 e 7 e cujo centro de gravidade psico-
lógico está localizado no Centro Intelectual, surgem:

a) Os seres humanos que só vivem “pelo mental”, que aprendem sem


compreender, ou seja, os Tipos 5.

b) Os seres humanos que estão sob o controle do “medo” e/ ou que “dei-


xam de ver e ouvir o que realmente acontece”, ou seja, os Tipos 6.

c) Os seres humanos que têm a ilusão de serem “livres”, que acham


que possuem “vontade própria” para “escolher, dirigir e organizar
livremente suas vidas”, que se acham “notáveis”, “originais”, ou
seja, os Tipos 7.

Figura 10

Grupo Três dos seres humanos /


Centro Intelectual / Tipos 5, 6 e 7.
7
Questão Nuclear: Consideração
Interna / Traços ou Defeitos
Principais: “Viver no mental (5).
6
O “Medo” (6) e a “Falsa
liberdade” (7).
5
60 Khristian Paterhan C.

Definições de Gurdjieff consideradas para o estudo


dos Traços (defeitos) Principais

Definição dos três problemas nucleares: Esquecimento de Si Mes-


mo, Identificação e Consideração Interna e sua relação com os Tipos
Eneagramáticos:
Gurdjieff permanentemente chamava a atenção dos seus alunos
para os três problemas nucleares. Para ele, era fundamental que todos
conseguissem observá-los em si mesmos, como um meio para alcançar
a consciência de si. Sendo “nucleares”, afetam todos os Tipos Eneagra-
máticos, porém aquele relacionado com o grupo ao qual você pertence,
deve ser considerado com maior atenção.
Sendo meu interesse principal destacar a obra e os ensinamentos
deste mestre, cito as principais definições que ele deixou destes três
problemas nucleares:

SOBRE O ESQUECIMENTO DE SI MESMO:

Gurdjieff dizia: “... o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua


impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de
seu ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento...”
Também podemos ler: “Vocês se esquecem sempre de si mesmos,
vocês nunca se lembram de si mesmos. Vocês não sentem a si mesmos;
vocês não são conscientes de si mesmos. Em vocês, isso observa, ou então
isso fala, isso pensa, isso ri; vocês não sentem: sou eu quem observa,
eu observo, eu noto, eu vejo. Tudo se observa sozinho, se vê sozinho...
Para chegar a observar verdadeiramente, é necessário, antes de tudo,
lembrar-se de si mesmo.”
Embora sirva para todos, por se tratar de um ponto nuclear que afeta
todos os Tipos e se manifesta em todos os Defeitos ou Traços Principais,
esta recomendação se reveste de especial importância para os Tipos 8,
9 e 1, os quais deverão considerá-la especialmente. Por quê? Porque,
por exemplo, quando Tipos 8 se fixam demais na conquista do externo,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 61

“esquecem” do valor de seus mundos internos; quando Tipos 9 deixam


de se importar com suas necessidades e protelam aquelas ações que os
beneficiam pessoalmente, estão demonstrando o “esquecimento” de si
mesmos, e quando Tipos 1 se preocupam demais com as “formalida-
des” e com a “ordem”, “esquecem” de considerar as coisas sob outros
ângulos e, também, “esquecem” que existem várias maneiras de realizar
os mesmos objetivos.
P. D. Ouspensky escreve a respeito o seguinte:
“Dizia que um fato de prodigiosa importância escapara à psicologia
ocidental, ou seja: que não nos lembramos de nós mesmos, que vivemos,
agimos e raciocinamos dentro de um sono profundo, dentro de um sono
que nada tem de metafórico, mas é absolutamente real; e, no entanto, que
podemos nos lembrar de nós mesmos, se fizermos esforços suficientes;
que podemos despertar.”
A lembrança de si mesmo é a chave que nos permite compreender
que não somos nossas “máscaras” (personalidades), que elas não são
o ser real e que é possível observar nosso “traço ou defeito principal”
compreendendo que podemos chegar a transmutá-lo em seu oposto
“virtuoso”.

SOBRE A IDENTIFICAÇÃO:

Gurdjieff dizia que “... uma das características fundamentais da


atitude do homem para consigo mesmo e para com os que o rodeiam
[é] sua constante identificação com tudo o que prende sua atenção, seus
pensamentos ou seus desejos e sua imaginação. A Identificação é um
traço tão comum que, na tarefa da observação de si, é difícil separá-la
do resto. O homem está sempre em estado de identificação; apenas muda
o objeto de sua identificação”.
Assim como acontece com o Esquecimento de Si Mesmo, a Identifi-
cação, como aspecto “nuclear” (Ponto 3 do Eneagrama), afeta todos nós
e, como diz Gurdjieff, quando iniciamos a observação de nós mesmos,
é difícil separá-la do resto, porém ela afeta com maior força os Tipos 2,
62 Khristian Paterhan C.

3 e 4, os quais deverão trabalhar sobre este aspecto com mais atenção.


Exemplos: a) a “Identificação” leva Tipos 2 a ficarem “escravos” daquilo
e/ou daqueles que amam transformando-os em “seres para”, o que, num
momento determinado, pode angustiá-los; b) leva Tipos 3 a ficarem
“escravos” dos “bons desempenhos”, dos “triunfos”, da “imagem de
sucesso”, o que lhes provoca a perda do “contato” com seus sentimen-
tos e necessidades mais profundos; finalmente, a “Identificação” com
vivências passadas ou com desejos ou esperanças futuras leva Tipos 4
a serem “escravos” das lembranças ou dos desejos e, portanto, a não
estarem emocionalmente felizes no momento “presente”, nem perceber
o que esse “presente” tem de bom.
Gurdjieff sustenta que o único modo de superar a identificação é
aprendendo a desidentificar-se, já que somente desta maneira se poderá
conseguir a “lembrança de si”: “... para aprender a não se identificar,
o homem deve, antes de tudo, não se identificar consigo mesmo, não
chamar a si mesmo de ‘eu’, sempre e em todas as coisas. Deve lembrar-se
de que existem dois nele, que há ele mesmo, isto é, um ‘eu’ (o verdadeiro
ser, o observador) e o outro (a máscara, o falso eu), com quem deve lutar
e a quem deve vencer se quiser alcançar alguma coisa. Enquanto um
homem se identifica ou é suscetível de identificar-se, é escravo de tudo
o que lhe pode acontecer. A liberdade significa antes de tudo: libertar-se
da identificação”.

SOBRE A CONSIDERAÇÃO INTERNA:

Considerar tem sua origem no latim considerare e, segundo os di-


cionários, significa entre outras coisas: atender a, atentar para; pensar
em; meditar, ponderar, examinar, imaginar, conceber, julgar, refletir em
alguma coisa. Todos estes sentidos “intelectuais” devem ser relaciona-
dos na definição que Gurdjieff faz da “consideração interna”, ou seja,
um pensar, refletir, examinar, imaginar, somente voltado ao sujeito
que considera e relaciona tudo apenas com suas “necessidades”. Não
existe um pensar “considerando o que está fora” do sujeito, ou seja,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 63

considerando as pessoas, as situações, as necessidades, os sentimentos e


estados de ânimo dessas pessoas, desses outros. A consideração interior é
como um muro que nos separa da realidade tal qual ela é. A consideração
interna não nos permite agir de acordo com as mudanças, as nuances,
apenas podemos enxergar nossas “ideias”, nossas “opiniões”, nossos
“medos”. Na consideração interior também existe uma “projeção” ao
exterior daquilo que eu sinto, penso ou acho de uma situação dada. Na
filosofia Vedanta Advaita, se diz que um dos poderes de “Maia” é fazer
as coisas aparecerem como elas não são e se conta, como exemplo, a
história de um sujeito que vem caminhando à noite por uma estrada
escura. Está ventando muito, então, de repente, ele vê uma serpente se
movendo alguns metros adiante e se arma com um pau para se defender
do provável ataque. Fica tenso, perde muita energia pelo seu grande
temor de ser mordido pela serpente. Avança com cuidado. A serpente
parece estar muito agitada. Porém quando chega perto da serpente e
está totalmente esgotado de tanto temor, tremendo e suando, percebe
que ela não existe, que era um galho que, movido pelo vento e devido à
noite escura, parecia uma serpente. Isto é a consideração interna: uma
incapacidade de ver, sentir e pensar nas coisas apenas tal qual elas são.
Gurdjieff ensina a respeito que:
“Temos duas vidas, uma interior e outra exterior; por conseguinte,
temos duas espécies de consideração. Nós ‘consideramos’ constantemen-
te.” Então, ele dá um exemplo: “Uma pessoa me olha. Interiormente,
sinto antipatia por ela (...) exteriormente sou cortês. Sou forçado a ser
cortês, pois preciso dela. Isso é consideração exterior. Agora ela diz que
sou um imbecil. Isso me enfurece. O fato de estar enfurecido é um re-
sultado, mas o que isso provoca em mim é proveniente da consideração
interior.”
A consideração interior, por ser um dos pontos nucleares (Ponto 6),
também é algo que devemos aprender a controlar, porque afeta todos os
Tipos Eneagramáticos. Porém os Tipos 5, 6 e 7 deverão prestar maior
atenção a esta questão. Por exemplo, Tipos 5 tendem a se isolar porque
lhes é difícil “comunicar-se”, “interagir” e “inter-relacionar-se” com
os demais, por estarem sempre “considerando internamente”, ou seja,
64 Khristian Paterhan C.

pensando que algumas pessoas são “muito superficiais”, que outras


“podem comprometê-lo”, outras podem ter “intenções ocultas” e assim
por diante, o que os leva a criar barreiras entre eles e os outros. Os Tipos
6 “consideram internamente” a partir de seus temores, de seus medos,
imaginam situações perigosas ou difíceis de resolver e vivem essas supo-
sições como se fossem reais. Já os Tipos 7 vivem “planejando” coisas no
“plano mental”, às vezes totalmente “fora da realidade”, o que os pode
levar a cometer certas irresponsabilidades que acabam afetando outros.
Tudo isto porque apenas “consideram internamente” e não percebem
que seus atos, que julgam “importantes”, podem afetar negativamente
os outros. Gurdjieff afirma que esta “consideração interna” é produto
de uma educação que só se preocupa com o desenvolvimento do Centro
Intelectual. Ele diz que “não educamos nada além de nosso intelecto” e
que o caminho para a consideração externa é o desenvolvimento correto
do Centro Emocional, o qual compara com um “cavalo” que só apren-
deu duas palavras “direita” e “esquerda”, ou seja, “simpático/odioso,
agradável/desagradável”, etc. Um de seus conselhos era: “Devemos parar
de reagir interiormente. Se alguém for grosseiro conosco (por exemplo),
não devemos reagir internamente.” E acrescenta algo que, com certeza,
Tipos 5, 6 e 7 apreciam demais: “Aquele que conseguir isso será mais
livre.” Porém nos adverte que “isso é muito difícil.”
Para Gurdjieff conseguir considerar tudo “externamente sempre e
internamente nunca” era tão importante que um dos aforismos inscritos
no toldo do Study House, no Prieuré (França), dizia assim:
“O melhor meio de ser feliz nessa vida é poder considerar externa-
mente sempre – internamente nunca.”

Para além dos Nove Traços ou Tipos Principais.


A questão dos “eus”. O Eneagrama e o nosso mundo interno

Após transcrever os exatos “retratos” psicológicos que Gurdjieff


fazia dos tipos humanos, gostaria de compartilhar com você uma outra
questão. Muitos me perguntam: Por que é que Gurdjieff não definiu
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 65

um Eneagrama dos Traços Principais explicitamente? Porque falava


deles de um modo geral, de maneira que todos tinham que observar em
si mesmos o modo pelo qual esses Traços/Tipos Principais se manifes-
tavam, tendo que hierarquizá-los com respeito ao que, em cada caso
particular, era o “principal”. Preferia, em algumas ocasiões, ele mesmo
mostrar (e às vezes de forma bastante rude) qual era o Traço Principal
de alguns de seus discípulos para que eles aprimorassem a observação
e lembrança de si.
Gurdjieff gostava de “pisar nos calos favoritos das pessoas”, ou seja,
“provocar” a identificação do Traço/Tipo Principal de uma maneira que
as pessoas se sentissem “chocadas” ao se aperceber de suas condutas
mecânicas. Como observa muito corretamente Claudio Naranjo “(...)
Gurdjieff explorou sua injunção ao insight e sua magistral confrontação
(enquanto que) Ichazo trabalhou com o diagnóstico (...)”.
Logicamente, como Tipo 8 que Gurdjieff era, seu jeito “agressivo” de
confrontar as pessoas com seus Traços (Tipos) Principais era para ele o
mais adequado e, com certeza, conseguia “despertar” a atenção de seus
alunos para a necessidade de enxergá-los sem “nenhuma piedade”.
Penso também que quando ele ensina sobre os diversos “eus” que po-
dem atuar na vida psíquica de um sujeito, ele se referia, de algum modo,
ao fato de que todos temos, em maior ou menor grau, algo de todos os
“Traços” e suas combinações, sendo que, um deles, é o mais “forte” e
característico. Seus ensinamentos sobre os diversos “eus” presentes no
mundo interno são um alerta para nossa falta de “unidade” interior.
Citado por Ouspensky, Gurdjieff diz a respeito:
“O homem não tem ‘Eu’ individual. Em seu lugar há centenas e
milhares de pequenos ‘eus’ separados, que, na maior parte das vezes, se
ignoram, não mantêm nenhuma relação entre si ou, ao contrário, são
hostis uns aos outros, exclusivos e incompatíveis. A cada minuto, a cada
momento, o homem diz ou pensa ‘Eu’. E a cada vez seu ‘eu’ é diferente
[...] O homem é uma pluralidade. O seu nome é legião”.5

5
Do livro Fragmentos de um ensinamento desconhecido, de Ouspensky.
66 Khristian Paterhan C.

Visto deste ângulo, o Traço ou Tipo Principal seria, entre todos


os “eus” que habitam nosso mundo interior, o “eu falso” mais forte,
aquele que comanda a “máscara” /personne. Assim, por exemplo, um
sujeito Tipo 8, que tem como Traço Principal seu caráter agressivo/
luxurioso, ou melhor, que se excede em tudo o que faz, também teria
os outros 8 “eus” eneagramáticos e todos os “eus” resultantes das
“triplas” combinações. Isso significa que, no mesmo sujeito agressi-
vo, podemos achar todas as restantes características eneagramáticas
“negativas” e “positivas”. Algumas serão relativamente fortes, outras
se manifestarão de maneira mais “fraca”, algumas fortalecerão o
Traço Principal, outras o tornarão mais equilibrado. Algumas serão
aliadas desse sujeito, outras agirão como “inimigos” internos. O que
quero dizer é que, analisando o modo como Gurdjieff falava dos três
problemas nucleares e o modo como descrevia os aspectos negativos
das pessoas em relação aos seus diversos “eus”, cheguei à conclusão
de que para ele o mais importante é que a gente perceba que todos os
“traços negativos” estão presentes em nós sempre e que não devemos
considerar apenas o “principal” como o alvo do nosso trabalho de
observação e lembrança interior.
No meu entendimento, este é o ponto mais valioso da técnica de
Gurdjieff, porque nos lembra que o Eneagrama também está completo
e em movimento constante nos nossos mundos internos; que o esque-
cimento de si mesmo e os três traços decorrentes de sua manifestação
afetam todos nós; que a identificação está sempre presente em nossos
atos e relacionamentos, que vivemos considerando internamente sempre
e que todos os “traços” ligados a estes “núcleos” expressam a perda de
contato com o Ser, com o “Eu real”, com aquilo que poderíamos cha-
mar, de acordo com as antigas tradições, o “observador silencioso”, a
“testemunha”, a única capaz de ser verdadeiramente consciente porque
é a consciência. Ao mesmo tempo, considerando o assunto deste modo,
cada um de nós tem mais um elemento para a análise de si mesmo:
quais os aspectos que além do Traço Principal devemos conquistar em
nós mesmos, que Tipos Eneagramáticos podem servir como exemplo
do que devemos ou não fazer, o que é que podemos aprender com esses
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 67

“outros eus” que fazem parte dos nossos mapas eneagramáticos? Por
acaso temos um “eu” que sofre “tolamente”?
Temos um “eu” que não sabe amar? Temos um “eu” protelador?
Um “eu” vaidoso? Um “eu” moralista? Um “eu” medroso? Ao mesmo
tempo, e sabendo que para cada Traço ou Defeito Principal existe uma
Virtude, um Poder em potencial que podemos desenvolver e atualizar,
devemos concluir necessariamente que a conquista da Virtude por trás
dos nossos Traços Principais nos permitirá desenvolver positivamente
o potencial de todos os demais “eus” dos nossos mapas eneagramá-
ticos. Ainda mais, talvez, atualmente alguns desses “eus” sejam já os
nossos “aliados” psicológicos e só devemos nos tornar conscientes de
suas “presenças”. A questão dos “eus” na psicofilosofia de Gurdjieff é
fundamental, já que, a grande conquista interior passa necessariamente
pelo controle, transmutação (ou até a “morte” de alguns deles) e governo
de todos os pequenos “eus” por um único “Eu”, permanente, reflexivo
e consciente. Isto é o que torna “indivíduo” (sem divisões interiores)
aquele que conquista a “máscara” ou personalidade. Enquanto o Traço
Principal não for conquistado, o comando da “personalidade” ficará
a cargo de um “falso eu” e de todos os que a ele estão atrelados. Só o
profundo conhecimento de si mesmo poderá devolver o comando da
personalidade ao “verdadeiro Eu”. Não vou me estender mais aqui sobre
este assunto, que trato com mais profundidade na minha obra Iniciação
e autoconhecimento.
Enfim, o modo gurdjieffiano de mostrar o Eneagrama dos Traços
Principais apontava, na minha opinião, na direção da descoberta de todos
os nossos “problemas internos”, de todos os 9 “eus” e seus “subtipos”,
com o objetivo de que o conhecimento de si mesmo fosse “completo”,
ou seja, que nossos Eneagramas internos se tornassem conhecidos para
nós mesmos. Então, conhecer o Traço Principal é importante, não apenas
como uma classificação, não apenas para repetir como “papagaio” “sou
4”, “sou 7” ou “sou 3 com asa 2”, como ouço por aí de pessoas para
as quais o Eneagrama se tornou mais uma “armadilha” que só aumenta
seu grau de “sono”. Quando nos tornamos conscientes de nosso Traço
Principal e conscientes dos demais “eus” que habitam nosso complexo
68 Khristian Paterhan C.

e labiríntico mundo interior, quando podemos ser conscientes dos “eus”


que, sem ser os principais, também influenciam no “esquecimento de si
mesmo”, na “identificação” e na “consideração interna”, aí então é que
o Eneagrama se torna verdadeiramente valioso e supera os limites de
uma mera “tipologia psicológica”. Desta forma se torna também uma
ferramenta para que possamos lidar melhor com nossas “realidades”
pessoais e individuais. Torna-se útil como instrumento de apoio no
profissional e em nossos necessários e cotidianos relacionamentos.
Graças à minha experiência no estudo e prática destes conhecimentos,
a cada dia, torna-se cada vez mais fácil para mim perceber o Traço Prin-
cipal nas pessoas e observo o quanto isso é valioso para, usando a “con-
sideração externa”, compreendê-las melhor e obter delas o que realmente
quero. Pessoas que não conhecem o seu próprio Traço Principal e que não
o reconhecem em outras pessoas, só conseguem resultados em seus rela-
cionamentos e trabalhos por mero “acidente”, ou porque com o tempo
ficam mais sensíveis às diferenças humanas devido às suas experiências e
vivências. Gurdjieff reconhece que ele próprio se tornou com o tempo um
especialista em descobrir o Traço Principal nas pessoas com as quais se
relacionava, não somente com objetivos “espirituais” mas também com
objetivos muito “concretos”. Em sua última obra, A vida é real somente
quando “Eu Sou” cujo título já é uma grande lição a ser compreendida,
Gurdjieff revela como isso se tornou para ele uma tarefa constante:
“(...) qualquer um que eu conhecesse, por negócios, comércio ou
qualquer outro motivo, fosse velho ou novo conhecido, e qualquer que
fosse sua posição social, eu teria que descobrir imediatamente seu ‘calo
mais sensível’ e ‘pressioná-lo’, preferivelmente com dureza.”
Este deve ser o seu “espírito” ao se preparar para conhecer seu Traço
Principal por meio desta obra, ou para, já conhecendo seu Traço Prin-
cipal, aprimorar sua experiência por razões pessoais ou profissionais.
Reconheça seu Traço Principal com sinceridade e descubra o seu próprio
Eneagrama interior, no qual, todos os “traços” estão presentes. Conhe-
cendo dessa forma seu “microcosmo”, você poderá conhecer todos os
“microcosmos” que o rodeiam e, finalmente, quando alcançar a total
consciência de si mesmo, o “macrocosmo” poderá ser conhecido tal qual
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 69

ele é, uma expressão maravilhosa dos milhares de “rostos” daquilo que


chamamos “DEUS”. Agora sim vamos ver como Gurdjieff “retrata”
cada um dos nove Traços ou Defeitos Principais:

DEFINIÇÕES DOS NOVE TRAÇOS OU DEFEITOS PRINCIPAIS


SEGUNDO GURDJIEFF

Após analisar detidamente os Traços ou Defeitos Principais definidos


por Gurdjieff e confrontá-los com os que outros pesquisadores do Ene-
agrama destacam, baseados nas descobertas de Ichazo, consegui isolar
todas as definições com as quais ele os “retratava” tão magistralmente.
Novamente os livros Fragmentos de um ensinamento desconhecido
e Gurdjieff fala a seus alunos foram fundamentais para realizar essa
pesquisa. Vejamos por Grupos.

TRAÇOS PRINCIPAIS DOS TIPOS 8, 9 E 1 (CENTRO DO MOVIMENTO


QUESTÃO NUCLEAR: ESQUECIMENTO DE SI MESMOS)

Tipos 8: “Existem diversas espécies de consideração. Na maior par-


te dos casos, o homem se identifica com o que os outros pensam dele,
com a maneira com a qual o tratam, com sua atitude para com ele [...]
pensa sempre que as pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso
o aborrece, o preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em conjecturas
ou em suposições enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim,
uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como olharam
para ele, o que pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume a
seus olhos enorme importância. E considera não só as pessoas, mas a
sociedade e as condições históricas. Tudo o que desagrada a tal homem
lhe parece injusto, ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida de seu
julgamento é sempre que as coisas podem e devem ser modificadas. A
‘injustiça’ é uma dessas palavras que servem frequentemente de máscara
a [este tipo de] ‘consideração’ [interna].”
70 Khristian Paterhan C.

Tipos 9: “[...] Sem auxílio exterior, um homem nunca pode se ver.


Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação de si conduz
à constatação de que o homem se esquece de si mesmo sem cessar. Sua
impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais característicos de seu
ser e a verdadeira causa de todo o seu comportamento. Essa impotência
manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra de suas decisões, não se
lembra da palavra que deu a si mesmo, não se lembra do que disse ou
sentiu há um mês, uma semana ou um dia ou apenas uma hora. Começa
um trabalho e logo esquece por que o empreendeu, e é no trabalho sobre
si que esse fenômeno se produz com especial frequência.”

Tipos 1: “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem que


considera que na sua opinião, ‘deveria’ fazer algo, quando na realida-
de, não tem que fazer absolutamente nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um
problema difícil; em outras palavras, é difícil compreender quando um
homem realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo).”

TRAÇOS PRINCIPAIS DOS TIPOS 2, 3 E 4 (CENTRO EMOCIONAL


QUESTÃO NUCLEAR: IDENTIFICAÇÃO)

Tipos 2: “Há duas espécies de amor. Um é o amor escravo. O outro


deve ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro não tem valor
algum; só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho interno, tem
valor. É o amor de que todas as religiões falam. Se você amar, quando
‘isso’ [a máscara] ama, esse amor não depende de você e não haverá
nenhum mérito nisso. É o que chamamos ‘amor de escravo’. Você ama
até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no amar
mecanicamente [...]”

Tipos 3: “Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta ‘Quem


sou eu?’ Estou certo de que 95% de vocês ficarão perturbados... Isso
prova que um homem viveu toda a sua vida sem se fazer essa pergunta
e considera perfeitamente normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 71

muito precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo, é


incapaz de explicar a outra pessoa o que esse algo é, incapaz de dar
a menor ideia desse algo, porque ele próprio não o sabe. E se não
sabe, não será simplesmente porque esse algo não existe, mas apenas
se supõe existir? Não é estranho que fechem os olhos, com tão tola
complacência, ao que realmente são, e passem a vida na agradável
convicção de que representam algo precioso? Esquecem de ver o vazio
insuportável por trás da soberba fachada criada por seu autoengano
e não se dão conta de que essa fachada só tem um valor puramente
convencional.”
Ouspensky lembra que alguém perguntou: “O que é que não com-
preendemos?” E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal modo habituados
a mentir, tanto a si mesmos como aos outros, que não encontram nem
palavras nem pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a
verdade sobre si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la, deve-se conhecê-
la. Ora, não sabem nem mesmo em que ela consiste [...].”

Tipos 4: “Qual o papel do sofrimento no desenvolvimento de


si?” Ele respondeu: “Existem duas classes de sofrimento: consciente
e inconsciente. Somente um tolo sofre inconscientemente. Na vida
existem dois rios, duas direções. No primeiro rio, a lei é somente para
o rio, não para as gotas d’água. Nós somos as gotas. Num momento
uma gota está na superfície, num outro momento está no fundo. O
sofrimento depende da sua posição. No primeiro rio, o sofrimento é
completamente inútil, porque é acidental e inconsciente. Paralelo a esse
rio tem um outro. Neste outro rio existe outra classe de sofrimento. A
gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar ao segundo. ‘Hoje’
a gota sofre porque ‘ontem’ não sofreu o suficiente. Aqui opera a Lei
de Retribuição. A gota também pode sofrer por antecipação, tarde ou
cedo tudo se paga. Para o Cosmo o tempo não existe. O sofrimento
pode ser voluntário e somente o sofrimento voluntário tem valor. A
gente pode sofrer simplesmente porque se sente infeliz. Ou pode so-
frer por ‘ontem’ para preparar-se para o ‘amanhã’. Repito: somente o
sofrimento voluntário tem valor.”
72 Khristian Paterhan C.

TRAÇOS PRINCIPAIS DOS TIPOS 5, 6 E 7 (CENTRO INTELECTUAL


QUESTÃO NUCLEAR: CONSIDERAÇÃO INTERNA)

Tipos 5: “É impossível lembrar-se de si mesmo. E não podemos nos


lembrar, porque queremos viver unicamente pelo mental... Talvez vo-
cês se lembrem do que dissemos do homem: nós o comparamos a uma
atrelagem com um amo [o Ser], um cocheiro [Centro Intelectual], um
cavalo [Centro Emocional] e uma carruagem [Centro do Movimento].
Não podemos nem falar do amo pois ele não está presente; de modo
que só podemos falar do cocheiro. Nosso mental é o cocheiro... Todos
os interesses que temos em relação à mudança, à transformação de nós
mesmos pertencem apenas ao cocheiro, quer dizer, são unicamente de
ordem mental... A transformação não se obtém pelo mental; se for pelo
mental, não tem nenhuma utilidade. Por essa razão devemos ensinar,
e aprender, não por meio do mental, mas do sentimento e do corpo...
Naqueles que estão aqui se levantou acidentalmente um desejo de chegar
a algo, de mudar alguma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou
ainda neles. Não passa de uma ideia que têm na cabeça e cada um per-
manece o que era. Mesmo aquele que trabalhasse mentalmente durante
dez anos, que estudasse dia e noite, que se lembrasse mentalmente e
lutasse, mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque mentalmente
nada há para mudar. O que deve mudar é a disposição do cavalo. O
desejo deve estar no cavalo e a capacidade na carruagem. Mas como já
dissemos, a dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta
de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso sentimento (cavalo) e
nosso mental (cocheiro) não foi reconhecida desde a infância, e a maio-
ria das pessoas está tão deformada que não há mais linguagem comum
entre uma parte e outra...”

Tipos 6: “O homem, às vezes, se perde em pensamentos obsessivos,


que voltam e tornam a voltar em relação ao mesmo objeto, às mesmas
coisas desagradáveis que imagina, e que não apenas não ocorrerão, mas,
de fato, não podem ocorrer. Esses pressentimentos de aborrecimentos,
doença, perdas, situações embaraçosas se apoderam muitas vezes de
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 73

um homem a tal ponto, que assumem a forma de sonhos despertos. As


pessoas deixam de ver e ouvir o que realmente acontece, e, se alguém
conseguir provar a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos e
medos são infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se
tivessem sido frustradas de uma perspectiva agradável...
O medo inconsciente é um aspecto muito característico do sono...
As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder do medo.
Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos casos, é o medo de
situações embaraçosas, o medo do que o outro pode pensar. Às vezes o
medo se torna quase uma obsessão maníaca.

Tipos 7: “O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo mundo


o tome por alguém notável, a quem todos deveriam constantemente
testemunhar respeito, estima e admiração por sua inteligência, por sua
beleza, sua habilidade, seu humor, sua presença de espírito, sua origina-
lidade e todas as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez,
baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as pessoas têm de
si mesmas, o que acontece com muita frequência, mesmo com pessoas
de aparência muito modesta [...].”
74 Khristian Paterhan C.

ENEAGRAMA DOS TRAÇOS OU DEFEITOS PRINCIPAIS DE ACORDO


COM OS NOVE “RETRATOS PSICOLÓGICOS” DE GURDJIEFF

Figura 11

Núcleo do “esquecimento de si mesmo”


Os esquecidos de si mesmos. Os que sofrem da “doença do
amanhã”. Os proteladores.

Os que não se acham suficientemente apreci-


9 (O pacífico protelador “boa gente)

ados. Os aborrecidos, desconfiados, hostis Os “moralistas” (O metódico direitinho irado).


(O hostil “justiceiro” desconfiado). Aqueles que acham que “deveriam” fazer
8 1 algo. Os que julgam pela “moral subjetiva ou
externa” do “bem/mal”; “certo/errado”.

Os que se acham “livres”. Os


inconstantes, não persistentes. Os “amorosos” escravos. (O
Os que “exigem” respeito, ad- amoroso generoso orgulhoso).
miração, estima e se acham “no- 7 2 Aqueles que amam até quando
táveis” (O narcisista gozador). não deveriam amar.

Os que se perdem em pensa-


mentos obsessivos. Os que so- Os que acham que “represen-
nham acordados negativida- tam algo precioso”. (O perfor-
des. Os que estão em poder do 6 3 mático mascarado). Aqueles
medo (O medroso ambivalente). que se “auto-enganam”.

Núcleo Núcleo
da “consideração interna” 5 4 da “identificação”
Os que vivem só pelo mental. Isolados da realidade. Os que apre- Os que sofrem “totalmente”
endem mas não compreendem (O sofredor original invejoso)
(O avarento e solitário pensador). Os sofredores “inconscientes”.
Parte I

8 1

Centro Físico ou Motor

Tipos 8, 9 e 1
O Tipo 8

O eu
que confronta

“Existem diversas espécies de consideração. Na maioria dos casos, o


homem se identifica com o que os outros pensam dele, com a maneira
como o tratam, com sua atitude para com ele [...] pensa sempre que
as pessoas não o apreciam o suficiente [...] Tudo isso o aborrece, o
preocupa, o torna desconfiado; desperdiça em conjecturas ou em
suposições enorme quantidade de energia; desenvolve nele, assim,
uma atitude desconfiada e hostil para com os outros. Como olharam
para ele, o que pensam dele, o que disseram dele, tudo isso assume,
a seus olhos, enorme importância.”

“E considera não só as pessoas, mas a sociedade e as condições


históricas. Tudo o que desagrada a tal homem lhe parece injusto,
ilegítimo, falso e ilógico. E o ponto de partida de seu julgamento é
sempre que as coisas podem e devem ser modificadas. A ‘injustiça’ é
uma dessas palavras que servem frequentemente de máscara a [este
tipo de] consideração [interna].”

Os dois parágrafos acima, citados por P. D. Ouspensky


em Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido,
são de G. I. Gurdjieff
78 Khristian Paterhan C.

Então? Vamos nos conhecer melhor ou não?

Como diria G. I. Gurdjieff (um Tipo 8 “acordado” que foi, segundo


o polêmico mestre Osho, “um dos Budas da nossa época”): “Lembre-se
de que você veio aqui, porque compreendeu a necessidade de lutar contra
si mesmo e unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem
lhe proporcione a ocasião para isso.” Na verdade, este aforismo – um
dos vários que estavam inscritos no toldo do “Study House”, no Prieuré
(França), local onde Gurdjieff trabalhou com seus discípulos – abriga
o grande mistério a ser conhecido por todos os seres humanos, mais
especialmente pelos Tipos 8 “assumidos”. Espero que, tendo chegado
até aqui, agradeçam a oportunidade que eu lhes ofereço de “lutar uni-
camente contra si mesmos” a partir de agora, já que há tanto tempo se
dedicam a lutar contra o mundo, contra seus “inimigos” e até contra o
“tempo” e o “clima”!

O Poder: a grande fascinação


dos “Guerreiros” do Eneagrama

Quando realizamos nosso workshop sobre o Eneagrama para o


Projeto Simplesmente Copacabana, no Rio de Janeiro, contamos com a
participação de uma jornalista que editava um jornal de bairro. Escre-
vendo sobre seu Tipo, sob o título Por que 8, ela destacou:
“O poder me fascina. Vim a descobri-lo na caminhada da vida. A vida
me empurrou para o resgate. No resgate descobri a força, o poder. Na
medida em que avançava vim percebendo a minha verdadeira vocação: a
liderança. As causas consideradas por mim justas e verdadeiras, as abraço
com muita determinação. É por demais sedutor para mim tocar um pro-
jeto em que possa ter o controle da situação. Dar oportunidade a outras
pessoas me entusiasma e gosto da troca, desde que tenha o rumo das
coisas. Guerreio sabendo o que quero, mas também quando não quero,
simplesmente não faço. Entretanto, sinto uma enorme falta da inocência,
da poesia, do frágil. Camuflo isso tudo em ações concretas.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 79

Este breve depoimento revela o que todo Tipo 8 sente – “O poder me


fascina”, e finaliza com o que para todos eles é uma tremenda verdade:
a necessidade da simplicidade e da inocência, às quais vou me referir
no final deste capítulo.
No Brasil, temos um excelente exemplo histórico de um Tipo 8
para quem este depoimento também foi verdadeiro. Ele foi um dos
mais conhecidos e polêmicos políticos deste pais, considerado aguer-
rido e destemido, dedicou sua vida, a seu modo, a lutar pelas causas
que considerou justas. Refiro-me ao falecido Senador Antônio Carlos
Magalhães ou “ACM”.
Lembro quando o Senador ACM, contrariado com a famosa inter-
venção no Banco Econômico, deu uma das tantas amostras do seu Tipo
Eneagramático. A revista Veja do dia 23 de agosto de 1995 registrou
uma das frases mais fortes ouvidas por um Presidente do Banco Central
deste país:
“Você é um moleque, f. da p! Vou passar por cima de você! Quem é
você para fechar um banco na Bahia? Lá as coisas não são assim.”
Por ser o senador amante declarado da Bahia, essa terra maravilhosa,
e devoto fiel do Senhor do Bonfim, sua voz irada naquela ocasião, era
a voz irada de todos os baianos que, há mais de 40 anos viam neste
homem um grande líder. Essas atitudes públicas do senador refletiam
seu tipo. Diante delas, qualquer Tipo 8 pode-se ver como em um espe-
lho. O jornalista Marcos Sá Corrêa, no livro Política e Paixão, Editora
Revan, define exatamente a tipologia deste polêmico e carismático
homem público:
“ACM (era) conhecido pela agressividade que, sendo nele aparente-
mente natural, (era) também um estilo cuidadosamente treinado. Como
diz neste livro, está convencido de dever a ela – mais do que a outros
atributos, seu grande trunfo político – o fato de ser reconhecido como
um assunto jornalisticamente interessante.”

Todo Tipo 8 pode ser definido a partir dessa “agressividade” e de


muitos Tipos 8 que detêm algum poder se pode dizer exatamente o que
aparece numa das orelhas do citado livro: “Ninguém fica indiferente a
80 Khristian Paterhan C.

Antônio Carlos Magalhães, [ele] é um dos que mais acumularam inimi-


gos. Afeto ou desafeto, admiração ou hostilidade, variadas são as atitudes
que as pessoas assumem diante dele, mas ninguém o ignora.”

Como e porque Tipos 8 brigam


desde cedo com “o mundo todo”

Numa das suas brilhantes tiras publicadas no Jornal do Brasil sob


o título de “As Cobras”, o genial Luís Fernando Veríssimo (criador de
muitos personagens, entre eles o Analista de Bagé, um analista muito 8,
diga-se de passagem) nos resume esse estado de desconfiança e agressi-
vidade pronto a se manifestar em todos os “representantes” deste Tipo
Eneagramático. Duas cobras falam com uma terceira: “Todo mundo não
está contra você desde que você nasceu, Pepe.” Ao que esta responde:
“Ah, é? Então por que o obstetra já me recebeu com um tapa?”
Citei o texto desta tira porque ele combina com o depoimento em
que Augusta, uma de nossas alunas, lembra o “momento provável” em
que surgiu sua “máscara”:
“(...) É como se eu já tivesse nascido 8, e não me formado com o
passar do tempo (...) Meu nascimento foi muito difícil e como todo 8
acha que deve brigar por tudo, eu briguei para nascer.
A hora do meu nascimento já havia passado e não nasci de parto
normal; pela demora eu ‘não devia ter nascido’, pois além da demora
eu estava com o pescoço enrolado no cordão umbilical, nasci talvez de
teimosa ou por ser um 8 que nunca se dá por derrotado (...)”
Magno, outro participante dos nossos workshops revelou:
“Muito cedo, se me lembro bem aos cinco anos de idade, essa ‘másca-
ra’ já se manifestava em mim, em como eu ‘mandava’ nas minhas irmãs
ou como eu não aceitava ordens de meus pais (...) A minha sensação é
que eu sempre fui assim, já nasci com essas características.”
Em primeiro lugar, os Tipos 8 em sua maioria lembram-se de uma
infância em que tinham que se impor (ou se impunham) ao meio por
alguma razão. Tinham que lutar para serem respeitados. Tinham que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 81

“proteger-se” dos outros. Às vezes, enfrentaram ambientes agressivos,


que os obrigaram a assumir responsabilidades muito cedo porque seus
pais, por razões financeiras ou porque achavam correto, lhes exigiam
de um modo ditatorial e imperativo que “aprendessem” a ser “fortes”
desde crianças. Outros perceberam a fraqueza de um ou de ambos os
pais, e decidiram não ser tão fracos quanto eles. O mesmo aluno lembra:
“Meu pai sempre foi um intelectual e tentou, por todos os caminhos,
me mostrar as coisas certas por intermédio da palavra, pois as poucas
vezes que ele quis me obrigar a fazer qualquer coisa eu, como uma ‘boa
mula’, me neguei. Achava que aquele ‘papo’ era uma fraqueza de meu
pai, que ele deveria ser mais duro comigo, acredito que foi aí que minha
máscara se consolidou. Minha mãe já não tinha tanta paciência assim
e com ela não se brincava, mas eu sempre achava um jeito de deixá-la
bem brava (...)”
Existem Tipos 8 que falam de uma infância difícil, em que foram
vítimas de “injustiças”, de que se vingavam de um ou outro modo. Ainda
em relação a isto, outra aluna Tipo 8 nos contou:
“Na infância, lembro de uma injustiça entre tantas outras. Esta
ocorreu na escola por volta dos 7/8 anos. Uma colega, vizinha da mesma
mesa circular (...) pegou seu lápis e tentou furar o meu braço (...) quando
reclamei com a professora, esta me castigou. Eu não entendi nada! (...)
Na família, antes dos sete anos, lembro-me de ter sido acusada de ter
feito o que não fiz, acabando por me conformar (...) e ia pro castigo,
é claro!”
Seu modo de se vingar era simples:
“Lembro que pegava dinheiro escondido de minha mãe pra comprar
balas, sem pensar em culpa de fazer algo errado (...)”
Outros pertencem a famílias poderosas em que se sentiram sozinhos e/
ou obrigados a “tomar iniciativas” para não serem considerados inferio-
res aos demais e onde ouviam constantemente frases como estas: “nunca
se deve confiar nas pessoas”, “temos que proteger o que conseguimos e
você deve preparar-se para isso”, ou “você apenas cumpre com os seus
deveres, não está fazendo nada demais”. A necessidade de se mostrarem
fortes e capazes os faz desenvolver o que comumente chama-se “força
82 Khristian Paterhan C.

de vontade”. A necessidade de perceber os riscos e possíveis perigos que


aparentemente devem enfrentar sozinhos, desde cedo, os leva a desconfiar
dos outros e a confiar demais nas suas próprias “forças”.
Isto provoca neles uma constante atitude de alerta, um constante
estado interior que se poderia traduzir como “estar pronto para a luta”.
Por isso decidem ser fortes, autoconfiantes, sem medo de nada, inclusive
os que consideram ter tido infâncias felizes. A este respeito, vale a pena
refletir sobre este depoimento:
“Tive uma infância feliz, mas muito competitiva, os jogos eram para
ser ganhos (...) Cada jogo novo ou pessoa nova era uma ‘nova barreira
para se conquistar’. Briguei muito desde cedo, ao ponto de que quando
começava eu não conseguia mais parar. Mas, apesar do ‘gênio’, brinquei
muito e na rua, com muitos amigos que logicamente eu conquistei, o
que não significa que os tenha cativado.”

Para estar protegido do mundo,


é necessário controlar tudo

Os Tipos 8 sentem que devem criar e conquistar um extenso território


pessoal, do qual sejam os CONTROLADORES e donos absolutos. Precisam
saber tudo com antecedência, conhecer de que maneira podem ter certeza
de estar no comando de toda e qualquer situação, seja esta pessoal e/ou
profissional. Neste depoimento, no qual a palavra controle é repetida
sete vezes (as itálicas são minhas), uma de nossas alunas reconhece o
quanto essa necessidade a esgota:
“(...) preciso exercer o controle em tudo o que me cerca. Seja nas
questões do trabalho, seja nas questões pessoais. A falta do meu controle
em qualquer situação me deixa muito enraivecida. Preciso controlar
tudo e apesar de já ter percebido, mesmo antes de estudar o Eneagra-
ma, o quanto isso me faz mal, no sentido de gastar muita energia nessa
incumbência de ter tudo sob o meu controle, ainda me é muito difícil
suportar a falta de controle (...) No trabalho, posso perceber com
clareza quando as coisas estão fora do meu controle e como isso me
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 83

incomoda, principalmente quando não estou bem informada. A falta


de informação me deixa fora das coisas. É assim que me sinto. Na vida
pessoal eu percebo isso quando me é difícil suportar as frustrações, ou
seja, quando as coisas não acontecem do jeito que eu determino de forma
que eu possa controlar.”
Os outros devem reconhecer e respeitar o “controle” e o “poder” dos
Tipos 8, garantindo-lhes “obediência”, porque, de outro modo, poderão
ser “punidos”. Um aluno escreve a respeito:
“[O Tipo 8] se impõe com muita facilidade se as coisas não estão
indo como deveriam ser, ele não pode perder o controle da situação e,
se necessário, usa o ‘chicote’, mas não com a intenção de ferir e sim de
ensinar uma lição.”
Esse território está protegido sempre por uma espécie de cerca prote-
tora contra os perigos, injustiças e inimigos que vêm e/ou que poderiam
vir do mundo. Eles aperfeiçoam esse controle aprendendo, estudando,
sabendo como, precavendo-se de todo e qualquer ataque exterior,
num claro movimento ao Ponto 5 do Eneagrama. Os mais inteligentes
e capazes se aperfeiçoam constantemente, e possuem uma tremenda
capacidade de manipular dados e informações que, tanto confirmem
suas ideias e posições, quanto colaborem para aumentar o seu senso de
poder, controle e segurança. Paula, uma aluna, que é médica, escreve a
respeito que:
“O controle das situações é o que o 8 tanto quer ter (...) e tanto assim
que desde criança me vi às voltas com os livros e nunca porque alguém
me mandasse, mas porque sentia necessidade de conhecer tudo, para
que nada me pegasse desprevenida. Até os idiomas que aprendi eram
uma forma de controle da situação, de não permitir que alguém falasse
algo de mim, que eu não compreendesse, não dominasse...”
84 Khristian Paterhan C.

Lealdade e proteção:
algo valioso que se pode cobrar

Os Tipos 8 decidem quais pessoas serão da sua confiança, quais as


pessoas que poderiam estar sob sua tutela e quais pessoas terão “direito”
à sua permanente “proteção”, numa clara influência do Ponto 9 Enea-
gramático e do movimento contra seta ao Ponto 2. Fazem isto apenas
para aumentar o “controle”. É como se, desse modo, fossem criando
e assegurando uma “rede” de poder e influência ao estilo dos chefões
mafiosos dos anos 30.
Em outro trecho de seu depoimento, uma das alunas citadas revela:
“(...) até me lembro de minha mãe dizendo, em tom jocoso, que eu
era ‘a protetora dos fracos e oprimidos’ (...) Esta mania de proteger as
pessoas da família e os amigos também é algo muito presente em mim,
desde a infância. Uma necessidade de fazer tudo ao meu alcance, para
deixá-los tranquilos e de bem com a vida.”
Porém, quando se sentem traídos, quando sentem que essa “leal-
dade e proteção” não são recíprocas, os Tipos 8 reagem com fúria, e
quem falhou pode estar certo que haverá uma punição. A mesma aluna
acrescenta:
“Adoro meus amigos e sou amiga até o fim, mas se por acaso alguém
fizer algo que me magoe, provavelmente não terá chances de fazê-lo
outra vez. Pois a partir deste dia esta pessoa morreu para mim e ainda
que viva ao meu lado não me diz mais nada. E ela saberá disto não só
por palavras, mas por atitudes (...)”
Com outro aluno 8, a coisa não muda muito: “Procuro ser leal às
pessoas, quem não corresponder está em maus lençóis.”

Conquistando novos territórios... Sem limites

O que Tipos 8 desejam é conseguir o mais e o maior possível de


tudo...sem limites. Precisam assegurar o poder e garanti-lo no tempo.
Os Tipos 8 decidem que esse imenso território desejado nunca poderá
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 85

ter limites e sabem que não vão parar de conquistar novos territórios e
ainda que nunca nenhuma dessas conquistas será tida como a última.
Ao invés do “castelo mental” no qual Tipos 5 desejam refugiar-se, e ao
invés do “território limitado da sua própria ordem” que Tipos 1 tentam
preservar, os Tipos 8 decidem que o único modo de enfrentar o mundo é
criando uma ilimitada zona de poder pessoal, na qual eles se sintam com
o controle absoluto e permanente. Sentem, instintivamente, que nunca
deverão parar de estender-se e crescer. Descrevendo esse estado de perma-
nente ambição num momento de total entusiasmo com respeito ao fato
de sentir-se “maior que o mundo”, um dos nossos alunos escreveu:
“Minha máscara não me dá limites, posso ocupar qualquer espaço
que eu quiser.”
Qualquer Tipo 8 poderia dizer o mesmo, e nesta frase o Traço Prin-
cipal manifesta toda a sua potência.

O traço principal:
o excesso e a luxúria aumentam a agressividade

Para uma síntese do exposto até aqui, diríamos que em tudo o que
Tipos 8 fazem, querem e dizem, existe excesso ou se procura o excesso:
excesso de brigas, excesso de controle, necessidade excessiva de infor-
mação e dados, excesso de cobrança, ambição excessiva de um “espaço”
ilimitado a se conquistar. O excesso é o “grande calo” dos Tipos 8. Eles
querem tudo em demasia. O Dicionário Aurélio define o excesso como
“aquilo que excede ou ultrapassa o permitido, o legal, o normal” e
atrela a palavra à violência: cometer excessos é uma forma de violência,
de agressão, contra si mesmo e contra os outros. O excesso implica um
descontentamento permanente para este Tipo Eneagramático, existe uma
possibilidade muito grande (tinha que ser muito grande, não é ?) de nunca
sentir-se satisfeito. Portanto, possui uma capacidade para frustrar-se com
mais facilidade que os outros Tipos Eneagramáticos, excetuando-se os
Tipos 4. Assim como Tipos 4 acham que a felicidade parece fugir deles
a cada instante e sofrem pelo que falta no presente, os Tipos 8 jamais
86 Khristian Paterhan C.

se sentem satisfeitos com o que possuem no “presente” efetivamente.


Sempre querem algo mais. Os Tipos 4 sofrem pelo que falta. Os Tipos
8 ficam com raiva pelo que querem a mais. Os Tipos 4 sentem que o
que se perdeu no passado é melhor do que o que se tem no presente. Os
Tipos 8 não se importam com o que obtiveram no passado, mas com o
que obterão no futuro. Quando essas ânsias de ter mais são frustradas
por uma ou outra razão, eles sofrem e novamente acham que “a vida”
está sendo injusta com eles. Não conseguem ficar agradecidos pelo que
possuem e desfrutam agora. Eles sempre querem mais, mais e mais. Esse
querer mais tem a ver com coisas sensoriais, tangíveis, concretas, não
do tipo de coisas que os 4 procuram. Assim como o “espaço” deve ser
ilimitado, as coisas que ocupam esse espaço devem ser muitas e devem
trazer o máximo de prazer e bem-estar. Portanto, sempre pode haver
coisas melhores, carros melhores, comidas melhores, ganhos maiores,
festas grandiosas, equipamentos de som mais possantes, computadores
mais completos, técnicas mais modernas, informações mais completas,
prazeres mais interessantes, gozos mais extravagantes. De tudo deve
haver algo mais, algo que supere o atual!
Quando procurei o significado da palavra luxúria no Dicionário
Aurélio, achei o brasileirismo “cheio de luxo”. É muito interessante e
com certeza G. I. Gurdjieff teria gostado de citá-lo em alguma de suas
obras quando fala sobre a psique humana. Como este é o capítulo que
retrata os eneagramáticos “8” ou “80”, e deve ser bem incrementado e
impiedoso (afinal, excesso é excesso!), vale a pena conferir o que significa:
“Cheio de luxo: Bras. Fam. e pop. Diz-se do indivíduo implicante,(...)
exigente, luxento (...prepare-se agora!) cheio de merda” (...!?) tudo isso
entre outras coisas não menos “cheias”. Não fique zangado comigo. É
o prestigiado Aurélio “o culpado e injusto”, tá?
Por outra parte, o excesso sempre foi e sempre será atrelado ao
“pecado capital” da luxúria, que significa, segundo o mesmo Aurélio,
“incontinência, lascívia, sensualidade e dissolução”.
Porém, o maior excesso dos Tipos 8 é o excesso de consideração
interna, de achar que “todos estão contra ele”, que todos conspiram ou
poderiam conspirar contra ele. Que devem enfrentar grandes desafios,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 87

graaandes problemas, graaaandes injustiças. É para enfrentar todos esses


graaandes perigos, que Tipos 8 decidem ter de tudo o máaaximo! Aqui
começa a luxúria: como tudo o ameaça, eles devem ter sempre muito
de tudo: muito dinheiro, muito poder, muita segurança, muitos amigos,
muito, muito de tudo. Logicamente, esta atitude os fixa na sua agressi-
vidade, os cristaliza nos seus excessos e então nada parece contentá-los.
Este é um dos aspectos da “máscara” que os Tipos 8 deverão observar
em si mesmos para não se tornarem seus escravos.

Raiva e ação instintiva

Sendo esta “máscara” parte do trio 8/9/1, no qual a influência


maior provém do Centro do Movimento, temos que concordar em que
as reações instintivas, viscerais e/ou “centradas na barriga”, são mais
poderosas que as relacionadas aos Centros Emocional e Intelectual. O
movimento até o Ponto 5 (intelecto) se realiza ora como uma reação
de “segurança”, ora como um apoio para obter o que se deseja. O
movimento ao Ponto 2 (emocional) tem a ver com uma “relação de
conveniência”, com o que se pode “cobrar dos outros” pelo que se lhes
dá. Então, temos que tanto os atos luxuriosos como os excessos revelam
uma grande falta de raciocínio e reflexão. Lembra o depoimento no
qual um dos alunos escreveu que “achava que aquele ‘papo’ (do seu pai
‘muito intelectual’) era uma fraqueza...”? Quando se quer mais, quando
se procura mais, quando se ultrapassam os limites, é quase impossível
parar para “emocionar-se” ou para “pensar no que é realmente neces-
sário”. Muitos 8 admitem que atuam “por instinto”, que não querem
“parar para pensar”, que “pensar” não é importante, “o que importa
é fazer, já, depressa, agora”! Isto, os Tipos 8 percebem quando ficam
com raiva, por exemplo, e “explodem” sem pensar nas consequências.
A respeito, vejamos este depoimento:

“Percebo que tinha receio de me tornar uma pessoa racional e por


isso não usava muito a razão. Hoje percebo que dá para ser mais mental
88 Khristian Paterhan C.

sem perder as emoções, isso tem me ajudado muito. Mas ainda tenho
algumas situações, que se repetem muito, (nas quais) a raiva visceral
toma conta totalmente. Eu sinto isso fisicamente, parece que um furacão
toma conta de mim. Se eu não deixar sair, a sensação é que vou explodir
e aí eu explodo.”

Uma aluna, Clara, se refere a este mesmo aspecto da seguinte


maneira:

“A vida é uma luta constante, só me aparecem desafios, só me meto


em coisas complicadas, mas no fundo, até que gosto. Tenho dificuldades
de aceitar opiniões contrárias às minhas. Estou sempre numa posição de
autodefesa, dificilmente me sinto culpada. Numa discussão, gosto que a
minha opinião prevaleça (...) Esta ‘coisa’ é tão forte e incontrolável que se
eu não puder dizer o que sinto, parece que vou explodir por dentro (...)
Às vezes eu estou tranquila, o monstro adormecido, e logo vem alguém
atiçar este monstro e lá vou eu explodindo, dizendo desaforos e às vezes
até humilhando, ou tocando com o dedo na ferida dos outros.”

O problema é que, após estas explosões, os Tipos 8 percebem os


desastres provocados; então, a maioria deles concordará que o seguinte
depoimento é totalmente verdadeiro:

“(...) Se por acaso a raiva que sinto é injusta por não haver cul-
pa na pessoa de quem estou sentindo a raiva, eu vou a ela e peço
desculpas.”

Só que a raiva já se expressou.


A energia gasta nessas explosões pode ser desastrosa para o equi-
líbrio psicofísico dos Tipos 8 e eles deveriam prestar mais atenção aos
momentos nos quais esse processo “explosivo” se manifesta, até conse-
guirem compreender como é destrutivo. Vale a pena registrar aqui um
dos conselhos que Gurdjieff deu, certa feita, a alguns de seus discípulos,
citado no livro Gurdjieff fala a seus alunos:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 89

“Gastamos sempre mais energia do que a necessária, utilizando


músculos que não precisamos, deixando os nossos pensamentos darem
voltas e reagindo demais com os nossos sentimentos.
Relaxem os músculos; só utilizem os que são necessários, mantenham
os seus pensamentos em reserva e só expressem os seus sentimentos
quando quiserem. Não se deixem afetar pelas aparências; elas são por
si mesmas inofensivas. Nós é que aceitamos ser feridos.”

A influência negativa dos parceiros eneagramáticos 7 e 9:


gula e indolência. O problema da “insensibilidade”

Devemos lembrar que os companheiros eneagramáticos desta oitava


máscara são a gula e a indolência. Já vimos que a gula não permite o gozo
verdadeiro. A gula leva o Tipo 8 a uma busca frenética, contínua e sem
descanso, de poder e autosatisfação; e a indolência o leva a não saber e nem
querer saber, nem perceber e nem poder perceber, quando é o momento
de parar e descansar. A palavra “indolência”, uma das que se usam para
caracterizar os Tipos 9, além de significar “apatia” e “negligência”, significa
também INSENSIBILIDADE. E este é um dos aspectos mais negativos que não
podem deixar de ser vigiados por aqueles que desejam obter autocontrole.
Esta insensibilidade provoca, entre outras coisas, a incapacidade de aceitar,
confiar e respeitar as pessoas. A luxúria e o excesso estão diretamente ligados
a ela. No caso dos Tipos 8 com forte influência do Ponto 7 eneagramático,
há um “hedonismo” egoísta que acaba por não se importar com os demais
nem com suas necessidades. O “movimento” da seta ao Ponto 5 desta mani-
festação negativa produz uma mistura muito ruim de “hedonismo insensível
e egoísta”, ou, como se diz vulgarmente: “primeiro eu, segundo eu, terceiro
eu e o resto que se f.!” Devo lembrar aqui que uma das características “ne-
gativas” dos Tipos 8 mais desequilibrados destacadas por Naranjo, Riso e
Palmer é a forte tendência à “sociopatia” e ao “sadomasoquismo”.
Para alguns Tipos 8 menos equilibrados, as pessoas são apenas meios,
espécies de instrumentos para obter o que desejam. Quando obtêm o
que desejam as abandonam sem nenhuma consideração.
90 Khristian Paterhan C.

Insensibilidade e poder

Na medida em que alguns Tipos 8 conseguem obter mais poder e


conseguem consolidar suas conquistas e territórios, passam a correr
um maior risco de ficarem insensíveis às necessidades das pessoas que
os rodeiam e ainda a não se importarem com os meios usados para
aumentar e/ou consolidar esse poder. Então, pode acontecer (e acon-
tece com frequência), que, a partir desse instante, o fim justificará os
meios. É notável observar esta relação entre insensibilidade e poder,
especialmente em tempos de guerra ou ditadura (nada mais 8 que uma
guerra ou uma ditadura, certo?), quando os excessos e insensibilidades
são lugar-comum. Sobre isso, transcrevo, para reflexão, um trecho da
obra The Psychoanalytic Theory of Neurosis (Teoria Psicanalítica da
neurose) de Otto Fenichel:
“O poder como um meio para combater os sentimentos de culpa é
facilmente compreensível; quanto mais poder possui uma pessoa, me-
nos necessidade tem de justificar seus atos. O aumento da autoestima
implica uma diminuição nos sentimentos de culpabilidade. Assim como
a ‘identificação com o agressor’ é de uma grande ajuda para comba-
ter a angústia, os sentimentos de culpa também podem ser refutados
mediante a ‘identificação com o perseguidor’ enfatizando o ponto:
‘Somente eu decido o que é bom e o que é mau.’ Entretanto, talvez este
processo fracasse pelo fato de que o superego é, efetivamente, parte da
nossa própria personalidade. Portanto, a luta contra os sentimentos de
culpa por meio do poder pode iniciar um círculo vicioso, precisando
a aquisição de mais e mais poder e ainda a execução de mais e mais
crimes pelos sentimentos de culpabilidade para afirmar o poder. Então,
os crimes podem ser cometidos num intento de demonstrar a si mesmo
que a gente os pode cometer sem ser castigado, ou seja, num intento de
reprimir os sentimentos.”
O mesmo acontece nesta outra situação, que acho que atualmente
os governantes devem observar com a maior atenção.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 91

Insensibilidade e violência: uma reflexão necessária

A sociedade está promovendo, na atualidade, o surgimento de


muitos Tipos 8 entre aqueles seres humanos que nascem e vivem na
extrema pobreza. Não devemos estranhar que cada vez mais crianças e
adolescentes pobres neste país, e em outros lugares do mundo, decidam
colaborar com o tráfico de drogas e usar armas pesadas, desenvolvendo
desde cedo uma tremenda agressividade. Suas carências os tornam antis-
sociais e, se as autoridades não realizam as modificações desse quadro
social, muito logo teremos que lamentar os atos desses Tipos 8, nos quais
se desenvolvem as piores características deste Traço Principal, como a
frieza e falta de piedade, a desconsideração das necessidades alheias, a
procura violenta e luxuriosa por prazeres de que se sentem merecedores
e que lhes são negados pela “sociedade injusta” em que vivem, a total
ausência de princípios e a incapacidade de relacionar-se positivamente
com os demais, pois veem e sentem ao seu redor todos os dias que a
violência, a agressão e a luta parecem ser “normais” e “necessárias” para
a “sobrevivência”. Algo que não se está considerando com profundidade
devida é o fato de esses jovens miseráveis e marginalizados serem levados
a derrotar todos os limites, normas e regulamentos, impostos por uma
sociedade moderna para a manutenção da sua ordem e equilíbrio. Os
seres humanos que vivem em condições miseráveis passam a não sentir o
que crianças e jovens que vivem de maneiras mais apropriadas conhecem
e percebem sobre existência. O mundo que elas observam acaba desta
maneira “distorcido”. Como exemplo, posso citar o resultado de uma
pesquisa que revelou que nenhuma das crianças e adolescentes recluídos
na FEBEM jamais ouviu falar da palavra “solidariedade”. Desconheciam-
na seu valioso significado. As consequências dessa visão “distorcida” da
vida, logicamente, são perigosas. Está na hora de agir para evitar aquilo
que alguns antigos livros sagrados anunciaram: uma época (com certeza
a nossa) em que os adultos teriam medo das crianças. Esta reflexão se
aplica também aos países em permanente estado de guerra, sustentando
ódios milenares; aos que ainda preconizam e promovem os ódios raciais,
e, finalmente, aos responsáveis pela violência permanente exibida e
92 Khristian Paterhan C.

comentada a toda hora em diversos programas de televisão, tanto infantis


quanto para adultos, nos quais a agressividade não só é denunciada ou
“noticiada”, como também é, paradoxalmente, erguida e louvada como
a única maneira de “sobreviver” e “enfrentar” este mundo, criando e
promovendo personagens que só sabem usar a violência e a força bruta
para alcançar seus objetivos, quaisquer que sejam eles.

Iniciando o processo de mudanças positivas

Os Tipos 7, 3 e 8 são, quando equilibrados, são os mais ativos e os


mais empreendedores dos Tipos Eneagramáticos. Por razões diferentes,
é claro. Os Tipos 7 desejam aventurar-se, criar, experimentar e descobrir
novas alternativas para alcançar a felicidade e sentir que o sofrimento
pode ser banido tanto por eles, quanto pelos demais. Os Tipos 3 desejam
realizar obras que possam trazer bem-estar aos outros e gerar atividades
e progressos em troca de admiração e prestígio. Já os Tipos 8 são grandes
realizadores, capazes de iniciar processos de mudanças muito positivos,
pelo fato de serem sensíveis a tudo o que apresenta “falhas” e/ou que
está “ultrapassado”. Sabem liderar e provocar positivamente as pessoas,
direcionando-as com confiança até os objetivos que desejam atingir. São
pessoas com um senso de justiça muito apurado e querem que todos se
beneficiem com os sucessos que eles venham a obter.

O Tipo 8 e o tipo “intuitivo extrovertido” de Jung

Quando Jung descreve as características negativas e positivas do tipo


“intuitivo extrovertido” consegue realizar o que acho um dos melhores
retratos psicológicos dos Tipos 8. Ele escreve entre outras coisas que:
“O intuitivo (extrovertido)... possui um apurado olfato para tudo
que é novo e em desenvolvimento. Já que está sempre procurando novas
possibilidades, as condições estáveis o sufocam... Nem a razão nem o
sentimento podem restringi-lo ou atemorizá-lo para que se afaste de uma
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 93

nova possibilidade (...) O respeito pelo bem-estar dos outros é fraco. O


bem-estar psíquico deles conta tão pouco como o próprio. Também, tem
pouca consideração pelas convicções e estilo de vida alheios (...).
Já que se ocupa de coisas externas e de indagar suas possibilidades,
facilmente se dedica a profissões em que possa explorar ao máximo estas
capacidades. Muitos magnatas dos negócios, empresários, especuladores,
corretores da Bolsa, políticos, etc, correspondem a este tipo.
(...) este tipo é extraordinariamente importante tanto econômica
como culturalmente. (...) quando sua atitude não é demasiado egocêntri-
ca, ele pode brindar um serviço excepcional como iniciador e promotor
de novas empresas. (...) Já que é capaz, quando se orienta mais às pessoas
que a coisas, de fazer um diagnóstico intuitivo de suas capacidades e
potencialidades, ele também pode “fabricar” homens. (...) Quanto mais
forte sua intuição mais se funde seu ego com todas as possibilidades que
visualiza. (...) da vida, a sua visão a apresenta em forma convincente e
com um fogo dramático, a personifica (...)”

Concordo. Quando os Tipos 8 dirigem suas capacidades empreen-


dedoras não visando apenas seus interesses pessoais e materiais, podem
beneficiar a todos que os rodeiam. Por isso é muito importante que os
processos de observação de si se iniciem a partir destas reflexões: como
estou usando meu poder?; de que maneira meus atos serão benéficos para
os demais?; quais destas metas ultrapassam minhas ambições pessoais e
poderiam ser meios de realização coletiva/grupal/familiar? Outros Tipos
8 deveriam perceber quando transformam uma concorrência sadia numa
luta desapiedada e destrutiva para conseguir seus objetivos. Deveriam
aprender a distinguir a diferença entre possessividade e confiança nos
seus relacionamentos pessoais. Deveriam aprender a observar os mo-
mentos nos quais polarizam as situações, as pessoas, os acontecimentos,
dividindo o mundo em dois bandos inimigos e irreconciliáveis. Este é um
dos aspectos que deveriam aprender a superar. A observação da maneira
em que a palavra “agressividade” é atrelada ao ato. Distinguir entre
“força” e “agressividade”, e perceber que uma não implica, necessaria-
mente, a outra. Refletir sobre o valioso que se “possui” neste momento
94 Khristian Paterhan C.

presente, sensibilizar-se a outras necessidades, como afeto e obrigação,


tão valiosas para quem quer viver em harmonia e equilíbrio. Aprender
a observar quando se está com dificuldades de aceitar os próprios erros,
quando discute por discutir, quando bota a culpa de seus problemas,
erros e/ou fracassos em pessoas, situações e/ou questões externas sem
perceber sua própria culpa.
Para os Tipos 8, aprender a “controlar a si mesmo” é o mais impor-
tante. Essa será, sem dúvida, sua principal luta, da qual ele pode sair
vencedor se quiser realmente atingir o “autodomínio”. Tenho escrito so-
bre este Tipo com certa dureza, até porque, acostumados e programados
a sentir tudo intensa e excessivamente, nos é difícil iniciar os processos
de transformação positiva sem uma grande “provocação”.

Desenvolvimento positivo das influências 7 e 9

Tipos 8 podem aprender muito de seus parceiros eneagramáticos


mais imediatos. Do Ponto 7, podem obter uma maior força para realizar
planos benéficos para todos e não apenas para si mesmos. Já do Ponto
9, o positivo a ser desenvolvido é a capacidade de “estar relaxado”, que
os tipos 9 mais sadios possuem sem que por isso esqueçam suas neces-
sidades. Valorizar a liberdade que os 7 sadios tanto apreciam e reservar
momentos apenas para curti-la, sem compromissos nem controles. Dos
Tipos 9 mais equilibrados aprender a capacidade de conciliação, de fazer
acordos pacíficos, de não provocar os outros para ver quais serão suas
reações. Destes Tipos devem aprender também a tremenda capacidade de
aceitar a todos igualmente, sem censuras, sem críticas e sem provocação
de qualquer espécie. A análise destes parceiros eneagramáticos pode ser
de grande proveito no seu processo de observação e crescimento pessoal
e profissional.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 95

Observando os movimentos a favor e contra a seta


(do 8 ao 5 e do 8 ao 2) – (ver figura na página 334)

Os Tipos 8 devem observar quando o movimento ao Ponto 5 é negati-


vo, por exemplo: para isolar-se dos outros, para preparar uma vingança,
para interpretar “negativamente” os dados e informações recebidos do
mundo exterior, quando fica imaginando prováveis conspirações contra
ele, quando acha que estão sendo mobilizadas “forças ocultas” para
destruí-lo, tirar seu “poder” e/ou evitar ou diminuir o seu controle das
situações, quando acha que conhece as intenções dos outros, quando
discorre o modo de fugir das regras e das normas, inclusive criando as
próprias de acordo com a conveniência. De positivo, Tipos 8 deveriam
alcançar um equilíbrio entre reflexão e instinto, ou seja, treinar-se para
planejar antes de executar, pensar antes de agir, sem perder nem acabar
com suas capacidades “instintivas”. Dar-se tempo para ficar positiva-
mente em contato com seus mundos internos, meditando, em silêncio
e sem nenhuma apreensão, nem expectativas, apenas sentindo o vasto
espaço interior. Refletir sobre as prováveis consequências de seus atos
e de como podem afetar aos demais. Aprender a não desconfiar e a
ficar mais aberto ao desconhecido, sem preconceitos nem julgamentos
antecipados. Não supor nada de ninguém. Dar sem visar um retorno.
Perceber quando está sendo utilitarista e egoísta demais.
O movimento contra a seta até o Ponto 2, quando negativo, reforça
a ideia de que os outros devem dar algo em troca de sua amizade e/ou
proteção. Torna os Tipos 8 mais exigentes e controladores. Provoca a
impressão de que “os outros” não estão fazendo tudo o que deveriam
por ele e por seus interesses.
Quando positivo, o movimento até o Ponto 2 ajuda os Tipos 8 a
se tornarem mais receptivos, ficando menos agressivos e muito mais
meigos e amorosos. Ao mesmo tempo, podem aprender a ser menos
orgulhosos e menos egoístas, realizando coisas pelos outros sem es-
perar retorno, sem cobranças, sem exigências. A compreensão de que
o poder não está apenas nas posses, e nas conquistas, levará os Tipos
8 a conhecer o valor da humildade e lhes inspirará para serem mais
96 Khristian Paterhan C.

agradecidos pelo que conquistaram até esse instante. Muitas vezes, os


Tipos 8 se negam a deixar fluir seus sentimentos e ficam indiferentes às
pessoas mais próximas e queridas, quase esquecendo-as. O movimento
ao Ponto 2, quando positivo e deliberadamente vivenciado, rompe esse
gelo emocional e permite a manifestação de carinho, amor e amizade.
Graças a esse movimento deliberado, os Tipos 8 voltam a valorizar vi-
vências simples, desprovidas dos excessos e luxúrias nos quais às vezes
mergulham, não desejando apenas obter prazer sensual e/ou sexual e
sim considerando e percebendo as necessidades “emocionais” de seus
parceiros (as) e/ou amigos (as).
A virtude da humildade, relacionada com o Ponto 2, fará com que
consigam apreciar mais o que conseguem diminuindo os excessos e
substituindo a luxúria pelo que os antigos cristãos e budistas chamaram
de “contentamento”, ou seja, a capacidade de ficar satisfeitos e felizes
apenas porque existir já é uma grande dádiva.

Redescobrindo a simplicidade e a leveza da inocência:


a virtude que conduz ao poder verdadeiro

Nossa aluna Heida tentou explicar porque achava necessária sua


“Máscara 8”: “Às vezes penso que é necessária para a sobrevivência do
animal que mora em mim. (...) Reconheço sua utilidade para conseguir
me colocar em qualquer situação. Ano passado, senti alegria e tristeza
de saber que ‘8’ era a minha ‘máscara’ (...) fiquei realçando qualidades
e defeitos por meio do comportamento, como se a conscientização do
fato fosse uma afirmação para a máscara e daí veio o comportamento
questionando: ‘Vai querer me destruir?’ (...) Parece infantil a questão,
porém passei à fase de sentir tristeza devido às (minhas) sombras (...)
Fiquei mais atenta e passei a trabalhar o controle dos defeitos com mais
vontade (...)”
No final do seu depoimento ela escreveu o mais importante para os
possuidores desta máscara compreenderem: “Bom, espero ter conhecido
o caminho que me leve a viver mais leve!”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 97

Eureca! Tipos 8 devem conseguir “viver mais leve”. O primeiro passo


é deixarem de ser agressivos. Mas como? Simples! Voltando a confiar
nas pessoas e no poderoso fluir da existência. Isso lhes permitirá aban-
donar suas armaduras e perceber que nem sempre devem ir “armados”
para realizar e/ou relacionar-se com pessoas e/ou projetos. Tudo bem,
o mundo é hostil, é uma selva na qual cada um deve lutar pelos seus
próprios interesses e essas são as regras do jogo que garantem a sobre-
vivência e a conquista do poder. Mas será que é assim mesmo? Sempre?
Não existirão outras formas de alcançar esse poder tão desejado? E será
que é isso mesmo o que dá contentamento?
Observe o seguinte: O “programa” que formou a máscara diz que
você está sozinho (a) contra o mundo, que ninguém vai se preocupar
com você, que ninguém vai mover um só alfinete para colaborar nos seus
projetos e objetivos e que, se isso chega a acontecer, não é por amor, não
é gratuito, mas implicará necessariamente uma espécie de “contrato”,
um “compromisso” que terá que aceitar se deseja atingi-los. Ou seu
“programa” diz que você pode fazer e obter o que quiser sozinho (a),
por que você é autossuficiente, forte e capaz de lutar contra tudo e todos
e que nada se interporá entre você e suas metas? Em qualquer dos casos,
perceba quanta falta de “inocência” e reflita uns instantes em como isso
o esgota. Para Tipos 8, parece não existirem outros caminhos, senão
aqueles tortuosos, difíceis e cheios de perigos e inimigos a serem enfren-
tados. Eis sua falta de inocência. Porque entre os significados que esta
palavra esconde, existe um que tem a ver com essa nova atitude interior
na qual Tipos 8 se tornam SIMPLES. “Simplicidade” é um dos significados
da “INOCÊNCIA”. Na simplicidade, os Tipos 8 podem descobrir que tam-
bém existem caminhos suaves, em que se encontram pessoas amigas, em
que não se precisa lutar o tempo todo, em que se pode ficar aberto, em
que não se precisa “pressionar” nem provocar. Na simplicidade existe
a falta de preconceito, tudo fica mais leve e se descobrem “jeitos” de se
fazer mais sutis, porém não menos efetivos. A simplicidade no gesto e na
palavra diminui e esgota a agressividade. A inocência permite que a vida
se mostre mais leve. Não se precisa “controlar” tudo e todos sempre,
porque “a inocência confia”. Pode-se confiar, não existem riscos sem-
98 Khristian Paterhan C.

pre, e nem sempre existem “armadilhas”. A simplicidade da inocência


implica estar “contente”: é sentir-se satisfeito. Na satisfação não existe
excesso, nem pode haver luxúria porque “contentar-se” também significa
“tranquilizar-se” e “limitar-se”.
Tudo bem, acho que está bom por enquanto, não? Finalizo, então,
com uma passagem do Tao Te King, de Lao Tse:

“Podes abarcar a Unidade


sem abandonar o Tao?
Podes dominar tua força vital
e chegar a ser como uma criança?

Podes purificar tua contemplação oculta e


chegar à perfeição?
Podes amar aos homens e governar o Reino
sem perder tua paz interior?
Podes, enquanto se abrem e fecham as Portas do Céu,
manter-te em calma?
Podes penetrar tudo com tua clareza
e potência interior,
renunciando ao conhecimento?

Gerar e não possuir.


Produzir e não conservar.
Dirigir e não dominar.
Nisto consiste o Mistério da Vida.

Quem assim o entende


compreende o Caminho oculto.”
O Tipo 9

O eu
que espera

“(...) Sem auxílio exterior um homem nunca pode se ver.


Por que é assim? Lembrem-se. Dissemos que a observação de
si conduz à constatação de que o homem se esquece de si mesmo
sem cessar. Sua impotência em lembrar-se de si é um dos traços mais
característicos de seu ser e a verdadeira causa de todo o seu compor-
tamento. Essa impotência manifesta-se de mil maneiras. Não se lembra
de suas decisões, não se lembra da palavra que deu a si mesmo, não
se lembra do que disse ou sentiu há um mês, uma semana ou um dia
ou apenas uma hora. Começa um trabalho e logo esquece porque o
empreendeu, e é no trabalho sobre si que esse fenômeno se produz
com especial frequência (...)”
G. I. Gurdjieff

“Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá uma


chance de obter o que veio procurar aqui.”
Aforismo de G. I. Gurdjieff

“A outro (Gurdjieff) disse que seu traço (principal) era que ele não
existia de modo algum.
– Compreenda – disse Gurdjieff – eu não o vejo. Isto não quer dizer
que você seja sempre assim. Mas, quando é como agora, não existe
de modo algum.”
Gurdjieff citado por Ouspensky em
Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido
100 Khristian Paterhan C.

Antes de iniciar esta análise, permita-me lembrar


um Tipo 9 maravilhoso, obrigado!

Acho que todos vocês, meus queridos 9, vão concordar comigo: Tom
Jobim foi o melhor dos Tipos 9 que nasceu neste belo país! Quando
vim viver neste paraíso terreno e comecei a ver Tom Jobim na TV, “ao
vivo”, cantando desse jeito tão amigo, tão íntimo, simplesmente, me
tornei mais um dos seus milhões de fãs! Gravei uma de suas últimas
entrevistas-reportagens-ecológicas, realizadas pela TV Bandeirantes, em
que ele falava da Mata Atlântica, dos pássaros, da natureza que tanto
amava. Ouvir seus papos descontraídos na TV era muito agradável.
Quando soube da sua morte, foi como se perdesse um amigo muito
querido. Com certeza, esse foi o sentimento de milhões de brasileiros e
estrangeiros que o amavam por sua simplicidade e bonomia.
Atrevo-me a dizer que Tom Jobim se enquadra, perfeitamente, na
descrição do Tipo 9 “sadio” que Riso faz em seu Tipos de Personalidad
- El Eneagrama para descubrirse a si mismo: “(...) indivíduo dono de si
mesmo (...) autônomo e realizado: equânime e satisfeito. Profundamente
receptivo e pouco coibido, emocionalmente estável e pacífico. Otimista,
apaziguador, apoiador dos demais, paciente, bonachão, modesto, uma
pessoa genuinamente agradável.”
Pode-se perceber facilmente todas essas características em Tom Jobim
na longa entrevista que deu ao jornalista Walter da Silva, numa manhã
ensolarada de novembro de 1994 na sua casa do Jardim Botânico no
Rio. A longa entrevista (“48 laudas, 67.258 caracteres”, segundo o re-
pórter) foi publicada numa “edição histórica” da revista Qualis e dela
pincei algumas respostas que confirmam o Tipo Eneagramático “sadio”
mencionado. Vejamos o que o excelente jornalista escreveu sobre este
popular brasileiro:
“Ele não era uma pessoa que se entrevistasse, mas sim alguém com
quem se poderia ficar ali conversando ao sabor de seus pensamentos de
multidirecionalidade (...)”; “(...) pude notar seus gestos largos e vagaro-
samente generosos (...) as mãos eloquentes mantendo os braços sempre
abertos reforçavam o calor da hospitalidade dos agradáveis momentos
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 101

que passei em sua companhia. Um anfitrião nobre. Um gentleman abso-


luto (...) Nos momentos de análise rigorosa e aguda, ele nos surpreende
com seu humor sutil, certeiro e maroto”. O repórter ainda lembra que
“ao nos despedirmos, Tom (...) gritou pra mim da copa onde almoçava
com a família (...): ‘Walter, não se esqueça de colocar na tua matéria
que tudo isso é trabalho! Não se esqueça!’” Na entrevista, publicada
ipsis litteris pela revista, Tom revela uma das características do Tipo 9
descrita por Helen Palmer como “entrar e sair de conversas pensando
em várias coisas de uma só vez” . Numa parte ele lembra: “Eu recebi
muita carta do exterior de gente que ia se suicidar e que disse ‘olha, eu
não vou me suicidar porque escutei essa música sua e acho que a vida
vale a pena’”(...). numa outra diz: “A minha música é pra levar o cidadão
a Deus.” Num trecho longo, reclama da imprensa e dos críticos: “Você
vê esse troço aqui, veja o peso deste troço, não tem nada. (...) Primeiro,
sabe o que acontece? Música é um negócio que já é difícil de você falar
(...) E depois o cara acaba falando mal do próprio compositor, diz que
ele é isso, que ele é aquilo, aponta defeitos físicos (...) E dizer que isso
é crítica musical (...) inclusive não conhecem música, né?” E por aí vai!
Depois fala com carinho da sua irmã e revela que foi por ela que seu
nome virou Tom: “A minha irmã não sabia dizer Antonio Carlos, então
ela me chamava de ‘tom, tom’.” Depois das criticas à imprensa, reclama
das construções no Rio: “O que se fez com uma cidade linda como o Rio
(...) uma cidade feita por Deus (...) aí nós vamos encher isso de espigões
(...) cobrem ainda mais o perfil tão bonito, né?, do Rio de Janeiro.”
Quando o jornalista pergunta sobre o tema ecologia ele diz: “Olha,
quando eu comecei as minhas atitudes ecológicas, eu não sabia que
elas eram ecológicas.” Depois fala dos animais, dos pássaros e das suas
experiências no estrangeiro. Aí o jornalista lhe pergunta: “E quanto às
suas atividades no exterior?” E ele responde como um bom 9: “Eu não
estou muito preocupado com isso. Não.” Após falar numa série de no-
mes internacionais famosos que estavam interessados em gravar músicas
dele e junto com ele, diz: “Em suma, o mundo tá cheio de coisas. Agora,
por exemplo, sair do Brasil pra fazer a América e tal, como... Ah, isso
não dá.” Será que um Tipo 3 ou 7 teria perdido essas oportunidades de
102 Khristian Paterhan C.

ir “pra fazer a América e tal”? Claro que não! Mas um 9 pode, mais
ainda quando está realizado. Outro aspecto do seu Tipo aparece quando
fala sobre as perdas das suas composições. O jornalista lhe pergunta:
“Você, que compôs mais de 400 músicas...” Ele não o deixa terminar e
responde: “Dizem, dizem... Pelo menos umas cem se perderam. Que eu
saiba, aí no arquivo talvez só tenham umas trezentas. Você vai perdendo
no avião, vai perdendo...”
Outra de 9 no Tom é esta. Quando responde à pergunta: “Falando
sobre a bossa nova, um assunto inevitável, o que é que você guarda desse
período?”, responde: “Ah, sei lá. É tanta coisa. Eu acho que é tudo isso
aí que você disse (rindo). Mas de porre a gente não se lembra de quase
nada, né, tá tudo meio apagado (...)” Após falar da bossa nova, volta a
falar da imprensa, do seu amigo João Gilberto a quem acha “bastante”
introvertido. Então, o jornalista aproveita o “gancho” e lhe pergunta:
“Você é uma pessoa extrovertida, né?” e ele responde: “Talvez, por
força das circunstâncias. Porque quando era garoto, eu gostava de subir
numa árvore e ficar quieto lá em cima. Gostava de subir no telhado...
Tinha um pouco um caráter meditativo. E hoje em dia, naturalmente,
tudo isso foi bagunçado (...) hoje em dia inclusive tá difícil trabalhar
porque é entrevista o tempo todo, né?” Quando o jornalista comenta que
“você já produziu muita coisa e escreveu a história da música popular
brasileira...”, Tom o interrompe novamente e diz: “Exato, eu acho que
já posso parar, né?” Logo a pergunta inevitável: “O que você espera da
tua vida e qual o teu plano para o futuro?” Sua resposta é: “Descansar,
comprar uma bengala, uns óculos novos (rindo) pra poder ver as moças
de uma distância oficial.” Falando sobre sua absoluta falta de ambição e
demonstrando seu desinteresse pela fama e o sucesso que já possuía diz:
“(...) o que move é que tem essas músicas bonitas, né, que foram feitas
e foram movidas pelo amor. Ninguém pensou em dinheiro e nada disso
(...) eu achei que isso não ia sair de Ipanema, achei que isso ia chegar
em Copacabana.” O jornalista, então, lhe pergunta: “Vocês não tinham
pretensão de ‘vamos atingir São Paulo e as outras capitais?’” E ele res-
ponde como todo Tipo 9 faria: “Não, nada disso. ‘Vamos atingir São
Paulo’, essa conversa já me dá uma preguiça. ‘Vamos fazer os Estados
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 103

Unidos’, ‘made in America’, ‘to make America’, isso me dá um cansaço


invencível. Eu nunca teria ido aos Estados Unidos se o Itamaraty não
tivesse me obrigado (...). E eu nunca teria tentado ir à América, uma
coisa dificílima. Sair daqui depois de grande, sem falar inglês, tentar a
vida, tentar o quê? Ser o quê? Sapateiro, pianista... As profissões são
poucas, ditador, carteiro, soldado... O sábio declarou ao jornal que
ainda falta muito para o mundo adquirir um nível razoável de cultura.
Até lá felizmente estarei morto. Aí vai ter muita fumaça e tudo, né? De
que adianta você pagar milhões de imposto e morar numa cidade que
você não pode respirar?”
Assim era o saudoso Tom Jobim, e, quando ele declara que “nunca
teria ido aos Estados Unidos se o Itamaraty não tivesse me obrigado”, ele
demonstra uma das características do Tipo 9 que, quando não superada
pode provocar graves problemas aos que se identificam com este Traço
Eneagramático. Quer saber por quê? Então, vamos começar a análise
deste Tipo 9 antes que a gente esqueça :

A “Doença do Amanhã” ou “Preguiça”

Relembremos uma das três citações de Gurdjieff com as quais iniciei


este capítulo:
“Aquele que tiver se libertado da ‘doença do amanhã’ terá uma
chance de obter o que veio procurar aqui.”
Quando Gurdjieff fala de uma “doença do amanhã” e de nossa
incapacidade de “ir até o fim” em tudo o que queremos fazer, está se
referindo, com certeza, aos “efeitos negativos” da nona máscara enea-
gramática e a destaca veementemente como algo a ser vencido, porque,
esta “doença do amanhã” é considerada “falta grave”, tanto que ganhou
o status de um dos “Sete Pecados Capitais”. Seu nome mais comum:
preguiça.
Devemos lembrar que a Preguiça está localizada no vértice superior
do triângulo equilátero do Eneagrama, e como a Mentira e o Medo,
é uma das principais causas de todos os demais Tipos já analisados.
104 Khristian Paterhan C.

Quando alguém nos diz que alguma coisa foi adiada, postergada, pro-
telada, esquecida, etc. sabemos que provavelmente esta coisa não estava
pronta, não foi concluída porque alguém “esqueceu” de terminá-la, não
foi considerada como algo “importante a realizar”. Todos nós sofremos
desta “doença do amanhã”, só que os Tipos 9 a sofrem “principalmente”.
Repetidas vezes e sobre diversas ações, projetos, tarefas e necessidades,
em qualquer nível, ouvimos dizer “amanhã vou continuar”, “amanhã
farei”, “amanhã sim, começarei a...” O problema é que essa “protela-
ção” pode voltar a ocorrer “amanhã”. Por isso a “observação” deste
“efeito” do Traço Principal é muito valiosa não só para os Tipos 9, mas
para todos nós.
Mas no caso dos Tipos 9, o problema não é somente esse e sim um
mais profundo que completa e motiva este “Traço Principal.”

Tipos 9 são preguiçosos? Não. Pelo menos não como se entende


esta palavra habitualmente

Como veremos no decorrer desta análise, o problema não é que os


Tipos 9 sejam “preguiçosos”, no sentido de “não fazer nada”. Eles até
fazem muitas coisas e, às vezes, ao mesmo tempo. Então, por que em
todos os textos sobre Eneagrama se faz tanta questão de destacar este
fato? Vejamos.
Para Helen Palmer o “pecado mortal da preguiça é atribuído a Noves,
porque seus hábitos se destinam a drenar energia e atenção para fora
daquilo que lhes é essencial na vida”. Já para Don Richard Riso, a pas-
sividade dos Tipos 9 é uma “ironia” já que “devem fazer algo para não
fazer nada”. Coincidindo com Gurdjieff, Riso conclui que os possuidores
desta máscara “se tornam passivos, a vida começa a acontecer-lhes”.
Claudio Naranjo tem uma visão ainda mais profunda sobre o assunto,
quando diz que a intenção original da palavra preguiça está no termo
latino anterior “accidia” o qual apontava para um problema muito mais
“complexo”: “Psicologicamente, accidia se manifesta como uma perda
de interioridade, uma recusa em ver e uma resistência à mudança.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 105

Na minha visão, os Tipos 9 não são preguiçosos no sentido de não


fazerem nada, são Preguiçosos em relação a si mesmos. O que significa
isto? Simples: que tudo o que tem a ver com eles, com suas necessidades,
com seus reais problemas, com seus “negócios”, com seus projetos, enfim,
eles esquecem, adiam, protelam, “deixam pra lá”. O que é essencial nas
suas vidas, o que deveriam realmente fazer, o que lhes impede de ver qual
a sua “realidade” e o que lhes impede de ver e sentir que coisas, atitudes,
práticas e hábitos deveriam mudar em suas vidas, eles “não lembram”
graças a um truque com que se autoenganam: eles estão “ocupados”.
Sim. Eles fazem muitas coisas ao mesmo tempo, falam muito, resolvem
os problemas dos outros, dedicam-se a questões “simples”, enfim se
evadem de si mesmos e até se esgotam nessas ações para poder dizer
aos outros: “Trabalhei muito hoje e é por isso que não tive tempo para
me preocupar com estes outros assuntos que sei são importantes para
mim, mas...”
Ao refletir sobre como “atuou” num determinado momento de sua
vida apenas “levado” pelas circunstâncias, ou seja, ele não “fez”, apenas
“aconteceu” que teve que “fazer algo para não fazer nada”, um dos
nossos alunos nos mostra esta manifestação do Traço Principal: “O Tipo
9 pertence ao triângulo mais próximo da essência e, olhando retrospec-
tivamente, posso perceber o movimento automático pelos vértices, tanto
na minha vida profissional como no meu casamento. A preguiça, talvez
o pior dos vícios capitais, é socialmente estigmatizada, em especial, nos
estratos sociais mais favorecidos, no qual me incluo, ao receber uma
educação preciosa. Existe uma pressão social para a pessoa ir à luta e
fazer a vida. No meu caso, essa pressão coincidiu com uma paixão que
me levou ao casamento e portanto à necessidade de trabalhar, ganhar
dinheiro, etc. e tal. Esses dois fatores talvez sejam universais para levar
o Tipo 9 a sair da inércia e ‘pegar o carro’. Como o Tipo 9 não tem
um querer próprio (ou custa a descobri-lo), o que fiz foi tornar-me um
executivo de empresa onde eu podia seguir a reboque de um empresá-
rio que, ao menos externamente, sabia o que queria. Assim, comecei
a desempenhar o papel de executivo, vestindo a máscara número 3 do
autoengano. Adaptei-me muito bem a esse papel na medida em que ele
106 Khristian Paterhan C.

me dava uma ‘identidade’ que não possuía. No papel era ‘mais realista
que o rei’ e embora nunca chegasse cedo ao escritório – certamente um
sinal da ‘Preguiça’ a me dizer que aquele papel nada tinha a ver comigo
– era capaz de passar dois ou três dias diretos sem dormir, trabalhando,
se as circunstâncias assim o exigiam, não tirar férias, tudo em prol da
chamada ‘honra da firma’ (...) Na medida em que minha identidade esta-
va inteiramente amalgamada com um papel, eu não podia me relacionar
com tranquilidade, de igual para igual com as pessoas que ocupavam
outros papéis. As pessoas eram superiores ou inferiores (...) Isto me fazia
falhar sempre que tinha uma negociação a fazer com um ‘superior’ (...)
se não contasse com o apoio de algum companheiro, me acovardava e
era malsucedido ou simplesmente postergava ou depreciava a entrevista
(...) Em seguida, a pressão social e do cônjuge me faziam retornar ao
desempenho do papel (...)”
Simplesmente, ele não existia para si mesmo, para suas necessidades,
enfim, tudo era porque tinha se casado, porque tinha que trabalhar e
ganhar dinheiro, porque deve ser um executivo bom, porque, tudo era
apenas um “papel” que demonstrava um forte “movimento negativo
contra a seta ao Ponto 3 do Eneagrama. É disto que se trata o “Traço
Principal”.

Esquecimento de si mesmo:
eis a causa do traço principal!

Os Tipos 9, simplesmente, sofrem do Esquecimento de Si Mesmos,


ou seja, esquecimento de que somos seres capazes de atuar consciente-
mente, no presente, no aqui e agora. Sabemos que a própria definição
clássica de “consciência”, segundo Pradines, é cum-scire, ou “posses-
são de si mesmo”. Para compreender o tremendo valor psicofilosófico
que isto encerra, observe que só quando uma pessoa “lembra de si
mesma” atinge o nível de “possessão de si” que Gurdjieff definia como
“consciência de si”. Esta “consciência de si” é atividade consciente, ato
consciente, ação consciente, e portanto um verdadeiro fazer, já que,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 107

como ele ensinava, no estado de “consciência habitual” nenhum ser


humano “faz” realmente. Nesse nível, tudo apenas nos acontece. Para
o Tipo 9, estas questões sintetizadas aqui são de grande importância,
tendo em vista que seu Traço Principal, a preguiça, implica um contí-
nuo estado de “Esquecimento de Si Mesmo”. Gurdjieff dizia que “para
fazer é preciso ser”. Logo, o “Esquecido de Si Mesmo” é como se não
existisse. Então, objetivamente, ele não faz, apenas tudo lhe acontece.
Por isso Gurdjieff revela a seu aluno que, naquele momento, “ele não
existia de modo algum”.

Dispersão: deixando de lado o mais importante


(o que é mais importante mesmo?)

A maioria dos Tipos 9 percebe com facilidade esse Esquecimento de


Si Mesmo, e o sente como algo a ser trabalhado. Descrevem-no com
expressões do tipo: “fico como uma barata tonta”, “atuação dispersa”,
“acabo me perdendo”, “dificuldade de me ver”. A dispersão, no fundo,
é um modo de fugir do principal, do que realmente deve ser feito, do
que tem a ver com eles mesmos, e provoca muita tensão quando se tem
consciência dela.
Alice, uma de nossas alunas Tipo 9, escreve:
“Fujo muito dos meus propósitos, me disperso com a maior facilidade,
faço uma porção de coisas ao mesmo tempo e acabo me perdendo.”
Outra de nossas alunas assim expôs a questão:
“O que mais dificulta a caminhada de um 9, pelo menos no meu
caso, é a atuação dispersa, a incapacidade de se concentrar por muito
tempo numa direção, distraindo-se com mil interesses, sem concluir a
maior parte deles. Por conta desta dispersão posso fazer muitas leituras,
ver filmes interessantes, peças de teatro fantásticas, fazer cursos de di-
ferentes coisas, vibrar com tudo isto e, tão logo os deixo de lado, já os
esqueci por completo, sendo incapaz de lembrar mesmo o tema central
de um filme interessante (...) Com esta mesma facilidade esqueço meu
trabalho de auto-observação e lembrança (...) Esse desligamento, essa
108 Khristian Paterhan C.

dispersão da atenção e esquecimento criam-me situações embaraçosas


(...) e não raro esqueço a razão principal de uma ação para fazer algo
diferente (...)”
Um aluno Tipo 9 declara:
“Me identifico com o número 9 por contrariar o dito popular: ‘não
deixe para amanhã o que pode fazer hoje’. Na maior parte das vezes,
vejo-me protelando os meus afazeres ou dispersando-me neles, deixando
de lado o mais importante e partindo para aqueles de menos valor ou
mais fáceis de executar (...)”
Neste outro depoimento, a percepção de que “O Esquecimento de
Si” equivale ao esquecimento do que é importante para o Tipo 9 fica
bastante clara:
“(...) A questão da procrastinação é uma questão séria, uma dificul-
dade imensa de realizar coisas, projetos. Dificuldade de priorizar o que
seria mais importante fazer primeiro. Dificuldade de discernir se tal coisa
é importante ou não para mim (...) Tendência a absorver muito as res-
ponsabilidades, responsabilidades que poderiam, às vezes, ser divididas
com outras pessoas para as quais certos assuntos ou projetos também
são importantes (...) Dificuldade de me ver, de ter um contorno de mim
(...) muita dificuldade de saber o que é importante pra mim!”
A dificuldade de priorizar o que seria mais importante pode ser tra-
duzida mais objetivamente como: “o que seria mais importante fazer
primeiro para mim”. Os Tipos 9 devem compreender profundamente
que esta é a chave para a conquista do Traço Principal.

A dificuldade de estar presente


(ou como Cronos, o tempo, devora seus filhos)

Os Tipos 9 tanto admitem ter grandes dificuldades para enxergar suas


próprias necessidades e valorizar seus projetos de vida pessoais como, em
consequência do “Esquecimento de Si Mesmos”, sofrem ao perceber que
o “tempo passa voando” e não conseguem ou têm muitas dificuldades
para concretizar qualquer coisa. É como se não conseguissem perceber a
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 109

passagem do tempo. Os dias passam e as coisas vão sendo adiadas e/ou


esquecidas. Os meses passam. Os anos passam. Muitos Tipos 9 admitem
que esse passar do tempo parece algo muito difícil de perceber. Por esta
razão, eles vivem situações muito “engraçadas” nas quais fica muito
clara essa tremenda dificuldade de considerar e estar no presente.
Em um engraçado e incrível depoimento, um aluno nos revela esta
dificuldade:
“Certa manhã, por volta das 9 horas, me dirigi à padaria com o
objetivo de comprar pão e leite. Entretanto, antes de lá chegar, encontrei-
me com um amigo que (...) disse: ‘Vamos dar um pulinho rapidinho ali
na casa de um colega e daqui a, no máximo 30 minutos, estaremos de
volta (...)’
O cara entrou por algumas ruas de Niterói nas quais tinha passado
e, de repente, depois de uns 10 minutos, entramos numa residência
onde se encontravam várias pessoas comendo e bebendo e me serviram,
imediatamente, uma cachacinha.
Papo vai, papo vem, quando dei por mim, já estava na casa do
sogro desse amigo, participando de uma caranguejada... Conclusão:
Só consegui telefonar para casa por volta das 2 horas da manhã do dia
seguinte!”.
A impossibilidade de ter contato com o momento presente é outra
consequência do Esquecimento de Si Mesmo. O mais grave desta perda
de contato com o presente é que, de alguma maneira, Tipos 9 começam,
literalmente, a serem devorados pelo tempo. Neste sentido, sempre lem-
bro aos participantes de nossos workshops que vale a pena lembrar o
mito de Cronos, que costumava “devorar seus filhos”. Neste mito existe
uma clara advertência sobre a necessidade de estarmos “conscientes e
alertas” no “presente” para evitar que Cronos (o tempo) nos devore,
ou seja, de nos conscientizarmos de que precisamos agir agora e não
amanhã.
Em função desta perda da noção de presente, os Tipos 9 deixam de
fazer muitas coisas importantes e chegam até a “esquecer” as razões
pelas quais realizam determinadas ações. Às vezes precisam inclusive
que alguém lhes lembre o objetivo desses esforços. Por isso se sentem
110 Khristian Paterhan C.

mais seguros agindo sob o comando de alguém, já que desta maneira


não correm o risco de perder o rumo de suas ações. Nos depoimentos
abaixo fica claro como essa incapacidade de estar no presente leva os
Tipos 9 a deixarem de “lembrar” quais os objetivos relacionados às
suas ações e decisões:
Uma aluna lembra:
“(...) quando fui ter minha terceira filha, fiquei na casa de uma prima
(ela foi para a casa de praia e eu fiquei na sua residência com meus dois
filhos e a empregada). O neném nasceu. Tudo bem (...)

Já ia regressar à minha casa, malas prontas, tudo em ordem (...)


quando chegamos no elevador o meu filho (o segundo) perguntou:
‘Mamãe, e o neném, vai ficar?’ Eu tinha esquecido, ia embora, e ela lá
no berço!”
Outra aluna conta:
“Certa vez fui à cidade resolver um assunto e encontrei o local fechado
para almoço indicando no aviso que reabriria às 14:00. Decidi ‘fazer
hora’ para esperar e entrei numa livraria, folheei livros, li, saí, tomei
sorvete, voltei, olhei novos livros e por fim olhei o relógio – 14:00. Pensei:
‘Está na hora’ e, ato contínuo, tomei o ônibus para casa. Só então me
dei conta de que eu ‘fizera hora’ para esperar abrir o lugar onde deveria
resolver um assunto.”

Muitos Tipos 9, quando compreendem o que significa ser “devorado


por Cronos”, começam a valorizar mais o que chamamos o “momento
presente”.

A questão do “território aberto” e “sem limites”


e suas consequências

Temos dito que os integrantes da tríade superior do Eneagrama (Cen-


tro Físico e/ou do Movimento), ou seja, os Tipos 8, 9 e 1 se relacionam
de modos diferentes com o que chamamos o “território”. Vimos que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 111

os Tipos 1 os delimitam e ordenam e que os Tipos 8 desejam sempre


ampliá-los num inevitável desejo de expansão à procura do poder. Os
Tipos 9, pelo contrário, não conseguem delimitar seus territórios e não
possuem muito interesse em ampliá-los. Lembra Tom Jobim? Ele não
escreveu suas músicas para ganhar mercados e muito menos tinha planos
para conquistá-los. Isso lhe provocava um “cansaço invencível”.
Os Tipos 9 não são “ambiciosos” e não possuem nada do jeito que
outros Tipos desejam possuir. Carecem de apego a coisas materiais. Isto
seria uma virtude, se não exagerassem. Questões importantes não são
protegidas, coisas são perdidas, esquecidas, abandonadas. Muitas vezes,
abrem mão demais de suas próprias necessidades e perdem facilmente o
controle das coisas. Ou seja, se os Tipos 8 exageram ao controlar e fixar
limites, os 9 quase não o fazem. Se os Tipos 1 exageram na ordem, os
9 às vezes são largados demais. A dificuldade de delimitar sua própria
ordem e de definir qual será o território pessoal a ser conquistado e
protegido, leva os Tipos 9 a viverem situações muitas vezes complicadas.
Em parte, por não saberem dizer “não” quando necessário. Um dos
nossos alunos Tipo 9 escreveu:
“Minha atitude básica de vida é me sentir bem na medida em que
vejo os outros bem. Nisto não meço esforços para ajudá-los, mesmo que
às vezes prejudique a mim mesmo...”
Querendo evitar atritos, muitas vezes aceitam qualquer coisa e con-
cordam com situações que lhes são totalmente prejudiciais.
Reconhecendo a falta de limites na sua relação com as outras pessoas,
uma aluna escreveu, em terceira pessoa, que se achava:
“...disponível demais. Às vezes não sabe o que é seu desejo, vai nas
águas do outro. Difícil definir o que é seu desejo e quando esse desejo é
do parceiro ou do filho, etc. (...) assediada por pessoas com problemas
(...) nossas qualidades [se refere a seus pares eneagramáticos] acabam
virando defeito por excesso (...)”

A ideia de “evitar problemas” tem a ver com uma redução das pró-
prias necessidades e um abandono do que teria que ser cobrado e/ou
priorizado nos seus relacionamentos pessoais e profissionais.
112 Khristian Paterhan C.

Psicologicamente, não ter “território” definido e ficar “aberto” a


todas as coisas, pessoas e situações, é um modo de estar sempre em paz,
de viver tranquilo. Quando se determinam a realizar algo “bem-feito”,
não existe o desejo de obter benefícios e com isso fazem o que tem que
ser feito, para ficarem livres novamente e evitarem atritos.
Os Tipos 9 com maior influência do Ponto 8 procuram atingir um
estado de “não atrito”, não gostam de problemas e ficam irados quando
não os resolvem, razão pela qual se esforçam ao máximo na procura dos
meios que lhe tragam as ansiadas “paz e tranquilidade”. Aqueles com
maior influência do Ponto 1 querem ter a certeza de que conseguiram
uma ordem, um espaço próprio, no qual estará garantida a “tranquili-
dade” que procuram constantemente. Em ambos os casos, não se quer
ter um território exclusivo e sim um território livre de problemas, razão
pela qual sempre estará “aberto a todos”.
Uma aluna para a qual o território tem a ver com esse espaço pessoal
no qual não existem possibilidades de “atritos” e com forte influência
do Ponto 6 escreveu:
“Talvez pelo medo de ser mal interpretada me isolo muito, com
certeza, para não me aborrecer. O que mais me fascina é a paz! Troco
tudo, faço tudo para estar em paz (...)”

A falta de “território” produz naturalmente a falta de “limites”.


Então, percebem que perdem de vista e abrem mão de suas próprias
necessidades. Quando os Tipos 9 começam a perceber o quanto esta
falta de “território” e de “limites” lhes faz falta, ficam irritados ao
descobrirem como é difícil para eles introduzi-los. Este depoimento de
Julia deixa clara esta questão:

“Foi muito claro e terrível observar (este) comportamento. Sentir-


me dominada por ele e só depois perceber que aquilo me incomodava,
que não era justo e que em muitas outras ocasiões eu vivi fazendo
exatamente o mesmo, porque sou eu que não defendo meu espaço,
permito que os outros o invadam e abusem do que é meu de direito
e de fato (...)”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 113

Apesar de perceberem a necessidade de “botar limites” e garantir


seus “espaços”, os Tipos 9 protelam o mais que podem essas iniciativas
que os beneficiam grandemente. Talvez precisem compreender que não
significa ficar fechado demais, que não significa ter que parar de ajudar
os outros, nem que devem renunciar a esse jeito amistoso e amoroso de
ser. Apenas significa estabelecer e ser responsável pelo “território” indi-
vidual, enxergando a necessidade e a importância dele como um meio de
superar o Esquecimento de Si Mesmos. Isto porque, quando cientes de
seus limites e da responsabilidade por seu “espaço” individual, os Tipos
9 aprendem que dizer não, às vezes, é necessário e que atender às suas
próprias necessidades é tão importante como satisfazer as alheias.

Iniciando o processo de mudanças positivas.


Observando a raiva: a influência dos parceiros Eneagramáticos 8 e 1

É interessante para os Tipos 9 perceber que existe algo em comum


entre seus parceiros eneagramáticos 8 e 1: a raiva, a ira. Enquanto os
Tipos 8 explicitam sua ira com rapidez e instintivamente com todos os
exageros que lhe são “normais”, e Tipos 1 evitam manifestar sua raiva
o quanto podem pelo fato de considerá-la uma imperfeição e/ou a dis-
farçam por meio de seus “regulamentos” e suas “exigências”, os Tipos
9 “acumulam” a raiva. Apesar de evitarem a raiva e preferirem superá-
la, em determinadas circunstâncias, eles vão ficando com raiva “aos
poucos”, na medida em que percebem os resultados negativos de suas
condutas “proteladoras”. Vão ficando irritados porque percebem como
o Esquecimento de Si Mesmos os atrapalha. Percebem como perdem
oportunidades, como a preguiça os afeta negativamente. Desta forma,
reagem iradamente quando atingem certos limites, ou melhor, como
já assinalei anteriormente, quando percebem a necessidade desses “li-
mites” e não suportam mais os resultados de suas protelações, atrasos
e assuntos pendentes. Como não desejam ter conflitos com a realidade,
como não desejam perder a paz e a tranquilidade, a raiva dos 9 se acumu-
la, se retém, até que se manifesta como uma necessidade imperiosa
114 Khristian Paterhan C.

de estabelecer esses limites, de concluir processos, de atingir objetivos.


É uma raiva desesperada e, no fundo, autodirigida. Essa agressividade, no
seu aspecto negativo, os leva aos exageros próprios do Ponto 8, correndo
o risco de perder o controle e de agir desesperadamente, sem considerar os
resultados dessas reações “explosivas”. É uma raiva desencadeada após
ter suportado “todas as injustiças” cometidas contra eles, especialmente
pelas pessoas que “deveriam” comportar-se como eles.
Já a influência negativa do Ponto 1 os leva a isolar-se, a afastar-se do
que provoca a ira, negando-se a admitir que as causas de determinadas
situações foram provocadas por eles mesmos. É a raiva que acusa os que
abusam de sua boa vontade e não se preocupam com suas necessidades
como eles se preocupam com as deles.
Continuemos com o depoimento de Julia, nossa aluna Tipo 9. Ela
nos descreve como e por que a raiva pode ser manifestada:
“Eu havia combinado com um trabalhador para que ele fosse à
minha casa concluir uma tarefa para a qual já fora pago, fazendo isto
parte de um trabalho maior que havíamos acertado, sendo que enquanto
trabalhava para mim eu o cedera a uma amiga para que realizasse para
ela uma tarefa.
Satisfeita com o trabalho dele, ela queria que ele voltasse para fazer
novo trabalho e assim quando ele ligou para combinar o dia e a hora
de ir à minha casa e eu atendi ao telefone, minha amiga entrou na linha
pela extensão (pois eu estava na sua casa) e forçando a conversa onde
eu marcava o horário cedo de manhã para que ele chegasse, ela inter-
feria e quase impôs que ele fosse primeiro à sua casa e depois à minha.
Eu, como de costume, enquanto falava pensava que não tinha mesmo
outro compromisso e acabei concordando que ele atendesse a ela antes,
para logo em seguida morrer de raiva porque percebia o velho jogo de
ceder aos outros achando que os interesses e prioridades deles são mais
importantes que os meus e que eu posso ficar para depois. Estava louca
de raiva dela porque sei que aquele é seu comportamento habitual (...)
sempre defendendo seu espaço (...) enquanto sentia mais raiva ainda de
mim porque, enquanto fazia a concessão, percebia um movimento mais
interno avisando que eu estava agindo errado. Era uma raiva enorme
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 115

por sentir-me invadida, enquanto me vinham à mente muitas outras


ocasiões em que, diante de um direito líquido e certo meu, eu permitira
que alguém me roubasse algo. Parti para ela com grande agressividade
verbal dizendo-lhe que ela não tinha direito de julgar o tempo dela
mais precioso do que o meu (pois o que ela queria era ter certeza de ser
atendida cedo para ficar livre depois) principalmente quando ela sabia
que eu tinha urgência de terminar os trabalhos de minha casa.
Contive-me depois o quanto pude e analisando o fato à luz dos meus
direitos e de como minha amiga costuma dirigir seus interesses sem levar
ninguém em consideração ou dar satisfações do que faz, resolvi fazer
o que ela certamente faria. Liguei de volta para o trabalhador, desfiz o
combinado informando-o que fosse à minha casa primeiro. Esforcei-me
ao mesmo tempo para ver a situação do ângulo de minha amiga, ou
melhor, da maneira como ela atua (...) preparei-me para não informar
nada a ela, não dar satisfação e fazer valer meus interesses.
No dia combinado, o homem foi à minha casa e ela, esperando e
vendo a demora, telefonou para mim para saber dele. Eu disse que
ele estava comigo, e embora tendo jurado que não daria satisfações,
não pude evitar o tom de raiva na voz enquanto de alguma forma lhe
dava uma satisfação dizendo-lhe que ele estava a meu serviço, que eu
o chamara e que depois falaríamos sobre os motivos do meu e do seu
comportamento (...) embora eu soubesse que isto seria uma conversa
difícil e inútil (...)
Senti-me novamente com raiva porque dar explicações é também
um comportamento mecânico meu, mas desta vez fui capaz de ter um
pouco de compaixão de mim mesma porque, pelo menos, uma coisa eu
já havia feito: defendera meu espaço mesmo que tardiamente.”
Achei muito importante transcrever este depoimento quase na ínte-
gra, porque descreve muito bem o modo como a raiva retida faz com
que os Tipos 9 “explodam” de vez quando percebem o quanto suas
atitudes os prejudicam. A energia gasta em todo o processo descrito
pela nossa aluna foi exagerada. De fato, demonstra apenas o fruto de
sua própria máscara. Uma parte da sua raiva é contra si mesma, já
que percebe como o fato de ficar “aberta” demais lhe dá a impressão
116 Khristian Paterhan C.

de ser “invadida” pela sua amiga, na qual reconhece a capacidade de


cuidar de seus interesses pessoais como ela não consegue fazer. Os
Tipos 9 não podem botar a culpa no mundo (influência negativa do
Ponto 8) por essas situações nem achar que são “vítimas” de uma si-
tuação que eles mesmos provocam. O modo negativo com que vemos
a influência do Ponto 1 neste depoimento, se dá no momento em que
nossa aluna decide “julgar” sua amiga e propor-lhe uma conversa
sobre o quanto era errado seu comportamento. Ela chega a afirmar-se
satisfeita pelo fato de ter conseguido “defender” seu “espaço” mesmo
que “tardiamente”. Mas é justamente nesta frase que a influência nega-
tiva de ambas as “asas” (8 e 1) se tornam mais presentes nas palavras
“defender” (8) “meu espaço” (1), revelando que todo esse problema
faz parte de seu Traço Principal resumido na palavra “tardiamente”.
Em todo caso, nossa aluna demonstra que está fazendo os primeiros
esforços para atingir um melhor conhecimento de si mesma e sabemos
que da época do depoimento até hoje, seus esforços são cada vez mais
bem-sucedidos.
Em resumo, os Tipos 9 deveriam aprimorar a Observação de Si
Mesmos, evitando culpar os outros pelos seus esquecimentos e erros,
aprendendo a respeitar mais a si mesmos e percebendo as suas necessi-
dades e prioridades.

O negativo dos movimentos aos Pontos 3 e 6:


reconhecendo o medo e a mentira

A mentira (movimento negativo ao 3): Os Tipos 9 costumam mentir


a si mesmos em relação aos esforços que dizem estar dispostos a realizar
para atingir seus objetivos. Este movimento contra a seta ao Ponto 3
do triângulo eneagramático serve negativamente para que justifiquem
de todas as maneiras o fato de “não terem tempo para” ou de “estarem
muito ocupados com muitas outras coisas”, o que, aparentemente, lhes
impediria de fazer ou realizar o que seria mais necessário e importante.
Uma aluna reconhece:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 117

“Detesto mentira, faço o possível para falar a verdade, sou muito


atenta quanto a isso. Mas para mim minto com frequência, arrumando
pretextos e assim adiando mudanças no meu modo de agir.”

O movimento negativo ao Ponto 3 se dá, então, de duas maneiras:


mentindo a si mesmo e mentindo aos outros que acham, ou podem achar,
que realmente o sujeito está muito ocupado e não tem tempo de fazer
qualquer outra coisa. Vimos também, num dos depoimentos iniciais,
que também mentem assumindo “papéis” que não lhes interessam com
o objetivo de serem aceitos pelos demais e/ou de satisfazer suas neces-
sidades imediatas de ordem financeira ou material.
No desempenho desses “papéis” realizados sem verdadeiro interesse
e apenas pela pressão exterior, os Tipos 9 parecem dar-se muito bem,
pois ninguém percebe sua “falta de interesse”, porque, paradoxalmente,
se mostram receptivos e atentos.
Geralmente, quando os outros o conhecem “externamente”, eles
parecem pessoas serenas, tranquilas e autocontroladas. Porém, por trás
dessas “virtudes” aparentes, ocultam uma grande falta de interesse pelo
que executam. A ideia é livrar-se logo dessa tarefa para voltar a ficar
em paz.

O Tipo 9 e o tipo de sensação introvertida de Jung

Acho que este é o momento oportuno para refletir no tipo junguiano


que se assemelha ao Tipo 9: o chamado “tipo de sensação introvertida”.
Na descrição que Jung faz deste tipo em seu Psychological types lemos
o seguinte:

“Talvez (o sujeito) se destaque por sua calma e passividade, ou pelo


seu autocontrole (...) Esta peculiaridade (...) na realidade se deve à sua
falta de relação com os objetos (...) Visto de fora, parece como se o efeito
do objeto não penetrasse em absoluto dentro do sujeito (...) quando a
influência do objeto não irrompe completamente, é recebida com uma
118 Khristian Paterhan C.

neutralidade bem-intencionada, mostrando pouca simpatia, porém,


constantemente tratando de acalmar-se e ajustar-se (...)”
Neste caso, a “mentira” do Ponto 3 está relacionada com a necessida-
de dos Tipos 9 de parecer externamente ativos. Muitas vezes conseguem
“enganar” os outros com essa aparente disposição, a ponto de receberem
elogios pelo seu “espírito cooperativo”. A verdade se mostra quando
de repente não cumprem prazos, se ausentam sem necessidade, deixam
questões “feitas pela metade” e declaram “esquecer” determinados
compromissos, o que resulta muito adequado já que todos estão mais
do que convencidos de que é isso mesmo que acontece com eles. Quando
se comportam desta maneira, muitas vezes arriscam o trabalho de suas
equipes e/ou dos grupos dos quais participam. Daí que o que Jung acres-
centa na sua descrição dos tipos de sensação introvertida também seja
aplicável ao Tipos 9 quando se movem até o Ponto 3 negativamente:
“(...) Assim, o tipo se transforma numa ameaça para o seu ambiente,
porque sua inocuidade total não está como conjunto sob suspeita.”
Ou seja, ninguém suspeitaria que seu “espírito cooperativo” poderia
ser apenas uma “mentira” e o abandono e esquecimento de seu papel ou
do seu trabalho, algo deliberado. Às vezes acontece que eles assumem
responsabilidades demais e não conseguem honrá-las senão sob muita
pressão. Os Tipos 9 correm o risco, por este mesmo motivo, de serem exi-
gidos ao extremo e cobrados constantemente, já que, quando descobertos
por pessoas mais fortes ou controladoras sob cujo comando venham a
se encontrar, podem chegar a converter-se em suas vítimas. Pelo fato
de sentirem-se culpados, eles podem aceitar essas pressões exageradas e
injustas, até porque consideram que esse será o único modo de “aprender
a fazer”. Daí que esta última parte da descrição de Jung acerca do tipo
de sensação introvertida seja tão aplicável a alguns Tipos 9:
“Neste caso, (o tipo) se converte facilmente numa vítima da agres-
sividade e do domínio dos outros. (...) permite ser objeto de abusos e
logo se vinga nas ocasiões mais impróprias com estupidez e obstinação
redobradas.”
Vale a pena refletir no depoimento em que uma das nossas alunas
já citadas explica os riscos de relacionar-se de uma maneira “não
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 119

verdadeira”: “É difícil atuar no plano concreto quando entro em re-


lação com o mundo, com as pessoas (...) estabeleço relacionamentos
com base na ‘vontade’ de estar bem, em harmonia com as pessoas e
parto fazendo-lhes concessões, abraçando suas ideias, reconhecendo
seus valores pessoais, disposta a agradar-lhes, abrindo mão dos meus
interesses, até porque, na maior parte das vezes, não os identifico e, de
súbito, me vejo desconsiderada por elas ou seguindo suas ‘vontades’,
sufocando minhas opiniões apenas para não perder os contatos e me
sentir aceita.”
Quando isto acontece, os Tipos 9 se movem negativamente ao Ponto
6: fazem por temor às críticas, às cobranças. Realizam esforços desmedi-
dos e extenuantes, “trabalham sem parar”, apresentando o típico movi-
mento contra fóbico, característico dos Tipos 6, e cujo núcleo negativo
é o medo. É típico que “trabalhem contra o tempo”, pressionados pela
“urgência” de terminar as coisas proteladas, o que nem sempre garante
um bom resultado. Naturalmente, o ciclo se fecha quando extenuados
após o esforço de última hora, voltam como se pode apreciar no gráfico,
ao ponto de origem, ou seja, o 9.
Também se pode apreciar o aspecto negativo, quando os Tipos 9
se dão conta de que devem fazer algo há muito protelado e começam
a imaginar as consequências que isso pode acarretar (Ponto 6). Então,
fazem apenas pelo medo das consequências, o que acarreta que suas ações
não sejam autênticas (Ponto 3) e sim um meio de escapar às reações não
desejadas que poderiam advir de seus “esquecimentos”.

O medo (movimento ao 6): O medo dos Tipos 9 está relacionado com


a constante preocupação de manter-se fora de atritos e conflitos, conser-
vando a paz e a tranquilidade que tanto amam. No seguinte depoimento,
uma aluna Tipo 9 descreve seus medos da seguinte maneira:
“Há muito repito ‘não gosto de varrer contra o vento’. Nada melhor
para caracterizar o Tipo 9. É muito difícil, para mim, tomar decisões
que podem ser o estopim de um conflito. Se pressentir a possibilidade
de um conflito, trato logo de conciliar. Antes do estudo do Eneagrama
me vangloriava de não sentir medo.
120 Khristian Paterhan C.

Achava-me corajosa por enfrentar situações difíceis (...) Obser-


vando-me com atenção, descobri esse movimento constante para o
6, todo esse meu retraimento é medo! Medo de desagradar, medo
de não ser aceita, medo de me expor e, por que não, o medo de me
tirarem a tranquilidade! Adoro ficar comigo mesma, onde vivo um
mundo de paz!
Só agora entendo por que tenho tanta preocupação em não inco-
modar ninguém, é o reflexo de que também vou perturbar a paz de
outrem (...)”
O “medo” do Ponto 6 se manifesta também quando os Tipos 9 sen-
tem que não podem seguir adiando trabalhos, decisões, atos e projetos.
Então, iniciam uma desesperada tentativa de realizar e, sabendo que
estão “contra o tempo”, se esgotam demais. Os Tipos 9 devem aprender
a fixar datas e prazos concretos para a realização de seus trabalhos e
projetos, discriminando quais são os mais importantes e requerem uma
maior atenção e prioridade.

O positivo do movimento 9-6-3 – (ver figura na página 334)

Quando os Tipos 9 começam a compreender a necessidade de


atuar, quando param de protelar e aprendem a se importar com suas
necessidades, passam a viver seus “movimentos dentro do triângu-
lo” positivamente. Lembremos que as virtudes relacionadas com
os Pontos 9-6-3 são respectivamente: Amor (9), Fé (6) e Esperança
(3) ou Reta Ação, Coragem e Verdade. Na prática, isto significa o
seguinte: quando relacionado às próprias necessidades, se reconhece
a necessidade de agir porque se compreendeu profundamente que
protelar é uma maneira de não amar-se a si mesmo. Logo, surge a
Fé que é “a certeza do que se espera e a convicção do que não se
vê”, como escreveu o apóstolo Paulo. Esta “Fé” é consciente e se
manifesta em um trabalho deliberado em direção ao objetivo, o que
garante (Esperança) a realização do mesmo, porque agora a ação é
Correta e Verdadeira.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 121

A influência positiva dos parceiros 8 e 1

Os Tipos 9 devem aprender do Ponto 8 do Eneagrama a valorizar


seus territórios e lutar por seus objetivos e metas sem abandoná-los com
falsos argumentos. Já do Ponto 1, deveriam aprender a “programar
suas ações”, ordenar e priorizar suas necessidades, criando hábitos que
lhes permitam discernir entre o que é mais necessário realizar “agora”
e o que pode ser “eliminado” ou “postergado”, porque se decidiram a
não mais protelar o que realmente devem fazer. Sempre recomendo aos
Tipos 9 iniciar processos de observação de si mesmos, por meio dos
quais consigam dar-se conta quando estão adormecidos com respeito às
suas necessidades reais e aos seus objetivos. É importante criar rotinas
que garantam a realização de tudo o que foi postergado ou “esquecido”
durante meses ou anos.
Um dos alunos estrangeiros viveu durante mais de 15 anos no Brasil,
sem o documento exigido pelo conselho de sua profissão. Ele adiava
constantemente a realização desse trâmite, até porque, em determinados
momentos, não parecia necessário tê-lo. Porém, a partir de certo momen-
to, essa carteira profissional começou a ser necessária. Sua primeira tarefa
pessoal foi tirar esse documento. Era difícil porque requeria legalização
de diploma, reconhecimento de estudos, trâmites diversos e prolongados.
Tudo para um 9 desistir. Mas essa tarefa não tinha como objetivo apenas
obter essa carteira, mas também que ele “lembrasse de si mesmo” e não
protelasse mais suas próprias necessidades. Era uma maneira de “amar-
se a si mesmo” e de iniciar um processo no qual o “Esquecimento de
Si” começasse a ser superado. Finalmente conseguiu, e, graças a esse
“trabalho” deliberado e consciente, ele já superou muitos dos aspectos
negativos da sua “máscara” e hoje se destaca na sua área.
Muitos Tipos 9 têm dificuldade para lidar com dinheiro, para fe-
char negócios, para obter benefícios por intermédio das suas ações.
Aqui é quando o aspecto positivo da ambição dos Tipos 8 pode servir
como exemplo, assim como a capacidade de estabelecer prioridades e
organizar suas próprias vidas do modo como o faria um equilibrado
Tipo 1.
122 Khristian Paterhan C.

Lembrança de si mesmo:
aprendendo a amar a si mesmo

Se tivéssemos que resumir em poucas palavras o que os Tipos 9 devem


procurar, diríamos que é amar a si mesmos tanto quanto são capazes de
amar aos seus próximos. Os Tipos 9 sabem dar amor às pessoas, sabem
cuidar dos problemas alheios, sabem solucionar conflitos, estabelecer
pontes entre as pessoas e conciliar. Eles apenas devem realizar tudo
isto também por si mesmos. Devem considerar suas necessidades reais
priorizando ações que lhes sejam produtivas. Quando isso acontece,
começam a atuar corretamente. A virtude da Reta Ação pode levar todo
Tipo 9 à realização pessoal e espiritual. Atuar é um imperativo natural,
atuar corretamente é um ato de consciência.
O discernimento é essencial para compreender o que é a Reta Ação
e o Amor.
Quando você começa a se amar não poderá abandonar-se, nem será
mais capaz de protelar ou de esquecer o que é importante e necessário
para sua realização integral. Amar implica lembrança. Ao amar a si
mesmo, positivamente falando, o “Esquecimento de Si Mesmo diminui”.
Você não poderá sentir “preguiça” de fazer o que é necessário para
seu bem-estar e realização. Então, evitará as questões insignificantes e
secundárias, estabelecerá rotinas adequadas de trabalho e aprenderá a
trabalhar em função de metas verdadeiras. Evitará trabalhar sob pressão
e será persistente na tarefa de atingir seus objetivos reais.
Naturalmente, isso é Reta Ação. Aprenda a amar a si mesmo e com
certeza essa bonomia, essa capacidade de ser amigo de todos será ainda
maior e mais positiva.
A Reta Ação é o remédio contra a “doença do amanhã”. O “remé-
dio” que Gurdjieff recomendava contra esta “doença”, em palestras
a seus alunos, era o seguinte: “Lembre-se de si mesmo, sempre e em
toda parte.”
Os Tipos 9 deveriam começar a observar de quantas maneiras “es-
quecem de si mesmos” e iniciar um processo de “lembrança de si” que
lhes permitirá existir plenamente, em paz e tranquilidade reais e não
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 123

nesse estado de “narcotização” que muitos deles vivem como “normal”,


e no qual se perdem de si mesmos, vivendo estados de falsa paz e tran-
quilidade “fora da realidade”.
Logicamente, a Lembrança de si só é possível mediante a Observação
de si. Estes dois processos descritos no início deste livro como os mais
importantes para a realização de si mesmo, são difíceis de compreender
num começo. Nos treinamentos de Eneagrama que realizo as pessoas
são incentivadas a conseguir, pouco a pouco, a plena vivência destes
dois conceitos básicos, justamente porque é difícil “lembrar de lembrar”
sempre e em toda parte.
Volto a repetir que, para os Tipos 9, é essencial refletir sobre o tema da
“lembrança de si”, em relação a si mesmo, já que, então, compreenderá
o que deve ser “observado” no dia-a-dia e descobrirá como escapar de
sua inércia negativa.
Finalmente, e com o intuito de reforçar ainda mais a necessidade
desta “lembrança de si”, convido você a refletir nas palavras de G. I.
Gurdjieff citadas por Ouspensky:
“Da mesma maneira, um homem pode orar: ‘Eu quero lembrar de
mim mesmo’. ‘LEMBRAR-ME’ – o que significa ‘lembrar-se’? O homem
deve pensar na memória – quão pouco se lembra! Como esquece com
frequência o que decidiu, o que viu, o que sabe! Toda a sua vida mudaria,
se pudesse lembrar-se. Todo o mal vem de seus esquecimentos. ‘Mim-
Mesmo’ – novamente volta-se para si. De qual ‘eu’ quer lembrar? Vale
a pena lembrar-se de si mesmo por inteiro? Como pode discernir aquilo
de que quer se lembrar?”
Espero que, a cada dia, a sua lembrança e a nossa lembrança au-
mentem!
O Tipo 1

O eu
que ordena

“A moral pode ser objetiva ou subjetiva. A moral objetiva é a mesma


em toda a Terra; a moral subjetiva é diferente em toda parte, e cada
qual a define a seu modo: o que é ‘bem’ para um é ‘mal’ para outro e
vice-versa. A moralidade é pau de dois bicos, podemos apontá-lo como
quisermos...”

G. I. Gurdjieff

Gurdjieff diz: “Outro exemplo, talvez pior ainda, é o do homem que


considera que, em sua opinião, ‘deveria’ fazer algo, quando na realida-
de não tem que fazer absolutamente nada. ‘Dever’ e ‘Não dever’ é um
problema difícil; em outras palavras, é difícil compreender quando um
homem realmente ‘deve’ e quando ‘não deve’ (fazer algo) (...)”

Gurdjieff citado em Fragmentos de um ensinamento


desconhecido por P. D. Ouspensky
126 Khristian Paterhan C.

Ah, esses perfeitíssimos Tipos 1!

Lilian Witte Fibe, a impecável, séria e corretíssima ex-apresentadora


do Jornal da Globo, foi, provavelmente, um dos melhores exemplos de
Tipos 1 que identifiquei aqui no Brasil. Certa vez, li na seção “Ponto
de Vista”, da Revista Veja de 19/4 de 96 ou foi 97? (quando retirei esse
artigo da revista cortei acidentalmente o ângulo onde estava impresso
o ano, desculpem! Ninguém é perfeito!), um artigo de sua autoria sob
o título: “Profissionais da autopromoção”, no qual ela denunciava a
“falta de ética” de alguns profissionais liberais e jornalistas que preten-
diam usar seu prestígio para aparecer nas revistas e jornais promovendo
seus nomes. A frase destacada do seu ensaio foi: “Não estou aqui para
promover médicos ou cabeleireiros, não sou garota-propaganda.” Em
qualquer caso, espero que o fato de citar somente a Lilian como exemplo
de Tipo 1, não venha a provocar ciúmes em outras “figuras públicas” tão
merecedoras como ela do título de o mais bem-comportado e discipli-
nado brasileiro vivo. Por esta razão, as seguintes análises desta máscara
serão feitas a partir de exemplares humanos, tão disciplinados e isentos
como Lilian, e que, como bons Tipos 1, não têm nenhuma necessidade
de autopromover-se, reclamam o direito de preservar suas privacidades
e podem dizer como ela que: “Se não quero, não vou mesmo falar sobre
assuntos só meus.” Ficou claro? Muito bem.
Então, talvez o modo mais perfeitamente simpático para iniciar esta
análise do Tipo 1, seja compartilhar com você o seguinte caso. Costu-
mamos solicitar aos alunos e participantes dos nossos workshops do
Eneagrama, que escrevam suas impressões sobre seus Tipos. Um deles,
Tiago, nos entregou seu trabalho perfeitamente ordenado e impresso.
Depois de admitir na introdução que ele era um Tipo 1 e que sua fixação
principal era o perfeccionismo, ele escreveu o seguinte:
“O primeiro detalhe (perfeccionismo) já o estou executando visto
que toda boa redação tem uma introdução, um meio e uma conclusão.
Desta forma vemos portanto que, para mim, todas as coisas devem
seguir normas e leis que as compartimentalizem e definam em assuntos
ou áreas estanques.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 127

Todos rimos muito quando foi lida esta parte. Rir é importante. Quero
que neste trabalho de observação que você fará de si mesmo, tenha sem-
pre em mente a necessidade de realizá-lo com alegria. Os antigos sábios
vedantinos costumavam exigir, como uma das mais importantes virtudes
do discípulo que deseja conhecer a si mesmo, a alegria. Eles baseavam
este pedido no fato de que se alguém procura atingir níveis superiores
de consciência e está disposto a caminhar em direção à iluminação, não
pode realizar esse maravilhoso trabalho com sinais de seriedade e rigidez.
No caminho à união com o Ser, só se pode estar contente. Portanto, tente
não levar-se muito a sério nesta busca maravilhosa. Aprendendo a rir de
si mesmo, talvez você possa compreender que o trabalho de conquistar
a si mesmo se tornará tão mais cheio de satisfações quanto maior for o
prazer com que o consiga realizar. Não pense que para unir-se ao Espírito
você precisa ser tão sério e tão severo consigo mesmo, que a alegria não
tenha lugar no seu Sendero. Espero que tenha compreendido a mensagem
Número 1! Agora, vamos começar a “pisar nos seus calos”, como diria
Gurdjieff. Prepare-se!

O Tipo 1 e seu traço principal

Iniciaremos esta observação da Primeira Máscara com um depoi-


mento de outro aluno: “Sinto a minha vida como uma busca incessante
daquilo que julgo perfeito. O meu modelo perfeito sempre pode ser
mais perfeito e isso me conduz a uma busca permanente de mais e mais
perfeição.” Existem Tipos 1 que dizem que desde crianças foram “perfec-
cionistas” e que esta maneira de manifestar-se foi reafirmada pelo meio
em que se desenvolveram. Se este é o seu caso, o importante é observar
como esta tendência foi afirmada no tempo e de que modo ela se tornou
sua “máscara”. Por outro lado, existem os Tipos 1 que declaram ter
sido “programados” para serem “perfeitos”. Neste caso, o que deveria
mudar nessa programação? Defina-se você como um Tipo 1 essencial
(ou seja, as características do seu tipo, resumidas na palavra “perfec-
cionismo”, são sentidas como “naturais” e não provocadas) ou como
128 Khristian Paterhan C.

um Tipo 1 “fabricado pela programação” que lhe foi imposta quando


criança, é necessário que você tente observar essa máscara diariamente
a partir de agora. Para isto ser realizado, você não precisa se criticar
nem continuar dando energia a esse seu “juiz interno” intransigente e
severo consigo mesmo e com os outros, porque desta forma você não
conseguirá compreender aquilo que está além dos fechados muros de
seu aparentemente “correto-modo-certo de ver as coisas”. Apenas lhe
ajudaremos nesta observação de si mesmo... Nossa ajuda não será
perfeita, claro! Porém será importante para suas próprias descobertas
futuras. Muito bem, vamos às primeiras observações...

Como surgiu sua máscara?

Um jovem aluno descreveu o surgimento de sua máscara desta forma:


“Desde muito cedo me foi incutido um senso de responsabilidade, no
sentido de que sempre deveria dar o exemplo para as minhas irmãs por
ser o mais velho. Venho de uma família judaica e o fato de ter nascido
homem e ser o primogênito preencheu uma série de expectativas fami-
liares, que foram devidamente transferidas para mim...”
Outro, após iniciar seu trabalho de observação da sua Máscara 1 es-
creveu: “Curiosamente ao me deparar com fotos da minha infância, notei
que sempre estava vestido de forma arrumada e bem-comportada...”
Lembranças como estas são parte das experiências da maioria dos
Tipos 1. Talvez, no seu caso, tenham sido as cobranças de ordem e bom
comportamento que começaram a dar forma a ela. Talvez seus pais (ou
um deles) tenham sido muito controladores. Revisavam suas coisas,
checavam se tudo estava sendo feito adequadamente. Ser a boa menina
ou o bom menino bem-comportado era um imperativo. Aparentemente,
isso tinha certas compensações: ficar em paz?, evitar atritos com o pai
que, muitas vezes, Tipos 1 lembram como severo ou autoritário demais?
Talvez. O certo é que este constante atrito e cobrança externa provoca
uma reação especial. Muitos 1 se declaram INSEGUROS. “Qual será o me-
lhor modo de comportar-se?” Tipos 1 se referem a este fato como sendo
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 129

de vital importância em algum momento de suas vidas. Por diferentes


caminhos, Tipos 1 precisam encontrar respostas que lhes permitam saber
sua posição no mundo. Muitos deles revelam uma grande necessidade
de obter um “modelo adequado” para viver no mundo ou como saber
fazer a coisa certa. “Procurei sempre um espelho para saber como agir,
dificilmente agia de uma forma espontânea e livre, sempre precisei de
um modelo externo”, escreveu um aluno. Uma mulher Tipo 1 me con-
fessou que sua maior preocupação era perceber certa inabilidade para
enfrentar o mundo: “O que fazer? Será que está certo?” O fato de serem
cobrados e exigidos faz com que Tipos 1 sintam uma forte inseguran-
ça na infância e juventude: “Por me sentir inseguro, não me expunha
publicamente... Acho que a busca da perfeição da minha máscara se
originou com uma obsessão por atingir o melhor de mim nas relações
humanas...” De alguma forma, as cobranças contínuas geram nos Tipos
1 a necessidade urgente de encontrar um “modelo” que lhes permita ter
certeza de que não serão mais cobrados... Assim surge a própria ordem,
ou melhor, “o próprio território”, no qual Tipos 1 tentaram criar o
melhor e mais perfeito modo de lidar com a existência. Um território
reservado, “perfeito”, um modelo de ordem do qual ele se transforma
em zeloso protetor. Um território próprio que lhe oferecerá a segurança
e a certeza de que tudo esta OK.

O próprio “território”

Sim, “território”. Escolhi esta palavra para fazê-lo compreender al-


guns aspectos relacionados com os Tipos 1, 9 e 8. Para cada um destes
tipos que formam a parte superior do Eneagrama, a palavra “TERRITÓ-
RIO” tem um significado diferente e específico. No caso dos Tipos 1, o
“território” implica tudo o que tem a ver com sua ORDEM PARTICULAR.
Tipos 1 cuidam dessa ORDEM PRIVATIVA com verdadeira paixão. Nessa
ordem, tudo está sempre sob controle, tudo está bem-feito e ordenado.
Essa ordem pode ser a casa para a mulher 1 ou o escritório do homem
1. Em ambos os casos, as coisas serão encontradas nas gavetas certas,
130 Khristian Paterhan C.

outras estarão claramente classificadas com etiquetas específicas e assim


por diante. Tudo terá seu lugar e deverá estar sempre nas melhores e
mais perfeitas condições. Desta forma, Tipos 1 sentirão certa sensação
de bem-estar e tranquilidade. Mulheres e homens deste Tipo realizam
e tentam impor certos rituais nessa ordem privativa. O escritório será
regido por normas estritas, enquanto no lar a limpeza e ordem rigorosa
de todas as coisas estarão garantidas graças às rígidas regras e rotinas
que todos deverão respeitar. Certo Tipo 1 confessou: “... sou organizado,
mas crio rituais precisos e também rígidos. Se escrevo, por exemplo, num
determinado caderno sempre com uma caneta, fico confuso se não a
encontro ao escrever. Os rituais que crio viram minha própria prisão...”
Tipos 1 não pretendem ampliar seus “territórios” como os Tipos 8, nem
o abrem a todos sem qualquer regra, como no caso dos bonachões e
simpáticos 9. Pelo contrário, o “território” dos 1 será limitado, cercado,
nas dimensões certas, regulamentado, porque ele é o MUNDO ORDENADO E
CRIADO para ter certeza de que nele tudo será perfeito ou pelo menos se
tentará que sempre seja o mais perfeito possível. Uma de nossas alunas
Tipo 1 expressa esta questão de um modo muito exato:
“Gosto de tudo bonito e perfeito e gostaria de moldar o mundo
com minhas mãos. Ele seria lindo e perfeito. O fato de achar que todos
deveriam ter amor, correção e bondade é uma mania de perfeição...”
Outro aluno declara: “Lembro-me que era sempre importante para mim
ter uma concepção do mundo pronta, formada, que só era abandonada,
com alguma dificuldade, quando subestimada e por uma outra que fosse
mais perfeita e que incluísse as novas percepções adquiridas. Lembro-me
de uma especialmente, na qual considerava o mundo e todas as pessoas
boazinhas, eu então, era uma pessoa ótima, e as pessoas que não eram
boazinhas não eram porque não podiam ver a verdadeira realidade dos
fatos... Quando compreendi, lá pelos 10 anos, que a realidade que minha
mãe me passava não era a única, fiquei bastante perdido. Procurei...
uma forma de me comportar adequadamente ou um outro modelo de
visão do mundo...”
Quando o modelo é achado, ele é transformado na ordem exemplar
do Tipo 1. Fundamentalmente, a criação da própria ordem baseada no
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 131

“modelo” adequado será o modo de demonstrar ao mundo exterior


que nessa ordem ninguém mais pode intervir, nem mexer. Os outros são
suspeitos de não compreender essa ordem conseguida, dia a dia, com o
apoio de um implacável senso de autocrítica que os números 1 possuem
em dose ilimitada. Porém, bem-aventurados os que forem considerados
aptos e preparados para compreender essa ordem fechada. Eles, sim,
terão o direito de serem recebidos pelos números 1. Amigos serão aqueles
que podem ser parte dessa ORDEM, dessa elite capaz de ver “a verdadeira
realidade” desse “território” exclusivo, criado não apenas no plano
físico, mas também no psicológico. Sim, o “território” dos números 1
não é apenas físico. Ele se estende aos seus relacionamentos, aos seus
trabalhos, às suas escolhas. Tudo deve estar de acordo com as regras e
normas que regem essa preciosa ordem particular.

Como Tipos 1 descobriram que o melhor modo de evitar


as cobranças de perfeição era criar as próprias lembranças
(só que mais perfeitas, claro!)

Quando os Tipos 1 sentiam que a sua ordem entrava em conflito


com a ordem externa (a família, a sociedade, os outros em resumo) ou
que as cobranças vindas de fora eram invasivas demais, eles decidiram
mostrar que essa ordem particular, criada dentro do seu “território”,
não podia ser criticada... Esse seria seu modo de lidar com a realidade...
Pelo menos é o que pareceu mais correto fazer, certo? A criação de seu
mundo foi iniciada desse modo... se toda ordem é cobrada, controlada
e sujeita a regras e deveres a ser observados corretamente, o lógico é
criar a própria ordem... Uma ordem que será observada e julgada de
fora como uma “perfeita e ordenada vida”, com “tudo no lugar certo”,
uma ordem que jamais se mostrará desordenada... uma ordem perfeita
da qual você conhece as regras, as leis... Quem poderá cobrar perfeição
e ordem a você, agora? Ninguém, nunca mais... Você será um constante
e perseverante criador e mantenedor de sua ordem exclusiva... Quando
tudo está em ordem, é necessário mantê-lo em ordem... A ordem deve
132 Khristian Paterhan C.

ser preservada, não existe tempo para coisas desnecessárias... Constan-


temente se perguntará se está tudo perfeito... sofrerá com seus erros e
pensará como não voltar a cometê-los. Então, nesse momento o seu
maior “inimigo interno” virá à tona.

O surgimento da raiva e do ressentimento

“O meu dia-a-dia é tenso, cheio de cobranças e exigências”, declara


uma aluna Tipo 1, e acrescenta: “Para mim e para os outros. Acho
que mais para mim, porque sinto que não faço as coisas do jeito que
deveria ser. Me pego corrigindo ‘defeitos’ e ‘erros’ o tempo todo... sinto
que tudo que faço não está suficientemente bom e poderia ser melhor...
Quando bato os olhos nas coisas, o que sobressai são os erros. Eu acho
estranho e não entendo como estas coisas me aborrecem tanto, mas não
incomodam nada às outras pessoas. Este sentimento me frustra e me
sinto insatisfeita, sempre buscando algo melhor, que nunca acontece...”
Quando o “território” é criado física e psicologicamente, e a ordem pes-
soal está consolidada, Tipos 1 não podem evitar sentir que os limites que
foram criados têm uma face negativa. Torna-se evidente que esta ordem
e este “território” não podem ser deixados nem abandonados, porque
eles sentem que, se isso acontecer, esse mundo corre o risco de desabar.
Então, aparece a sensação de perigo. Quando os Tipos 1 sentem esta
ameaça latente de destruição da ordem, a raiva se manifesta. No caso
dos Tipos 1 com influência 9, essa raiva estará internalizada e no caso
dos Tipos 1 com influência 2, a raiva poderá ser manifesta de maneira
muito explícita em algumas ocasiões. O limite e a ameaça a esse limite
se tornam evidentes como aquilo que não os deixa abandonarem sua
máscara de perfeição em nenhum momento. Já não precisa ser con-
trolado de fora, agora ele se transformou no seu próprio controlador.
Um controlador ameaçador que diz: “Você criou estes limites, então
vigie-os, você não pode abandonar essa ordem por nenhum motivo, é a
sua responsabilidade!” Tudo o que ameace seus esquemas, as maneiras
de realizar suas ações, os modos de realizar seus trabalhos, tudo o que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 133

contrarie seus planos, propostas, objetivos (ainda que tais ameaças sejam
apenas modos diferentes e positivos de ver as coisas), será enfrentado
com raiva. Essa raiva se manifestará como crítica, como severidade, como
teimosia, como rigidez. “A Máscara 1 demonstra com muita nitidez
a forma rígida, esquematizada de me relacionar com a vida. Quando
me deparo com os percalços do caminho, tão naturais e possíveis, fico
irado!”, reconhece um aluno. Tudo o que se oponha à ordem deverá ser
destruído com argumentos irônicos, com demonstrações de suficiência
que, logicamente, deverão ser as mais perfeitas possíveis, porque não é
bom que as outras pessoas enxerguem a precariedade de suas “perfei-
ções”. O ressentimento estará pronto para aparecer junto à raiva quando
não se atinge o esperado. Veja, em seguida, como um dos nossos alunos
descobre esta questão em si mesmo:
“Me identifiquei com o Tipo 1 por meio das frases chaves ‘tenho que’
e ‘você deveria’... Por dentro estou sempre dizendo ‘Eu tenho que...’ e
‘Você deveria’. Isso gera uma raiva contra mim mesmo por não corres-
ponder às exigências que me autoimponho e contra os outros por não
agirem conforme o meu ‘código interno’. Essa raiva se tornou um com-
plicador maior já que sinto que tentei desde pequeno ser perfeito...”
O severo acusador interno o sagaz cobrador e vigilante dos limites, o
astuto e impiedoso crítico interno, estará sempre presente e será sempre
protegido pela RAIVA. Essa raiva terá sempre justificativa. Então será fácil
criticar ou menosprezar os outros, será fácil apontar os erros alheios,
sim, você sabe como fazer isso de um modo... perfeito, porque você sabe
como fazer isto com você! Por outro lado, a raiva e o ressentimento são
cúmplices quando se julga os outros segundo os rígidos padrões internos.
Vejamos isto no depoimento de um pai Número 1 que decide dar “uma
lição” a uma de suas filhas:
“Entrei no quarto de minhas filhas e encontrei muita desordem
(brinquedos espalhados por todos os cantos do quarto)... Exacerbou-se
a raiva que nutria há muito tempo em relação à filha mais nova pelo
seu desleixo e descaso com os estudos. Fui tomado de grande ira. Juntei
todos os seus ‘ídolos’ (brinquedos) e atirei-os ao lixo (não é admissível
que alguém que já possua certa compreensão possa gastar seu tempo e
134 Khristian Paterhan C.

seu amor com objetos inanimados). A meu ver, a dedicação e o carinho


que minha filha menor dedicava àquelas ‘bugigangas’ eram altamente
perniciosos, e eu não podia, em nenhuma hipótese, permitir que aquilo
continuasse. Deveria ‘cortar’ essa tendência o mais breve possível, e este
era o momento ideal, já que estava com raiva suficiente...”
Pois é: Tipos 1 estão sempre preocupados com a “questão moral”,
com o “modo certo” que tudo deve ser feito. Eles se tornam muito crí-
ticos em relação ao que hoje chama-se “politicamente correto.” Lembro
que, numa passagem de Gurdjieff fala a seus alunos, um autêntico Tipo
1 perguntou ao Sr. Gurdjieff: “Não haverá um código absoluto de mo-
ralidade que deveria se impor de igual modo a todos os homens?” Ele
respondeu: “Sim. Quando pudermos usar todas as forças que contro-
lam os centros, poderemos então ser ‘morais’. Mas, por ora, enquanto
usarmos uma só parte das nossas funções, não poderemos ser ‘morais’.
Atuamos mecanicamente em tudo o que fazemos e as máquinas não
podem ser morais.”

O movimento em direção à angústia

Quando a procura da perfeição é considerada inútil porque não se


consegue fazer com que a realidade seja o que você quer que ela seja,
quando não se pode atingir o perfeito, quando os outros não compre-
endem sua ordem e a atrapalham ou a negam, quando os outros não
consideram os seus esforços em direção ao “perfeito”, quando não se
recebe a compensação esperada, a raiva determina um movimento para
a angústia (Movimento a 4).
A angústia do Tipo 1 o deixa sem forças no começo. Tudo parece
sem sentido, porque o suposto “único sentido” foi atropelado. Sobre
este assunto, uma aluna declara: “Se falho em alguma coisa, sofro e
me culpo, ou tento encontrar as razões disso fora de mim...” Outra
confirma o movimento a 4 com estas palavras: “... Poucas vezes meu
mundo foi mexido (atenção para as palavras ‘meu mundo foi mexido’)
e meus ideais abalados. Quando isso acontece... é uma tragédia: sofro,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 135

choro e penso no passado ou me fixo no futuro...”. O movimento


a 4 se confirma definitivamente nestas últimas palavras (pensar no
passado e fixar-se no futuro), que lembram uma das razões principais
do sofrimento dos Tipos 4, como se verá na análise desta “máscara”
no momento oportuno. A “saída” do PRESENTE no qual existia essa
ordem, esse “território” não abalado que agora sofre uma espécie de
“ameaça” exterior, tira o Tipo 1 de seu plano de segurança, tira dele
a certeza de que esse mundo foi melhor antes de acontecer tal ou qual
coisa e voltará a ser melhor quando se volte a tê-lo firme, seguro e sem
possibilidades de ser mexido ou abalado novamente... ou quando tudo
mude novamente. A angústia e a tristeza são o resultado dessa sensação
de perda da firmeza e solidez do “território”. Perde-se o sentido que se
pretende obter com essa ordem tão “trabalhada”. Angústia e depressão
estão ligadas por laços fortíssimos. São, como todos sabem, as causas
básicas da “perda do sentido da própria vida”. A questão crucial aqui
é que esta angústia atua como um stop, uma “parada no caminho”, do
qual os Tipos 1 sabem sair na maior parte das vezes vitoriosos, graças às
influências 9 e 2 que lhe acompanham. Porém, é uma angústia fortíssima
provocada principalmente pelo fato de não poder tornar realidade essa
“perfeita ordem” ou aquele “perfeito plano”, que parece ser o único
possível de ser aplicado ou vivido, ou de não conseguir mantê-los. Certa
aluna com forte influência 2 “aprendeu” a evitar essa angústia realizando
algumas de suas “boas ações” fora do “território” e da ordem criada.
De esta maneira evita angustiar-se porquanto não poderá testemunhar os
resultados ingratos daquilo que considera uma de suas melhores virtudes:
“ajudar os outros” (influência do Ponto 2 Eneagramático). Então ela diz:
“Prefiro ajudar pessoas desconhecidas, porque assim não haverá a menor
condição de receber uma ‘patada’, o que costuma acontecer comigo.”
O fator que provocaria a angústia de não receber uma reação positiva
das pessoas ajudadas é simplesmente eliminado para que não perturbe a
ordem pessoal. A “boa ação” beneficiará desconhecidos, que nunca terão
a oportunidade de se mostrar ingratos, simplesmente porque nunca mais
serão vistos. Mais adiante veremos como esta atitude de agir “fora do
território” não é tomada somente quando se trata de “boas ações”.
136 Khristian Paterhan C.

Rigidez interna/externa

O guardião da ordem interna sabe cercar os Tipos 1. Um dos resulta-


dos dessa mistura “raiva/ressentimento/insegurança” será naturalmente
a RIGIDEZ. Alguns dos nossos alunos se referem a esta rigidez dizendo
que são incapazes de RELAXAR. “Vi que o Tipo 1 sofre muito porque não
consegue relaxar...” escreveu uma aluna. Coincidentemente uma outra
mulher Tipo 1 afirma ser este seu problema principal: “A personalidade
Tipo 1 não relaxa nunca... Eu tenho tentado sair desta forma cristalizada
e rígida, que tanto já me fez sofrer...”
Outra afirmou que “... em vez de ir deixando o fluxo natural da vida
acontecer, quero dar uma direção própria que acredito ser a verdadeira.
O contato com a realidade fica então rígido... manter toda essa estrutura
rígida dá um desgaste danado de energia...” Não somente a rigidez psico-
lógica provocada pela constante autocrítica surgida da raiva. Essa rigidez
será somatizada: o corpo rígido... a sensação de estar sendo observado
por severos críticos a cada momento não deixa os Tipos 1 à vontade
com seus corpos e com as sensações naturais associadas à existência
sensível. Através da minha experiência nos treinamentos e workshops de
Eneagrama, tenho descoberto o quanto é difícil para um Tipo 1 o ato de
abraçar, dançar ou “soltar-se” fisicamente durante dinâmicas de grupo
e das práticas ao ar livre... Os limites da ordem autoimposta tornam
rígido o CENTRO FÍSICO. Um aluno reflete: “Ao receber cumprimentos,
abraços e elogios, sinto que fico sem jeito...” RAIVA E RIGIDEZ são grandes
meios de perda de energia que os Tipos 1 deverão superar mediante o
autocontrole positivo e não por meio da repressão. Leia mais a respeito
no Capítulo 5 do meu livro Iniciação e Autoconhecimento.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 137

A face oculta aparece


(logicamente, você tinha que dar um jeito para sair dos limites
autoimpostos da maneira mais perfeita possível, certo?)

Temos até o momento uma visão (sabemos que ainda não é muito
perfeita) de certos fatores nucleares que se ligam entre si e que vão de-
finindo com mais precisão a Máscara 1: A criação da própria ordem e
do próprio “território” cujos limites protegem o mundo quase perfeito
que se pretende manter em constante aperfeiçoamento (expressão dis-
farçada da insegurança adquirida) provocam o surgimento dos estados
de “raiva/ressentimento/rigidez”, como consequência da percepção de
que essa “perfeição” deve ser mantida “porque deve ser mantida” e do
fato de que não pode ser abandonada sob o risco de ficar sem “chão”.
Então, como escapar dessa prisão? Quantas necessidades começam a
ser abafadas nela? Como sair dessas regras e normas sem que ninguém
perceba? Como escapar das próprias limitações sem que outros saibam
que você não é tão perfeito (a) assim? Como deixar de cobrar dos outros
sem raiva, sem ressentimento e sem angústia? Como permitir-se determi-
nadas vivências “proibidas”, “fora da ordem”? É comum constatar nos
nossos workshops o fato de que muitos Tipos 1 têm que comportar-se
em relação a certas questões como se fossem os protagonistas desses
famosos romances que mostram seres humanos de dupla personalidade.
Você sabe: Belle de Jour, De Bar em Bar, Dr. Jekill e Mr. Hyde. Sim,
sabemos que não é bem assim com todos eles, porém o que não pode
ser aceito como parte da “ordem e do território” será vivido disfarça-
damente, será vivido por um outro “eu”, que terá certas licenças, certas
vantagens que Tipos 1 acham inconfessáveis. De fato, algumas são o
claro exemplo da pesada carga de repressão que algumas dessas licenças
carregam. Certa senhora, que participou de um dos nossos workshops,
confessou o seguinte:
“Fui com um grupo fazer um trabalho terapêutico por uma semana.
Fiquei muito excitada com os preparativos, principalmente porque o
grupo era novo e ninguém se conhecia. Lembro-me perfeitamente da
felicidade e da sensação de liberdade que tive logo que o avião levantou
138 Khristian Paterhan C.

voo. Eu tinha ido me conhecer mais um pouco e poderia ser qualquer


pessoa, poderia ser eu mesma enfim, pois ninguém faria comparações
com situações passadas... me sentia mais leve, bem curiosa e com a
crítica interna mais relaxada... Adoro conhecer pessoas que vivam de
forma bem diferente da minha. Pesquiso como conseguem sobreviver
de forma tão fora dos meus padrões...” Outra revelou algo que achava
inconfessável: “Depois de meu divórcio, não tive relacionamentos com
outros homens. Sentia, sim, falta... Porém, minha insegurança não me
deixava procurar um novo parceiro. Admirava uma de minhas amigas
que era capaz de tomar a iniciativa com os homens... Então, quando ela
me acompanhava, eu me sentia com vontade de querer ser como ela...
era uma espécie de representação, uma espécie de faz-de-conta.”
Esta é uma situação típica. Muitos Tipos 1 se “arriscam” a viver cer-
tas experiências em lugares onde ninguém os conheça ou de uma forma
tão secreta que ninguém possa inteirar-se. Às vezes é aquele impecável
doutor, muito sério e comportado, que curtirá um tórrido romance bem
longe de sua cidade; outras, é aquela dedicada executiva respeitável que
quando viaja a outros países gosta de sair de noite e imaginar que é uma
mulher “liberada”. Vejamos o depoimento de uma outra aluna:
“Durante três anos tive uma vida dupla: vivi com um homem mais
velho, descasado, aposentado, sem que minha família tivesse conheci-
mento do fato. Ao apresentá-lo à minha família, sofri pressões: ‘é um
caça-dotes’... ‘não é um homem para você’... ‘como pode deixar este
homem tocar em você’. O meu senso perfeccionista dizia que eles tinham
razão, entretanto eu o amava. Continuei o relacionamento aparente-
mente às escondidas...ficamos nos vendo apenas em feriados, férias e
ausências forçadas... Estávamos felizes porque tínhamos encontrado
um ponto onde podíamos ser cúmplices..” A “duplicidade” de alguns
Tipos 1 os leva a viver a “repressão” como uma espécie de cerca que às
vezes precisam pular. Quando se negam estes movimentos contra seta
ao Ponto 7 do Eneagrama, amores são perdidos, desejos sexuais são
reprimidos, anseios são abafados. As regras e normas autoimpostas
não podem ser negadas. Existe o compromisso e a responsabilidade de
manifestar-se de acordo com o padrão escolhido. Então, o único caminho
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 139

é viver outros papéis, alguns dos quais “secretos” e/ou “inconfessáveis”


e “proibidos” (segundo eles), que poderão ser abandonados quando se
retorne ao modelo de vida adequado e se viva dentro da ordem pessoal.
Não se percebe que, talvez, exista um “termo médio” no qual apenas
seja necessário ser menos rígido consigo mesmo, tornando-se flexível e
procurando aceitar as próprias necessidades não como fraquezas e sim
como naturais e humanas. O que leva a esta espécie de dicotomia nas
experiências relativas ao mundo externo tem sua origem em uma outra
existente no mundo interno dos Tipos 1.

A divisão interna

Do mesmo modo que se produz a necessidade de experienciar “ou-


tras vivências” às escondidas, os Tipos 1 passam a viver contradições
nos seus mundos internos. Certa vez uma de nossas alunas escreveu o
seguinte: “Qualquer falha, para mim, tomava grandes proporções, sen-
do difícil de ser perdoada, tanto as minhas falhas como as dos outros,
conduzindo à intolerância e à autopunição. Esse comportamento, que
indicava uma menina comportada e eficiente, cordata, na realidade en-
cobria agressividade e espírito de competição. Mas eu não podia brigar
nem mostrar raiva...”
A divisão interna leva a exagerar a realidade e suas manifestações. Esta
atitude leva à autopunição e ao sentimento de culpa por ter “um lado tão
ruim e imperfeito”. Assim, o mundo interno é dividido em duas partes:
o lado bom e o lado ruim. Muitas vezes ambos os lados são regidos pela
mesma tendência perfeccionista. Cada papel deve ser sempre bem “inter-
pretado”. Sobre esta questão um jovem aluno revelou o seguinte:
“Minha raiva se tornou um complicador a mais na minha vida, pois
sinto que tentei desde pequeno ser perfeito em dois mundos opostos: o
da sociedade estabelecida e o mundo marginal. Por exemplo: ser um bom
aluno na escola e um hippie total fazendo experiências com drogas...
Essa divisão me levou ao processo de narcotização, como uma tentativa
de fugir da realidade...”
140 Khristian Paterhan C.

O perfeito e o imperfeito são de tal maneira separados que Tipos 1


não conseguem conciliá-los nem dentro nem fora de si mesmos, o que
lhes provoca grandes lutas internas. Como resultado destas lutas, o
terrível juiz interno se torna mais implacável, não apenas em relação a
eles mesmos, como também, lamentavelmente, com os outros. Um de
nossos alunos descreve com muita precisão (só podia ser Tipo 1!) esta
luta interna: “Minha ira se dá no sentido de estar sempre criticando nega-
tivamente e desqualificando qualquer um que ameace o meu status quo,
apesar de externamente poder estar elogiando quem tomou tal atitude.
Então eu penso: ‘Esta pessoa está falando a verdade mas daqui a pouco
eu vou achar nela um defeito maior do que o meu para desmoralizá-la
perante mim e os outros, o que a fará entender que ela não deveria ter
me criticado e isso a fará pedir desculpas ou a ressaltar em mim um lado
positivo que para mim e para os demais terá o mesmo efeito...’”
Os extremos aparecem cada vez mais definidos, distantes e aparen-
temente irreconciliáveis. O bem e o mal, o bem-feito e o malfeito, o
certo e o errado, o justo e o injusto, sem meios-termos, sem nuances. A
raiva se apodera com maior autoridade. Se expressa nas frases com as
quais os Tipos 1 disfarçam suas rejeições. Se a vida está tão polarizada
é preciso manipulá-la adequadamente. Assim surgem os argumentos
para conseguir que os outros reconheçam a “visão da perfeição” que
o 1 sente possuir. Surgem as frases típicas, como “Você deveria...”, por
meio das quais muitas vezes a raiva sentida (que porém não pode ser
mostrada) é disfarçada. O discurso se torna irônico, a capacidade de
manipular as pessoas “aperfeiçoa-se”. A “dualidade” é ocultada atrás
da “seriedade”, do “bom comportamento” e “da moralidade”. Nú-
meros 1 se autodefinem como “pessoas sérias” e “bem-comportadas”.
Desta forma, como poderia você suspeitar que esta pessoa séria às
vezes “pula a cerca” ou esteja pensando em como “dar o troco” pelo
que você fez a ela? Lembro-me de certa telenovela onde aparecia um
personagem cheio de regras e normas na sua casa, autoritário com
sua esposa e filhos, extremamente preocupado com a ordem e com
sua imagem de gentleman. Fora de casa, em segredo, aceitava como
amante uma mulher de baixo nível que o tinha sob total controle e da
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 141

qual aceitava tudo o que na sua vida familiar era intolerável. Quando
esse outro lado é descoberto... tudo acaba para ele...(Não deixe isso
acontecer com você, no caso de se parecer com este personagem!) É
hora de mudar! Analise o conceito de CONCILIAÇÃO no capítulo corres-
pondente ao Tipo 9 e determine-se a construir uma ponte entre seus
aparentemente irreconciliáveis extremos.

Iniciando o processo de mudanças positivas

Uma aluna Tipo 1 escreveu: “Fiquei chocada quando descobri que


ser perfeccionista podia ser um terrível defeito e não uma virtude...
Desde então, passei a observar a minha máscara e constatar que isto
muito atrapalhou e ainda atrapalha minha vida em todos os sentidos.”
Tudo bem. Sei que pode estar sendo difícil esta observação da másca-
ra. Nunca é agradável observá-la, porém é necessário. Lembre-se de
que o propósito desta análise geral era “pisar nos seus calos”. Espero
que tenhamos atingido nosso objetivo. Sim, eu sei que você não pre-
cisa que outros mostrem seus problemas. Tipos 1 sabem que podem
fazer isso de um modo “mais perfeito” e sem ajuda. Porém, nosso
propósito é provocar a descoberta de si mesmo. Desta maneira você
poderá descobrir-se (literalmente quando você tira a máscara você se
descobre). Só assim poderá perceber que esta máscara, na realidade,
o está limitando, porque você limitou a realidade a um espaço tão
reduzido que corre o risco de não poder conhecer outros aspectos
dessa ÚNICA REALIDADE de milhares de faces e nuances e de milhares
de paradoxos. A “raiva/rigidez/ressentimento” se encarregará de dar
poder a essa visão limitada. O mundo dos Tipos 1 é tão reduzido e
compartimentado que termina deixando muitas coisas importantes de
fora. Você pode ampliar esse mundo. Nessa ordem autoimposta em
que nada parece ter alternativas ou nuances, falta a compreensão de
uma velha e sábia Lei Hermética que você poderá lembrar cada vez
que seus caminhos, meios e esquemas de vida pareçam ser os ÚNICOS
POSSÍVEIS. Essa Lei diz:
142 Khristian Paterhan C.

“Todas as verdades são semiverdades; todos os paradoxos são re-


conciliáveis.”

Uma de nossas alunas definiu esta procura de uma visão mais ampla,
serena, tolerante e abrangente da realidade como um de seus principais
esforços na busca da conciliação interior: “O Tipo 1 deve cultivar a tole-
rância, a esperança... não colocar todas as coisas dentro de um formato.
Deixar as coisas e as pessoas serem como são, sem querer mudar nada e
ninguém. Tentar ver o outro lado da questão – em todas as questões – e
ter a certeza que ‘o frio pode ser quente’ num outro nível...”

Os principais movimentos a serem observados:


de 1 a 4 e de 1 a 7 – (ver figura na página 334)

O Movimento do mundo interno dos Tipos 1 no Eneagrama é o


resultado da divisão 1 : 7 = 0,1428571... Observe que nesta dízima
periódica, os números 1 e 4 estão juntos, assim como os números 7 e
1. Vamos analisar o primeiro movimento. De 1 a 4... RAIVA E INVEJA são
vícios intimamente ligados entre si. A raiva do Tipo 1 é gerada pelo fato
de ele não atingir a perfeição procurada. O Tipo 1 intui essa perfeição e
deseja alcançá-la. A inveja não significa aqui apenas o anseio de possuir
o que outro possui porque o consideramos valioso. Devemos analisar a
inveja de uma forma mais profunda, como um anseio de atingir o que
se considera “aparentemente melhor” e que ainda não temos, apesar
de sentir que o merecemos e pela certeza que temos de que o desejado
é realmente o melhor, o mais perfeito e mais adequado para fazer parte
da nossa ordem particular. Quando não o conseguimos, surge a RAIVA.
O trabalho de auto-observação de si permite ao Tipo 1 descobrir que a
razão de sua raiva está oculta por trás da sua busca de uma falsa “per-
feição”, um falso ideal que não lhe permite relaxar. Isto leva o Tipo 1
a vivenciar os resultados de seu movimento ao Ponto 4 do Eneagrama.
A perfeição não foi conseguida e a raiva se mistura à tristeza e à an-
gústia de não possuir o que se quer, de não se viver de acordo com o
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 143

ideal de perfeição fixado, a uma espécie de desapontamento de não se


conseguir o que se quer obsessivamente e, portanto, a uma sensação de
infelicidade.
Com respeito ao que se chama “movimento contra seta a 7”, existe
nele algo da maior importância para Tipos 1. Iniciamos este capítulo
pedindo para você realizar este trabalho de auto-observação com
alegria e o terminamos do mesmo modo. O Tipo 7 do Eneagrama
(quando equilibrado) é considerado possuidor de uma personalidade
livre, espontânea, que gosta de aventura, que sabe rir da vida e que está
disposto a mudar. Esses são seus aspectos positivos. Quando o Tipo
1 se move contra a seta negativamente (1 a 7), ele não somente pode
viver situações “proibidas” como já vimos anteriormente. Também
se comporta de maneira irônica com os outros, ou seja, ele manifesta
um dos piores aspectos do Tipo 7. A ironia é um modo sorrateiro de
criticar e “rir dos coitados” que “não fazem as coisas do modo certo”.
É uma burlesca atitude que esconde a raiva que não se pode ou não
se quer explicitar. Para o Tipo 1 a ironia funciona, então, como uma
arma sutil, como um modo disfarçado de mostrar aos demais que
só ele conhece o modo perfeito, o plano perfeito, o jeito adequado.
Quando você “vai” negativamente de 1 a 7 no Eneagrama, você sabe
como tornar-se extremamente chato para os outros, exatamente igual
ao Tipo 7 quando deseja “sacanear” seus semelhantes com suas sutis
brincadeiras. Você fará bem em ler as características do Tipo 7 no
momento oportuno.
Porém “tudo tem seu par de opostos”, embora você às vezes negue
esse fato. Por esta razão, você “deveria” (gostou da palavra ?) aprender
do 7 o modo de ser menos limitado, mais solto, menos rígido, mais aber-
to ao novo e diferente, mais espontâneo e mais livre... Aprenda com o
Tipo 7 a mudar de planos e de astral... Seja mais brincalhão... Se solta,
poxa! Certo aluno Tipo 1 fez a seguinte avaliação de si mesmo, quando
percebeu que estava se livrando de sua rigidez:
“Se fosse falar da minha mudança desde que iniciei meus treinamentos
de Eneagrama com Khristian, diria que foi total, mas com os conhecimen-
tos ‘já retidos’ sei que foi apenas uma tremenda suavizada, com ganhos
144 Khristian Paterhan C.

enormes para o ‘bem viver’. Com maior aceitação e consideração externa,


harmonia (percepção de fazer parte do Todo), fraternidade, etc.”
Esperamos que você também consiga essa “tremenda suavizada, com
ganhos enormes para o ‘bem viver’.”

9 e 2: uma influência positiva ou negativa

Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 9 e 2. Estes influen-


ciam você de diversos modos. Será importante analisar as características
destes Tipos para você aperfeiçoar a observação de si mesmo e do seu
Traço Principal. Do Tipo 2, o 1 possui o orgulho de sentir-se capaz de
fazer as coisas corretas e certas e que os demais saibam isso e o reco-
nheçam o deixa feliz e satisfeito. Do 9, uma certa tendência à inércia,
que muitos deles qualificam como “necessidade de sentirem-se seguros
e tranquilos” ou de ter maior capacidade para aceitar as “imperfeições
alheias” e de ser mais tolerantes.
A maior ou menor influência destes companheiros provoca essas
nuances psicológicas, essas diferenças que possibilitam a manifesta-
ção de três Subtipos 1 básicos. Para certos Tipos 1, o fato de sentir-se
seguros os leva a resistir às mudanças ou novas experiências. Aqui,
os aspectos “tranquilidade” e “segurança” se relacionam com a ten-
dência dos Tipos 9 de rejeitar, evitar e fugir de tudo quanto implique
“esforços desnecessários” que tirem sua “paz” ou que provoquem
“aborrecimentos inúteis”. Já a influência das características do Tipo
2 provoca certas manifestações que fazem de alguns Tipos 1 atraentes,
sedutores e com capacidade de liderança proveniente da certeza de que
somente eles podem dar a solução certa para determinados problemas.
Diferentes dos Tipos 8, eles não querem liderar para demonstrar poder,
mas apenas porque se sentem capazes de “estabelecer a ordem correta”,
porque sua participação se faz necessária, porque eles sabem “botar
ordem na casa”.
Tais características os tornam mais manipuladores e assertivos que
os Tipos 1 com maior influência 9.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 145

Desta forma, convencer aos outros da “perfeição” se torna mais fácil,


dando um “toque” mais suave à figura do Tipo 1 raivoso e intolerante.
Isso não significa que a raiva desaparece, apenas se dissimula um pouco
mais, caracterizando esse processo psicológico que outros estudiosos do
Eneagrama denominam de “internalização da raiva”. Para os Tipos 1
com forte influência do Ponto 2 Eneagramático, essa internalização da
raiva poderá ser mais ou menos bem-sucedida, segundo sua capacida-
de pessoal de retenção e/ou repressão da mesma. Segundo alguns dos
mais conhecidos estudiosos do Eneagrama (Naranjo/Riso), a questão
da “retenção” e/ou internalização da raiva está muito relacionada com
os processos que determinam os chamados tipos “anais” e/ou “anais
retentivos” da psicanálise freudiana. Menciono este fato para o caso
de alguns psicanalistas virem a ler esta obra. Estas são apenas algumas
pistas para você aprimorar a observação de si mesmo. Sua tarefa é des-
cobrir como estas influências são vividas pessoalmente, tanto positiva
como negativamente.

O Tipo 1 e o tipo de pensamento extrovertido de Jung

Parece interessante a esta altura citar o livro Psychological Types,


de Carl Jung, para que você possa refletir sobre a descrição junguiana
do tipo mais coincidente com a Máscara 1, o Tipo de pensamento ex-
trovertido:
“Este tipo de homem eleva a realidade objetiva, ou uma fórmula
intelectual objetivamente orientada, ao (nível de) princípio governante
não somente para si mesmo, mas também para todo o seu ambiente.
Por meio desta fórmula mede-se o bem e o mal, e se determina a bele-
za e a feiúra. Tudo o que concordar com esta fórmula é correto, tudo
o que a contrarie é incorreto. (...) Assim como o tipo de pensamento
extrovertido se subordina à sua fórmula, para seu próprio bem, todos
os que o cercam devem obedecê-la, pois qualquer um que se negar a
obedecê-la está equivocado – está se opondo à lei universal, portanto, é
irracional, imoral e sem consciência. Seu código moral lhe proíbe tolerar
146 Khristian Paterhan C.

exceções; seu ideal deve realizar-se em toda circunstância (...) Os ‘deveria’


e os ‘tenho que’ cobram importância neste programa. Se a fórmula for
suficientemente ampla, este tipo pode ter um papel muito útil na vida
social (...) Porém, quanto mais rígida for a fórmula, mais (...) gostaria
de introduzir a si mesmo e aos outros num (mesmo) molde. Temos aqui
os dois extremos nos quais a maioria deste tipo se move...”
Então, como é que Tipos 1 podem iniciar um processo de crescimento
interior que os eleve acima de seus rígidos padrões de conduta até um
nível de maior “plasticidade” psicológica? Vejamos.

O poder essencial por trás da máscara número 1


surge do cultivo da virtude da serenidade
(ou do ser na unidade)

Na versão para o Ocidente que Blavatsky fez do milenar Livro dos


Preceitos de Ouro tibetano, sob o título de A Voz do Silêncio (traduzido
para o português primorosamente pelo poeta Fernando Pessoa), lemos o
que pode ser a “chave-mestra” que conduzirá os Tipos 1 até esse nível
de maior “plasticidade” e ao conhecimento profundo de si mesmos:

“Sê como o Oceano, que recebe todos os rios e torrentes. A poderosa


serenidade do mar permanece inalterável, sem senti-los...”

Sim, será necessário cultivar a Serenidade... A Serenidade poderia ser


compreendida como “ser na unidade”. Qual Unidade? Aquela Unidade
que foi a Primeira Manifestação do Todo. Uma Unidade que Une Todas
as Coisas, porque TODAS AS COISAS TIVERAM NELA SUA ORIGEM: “No Princípio
era o Verbo... por Ele foram feitas Todas as Coisas.” Tipos 1 “sentem”
instintivamente essa Unidade original, e sentem que quanto mais Ela se
expresse mais perfeito será tudo. Quanto menos manifestação da Unida-
de, menos perfeição. O erro, ou melhor, o “desvio” (uso a palavra desvio
no seu significado radical, ou seja, sair caminho) psicológico principal
é não enxergar as múltiplas manifestações possíveis dessa “intuída”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 147

Unidade arquetípica que subjaz potencialmente por trás de todas as coi-


sas e que é dinâmica em sua essência. Nada é perfeito quando sujeito à
manifestação existencial, porém nada é absolutamente imperfeito e tudo
pode ser aperfeiçoado. O modelo pode ser perfeito porém suas expressões
podem não ser perfeitas. Quanto mais “semelhante” ao modelo, mais
perfeita a obra. Somente não se pode esquecer que, talvez, esse modelo
seja também passível de perfeição e, paradoxalmente, imperfeito no
seu nível. Quando não se consegue “descobrir” esta perfeição eidética
e dinâmica subjacente em todas as coisas, quando não se pode sentir o
potencial de aperfeiçoamento e não se pode imaginar de quantas ma-
neiras esse potencial pode vir a se manifestar, o Tipo 1 manifesta sua
Raiva/Ressentimento/Rigidez. O imperfeito é rejeitado. Acusa-se de
“imperfeito” àquilo que oculta essa Unidade/Perfeição que instintiva-
mente se deseja atingir. Não se percebe o perfectível do imperfeito, nem
se consegue perceber sua relativa perfeição em certo nível. Por isso, a
raiva/ressentimento/rigidez se transforma em “ideia fixa” de como fazer
o certo, de que é o certo e em inconformismo. Desta maneira, Tipos 1
se defendem contra tudo o que ameaça suas “perfeições definitivas e
absolutas”. Este estado interno o castiga com a rigidez e a cristalização
psicológicas. Não percebe que essa cristalização interna aprisiona suas
extraordinárias energias.

Tipos 1 declaram, com falsa certeza, que só existe um caminho certo


e nenhum mais, e quando não conseguem impor este “único caminho
certo”, quando não conseguem realizá-lo, interna ou externamente, a
raiva, às vezes impedida de se manifestar, se disfarça numa espécie de
raiva justa, ou como a descreve Claudio Naranjo numa “virtude ira-
da”, rótulo que segundo ele “tem a vantagem de incluir tanto o aspecto
emocional (raiva) quanto o cognitivo (perfeccionista)”, ou seja, uma
raiva racionalizada, por não ter conseguido realizar da única maneira
que se acredita possível o supostamente “perfeito”. Quando esta visão
unilateral da realidade se consolida, poderá provocar o surgimento, em
alguns deles, da compulsão e obsessão que podem levá-los a consequên-
cias psicopatológicas mais sérias.
148 Khristian Paterhan C.

O que poderia ser a virtude de pressentir a Unidade por trás da


diversidade aparente, vira o vício de achar que só existe uma única pos-
sibilidade de perfeição para cada manifestação daquele 1 primordial. O
Perfeito não será enxergado como um processo dinâmico em constante
movimento e capaz de superar o que num determinado instante parecia
ser sua máxima expressão. O Tipo 1 transforma o Perfeito num estado
rígido, cristalizado, terminal, que não pode ser diferente daquilo que
ele determinou como perfeito, daquilo que ele prejulga como certo. En-
tão, nesse estado de fixação e obsessão interna, nessa incapacidade de
perceber a ilimitada Unidade e a dinâmica dessa perfeição-que-sempre-
se-aperfeiçoa, o Tipo 1 não pode ver além de seu limitado “território”.
Tudo o que seja perfeito terá que estar sujeito às suas medidas, às suas
normas, às suas percepções do “certo” e do “errado”. A ameaça perma-
nente de ver o “território” alterado pelo “imperfeito” que vem de fora
é exorcizada com a diária conservação de tudo o que pode consolidar
a segurança e ordem do “seu” território. Pode existir SERENIDADE no
Tipo 1 que vive nesse mundo de falsas perfeições e de parciais visões da
Unidade? Pode estar em Unidade com o Ser que está presente em Todas
as Coisas? Logicamente, não. E por isso ele se torna seu próprio grande
acusador, que reprime, que julga, que ironiza, que manipula, que limita
a si mesmo e aos outros. Parece que deste modo sua visão parcial da
realidade, a minimização da Unidade à sua aparentemente única maneira
de enxergá-la presente nas coisas, pode permanecer segura e inabalável,
porque foi “cercada”.
Quando o Tipo 1 se dá conta de que essa Unidade da qual sua máscara
é um fraco e limitado reflexo está presente EM TODAS AS COISAS e não
somente em algumas, quando percebe que essa Unidade pode assumir
muitos rostos, quando o Perfeito se compreende como uma dinâmica sem
os limites de seu “território”, quando o Perfeito pode ser enxergado nos
outros modos de expressão da realidade, em outros modos e maneiras de
ver, fazer, sentir e viver, então a SERENIDADE, o “SER NA UNIDADE” surge e
começa a substituir a RAIVA da sua rígida máscara. O mundo se amplia,
as possibilidades se multiplicam. Agora, tudo se torna possível. Tudo se
torna dinâmico, cheio de nuances e possibilidades insuspeitáveis, para as
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 149

quais o Tipo 1 está aberto, com a serena atitude do observador impar-


cial que não precisa julgar, que não precisa rejeitar ou acusar. Pouco a
pouco, o Tipo 1 pode ser capaz de descobrir o ÚNICO PERFEITO em todas
as múltiplas questões que se apresentam ante ele na existência. Torna-se
aberto, porque a serenidade o transforma num ser receptivo. O conflito
entre as polaridades que pareciam irreconciliáveis diminui, porque a
serenidade produz o equilíbrio (7), a equanimidade (4) e a humildade (2)
necessários para a grande reconciliação dos opostos. Esta reconciliação
é própria daqueles seres humanos que aperfeiçoam a si mesmos por
meio de um equilibrado discernimento. Alexandra David-Néel, no seu
livro Initiations Lamaïques (Des Theories, des pratiques, des homens),
publicado em português com o título de Iniciações Tibetanas, diz sobre
as chamadas doutrinas da Senda Mística: “... a moralidade (do homem
esclarecido) consiste na escolha sagaz que (ele) é capaz de fazer entre
o que é bom e o que não é, segundo as circunstâncias. As doutrinas da
Senda Mística não admitem o Bem nem o Mal em si mesmos. O grau
de utilidade de um ato marca seu lugar na escala de valores morais...”
O Juiz unilateral, injusto e intransigente, se transforma no Juiz de vi-
são ampla, sábio e justo que vê além das aparências e que conhece o
justo meio de todas as coisas, quando sabe discernir entre os opostos e
aprende a reconciliá-los. Esta reconciliação interior é fundamental para
a harmonia interna dos Tipos 1.
A Serenidade permite aos Tipos 1 ampliar suas possibilidades de
perfeição real. Torna-os capazes de descobrir o “perfeito” nos planos e
esquemas alheios, nos modos com que as pessoas procuram fazer as coi-
sas de maneira certa. A sensação de estar divididos internamente acaba.
A raiva que não era expressa pode agora manifestar-se adequadamente,
porque se descobre que era apenas uma energia mal direcionada e que
somente parecia mais terrível, porque assim como as águas estagnadas
que não podem seguir o seu curso, fedem e não servem, assim essa raiva
era apenas a energia a ser transmutada no rio poderoso da serenidade
interior. A serenidade transforma o crítico interno num Buda sorridente.
A serenidade mostra que já não é necessário viver “no mundo certo”
e no “mundo errado” e que, pelo contrário, tudo pode ser vivido além
150 Khristian Paterhan C.

dos subjetivos limites do “bem” e do “mal”, do “certo” e do “errado”.


A serenidade conduz à vivência plena da existência, sem que pareça ser
necessário agir deste ou daquele modo, ou segundo este ou aquele es-
quema. Um viver sem tensão, sem rigidez, sem emoções ou sentimentos
retidos. A serenidade é o resultado daquele estado psicológico que G.
I. Gurdjieff chamou de “moral interna” em oposição à moral subjetiva
que muda de acordo com as épocas e os costumes. Um estado no qual
“o lobo e o cordeiro” que carregamos conosco se reconciliam. Sobre
isso, ele dizia o seguinte:

“Seria melhor que você esquecesse a moralidade. Toda conversa


sobre a moralidade seria, neste momento, pura conversa fiada (...) A
moralidade interior, essa sim é a sua meta... Quanto à moralidade exte-
rior, é diferente em toda parte. Devemos pautar nossa conduta pela dos
outros, e como se diz: ‘Para viver com os lobos, devemos uivar com os
lobos’. Isso é a moralidade exterior.
Para a moralidade interior, o homem deve ser capaz de fazer, e, para
isso, deve ter um Eu (...)”

Para encerrar esta parte, penso que será valioso refletir nas palavras
de Laura, uma de nossas alunas Tipo 1 sobre seus esforços em direção
à Serenidade:

“Acho que o movimento inicial que tive, na busca da serenidade,


originou-se no desejo de ‘não ser perfeita como minha mãe’. Talvez
porque aquilo não era perfeição, mais parecia intolerância, rigidez,
angústia de viver.
Não tem sido fácil, pois fui bem ‘treinada’, e qualquer desvio daquele
caminho leva à sensação de fracasso ou culpa. Eu era uma equilibrista
andando no arame, onde qualquer instabilidade poderia provocar
a queda. Era preciso muito controle para chegar ao fim da linha. E
quando isso era possível, a sensação de vitória era menor que a tensão
durante o percurso. Por outro lado, gradativamente, fui percebendo que
a minha constante decepção devido às falhas dos outros e a irritação
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 151

quando meus desejos eram contrariados, colocavam-me numa posição


de distanciamento das pessoas, pois eu exigia o que não poderiam me
dar, ao mesmo tempo em que me afastava de mim mesma, enquanto
representava um personagem que me fora imposto.
A partir dessa compreensão, venho exercitando um novo tipo de vida,
em que procuro ser mais flexível e espontânea e tento colocar emoção
nos relacionamentos, sem medo de encarar meus limites e possibilidades,
querendo chegar mais perto da verdade.
Essa forma, que venho buscando cada vez mais, baseia-se na aceita-
ção das Leis Herméticas e no caminho do autoconhecimento mediante a
chamada auto-observação. A compreensão de que é possível a transfor-
mação contínua, ao mesmo tempo em que, humildemente, aprendo que
o ‘que deve ser feito já está feito’, me permite mais serenidade na busca
da perfeição, presente no meu ‘Eu Superior’, e menos ‘perfeccionismo’,
que é a máscara que me prende e inibe a evolução.”
Parte II

Centro Emocional

Tipos 2, 3 e 4
O Tipo 2

O eu
que ama

“Há duas espécies de amor. Uma é o amor escravo. O outro deve


ser adquirido pelo trabalho sobre si. O primeiro não tem valor algum;
só o segundo, o amor que é fruto de um trabalho interno, tem valor. É
o amor de que todas as religiões falam. Se você amar, quando isso (a
personalidade,o ego) ama, esse amor não depende de você e não ha-
verá nenhum mérito nisso. É o que chamamos ‘amor de escravo’. Você
ama até mesmo quando não deveria amar. As circunstâncias fazem-no
amar mecanicamente...”

George Ivanovich Gurdjieff


156 Khristian Paterhan C.

Será que existem seres mais amorosos


e dadivosos que os Tipos 2?

Quando no inicio do meu trabalho com Eneagrama no Brasil fui


convidado como entrevistado do programa de TV Talk Show, tive a
oportunidade de conhecer uma das mais cativantes Tipo 2 deste pais:
Patrícia de Sabrit. Ela, com sua natural amorosidade e simpatia, conse-
guiu conduzir a entrevista sobre o Eneagrama de maneira muito afável
e fluida, o que permitiu transformar um tema difícil de “abreviar” numa
agradável conversa. Essa sua atitude constante me lembrou a definição
que Julia, uma distinta aluna Tipo 2 fez de si mesma quando disse ser
possuidora da capacidade de “amaciar as pessoas”. Pode ser que os Tipos
2 “amaciantes” (também existem os menos amaciantes), identifiquem
nesta palavra o que faz parte tão importante de suas personalidades: o
orgulho de serem capazes de conseguir de um modo ou de outro, bem ou
mal, o maior dos retornos emocionais que eles e elas procuram: o amor
e o reconhecimento dos outros. Aqui no Brasil, as figuras públicas que
também possuem este Tipo Eneagramático (com algumas diferenças de
“asas”, claro!) são as maravilhosas Ana Maria Braga e Xuxa. Que mu-
lheres amorosas! Que capacidade de sedução! Ana Maria Braga consegue
transmitir essa amorosidade cada vez que entrevista seus convidados no
seu programa da Globo e eu tive o privilegio de ser um deles (veja o link
no nosso site com a entrevista completa no You Tube). Claudio Naranjo
escreve que Tipos 2 são semelhantes aos gatos, e ela é realmente uma gata
amorosa e comunicativa. E quem duvida do enorme e amoroso coração
da “rainha dos baixinhos”? Ela, que ama a todos, e que se emociona
até as lágrimas perante seus fãs. Ela que faz tantas coisas para encher
os outros de amor e alegria. Que na falta de possibilidades de dar-se
mais aos outros, revelou numa entrevista que aproveita o tempo livre
para colecionar com carinho as centenas de lembranças dos milhões de
seguidores que a amam tanto!. Poderíamos dizer que Xuxa e Ana Maria
Braga são na atualidade dois dos maiores “amaciantes” públicos da TV
Globo no Brasil e devemos reconhecer que, de certo modo, precisamos
muito dessa qualidade nestes dias tão violentos.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 157

Bom, estou iniciando a análise do Tipo 2 citando exemplos simpáticos


que todos reconhecem. O quê? Sim, eu sei que você merecia estar citado
(a) aqui, mas assim como um Tipo 1 não precisa se levar tão a sério,
você, Tipo 2, não precisa exagerar sua cobrança da atenção dos outros,
especialmente de mim que não o (a) conheço, poxa! Não fique triste
nem zangado (a), tá? Os Tipos 2 com forte movimento para o agressivo
Ponto 8 e com uma boa influência do Ponto 1 do Eneagrama até que
poderão justificar essa raiva. Você é do tipo que quando está zangado
“encena” uma violência histriônica que lembra os “expressivos” italianos
com suas justas vendetas? Ou você é daqueles Tipos 2 mais amorosos
e dispostos a “aceitar tudo por amor” devido a um forte movimento
ao Ponto 4? Qualquer que seja o modo como esta segunda máscara se
apresente em você, tentarei mostrar-lhe (com muito amor, claro!) como
seu Tipo deve ser observado e o que nele deve ser aprimorado para que
todo esse amor e anseio de se dar aos outros sejam cada vez mais ver-
dadeiros e poderosos, sem que você se esqueça de você... A propósito,
estas últimas palavras não foram escritas por acaso (até porque você
sabe que o acaso não existe...). Eu as escolhi para me referir a um dos
aspectos mais cruciais que todo Tipo 2 precisa compreender: entregar-se
aos outros não deve significar perder-se de si mesmo (a).

Observando a máscara 2:
a sutileza do orgulho

Observar a si mesmo é difícil. Já para os Tipos 2, é difícil atingir


um grau de auto-observação medido e equilibrado. A tendência é con-
fundir observação com uma espécie de falsa humildade, maximizando
a autocrítica como um modo de provocar a compaixão ou admiração
dos outros. Nesta atitude, os Tipos 2 reforçam a influência dos Tipos
1 (autocrítica e cobrança exagerada) e do movimento contrário à seta,
ou seja, ao Ponto 4 do Eneagrama (uma necessidade de apoio e de com-
preensão para seus sofrimentos e angústias nem sempre reais e, quando
reais, exagerados teatralmente). Por isso, quero que sua autoanálise seja
158 Khristian Paterhan C.

muito consciente para que não caia nestes extremos, tão frequentemente
usados pelos Tipos 2 para atrair atenção e amor. Os Tipos 2 adoram
que lhes falem frases tais como: “Não, você não é tão ruim assim, não
se castigue tanto!” Faz parte deles a capacidade de sentir orgulho, seu
“pecado capital”, até quando conseguem ser reconhecidos como “tão
humildes”, o que eles certamente não são (poderia acrescentar “em ab-
soluto” só para alegrar a certos Tipos 2 que gostam dos extremos). Com
esta advertência, iniciaremos o processo de auto-observação, mediante
alguns depoimentos que nos mostram como surge a Máscara 2. Uma
de nossas alunas, Marta, descreveu o que pode ser um exemplo muito
apropriado da infância típica de alguns Tipos 2 com estas palavras: “Eu
sempre me senti uma criança muito amada, desde que eu desse a cada
adulto o que ele queria receber...”
André, outro aluno, afirma: “Acho que bem cedo aprendi que,
agradando aos outros, eu recebia o que mais queria: o amor das
pessoas.”
A maioria dos Tipos 2 tem estas lembranças da infância: agradar
aos outros para receber amor. Para alguns essa lembrança é positiva;
para outros, nem tanto. Existe algo de semelhante nas infâncias dos
Tipos 1, 2 e 3: a percepção de poder receber algo em troca de algo que
parece ser o mais valioso: em troca de ordem e bom comportamento
(Tipo 1), em troca de carinho e amor (Tipo 2) ou em troca de bons
resultados (Tipos 3). A necessidade de amor e carinho toma nos Tipos
2 muitas formas, porém todas se resumem numa frase de tremendo
conteúdo psicológico e de extraordinárias consequências: a necessidade
de ser sempre para ou de agir sempre para... e nunca ser ou agir para
ou por si mesma (o). Ou seja, a falta de equilíbrio entre dar e receber
e a falta de discernimento para saber quando dar, sem querer bancar
o onipotente doador (a). Vamos analisar esta questão do ser para com
maior detenção.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 159

A “identificação” e o traço principal:


ser para os outros como manifestação do orgulho

Os Tipos 2 são definidos pelos estudiosos do Eneagrama como “os


doadores ou aqueles que se dão”. O verbo dar tem alguns significados
muito precisos na língua portuguesa, segundo o Dicionário Brasileiro
da Língua Portuguesa. Estes significados ajudam a compreender o que
se deseja expressar em relação à máscara dos Tipos 2 e o desvio (“pe-
cado capital”) do qual são caracterizados, ou seja, o orgulho. Vejamos
alguns destes significados escolhidos entre outros: dar: fazer doação de;
consagrar, conceder, sacrificar, obsequiar com, mostrar, manifestar-se;
entregar-se, render-se, dedicar-se, exibir-se, prestar-se. Por que estes sig-
nificados batem tão fortemente para os Tipos 2 em relação ao orgulho?
Com certeza, você já está se dando conta que é pela simples razão dos
Tipos 2 acharem que têm tudo para doar, consagrar, conceder, sacrificar...
etc., etc. Porém, por trás desta aparente capacidade ilimitada de se dar,
os Tipos 2 ocultam um terrível vazio e uma angustiante carência inte-
rior. Quando eles se dão, eles se transformam em seres para os outros,
perdendo-se de si mesmos, ou seja, se “identificam”. Logicamente, Tipos
2 consideram que pelo fato de eles se darem aos outros dessa maneira
“tão total”, eles teriam que ser reconhecidos e amados. O orgulho nas-
ce como resultado de uma “inflação do ego”: “somos capazes de dar,
portanto merecemos ser amados!” Neste ponto, gostaríamos de exem-
plificar este fato de “ser para os outros”, com uma questão ainda não
compreendida pelo movimento feminista. Nos nossos trabalhos com o
Eneagrama, costumamos mencionar que a característica de “ser para”
dos Tipos 2 pode ser claramente encontrada no modo como é formada
(ou melhor, “deformada”) a psique feminina. Talvez seja esta uma das
maiores causas pelas quais as mulheres têm tantas dificuldades de con-
quistar o respeito e a consideração adequados na chamada sociedade
machista. O fato é tão corriqueiro, tão “normal” que pouquíssimas mu-
lheres o percebem! Esse fato é o seguinte: milhões de mulheres em todo
o mundo foram e estão sendo treinadas, ou melhor, programadas desde
a infância, a agirem em função dos homens e sentirem-se orgulhosas
160 Khristian Paterhan C.

quando conseguem fazê-lo do “modo certo”. A mulher é educada para


ser para os homens. As revistas femininas exibem em suas páginas, por
meio de seus artigos ou da publicidade, todos os meios e recursos para
fazer das mulheres esse “ser para” o homem. Ao mesmo tempo em que
as mulheres compreendem a necessidade de galgar novos espaços dentro
da sociedade e lutam para obtê-los, ao mesmo tempo em que se unem
para verem reconhecidos os “seus direitos”, elas continuam a receber
o mesmo tipo de programação psicossocial: elas devem ser bonitas,
atraentes, conquistadoras, conhecedoras de tudo o que possa atrair
os machos, devem usar lingerie excitante, calcinhas sensuais, devem
aprender como não envelhecer e a cozinhar bem e cuidar do lar, devem
se transformar em conhecedoras profundas dos anseios masculinos, etc.
Você pode comprovar o chamado feito às mulheres para “serem para”,
nas manchetes dessas revistas, nos apelos publicitários, nos artigos,
enfim: os chamarizes das revistas chamadas femininas são um apelo
para que a mulher continue sendo um “ser para”... e ainda sentirem-se
orgulhosas por isso! Estamos chamando a atenção para estes fatos que
afetam o mundo feminino, porque por trás desse fato todos os Tipos
2, homens e mulheres, podem começar a intuir o que significa que eles
e elas sejam de algum modo apenas para os outros. Por trás de seus
atos, de seus anseios, de suas cobranças, a necessidade de “ser para” os
outros se torna aos poucos uma escravidão e uma forma de esquecer
o valor de si mesmos. Marlene, uma aluna Tipo 2, expressou assim
esta questão crucial: “Sou do Tipo 2 porque sei que sempre fiz tudo
esperando a retribuição de carinho. Preciso que as pessoas me amem e
reconheçam meus esforços em fazer algo por elas. Acho que sempre foi
assim...” Logicamente, “sempre foi assim”, desde o momento em que
o contato com a realidade se deve à falsa percepção de que se existia
apenas para agradar, para se dar aos outros, sem se importar com as
próprias necessidades, anseios e sentimentos. O “ser para” leva Tipos 2
a depender emocionalmente dos outros. Bom, passemos a outro assunto
que nos ajudará a perceber outras faces do orgulho.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 161

O ser para os outros como “consideração interna”

A consideração interna dos Tipos 2 está marcada por uma série de


questões que os levam a exagerar a necessidade de serem compreendidos
e aceitos pelos outros. As situações mais banais serão muitas vezes a
causa de fortíssimos momentos de consideração interna. Magda é uma
aluna que apresenta esta exagerada necessidade de ser considerada
pelos outros da maneira adequada e a revela nesse depoimento em que
expressa como seu orgulho se torna presente no dia-a-dia: “Cada vez
que preciso abrir ou fechar alguma porta (em público) para que alguém
entre ou saia (o que acontece muitas vezes durante o dia), eu penso:
‘Eu não sou porteira!’” Logicamente, ninguém vai pensar que ela seja
uma porteira. O que para os Tipos 9 seria um ato de cortesia natural,
ou para outros tipos seria apenas uma gentileza própria de uma pessoa
educada (abrir ou fechar a porta para alguém), para alguns Tipos 2,
como a citada Magda, este ato se constitui num modo de “perder a
importância” diante dos outros.
Essa dependência é reforçada pelas características dos seus compa-
nheiros no Eneagrama (Tipos 1 e Tipos 3) e pelos pontos do Eneagrama
para os quais se movimentará a favor ou contra as setas (Pontos 4 e 8).
Achando que agem do modo certo sempre (influência do Ponto 1), os
Tipos 2 exigem a consideração dos outros. Os outros deveriam avaliá-los
positivamente (influência do Ponto 3). Quando Tipos 2 não sentem a
“retribuição” adequada aos seus atos, então, segundo seus movimentos
mais fortes em direção contra ou a favor das setas (a 4 ou 8) eles ficam
zangados e agressivos (movimento negativo ao Ponto 8) ou ficam depri-
midos, tristes e angustiados por não serem compreendidos (movimento
negativo para o Ponto 4). Quando os Tipos 2 conseguem captar o amor
e a atenção positiva dos outros recebendo a esperada “retribuição”
ou “reconhecimento” (influência do Ponto 3), ficam “tão felizes” que
alguns iniciam de imediato novas ações para satisfazer mais ainda aos
que “valorizam” sua grande capacidade de dar e amar.
Podemos perceber, assim, como o chamado Traço Principal (o or-
gulho) possui nuances muitas vezes sutis. Poderíamos dizer que esse
162 Khristian Paterhan C.

orgulho “sabe” se disfarçar ao ponto de, muitas vezes, não ser nem
percebido. Na ideia de poder dar-se aos outros, existe um sentimento de
onipotência que alguns Tipos 2 definem como um “sentimento de poder”
ou, nas palavras de um deles: “a gente se sente capaz de fazer qualquer
coisa pelos demais”. Reflita no seguinte depoimento: “Nada para mim
parecia impossível, tanto que às vezes cheguei a manipular amizades,
nessa tentativa de mostrar que os outros são estreitos, incapazes e tal-
vez um pouco covardes. Amizades pessoais, geralmente femininas, têm
sido notoriamente influenciadas pelo meu Tipo 2 sem limites, a ponto
de eu ajudá-las a tomar decisões difíceis, que sem mim não poderiam
ter tomado, e até aqui enquanto escrevo me deparo na teia de aranha
de minha personalidade que, novamente, influencia meus pensamentos
sobre meu poder de manipulação...”
A consideração interna, não podemos esquecer, é um outro modo
de manifestar este orgulho, na medida em que, “os outros”, são os que
deveriam saber como reagir, como tratá-los da maneira certa. Outra
coisa que devemos observar é que este orgulho provoca uma forte ne-
cessidade emocional de evitar qualquer rejeição, até porque alguns Tipos
2 acham que sabem o que as pessoas necessitam ou esperam deles. Esta
aparente certeza (um fruto sutil do orgulho e da consideração interna)
tem como consequência o que está expresso nas seguintes palavras de
Inês, uma aluna Tipo 2:
“... o que fiz a vida inteira foi agir sempre de acordo com o que as
pessoas esperavam de mim para não ser nunca rejeitada”.
Muitas vezes, Tipos 2 descobrem tarde o fato de terem vivido ape-
nas em função de outros, esquecidos totalmente de si mesmos (veja
a semelhança com o Tipo 9) e com a sensação de ter perdido muito
tempo. Esta questão de precisar satisfazer, agradar, e viver para os ou-
tros esconde outra face dos Tipos 2 que lhe convidamos a considerar
reflexivamente.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 163

Ah, esses importantes “outros”

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset nos lembra numa de suas


obras como nos importamos desnecessariamente com aquilo que cha-
mamos “os outros”. Sim, esse monstro de 1001 cabeças chamado “os
outros”, nos afeta demais, apesar de não possuir existência real, porque
o que existe, nos lembra o filósofo espanhol, são “próximos”, pessoas
com as quais nos relacionamos direta ou indiretamente, íntima ou cole-
tivamente. Já para Tipos 2, “os outros” não apenas existem como algo
real, mas muitas vezes são o referencial de suas ações e sentimentos. Este
fato leva a aumentar ainda mais essa compulsão de “ser para os outros”,
apesar de alguns Tipos 2 saberem que estão se enganando e enganando
os outros devido a este sentimento. O “ser para” se potencializa na cons-
tante consideração interna e subjetiva em relação ao mundo externo. O
sentimento de que esse “ser para os outros” é importante revela outra
face do chamado “pecado do orgulho” dos Tipos 2. Ao final, o que seria
dos outros sem eles? Reflita no seguinte depoimento que revela até que
ponto o “ser para os outros” marca o modo de sentir a existência deste
segundo Tipo do Eneagrama:
“O ponto mais marcante da minha máscara é quando sofro por ter
medo de morrer porque não quero fazer sofrer os meus por ser (para
eles) uma ótima mãe e ótima esposa.”

O “ser para” faz com que muitos Tipos 2 (e/ou Tipos 1 e 3 nos quais
a influência dos Tipos 2 se torna marcante) tenham o sentimento de serem
criaturas especiais, sensíveis e capazes de dar-se sem limites aos “outros”.
Existe um sentimento de orgulho por serem tão amorosos e dadivosos
até o ponto de acreditarem serem os únicos capazes de compreender as
necessidades alheias:
“Quando ajudo alguém, e gosto muito de fazê-lo, é como se estivesse
fazendo um grande feito, é como se dissesse para mim mesmo: Viu?, sou
capaz até de ajudar qualquer pessoa, inclusive quem é inferior social-
mente. Até na pretensa humildade bate o orgulho. Considero-me uma
pessoa ótima, que sofre com o sofrimento das pessoas, com muito amor
164 Khristian Paterhan C.

e carinho para dar, choro quando vejo crianças na rua, mas sinto e ajo
como se fosse a única pessoa no mundo a agir dessa forma... É muito
difícil admitir e assumir tudo isso, principalmente quando se vive em
função dos outros, para agradar, para receber atenção especial, e quando
isso não ocorre é uma grande frustração, pois gosto de ser considerada
importante e acho até que me amo...”
Walter um dos nossos alunos escreveu algo que revela esta “sensibi-
lidade” especial para a importância do relacionamento com os outros:
“Acho que bem cedo aprendi que agradando aos outros eu recebia o
que mais queria: o amor das pessoas. E assim foi que sempre evitei, de
todas as formas, machucar, ferir, desagradar as outras pessoas. Parece
que ao machucar alguém, eu me machucava muito mais profundamente.
Às vezes, sentia que a ferida em mim tinha sido tão grande, que, de al-
guma maneira, eu procurava o mais imediatamente possível compensar
aquele estrago.”

A necessidade de atuar/representar como um meio


de atrair a atenção dos “outros”

Nesta tentativa de sensibilizarem os outros, de conseguirem ser


amados e queridos, os Tipos 2 passam a ter certas capacidades espe-
ciais de chamar a atenção. Eu as resumo na expressão atuar para. Este
atuar para é uma forma de sedução ou de protesto, de “amolecer” ou
de agredir os outros, de conseguir com jeitinho que eles reconheçam,
notem, destaquem, amem, solicitem, sintam que estão presentes. Esta
característica é reforçada naqueles com a forte influência “camaleônica”
do Ponto 3 do Eneagrama: Tipos 2 reconhecem frequentemente que
fazem de tudo para aparecer ou para “parecer como”. Uma espécie de
faz-de-conta psicológico. As motivações podem ser diferentes, porém os
meios são em essência iguais. Alguns com forte movimento ao Ponto 8
do Eneagrama encenam a “raiva” quando não são amados ou notados
do jeito que gostariam. Alguns Tipos 2 relatam que são “calculistas”
em suas ações. Outros agem para conseguir o que querem de qualquer
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 165

jeito. Quer um exemplo? Acompanhe este depoimento: “Sabia jogar com


os sentimentos e fazer várias armações para conseguir o que eu queria.
Sempre trabalhei numa área que tinha tudo a ver com meu potencial de
doação. Acho que sabia que o que eu queria era ver a pessoa reconhe-
cendo o que eu tinha feito por ela e aguardava ansiosa pelo retorno de
carinho e manifestação de amor. Na verdade, sempre ‘disfarcei’ o que
eu realmente sentia...”

O Tipo 2 e o tipo de sentimento


extrovertido de Jung

Como os Tipos 2 correspondem ao “tipo de sentimento extro-


vertido” da tipologia junguiana, é interessante começar esta parte da
análise transcrevendo uma parte da descrição que Jung faz dele em seu
Psychological Types.
Explicando a ambivalência dos sentimentos deste tipo, ele escreve:
“Isto se manifesta (...) nas demonstrações extravagantes de sentimento,
na conversa fácil, nas expressões fortes, etc., que soam ocas: ‘A senhora
protesta demais.’ Imediatamente se evidencia (...) algum tipo de resistên-
cia (...) e a gente começa a se perguntar se por acaso estas demonstra-
ções não resultarão (em algo) bastante diferente. Então, pouco depois
acontece. Basta uma pequena alteração da situação para produzir, em
seguida, exatamente a declaração oposta sobre o mesmo objeto.” Isto
é evidente quando Tipos 2 atuam para conseguir atenção, para sentir
que são percebidos. Nestas ocasiões, vivem experiências engraçadas ou
tragicômicas. Mulheres Tipos 2 declaram que, em algumas ocasiões,
atuando como sedutoras vivem situações difíceis. Por exemplo, provocam
o interesse dos homens apenas para conseguir certos objetivos ou para
se certificar se, de fato, conseguiram atrair a atenção deles, mas sem a
intenção de “namorar” ou de terem um “caso”. Helena conta como
descobriu esta atitude ambivalente após analisar sua Máscara 2:
“Até pouco tempo eu não conseguia entender por que os homens se
sentiam tão atraídos por mim. Eu sempre reclamava: ‘eu não fiz nada’!
166 Khristian Paterhan C.

Hoje já consigo divisar que inconscientemente e muitas vezes cons-


cientemente eu fiz questão de que eles se sentissem atraídos por mim.
A maneira de falar, o modo de vestir, um olhar, só para provar que eu
podia conquistar qualquer um.”
Às vezes Tipos 2 contam que quando brigam com seus parceiros (as)
falam que “não querem vê-los nunca mais”. Porém, se isso vier a acon-
tecer vão logo dizendo que “não era isso o que queriam de verdade”.
Por outro lado, a necessidade de atuar está atrelada à necessidade
subjetiva de ter que parecer de um modo ou de outro para satisfazer
as supostas expectativas alheias. Este sentimento subjetivo leva os Ti-
pos 2 a se sentir constantemente observados pelos outros, avaliados e
considerados nas mais diversas situações. Uma aluna admitiu: “Sinto
insegurança em relação a outra pessoa, se gosta realmente de mim, e
quero sempre testar isto...” Outra afirma: “...o que eu fiz a vida inteira
foi agir sempre de acordo com o que as pessoas esperavam de mim para
não ser nunca rejeitada.” Daí a necessidade de atuar de acordo com essa
expectativa. Outros dois admitem que quando chegam a algum lugar
querem saber como estão sendo recebidos, se notaram suas presenças, e
tentam agir de tal modo que se obtenha essa atenção desejada. Miriam,
que é do Tipo 2, reconhece: “No dia-a-dia, sinto que me preocupa
muito a opinião dos outros ao meu respeito, principalmente na parte
pessoal.” A observação dela não difere muito da de Enzo: “Quando
chego aos lugares meu primeiro movimento é sempre tentar perceber se
estou sendo olhado e avaliado. Tenho sempre que superar certo temor
de que a avaliação seja negativa, o que faço me exibindo, falando alto,
tentando mostrar descontração e envolvimento...” A atuação na frente
dos outros deve ser impecável e nisso os Tipos 2 são especialmente
sensíveis para avaliar se o estão conseguindo ou não. No depoimento
de Nelson, feito em “terceira pessoa” de acordo com certas instruções,
veremos como a necessidade de “atuar” deste Tipo eneagramático, tem
como raiz o “ser para”:
“Este sujeito sente-se importante. Acha que suas atitudes, sua con-
duta, seu jeito de ser podem servir de modelo (influência Ponto 1 do
Eneagrama). Acha que há sempre alguém o observando, por isso tenta
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 167

fazer o melhor que pode para não decepcionar as ‘expectativas’. Este


sujeito gosta de imaginar que alguém está falando a seu respeito. Gosta
de obter o consentimento, a concordância, o apoio, o aplauso. Embo-
ra pareça ser independente, autossuficiente e seguro, depende desses
‘apoios’ para prosseguir. Quando esses incentivos não vêm, ele mesmo
os fabrica...”

Tipos 2 percebem que estas atuações, estas maneiras de se apresen-


tar aos outros mais adequadamente, se baseiam num profundo temor
que nutrem de “perdê-los”. Para evitar essas possíveis perdas, atuar se
faz extremamente necessário, ao ponto de se ter que assumir diferentes
“máscaras” para os outros. Não é à toa que Ana, uma aluna Tipo 2
escreveu: “...cada amigo conhece uma parte de mim, mas ninguém me
conhece por inteiro... é o medo de mostrar aos outros o inaceitável...”
Essa necessidade de atrair a atenção dos outros se manifesta de di-
versos modos. O depoimento de Jorge, servirá para que você reflita mais
profundamente sobre como essa necessidade pode influir em diferentes
momentos do cotidiano de um Tipo 2:
“Quando não recebo a atenção que acho que merecia receber, fico,
ainda hoje, perturbado. Internamente me sinto em convulsão.
No trabalho, percebo como ‘sem querer’ estou perto do meu
chefe, que, como todo mundo, deve me achar muito prestativo, da-
divoso, responsável, eficiente e outras coisas mais. A necessidade de
impressionar positivamente o outro faz parte de um condicionamento
fortíssimo...
Na relação íntima a dois, isso se torna mais visível na questão sexual:
Como pode: eu aqui disponível e ela ligada em outra coisa? Incapaz de
verbalizar. Quero que você venha ficar comigo, fico esperando que ela
se toque. Falta humildade (a virtude a ser atingida pelos Tipos 2) para
demonstrar com clareza e naturalidade o que eu estou querendo. No
fundo nem é o sexo, mas atenção.
Me pego também, inconscientemente, numa postura sedutora, ten-
tando atrair a atenção do outro. É a necessidade neurótica da atenção,
da apreciação do outro direcionada para mim...”
168 Khristian Paterhan C.

Esta constante preocupação de atrair a atenção dos outros leva os


Tipos 2, muitas vezes, a deixar em segundo lugar suas próprias neces-
sidades. Sendo que se deve conservar uma atenção positiva sobre eles,
qualquer sentimento que possa provocar um término dessa atenção é
abafado ou ignorado. Considere esta reflexão de mais uma de nossas
alunas Tipo 2:
“Com esse jeito doce de ser demorei muito tempo para botar para
fora minha agressividade. Muitas vezes em grupo omitia meu desejo
porque queria que os outros ficassem felizes...”
Outra aluna, Mariana, que realiza um dedicado trabalho sobre si
mesma, confessa como esta necessidade de atrair a atenção dos outros
constitui, no seu caso particular, uma questão que determina o êxito
ou o fracasso subjetivos de suas atividades profissionais: “Quando
falo em coisa bem-sucedida, cabe salientar que este conceito é idêntico
a ‘os outros me reconhecem’; uma atividade bem-sucedida pode ser
um evento destinado à venda de obras, e mesmo que não venda nada,
será bem-sucedida, porque estava lotado de gente e eu era a rainha
da festa.”
Vimos, assim, como a importância extrema que dão aos “outros”
e a necessidade de obterem a atenção dos outros são duas questões
que podem levar os Tipos 2 a deixarem num segundo plano questões
objetivamente importantes. Desabafar é importante, vender as obras é
importante. Ser autêntico é importante. Quanto menor seja a “quantida-
de” de consideração interna, maior será o sentimento de que os outros
são também nossos próximos, portanto, merecedores também de tudo
quanto um Tipo 2 acha ser o único merecedor. Não podemos nos apro-
priar da atenção dos outros, a qualquer preço. Toda esta compreensão
tem a ver com a necessidade de se saber o que é a humildade e o amor,
duas palavras que não se limitam a esconder o segredo da realização
interna dos nossos queridos portadores da segunda máscara: são a chave
de uma humanidade mais fraterna.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 169

A sensação de perder a liberdade

Ao transformar sua existência numa forma de atuação adequada


diante dos outros, Tipos 2 passam a ter a sensação de não ter liberdade.
As pessoas amadas podem se transformar em uma espécie de “motiva-
ção” para “não viver livremente”. O que acontece, simplesmente, é que
essas contínuas atuação e consideração internas presentes na necessidade
de serem “amados” pelos outros levam os possuidores desta máscara ao
cansaço. O “atuar” pode produzir, às vezes, os resultados almejados,
porém ao mesmo tempo provoca o sentimento de ter ficado preso, sem
liberdade. Tipos 2 declaram não suportar essas limitações, paradoxalmente
provocadas por eles mesmos. Então, alguns preferem viver de um modo em
que esse atuar satisfatório para as suas necessidades de reconhecimento e
de sentir-se amados e queridos não implique o fato de ficar prisioneiro do
“personagem” de turno. Faz-se necessário deixar abertas algumas “saídas
de emergência” nesse “teatro” das experiências pessoais.
Neste caso, Tipos 2 têm algo de seus companheiros eneagramáticos 1
e 3 respectivamente: vivem algumas experiências de maneira oculta para
não se comprometer com o papel escolhido e mudam de atitude externa
segundo a ocasião. A justificativa para esta “saída de emergência” é na-
tural. Tipos 2 sabem que às vezes se torna impossível viver apenas para
os outros como eles o fazem, sabem que isso lhes priva dessa liberdade
natural de que todos precisamos. A inesgotável procura de influenciar e
seduzir os outros, como se esta contínua atitude de conquista fosse um
verdadeiro leitmotiv existencial, passa a ser percebida como uma perda
dos “espaços individuais”. A constante ansiedade de sentir-se requeri-
dos e amados termina provocando tédio e sensação de sufoco quando,
conseguindo essa “retribuição”, sentem-se estanques, prisioneiros e
“com falta de ar para respirar”. É que nesses instantes, a verdade tenta
aparecer para os Tipos 2 na forma de uma solicitação emergencial de
suas essências de serem apenas para eles e apenas eles mesmos.
O depoimento de Zélia, outra aluna, permite uma compreensão mais
direta do momento em que os Tipos 2 sentem necessidade de resgatar-se:
“Na fase inicial dos relacionamentos eu mergulho no outro. É como se
170 Khristian Paterhan C.

perdesse a minha identidade. No auge da paixão eu começo a sentir um


sufoco horrível e fico querendo o meu espaço, para poder voltar a mim
mesma. É lógico que isto nunca é entendido pelo outro, pois como aquela
pessoa que se perdeu nele que viveu a vida dele pode de repente querer
ter vida própria? A minha sensação é de que preciso do meu espaço para
poder viver a minha própria vida, fazer as coisas de que eu gosto e não as
de que ele gosta, e principalmente, fazer sozinha, em um espaço fisicamente
só meu. São relações sempre muito intensas, apaixonadas e com finais
difíceis. Talvez por esse motivo os relacionamentos triangulares sempre me
encantaram. Teve uma fase na minha vida em que eu só me apaixonava
por homem casado. Para mim era ótimo, pois não invadia o meu espaço,
me permitia ter a minha vida com mais amigos, e ao mesmo tempo quando
estávamos juntos tudo era maravilhoso. Dessa maneira só era mostrado
meu melhor lado, nunca nada chato ou desagradável...”
Para Tipos 2 com forte movimento ao Ponto 8 do Eneagrama, como
é sem dúvida o caso apresentado, a agressividade, será o meio pelo qual
o espaço perdido será cobrado. Muitos Tipos 2 admitem manifestar suas
“raivas” até teatralmente para conseguir certos objetivos.
Por outra parte, a preocupação dos Tipos 2 “menos agressivos” e
“amacientes” em mostrar-se, atuar e parecer sempre “amorosos”, “agra-
dáveis”, “carinhosos” “serviçais”, “prestativos” e “humildes”, os leva a
aceitar “uma vida sofrida por amor”. Para conseguir manter essa aparên-
cia “amorosa” e seus “aconchegantes” temperamentos, muitas vezes estes
“Tipos 2 amacientes” abrem mão não apenas dos seus espaços, como
também das suas próprias necessidades. Exemplos muito claros deste
tipo de atitude são “essas incompreendidas mães que sacrificam suas
vidas por seus lares, filhos e maridos”. Como se pode notar, entre esses
Tipos 2 encontram-se os que são verdadeiras vítimas de suas “grandes
capacidades de dar e ser para os outros”. Alguns deles acusam um forte
movimento negativo contra a seta, ou seja, manifestam as características
mais fortes do Ponto 4 do Eneagrama, tornando-se angustiados e dando
a impressão de estarem vivendo verdadeiras tragédias, impressão que se
torna mais um modo torto de chamar a atenção dos outros e receber o
carinho, o amor e o reconhecimento que essa “triste vida” lhes nega.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 171

Duas razões para uma mesma conduta

Devemos esclarecer que assim como existem Tipos 2 que tiveram


infâncias felizes e se lembram de como eram amados e “paparicados”,
existem Tipos 2 para os quais esta máscara se formou em ambientes
mais difíceis. Nestes existe uma grande queda ao Ponto 4 do Eneagrama
ou uma forte tendência à agressividade do Ponto 8. Vejamos mais um
depoimento: Quando precisou responder como surgiu sua máscara,
a aluna Ingrid revelou: “Teve origem na minha infância, produto de
um lar bastante desarmônico, com um pai 8 que me criou com grande
rigor e impondo um estilo tirânico de governar a casa. Para agradá-lo
e chamar sua atenção, fiz todas as tentativas, quase nunca conseguia
grandes resultados. O triunfo maior da minha máscara (Tipo) foi na
adolescência. Sempre fui magra, porém, com os desajustes dessa etapa
vital, comecei a comer mais. Meu pai descobriu isto e começou a feste-
jar tais atitudes e assim me converti num globo. Emagrecer para ficar
bonita foi um duro golpe que tive que acertar na imagem do meu pai
a quem parecia gostar muito da minha gordura, grande inconveniente
para o mundo gostar de mim. Ao final, a ambição social do Tipo 2
me seduziu e acabei me sacrificando por meu pai – a quem, confesso,
ofereci os melhores anos de minha juventude – estudando uma chata
(para mim) carreira universitária e fazendo inúmeros sacrifícios para que
ele pudesse colocar, como ele dizia, meu nome numa placa de bronze
dizendo ‘Doutora fulana de tal...’”
Existe uma grande diferença entre a experiência de Ingrid e a de
uma colega sua:
“Identifiquei minha máscara, porque, quando criança, vivia preo-
cupada em deixar meus pais bem. Em época de festas ficava querendo
inventar presentes, fazer festas surpresas, etc. Quando eles se desenten-
diam, não ficava tranquila enquanto eles não voltavam a se harmonizar.
Minha mãe sempre falava que eu era doce. Adorava fazer coisas e ser
elogiada...”
No primeiro caso, esse “ser para os outros” encontra um ambiente
hostil ao qual trata de adaptar-se tentando sempre agradar ao pai. No
172 Khristian Paterhan C.

segundo caso, este agradar e “ser para os outros” surge espontaneamente,


sem que ninguém peça tal conduta, num ambiente familiar aconchegante
e receptivo a esse amor e doação.
Faço esta análise para poder provocar uma melhor compreensão do
necessário trabalho de aprimoramento que poderá levar os Tipos 2 a
conseguir o necessário equilíbrio entre “dar e receber”.

Iniciando o processo de mudanças positivas

Depois de uma auto-observação objetiva e equilibrada, muitos Tipos


2 percebem que a mudança positiva de suas personalidades passa pela
necessária compreensão de que não são “o centro do mundo” e, portanto,
podem relaxar e ficar mais autênticos. Outra aluna Tipo 2, com forte
movimento contra a seta ao Ponto 4, descreve esta “descida do trono”
da seguinte forma: “Descobrir nossas máscaras e sentir que as trans-
formamos no centro de nossas atenções e que dedicamos grande parte
de nossa vida a cultivar aquilo que ‘não somos’, criou uma sensação de
‘vazio’, pois, para um ‘2’, ‘ser original e maior que o mundo’ é natural.
Só que com esta descoberta percebo que não sou original, pois muitos
Tipos 2 se declararam tão ‘originais’ quanto eu. A sensação de ser a
‘maior do que o mundo’ caiu pela mesma razão numa classificação de
Tipos. No fim não sobra nada, todos esses anos cultivei mato e pensava
que estava criando rosas...”
Lembro aos Tipos 2 que neste depoimento mostra-se algo dos senti-
mentos extremos dos possuidores desta máscara. Portanto, existe algo
de veemente nele que precisa ser suavizado. O positivo nele é que nossa
aluna chega a sentir aquilo que G. I. Gurdjieff chamava “o sentimento
do próprio nada”, um sentimento valioso que pode levar um Tipo 2 à
redenção e a um novo renascer no qual se compreendam o amor e a
humildade.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 173

Movimentos de 2 a 8 e de 2 a 4:
aprimorando a observação de si mesmo – (ver figura na página 334)

O Movimento do mundo interno dos Tipos 2 é o resultado da divisão


2 : 7 = 0,2857142... Vamos analisar o primeiro movimento. De 2 a 8,
um movimento “na direção da seta”... ORGULHO E LUXÚRIA (excesso)
quando negativo, HUMILDADE E INOCÊNCIA quando positivo. Quando o
movimento de 2 a 8 aparece como negativo, Tipos 2 se tornam “eter-
nos insatisfeitos” porque eles “merecem muito mais” como retribuição
por tudo o que eles fazem pelos outros. Outro sinal de negatividade é
o fato de querer transformar todos os que estão à sua volta em depen-
dentes, a “centralização de poder” típica do Ponto 8 é justificada pelo
“orgulho” de achar que só eles podem fazer a coisa certa para e pelos
outros. Na sua descrição deste movimento no seu aspecto negativo,
muitos 2 parecem ser Tipos 8. Uma discípula, muito querida por todos,
porque como uma boa representante deste Tipo dava amor a todos e
se doava com total entrega, merece ser evocada pelo depoimento no
qual descreve seu movimento a 8: “Sou Tipo 2, com movimento forte
para o 8; às vezes penso que sou 8, por ser empreendedora, otimista, a
grande guerreira, mas tenho um orgulho muito forte, vivo falando para
mim mesma que ninguém faz como eu, que posso resolver tudo, que as
pessoas dependem de mim...”
Alguns Tipos 2 reconhecem o negativo do movimento a 8, porque
percebem que se tornam agressivos e controladores ou dizem que são
capazes de viver situações extremas a nível sexual ou emocional.

O movimento positivo a 8, que implica a união das virtudes da


humildade e da inocência se revela num estado interno e externo de
harmonia. Quando Tipos 2 alcançam esse “bom movimento” se tornam
menos controladores, não manipulam nem agridem, sentem necessidade
de trocas afetivas autênticas. Inocência aqui deve ser entendida como o
estado infantil em que tudo apenas acontece, sem ser provocado, ou seja,
tudo é natural e flui espontaneamente. Não existem “outras intenções”
por trás dos atos.
174 Khristian Paterhan C.

O segundo movimento (contrário à seta) de 2 a 4, quando negativo


implica a união de dois estados internos que se reforçam: “Eu mereço
tal ou qual coisa, mas não consigo alcançá-la e fico triste com pena de
mim mesmo.” Todo Tipo 2 conhece como se misturam “orgulho ferido e
autocompaixão”. Estes estados internos são sutis manifestações do falso
amor-próprio (orgulho como vício) e da ideia de merecimento, de ter o
direito a determinado bem, ou seja, uma típica manifestação do Ponto 4
do Eneagrama que esconde sorrateiramente uma forma de inveja, porque
quem mais merece tal ou qual coisa do que eu? A autocompaixão, que
para Tipos 2 se torna um modo indireto de exigir atenção dos outros,
é reforçada pelo orgulho que determina o direito que se acredita ter em
relação a quem se fez a cobrança.
O movimento negativo contra a seta pode ainda levar alguns Tipos
2 a estados de profundo pessimismo e de abandono deliberado. Esse
total sofrimento pode ter outro objetivo singelo: que todos possam
dar-se conta do fato de seu sofrimento ser “único” e o desejo de serem
socorridos e levantados, mesmo que às vezes seu orgulho “dificulte”
esse “resgate do fundo do poço”.
Uma espécie de “teatralização” da dor. Afinal, quem poderia sofrer
tanto quanto eles?
Note como é revelador este depoimento: “Relaciono meu orgulho
diretamente com minhas decepções. Ao me decepcionar, me fechava e
cortava relações. Dificilmente falava sobre o assunto, achava sempre que
a pessoa tinha que perceber e me procurar, pedir desculpas, etc...”

Centrando-se na equanimidade do Ponto 4

Quando o movimento ao Ponto 4 é positivo, Tipos 2 conseguem


alicerçar a verdadeira humildade graças à virtude da Equanimidade, ou
seja, a capacidade de se manterem centrados, satisfeitos, sem cobranças.
Não se espera tanto de fora. Ocorre a sensação de que existe algo que
não depende de ninguém porque lhe pertence. Meu Mestre falava da
importância de possuir uma “âncora” interna, uma espécie de poder por
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 175

meio do qual sentimos nosso real valor. Não precisamos que alguém
de fora nos dê valor; precisamos, sim, apenas compartilhá-lo sem co-
branças. A equanimidade é esse estado no qual posso ser para os outros
sem deixar de estar e ser para mim mesmo, sem necessitar me perder de
mim mesmo. O estado no qual já não se precisa pedir amor. Ele chega,
porque apenas se deixa de cobrá-lo.
O inesquecível Mestre Osho em Meditação: A arte do êxtase diz a
respeito:

“Se alguém pede amor, não obterá amor, porque o simples fato de pe-
dir torna-o pouco amorável, torna-o antipático. No simples fato de pedir,
faz-se uma barreira. Ninguém pode amar-te se estiveres pedindo amor.
Ninguém pode amar-te! Só podes ser amado quando não pedes amor. O
simples fato de ‘não pedir’ torna-te belo, torna-te relaxado...”

1 e 3: influências positivas e negativas

Seus companheiros no Eneagrama são os Tipos 1 e 3. Suas influên-


cias reforçarão negativa ou positivamente suas características de Tipo.
Assim, os Tipos 2 com maior influência do Ponto 1 poderão observar
uma tendência ao “perfeccionismo” na exibição de si mesmos. Ninguém
pode inteirar-se de algo que rebaixe sua autoestima. Mostrar-se sempre
“arrumados”, “elegantes”, com tudo no lugar, aparecer como os mais
bonitos, os mais procurados, os mais “chiques”, são alguns dos “sinais”
da influência do Ponto 1. Positivamente, o Ponto Um pode fornecer
aos Tipos 2 essa “serenidade” que os torna menos “raivosos”, menos
“cobradores”, mais seguros de si mesmos e menos “orgulhosos”.
Do Ponto 3, os Tipos 2 deverão evitar a Vaidade e a Mentira, caracte-
rísticas desse Ponto e que reforçam o amor-próprio negativo. Quando a
influência negativa do Ponto 3 é mais forte, Tipos 2 tornam-se “falsos”,
sabem como “seduzir” e “iludir” os outros, sabem “provocar” e “mani-
pular” os sentimentos alheios para conseguir o que querem. Tornam-se
artistas que sabem desempenhar papéis quando lhes convém. Confundem
176 Khristian Paterhan C.

amor com aceitação ou aprovação. O positivo do Ponto 3 influencia os


Tipos 2 da Veracidade e Honestidade. Quando isso acontece Tipos 2
são mais autênticos e confiam mais em si mesmos, dispensam bajulação
para estar bem emocionalmente. Torna-se mais valioso ser autênticos.
A autoconfiança evita a dependência negativa.

A humildade como a virtude que nos lembra


nossa real importância

Quando se fala em humildade, os Tipos 2 acham que a compreen-


dem. “Eles são tão humildes!” é justamente o que esperam ouvir dos
outros, ironicamente para sentirem-se orgulhosos pelo fato de terem
provocado esses “amor” e “reconhecimento” tão apreciados. Tipos 2
que reparam na sua falsa humildade ou que percebem como seu orgulho
e amor-próprio sabem ocultar-se para “os outros”, acabam por achar até
engraçado esse fato psicológico, o que é um bom sinal de que a verdadeira
humildade está por surgir: “O trabalho de auto-observação, que já vinha
fazendo há alguns anos, se aprofundou e, agora, de uma maneira mais
divertida, muito menos dolorosa, pois já me havia desenvolvido mais
na arte de rir de mim mesmo. Posso me desmascarar, agora, ainda com
mais facilidade, diante dos mais próximos. Inclusive neste momento,
pois sei que há dentro de mim a suposição de que alguém, cuja atenção
de alguma maneira me interesse, venha a descobrir que este relato é
meu. E, logicamente, eu me orgulho até de minha capacidade de me
desmascarar. Rá, rá, rá...”

O que fundamentalmente não deixa os Tipos 2 serem realmente


humildes se relaciona à palavra “exagerar”. Sempre são “demais”.
Humildes demais ou orgulhosos demais. Entregues demais, egoístas
demais, doadores demais. Humildade é simplesmente o contrário de
ser exagerado! Humildade é uma palavra que tem sua origem no termo
latino humus, que significa “terra”. Somos humanos da terra! Nada mais.
Simplesmente isso! Não precisamos ser os melhores entre os humanos,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 177

apenas sermos humanos, reconhecendo nossos limites, nossas necessi-


dades e fraquezas como questões que nos fazem iguais uns aos outros.
Sentir-se parte da terra, produto do mesmo pó, leva à compreensão da
mensagem do mais importante Tipo 2 da nossa história, Jesus Cristo:
“Ama teu próximo como a ti mesmo.”

Este mandamento só pode ser compreendido quando somos humildes.


Quando admitimos que não gostamos ser manipulados, quando admitimos
que não gostamos de ser usados, quando admitimos que não devemos ser
dependentes demais, quando admitimos que não nos agrada ser reféns de
sentimentos abafados, quando admitimos que não nos agradam as pessoas
falsas, quando admitimos que não gostamos de alguém que nos usa, quando
admitimos que não queremos saber que alguém está de nosso lado apenas
porque deseja um resultado ou visa um interesse que ignoramos, quando
admitimos que não gostaríamos de saber que alguém nos mente ou engana,
quando admitimos que não gostaríamos de saber que alguém nos ajudou ou
nos deu algo esperando ter uma boa razão para nos cobrar algo em troca,
e assim por diante! “Ama teu próximo COMO A TI MESMO.” Você se ama?
Se a resposta é não, então é difícil compreender a humildade.

Quando um Tipo 2 começa a amar a si mesmo realmente, algo muda.


Surge a humildade. Descobre-se que não é preciso atuar ou fazer de conta,
que é bom ser autêntico, que se podem ter amigos verdadeiros e amores que
não sufocam, que não é preciso parecer desamparado ou “carente” para
merecer a atenção dos outros. Descobre-se o que Gurdjieff chamou de o
verdadeiro amor-próprio. Incrível, não? Do mesmo modo que o falso amor-
próprio precisa da constante “inflação do ego” proveniente dos “outros”,
ou seja, da constante consideração interna para existir, o verdadeiro amor-
próprio precisa da constante certeza de poder ser autêntico e de considerar
os “outros” como “próximos” com os quais se participa de uma mesma
existência. Jogando com as palavras: somos Humanidade-Humus.
Sinto que a transcrição das palavras de Gurdjieff, registradas em
“Gurdjieff fala a seus alunos”, servirá como um meio para iniciar a
descoberta desse amor-próprio que conduz à verdadeira humildade e
178 Khristian Paterhan C.

liberdade. Reflita sobre estas palavras, pois escondem um grande tesouro


para os Tipos 2 e para todos os que procuram conhecer-se, além das
máscaras e tipos:

“Na realidade, a causa secreta de todas essas reações reside no fato de


que não somos donos de nós mesmos e tampouco possuímos um verdadeiro
amor-próprio. O amor-próprio é uma grande coisa. Se o amor-próprio, tal
qual o consideramos habitualmente, é uma coisa repreensível, o verdadeiro
amor-próprio, que infelizmente não possuímos, é desejável e necessário.
O amor-próprio é o indício de uma alta opinião de si mesmo. O fato
de um homem ter esse amor-próprio mostra o que ele é.
Como já dissemos, o amor-próprio é ‘um representante do diabo’; é
nosso pior inimigo, o freio principal às nossas aspirações e realizações.
O amor-próprio é a principal arma do ‘representante do inferno’.
Mas o amor-próprio é um atributo da alma. Mediante o amor-próprio
pode-se entrever o espírito. O amor-próprio indica e prova que o homem
é uma parcela do ‘paraíso’. O amor-próprio é Eu, e Eu é Deus. Por
conseguinte, é desejável ter um amor-próprio.
O amor-próprio é inferno, e o amor-próprio é paraíso. Ambos têm o
mesmo nome; exteriormente são semelhantes, e no entanto, totalmente
diferentes e opostos em sua essência. Mas se olharmos superficialmente,
poderemos olhá-los durante toda a nossa vida, sem nunca distingui-los
um do outro. De acordo com uma sentença muito antiga, ‘aquele que
tem amor-próprio está a meio caminho da liberdade’. Entretanto, se to-
mamos aqueles que estão aqui, cada um está com inflado amor-próprio.
E, apesar do fato de transbordarmos de amor-próprio, não obtivemos
ainda a menor nesga de liberdade.

Nossa meta deve ser ter amor-próprio. Se tivermos amor-próprio,


só por isso estaremos livres de uma porção de inimigos. Poderemos até
nos tornar livres daqueles inimigos principais – o Senhor Amor-Próprio
e a Senhora Vaidade.”

É preciso mais algum comentário? Acho que não, certo?


O Tipo 3

O eu
que compete

“Sugiro que cada um faça a si mesmo a pergunta ‘Quem sou eu?’


Estou certo de que 95% de vocês ficarão perturbados... Isso prova que
um homem viveu toda a sua vida sem se fazer essa pergunta e consi-
dera perfeitamente normal que ele seja ‘algo’, e até mesmo algo muito
precioso, algo que jamais pôs em dúvida. Ao mesmo tempo, é incapaz
de explicar a outra pessoa o que esse algo é, incapaz de dar a menor
ideia desse algo, porque ele próprio não o sabe. E se não sabe, não
será simplesmente porque esse algo não existe, mas apenas se supõe
existir? Não é estranho que fechem os olhos, com tão tola complacência,
ao que realmente são, e passem a vida na agradável convicção de que
representam algo precioso? Esquecem de ver o vazio insuportável por
trás da soberba fachada criada por seu autoengano e não se dão conta
de que essa fachada só tem um valor puramente convencional.”
G. I. Gurdjieff.

Em Fragmentos de um ensinamento desconhecido, P. D. Ouspensky


lembra que alguém perguntou: “O que é que não compreendemos?”
E Gurdjieff respondeu: “Estão de tal modo habituados a mentir, tanto
a si mesmos como aos outros, que não encontram nem palavras nem
pensamentos, quando querem dizer a verdade. Dizer a verdade sobre
si mesmo é muito difícil. Antes de dizê-la, deve-se conhecê-la. Ora, Não
sabem nem mesmo em que ela consiste (...).”

“Para compreender a interdependência da verdade e da mentira em


sua vida, um homem deve chegar a compreender sua mentira interior,
as incessantes mentiras que conta a si mesmo.”
G. I. Gurdjieff.
180 Khristian Paterhan C.

Aparentemente tudo está sempre bem


com você, não?

Na sua obra Relatos de Belzebu a seu neto, Gurdjieff faz uma descri-
ção muito engraçada dos Estados Unidos (o país mais Tipo 3 do mundo),
destacando como, desde a infância, as crianças norte-americanas são
programadas para entrar nos dollar business e que quando cada uma
delas chega à idade adulta, “o impulso dominante de sua febril existência
é a fúria de fazer dólares e o amor a esses mesmos dólares”, e por isso
“cada um deles se ocupa sempre de ‘negócios de dólares’, e de vários
ao mesmo tempo”. Ele também nos lembra o arraigado hábito dos
norte-americanos de utilizar a publicidade “com o fim de oferecer da
parte deles, em todo o planeta, uma imagem que em nada corresponde
à realidade”, razão pela qual se transformaram, ao longo dos anos,
“em seres tão virtuosos na arte da publicidade”, que possuem o poder
de convencer-nos de que “uma mosca é um elefante, e fazem isto tão
frequentemente, que, nos dias de hoje, se a gente encontra um verdadeiro
elefante americano, tem que ‘lembrar-se de si mesmo com todo seu ser’
para não ter a impressão de que é uma simples mosca”.

Quem puder refletir sobre as agudas observações que Gurdjieff faz


da idiossincrasia, dos hábitos e das condutas aos norte-americanos, terá
uma ideia do que constitui o Traço Principal dos Tipos 3.

No Brasil, temos exemplos muito admirados desta “máscara”. Uma


delas é a “performática” atriz Cláudia Raia. No seu primeiro número, a
revista Mais Vida publicou uma entrevista desta notável artista cuja aber-
tura destacava: Ela faz 500 abdominais por dia, não fuma, não bebe, está
amando, é budista e consumista. Por isso Cláudia Arrasa! (Eu imagino
que o Iluminado Buda deve ter pulado de alegria no seu nirvânico estado,
após tomar conhecimento desta inédita combinação budista-consumista
da sua doutrina de renúncia!) Após descrever todos os “sinais externos”
do sucesso da atriz e sua tremenda capacidade de trabalho, o jornalista
Marcos de Moura e Souza escreve: Pode impressionar a nós, humanos
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 181

comuns, mas o que ela gosta mesmo é disso: agitação, muito trabalho e
várias atividades ao mesmo tempo. Workaholic encarnada.
Quase no final do artigo outras “amostras” do Tipo 3 da grande
Cláudia: “...os olhos da atriz não deixam de espiar as possibilidades
de levar seu trabalho para além das fronteiras... ‘Estamos tentando ir a
Portugal... os americanos (de novo os americanos!) também já ficaram
muito aguçados com a proposta do show. Estamos estudando...’, des-
pista. Os business de Cláudia Raia na época eram administrados pelo
pessoal de sua empresa, a Raia Produções Artísticas, que empregava cerca
de vinte pessoas sob o comando, é claro, dela própria. ‘Tenho uma veia
empresarial muito forte’...” Possuidora de uma forte influência do Ponto
2 do Eneagrama ela atrai naturalmente as pessoas e também o sucesso.
Todos os brasileiros, com certeza, esperam que essa sua performática
vida de artista nos brinde sempre com ótimos espetáculos.

Outro expoente feminino deste Tipo é Marília Gabriela, jornalista e


entrevistadora extraordinária.

Entre os homens Tipos 3 mais populares no Brasil, temos o sem-


pre bem-sucedido Sílvio Santos, dono do SBT. Ele é o típico Tipo 3,
empreendedor, alegre e seguro de si mesmo, que dirige (quase) todos
os programas ao vivo do seu canal! Essa é que é vontade de ser ad-
mirado! O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (equilibrado
e com uma forte influência do Ponto 4 Eneagramático, aspecto que
na sua juventude se refletia no seu interesse pela poesia, como pude
constatar numa reportagem da revista Isto É) é outro Tipo 3 que vale
a pena analisar. João Dória, do programa Business do qual participei
como entrevistado, é outro bem-sucedido Tipo 3 igual ao talk show
que dirige. Por último, as conhecidas Exame e VIP são as revistas mais
Tipo 3 do Brasil.

Todos os Tipos 3 possuem uma mistura das características observáveis


nestes exemplos citados: grande capacidade de trabalho, forte procura
do sucesso e de resultados, necessidades muito fortes de comunicação
182 Khristian Paterhan C.

e extroversão (característica que os torna semelhantes aos Tipos 7 e 8),


assim como um notável espírito empreendedor. Então, qual é o problema
desta máscara? Por acaso não está tudo bem? Qual é o “calo” no qual
se faz necessário “pisar” para que eles se deem conta da importância de
seus mundos internos e de seus próprios sentimentos? Sentimentos? O
quê?!... Está sentindo algo? Acho que já pisei no seu calo, certo? Sim, o
grande problema dos Tipos 3 está muito dentro do coração...

Observando a máscara 3: ou como o aparente sucesso externo


produz a falta da felicidade interna

Sim, pode parecer muito forte, porém por trás destas palavras se esconde
a chave que permitirá a qualquer Tipo 3 iniciar a observação de si mesmo.
Quando os possuidores desta máscara participam dos nossos workshops
sobre o Eneagrama, a gente percebe quão ansiosos estão para conhecer-se,
quão ansiosos estão para ter uma experiência interior. A falta de atenção aos
seus mundos internos os leva a procurar com ansiedade e paixão a resposta
a todas as suas “inquietudes espirituais”. Realmente, querem saber mais
sobre si, porque sentem que dentro deles mesmos está o que suas atividades
externas nunca lhes proporcionarão. Durante o transcurso dos workshops,
percebem que gostariam de ter mais tempo para si mesmos, que não são
capazes de se abrir emocionalmente com os entes queridos, que não conse-
guem desfazer-se de seus papéis de grandes desempenhadores nem quando
fazem o amor, e que compulsivamente cobram de seus filhos o sucesso, por
que: a) eles o conseguiram e porque inconscientemente não desejam que
seus filhos provoquem comentários do tipo: “os filhos de fulana (o) não
são bem-sucedidos”; b) ou porque acham que além do “sucesso” não existe
outra razão válida pela qual lutar nesta nossa breve existência.
Este temor não apenas tem a ver com o anseio normal que todo pai e
mãe têm, mas também esconde uma egoísta necessidade de passar para
os outros a imagem de um outro sucesso: “os filhos devem ter suces-
so porque eu tive sucesso, devem ser trabalhadores performáticos,
estudantes destacados, porque assim conseguirei fazer com que a imagem
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 183

que eu criei de mim mesmo tenha continuidade neles”. Sempre lembro


aos meus alunos o exemplo do pai Tipo 3, que quando dá um presente
ao seu filho, o faz para “compensá-lo” por algum bom desempenho
ou sempre aproveita para cobrar-lhe uma atitude ou lembrar-lhe o que
dele se espera. Existe o caso do pai que quando dá um carro de presente
para seu filho aproveita para dizer que “um carro é uma ferramenta de
trabalho indispensável nos nossos dias” e que ele espera que o filho com-
preenda “o valor desse presente”, “o difícil que é obter as coisas”, etc.,
etc. Porém, em nenhum momento conseguiu dizer para seu filho o que
estava sentindo, emocionalmente, e que a razão do presente se resumiria
apenas nesta simples mas verdadeira frase: “Meu filho, eu te amo.” A
vaidade, o grande “pecado” desta máscara, provoca nos Tipos 3 uma
incapacidade para perceber o que está por trás das aparências de suas
vidas. Algo deve ser alcançado sempre, algo deve ser conquistado, não
se pode parar por nenhum motivo, até porque os outros se acostumaram
a vê-los sempre ativos e dispostos. Só que, às vezes, se dão conta de que
esse “algo” parece não estar “lá fora” e parece “fugir” deles...

Esquecendo as necessidades emocionais e sentindo-se superficial

Tudo o que se possa fazer “para fora”, para ser admirado, implica
o esquecimento de si mesmo, de suas necessidades emocionais, de suas
necessidades de contato mais íntimo e autêntico com os outros e até
consigo mesmo. Este esquecimento faz parte do movimento ao Ponto 9
do Eneagrama. Também é típica deste Tipo Eneagramático a dificuldade
para meditar, para estar consigo mesmo, para entrar no mundo interno.
Certo Tipo 3 me revelava um dia como havia sentido um verdadeiro
desassossego e incômodo para meditar durante apenas 20 minutos.
Muitos deles percebem que estão “representando um papel” que, ainda
que os outros achem bom, faz com que sintam uma espécie de irrealidade
ou falta de sentido, que às vezes os deixa com a estranha sensação de
estar vivendo “superficialmente”. Vaidade e mentira são os principais
“desvios” a serem observados pelos possuidores desta máscara. Apenas
184 Khristian Paterhan C.

um lembrete para você antes de continuar: a questão de voltar a “ser e


sentir verdadeiramente” não deverá ser encarada do mesmo modo com
que você encara seus trabalhos, projetos ou negócios. Não precisa ter
sucesso imediato, tá? Mais ainda: não precisa fazer esta observação de
si para apontar mais um triunfo em suas capacidades de realizar coisas.
Para voltar a ser e sentir você precisa ser verdadeiro apenas consigo
mesmo e para si mesmo... Isto é muito importante. Pare de enganar-se:
esse algo pelo qual você tem feito tantos esforços, está mais perto do que
você imagina e supera o valor de todos esses sinais externos de sucesso
que você procurou com tantos esforços, tanta competência... e tanto
esquecimento de si mesmo e dos que você ama.

A “identificação” e o traço principal: “vaidade das vaidades,


tudo é vaidade” (e a vaidade é mentirosa!)

Com certeza muitos Tipos 3 notarão que nos seguintes depoimentos


existe algo de comum com suas próprias lembranças de infância. Um
dos nossos discípulos, Sérgio, lembra que: “eu era uma criança que se
destacava nos estudos. A família cobrava meu desempenho e me elogia-
va pelos meus resultados... buscava sempre as melhores notas, porque
queria ser reconhecido como o melhor aluno. Era desinibido e por isso
era comum ser um dos escolhidos para participar das festas do colégio,
nas apresentações de atividades artísticas, etc.” Coincidentemente, Stela,
outra aluna, escreveu: “A recordação que tenho de minha infância é,
de um modo geral, de uma época de grande felicidade. Em que se fun-
damentava esta felicidade? A vida corria muito harmoniosa, todas as
minhas necessidades básicas estavam atendidas, e eu tinha uma enorme
expectativa de que tudo seria sempre assim. O que era necessário para
que fosse sempre assim? Eu deveria fazer tudo direito, como esperavam
de mim, estudando, sendo organizada, procurando ser a melhor em tudo
que fazia, visto que desde cedo percebi que vivíamos num mundo em que
pessoas estão competindo o tempo todo e que, aquelas que alcançavam
sucesso, tinham o afeto, respeito e admiração de todos.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 185

Após escrever sobre detalhes felizes da sua infância, outra aluna


revelou: “Meus pais nunca sentaram comigo para estudar e mesmo
assim sempre fui uma boa aluna. Isso dava grande satisfação ao meu
pai, que sempre me presenteava, me colocava no seu colo e me dava
muito amor...”
Outros autores, baseados nas suas observações, também concordam
em destacar que a maior parte dos Tipos 3 teve infâncias nas quais o
bom desempenho e os bons resultados obtidos eram o meio pelo qual
se conquistava o amor e/ou a atenção positiva das pessoas. Por terem
todos influência do Ponto 2 do Eneagrama, essa percepção de receber
admiração e atenção “em troca de”, os leva a estar sempre “fora de si
mesmos”. A questão de ser para os outros que destaca os Tipos 2 se torna
necessária também para este Tipo, só que com uma grande diferença.
Ser querido é sentir-se admirado, transformando os relacionamentos em
uma troca quase comercial, “eu dou isto, então eu recebo isto”. Quanto
mais ações adequadas melhores resultados, quanto melhor desempenho,
mais satisfação narcisista. Por outro lado, já que acham que deveriam
procurar sempre esses resultados, essas reações positivas dos outros, eles
decidem que não podem parar. Será necessário continuar fazendo essas
coisas certas que produzem resultados bons e admiráveis. A máscara
começa a ser formada e justificada pelo resto da vida.

Aprendendo a mentir e a mentir-se: afinal,


“é muito fácil enganar os adultos”

É indubitável que a gente cansa, ninguém é de ferro, certo? Porém


os Tipos 3 ficam tão identificados com a necessidade de se mostrarem
sempre como os melhores exemplos de bom desempenho que surge a
necessidade de “se ocultar” dos outros. Como fazer isto? Muito simples:
eles criam uma imagem, uma espécie de ilusão por intermédio da qual
parecerão sempre performáticos, bem-sucedidos, prontos e dispostos,
cheios de trabalho e dinâmicos. Enfim, aprendem que podem iludir os ou-
tros. Só que o preço dessa descoberta é paradoxalmente mentir também
186 Khristian Paterhan C.

para si mesmo e mentir para si mesmo, como cantava Renato Russo “é


sempre a pior mentira”. O grave é que Tipos 3 terminam acreditando na
imagem criada. Quando surge essa percepção de que se pode enganar os
outros? Todos os Tipos 3 possuem uma versão diferente, porém, escolhi
uma muito profunda e verdadeira.
Amanda, revela-nos: “Havia em mim uma enorme curiosidade sobre
o mundo dos adultos, ao mesmo tempo em que eu intuía que não era
muito difícil agir dentro deste mundo, pois os adultos, diferentemente
das crianças, eram muito fáceis de serem enganados.”
Que grande descoberta! Nos custa muito aprender esta lição... Tal-
vez por isso continuamos sendo enganados por produtos que oferecem
vantagens inexistentes, bancos que ficam com o dinheiro de seus clientes,
médicos que são comerciantes, advogados que são criminosos, professo-
res que não querem educar, políticos que não ligam para o bem comum,
companhias de telefones que não funcionam, etc. Sim, é muito fácil en-
ganar os adultos. Quando Tipos 3 se cansam de parecer performáticos,
quando necessitam encontrar-se com eles mesmos, quando seus mundos
internos reclamam atenção, quando é preciso parar eles se perguntam:
como é que eu posso parar, se todos acham que nunca vou parar? Como
vou fazer para fugir desta absorvente atividade, se todos acham que eu
sou o super-homem ou a super-mulher? Simples, pregando “pequenas
mentiras que não farão mal a ninguém”. Um exemplo simpático:
Um dos meus alunos, Tipo 3, Mário, contou que durante muito
tempo ele trabalhara “quase 24 horas por dia” na clínica médica da
qual era sócio-fundador. Muitas vezes, saía de casa cedo e não voltava
até tarde da noite... Certa vez decidiu que era necessário mudar esse
ritmo... mas, como mudar? Tinha passado sempre uma imagem de
superdesempenho... O que pensariam os outros se ele começasse a sair
antes do trabalho? Que fazer? Simplesmente, decidiu “enganar” (no
bom sentido) os outros. Ele esperava que todo o mundo fosse embora,
enquanto isso, mostrava-se muito atarefado porque ele tinha muito
trabalho por realizar. Logo, quando os demais já tinham terminado,
ele ia embora... Todos pensariam que ele continuava com o mesmo
ritmo, só que era mentira. Uma mentira que visava conservar a imagem
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 187

de homem eficiente, trabalhador e incansável que ele tinha criado com


tanta paixão e da qual se envaidecia. Como muitos Tipos 3 que acabam
compreendendo essas armadilhas psicológicas que não lhes permitem
fugir dessa atividade desenfreada, ele reconhece que hoje se importa com
seus sentimentos e necessidades, sem culpar-se. Está trabalhando em si
mesmo e dá-se conta de que deixar espaço e tempo apenas para meditar,
viajar e curtir seus filhos e esposa é muito valioso. Ele descobriu que
pode usar 10% de seu tempo para seu lazer e para estar com a família,
segundo ele, após ler alguns autores de livros de autoajuda, dos quais
Tipos 3 gostam muito!
Quando Tipos 3 começam a parar de mentir a si mesmos, descobrem
que as mudanças de vida só implicam uma maior autenticidade a nível
emocional e que essa autenticidade pode fazer bem aos outros, especial-
mente aos filhos. Eva, nossa aluna, descreve assim esta descoberta: “O
sucesso profissional não se reflete no meu lado emocional. Como mãe
não sou pegajosa, sou rigorosa e ditatorial. Com o trabalho que venho
realizando com Khristian Paterhan estou mudando. Começo a tratá-los
com mais amor, isto é, consigo verbalizar frases como “mamãe te ama”.
Mesmo não falando, eu sempre adorei e adoro meus filhos.” Porém ela
mesma percebe hoje que o modo de expressar essa “adoração” pelos
filhos era incompleta. Como ela, muitos pais Tipo 3 tentam justificar
suas ausências por falta de tempo e trabalho excessivo, mediante o for-
necimento de tudo o que parece valioso, materialmente. Transformam
amor em produtos valiosos que são dados para que os filhos façam tudo
direito e para expressar deste modo o que não podem dizer verbalmente.
A mesma aluna nos relatou que: “Para agradá-los compro roupas, brin-
quedos, etc. Hoje percebo que estava condicionando meus filhos a um
jogo do tipo ‘se você fizer isso, você recebe isso’. Hoje tento conversar
e não mais fazer essas trocas. Meu filho mais velho ficou carente de
amor e atenção. Pois sempre cobrei isso ou aquilo, dentro dos padrões
que eu achava corretos. Falando para ele ‘estude para amanhã ter seu
carro, seu apartamento, etc. Aproveite as oportunidades que mamãe lhe
dá, olhe quantos meninos gostariam de estudar, ter uma cama quente,
ter roupas, etc’.”
188 Khristian Paterhan C.

Concordamos que muitas coisas valiosas podem ser compradas com


o fruto dos nossos trabalhos e esforços, porém as mais valiosas para o
desenvolvimento de uma psique equilibrada e sadia não são encontra-
das nos grandes shoppings centers de nossas cidades e sim nos nossos
próprios corações.

À procura da admiração e do reconhecimento alheio:


“comprando” o amor dos outros

Os Tipos 3 mostram que uma das razões para serem workaholic é a


procura de admiração e reconhecimento. Miguel, um aluno Tipo 3, reco-
nheceu: “A vaidade é manifestada em relação ao trabalho. Busco sempre
reconhecimento por aquilo que faço. Tenho compulsão pelo trabalho.
Tenho que estar em atividade o tempo todo. Não tenho moderação. Minha
dedicação é excessiva, procurando sempre a superação.” Esta procura de
reconhecimento e admiração é provocada na infância, porque os Tipos 3
percebem que alcançar resultados é garantir a atenção dos outros. Assim
como os Tipos 2 precisam sentir-se amados dando amor aos outros, os
Tipos 3 aprendem a comprar o amor dos outros, fazendo tudo o que os
outros consideram valioso e importante. Outra aluna Tipo 3, Letícia,
descreve esta questão numa profunda reflexão sobre sua infância:
“De um modo geral as crianças são carentes do amor dos adultos,
dos pais em particular. Quando eu tinha três anos de idade minha mãe
decidiu que eu ia para o colégio. É importante observar que naquela
ocasião, em 1941, as crianças só iam ao colégio por volta dos sete ou
oito anos. Depois de três semanas de grandes protestos de minha parte
– chorava e gritava todos os dias – minha mãe se deu por vencida e me
comunicou que eu não iria mais ao colégio, antes dos sete anos, como
todas as outras crianças. Nesse exato momento, não sei por que tipo de
inspiração, afirmei que agora quem quer ir ao colégio sou eu... Fui objeto
da admiração de todos, deram-me um tambor para tocar em frente a
todas as demais crianças reunidas num pátio e, em todos os lugares, eu
ouvia grandes elogios à minha forte personalidade.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 189

Sem dúvida a razão dessa “inspiração” repentina foi o temor de


perder o amor maternal. Enquanto ser enviada ao colégio numa idade
na qual se faz tão importante o contato parental pode parecer uma
perda do amor materno, esta criança intui que essa temida perda pode
manifestar-se do mesmo modo ou pior se ela não aceita o desafio de ir
todos os dias a esse mundo estranho fora do lar.
Assim, garante o amor que deseja receber da mãe e, de repente,
descobre que, por sua idade, todos a admiram no colégio. Então tudo
fica resolvido! Agradar os outros fazendo o que eles acham valioso não
só garante o amor, como também produz admiração e elogios. Essa
atitude em relação ao mundo adquire importância e se torna o leitmotiv
dos Tipos 3. Conquistar a admiração e os elogios por bom desempenho
será o modo de procurar esse amor e carinho tão desejados. Só que essa
procura passa a ser cada vez mais dependente de questões externas e
assim os verdadeiros sentimentos terminam abafados.
Quando os Tipos 3 participantes dos nossos workshops descobrem
estas coisas, se emocionam e alguns até choram (ou tentam!). O modo
de vida moderno tem criado muitos Tipos 3. Muitas pessoas vivem para
demonstrar que são melhores que as outras como um meio de conseguir
indiretamente esse amor e atenção que termina sendo confundido com as
manifestações de admiração e reconhecimento. Concorrer, disputar, ser o
melhor, ganhar o prêmio, vencer, parecem ser os únicos motivos válidos
para existir. É muito difícil fugir dessa competição constante, e como parece
ser o mais importante, tudo o mais termina sendo secundário e parece
que tudo pode ser comprado. Num mundo em que namorar, ter amigos
para bater um papo, ter prazer sexual e satisfazer outras necessidades
próprias do animal-humano podem também ser “negócios lucrativos”,
compradas ou adquiridas direta ou indiretamente mediante o “disk-sexo”,
“disk-namoro” ou até via Internet, alguns Tipos 3 apenas nos demonstram
que, quanto mais esquecemos nossas necessidades internas e quanto mais
a dita “sociedade de consumo” nos “programe” para que acreditemos na
felicidade proveniente do cartão de crédito “gold”, mais longe ficaremos
da linguagem do abraço sincero e silencioso, da conversa amistosa, do
papo familiar, enfim, de tudo aquilo que nos torna humanos.
190 Khristian Paterhan C.

Lembro-me de um programa jornalístico de TV no qual se comen-


tava sobre o aumento da solidão nas grandes cidades. Pessoas passam,
atarefadas e estressadas, rapidamente perto de nós dia-a-dia. Pessoas
que têm cada vez menos tempo para relacionar-se e conhecer e amar
umas às outras nesses três níveis de amor que aqueles velhos filósofos
gregos chamavam: Eros, Ágape e Philos. Ter amigos e pessoas queridas,
ter a capacidade de dar e receber amor, ter empatia e/ou simpatia pelos
próximos, são questões muito valiosas que nos permitem encontrar o
termo médio entre essa nossa necessidade de ter e possuir e nossa ne-
cessidade de ser e sentir.

Quanto mais vaidade mais narcisismo:


quanto mais narcisismo menos autenticidade

Os Tipos 3 perdem o contato com seu Eu Superior (o ser real) na


procura do sucesso e da admiração alheia.
Quando isto acontece, o narcisismo leva-os a manifestar-se “ca-
maleonicamente”, como alguns autores descrevem essa capacidade de
“disfarçar-se”, de “mudar” de acordo com as circunstâncias para ser
sempre admirado. Um Tipo 3, Antônio, reconhece: “Quando tive que
participar de um encontro profissional em que era necessária minha
presença em vários eventos e seminários no mesmo dia, eu era capaz
de mudar de emoções e de expressar-me em cada um desses eventos,
de acordo com o que o ambiente requeria. O importante era mostrar
às pessoas que eu estava por dentro de tudo e procurava passar essa
imagem de interesse e entusiasmo ainda que dois desses eventos fossem
diametralmente opostos entre si...” Os Tipos 3 procuram ser vistos como
pessoas legais, trabalhadoras, ativas e positivas, e podem até atuar (ve-
mos esta necessidade de atuar para que liga Tipos 2 e 3 no Eneagrama)
para provocar nos outros as reações que consideram adequadas. Esta
necessidade vai se mostrar mais forte, especialmente naqueles para os
quais o Ponto 2 do Eneagrama exerce sua maior influência. Para aqueles
nos quais o Ponto 4 do Eneagrama é mais forte, esse narcisismo irá
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 191

acompanhado de certa excentricidade ou de uma necessidade de mostrar-


se bem-sucedidos porém, muito originais e únicos, conhecedores de tudo
o que está na moda, de livros a restaurantes. O executivo ou executiva
padrão das grandes cidades, que veste roupas de grife, é aceito entre
os de sua classe, dirige seu carro último modelo para alguma “reunião
importante”, enquanto fala sobre assuntos importantes pelo telefone
celular e lembra todas as reuniões nas quais sua presença é necessária
e socialmente importante; ou aquele bem-sucedido dono de botequim
barato que, também, possui I-phone para chamar os seus fornecedores,
tem suas unhas arrumadas pela manicure da esquina, deixa seu carro
novo em frente ao negócio e fala com seus amigos sobre o tema “traba-
lho duro tem compensações, portanto me imitem...”. O primeiro viaja
pelo mundo, visita lugares importantes, faz aplicações financeiras, lê
livros de temas da moda ou relativos ao sucesso na sua profissão, etc.
O segundo já foi a Porto Seguro de avião e pagou em prestações, tem
conta em dois bancos, matriculou seus filhos num colégio caro e está
querendo inaugurar um outro botequim dentro de alguns meses.
Quando Tipos 3 temem perder estes símbolos de sucesso, ficam
estressados.
O fato de manter uma imagem de sucesso, de quererem ser os únicos
a estar “no topo”, de precisar da admiração alheia, pode conduzi-los a
uma vida de exterioridades tão vazia que é muito frequente encontrar
entre eles esses estressados e típicos candidatos ao “turismo espiritual”.
Desenganados após anos de vida artificial, eles se tornam “seguidores”
de terapeutas ou de “gurus”, aos quais não hesitam em entregar parte
de seus ilusórios bens terrenais em troca da felicidade interna e eterna,
claro!. Uma das mais incríveis amostras desta afirmação pode se con-
firmar no extraordinário sucesso que sempre tiveram no mundo certo
tipo de seitas, as quais se tornam “refúgio” dos milhares de Tipos 3
cansados da “programação” do establishment. Reflita-se, nesta parte,
qual a razão psicológica do movimento hippie e da forte influência do
mestre indiano Rasjneesh (hoje chamado Osho por seus discípulos)
na juventude americana e europeia que encontrou nas suas propostas
um meio de expressar emoções e sensações reprimidas e abafadas por
192 Khristian Paterhan C.

uma sociedade tida como ilusória, fútil e falsa. No Brasil, certo tipo
de mercado esotérico procura preencher esse vazio interior de diversas
maneiras. Certa vez, no jornal O Globo apareceu a foto de um vidente
famoso, que posava do lado de uma das representantes da high society
local. Embaixo, o jornalista informava que este senhor é extremamente
requisitado pelas damas da sociedade brasileira. Na TV, ele anunciava
um serviço telefônico, por meio do qual se prometiam conselhos dos
“melhores videntes” do Brasil. Esclareço que não pretendo julgar este ou
outro tipo de atividades ditas “esotéricas”, mas provocar uma reflexão:
numa sociedade em que tudo pode ser comprado, em que as pessoas
vivem das aparências e motivadas a esquecer o “Ser” em troca do “Ter”,
corre-se o risco de gerar humanos subdesenvolvidos, fracos e pobres no
que diz respeito a seus mundos internos. Vivemos num mundo em que
a pobreza interior daqueles que externamente parecem ter “tudo para
ser felizes” é tão assustadora quanto a pobreza objetiva dos favelados
e miseráveis deste país e do mundo. Realmente, o desenvolvimento hu-
mano é urgente em nossos dias. Tomara que o Brasil seja o arauto ante
as nações desse necessário equilíbrio entre o mundo interno e o mundo
externo, e não apenas uma cópia desse seu Tio Patinhas bem-sucedido
do Norte e que, ultimamente, não anda bem das pernas, certo? Apa-
rências enganam...!

Sim, as aparências enganam, por isso o Tipo 3 gosta delas!

Como sustenta Riso, em seu Tipos de Personalidad, apesar de


não existir correlação do Tipo 3 com nenhum dos tipos junguianos,
“existe certa conveniência poética no fato de o Tipo 3 (cuja persona-
lidade é tão pouco fixa e mutável) não corresponder a nenhum dos
tipos junguianos. Sendo o tipo de personalidade mais adaptável de
todos, o (Tipo 3) é tratado em vários dos tipos junguianos sem ter
uma categoria própria”.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 193

O Tipo 3 e o caráter mercantil de Fromm

Neste caso, quem fez o “retrato psicológico” que se correlaciona


mais exatamente com este Tipo Eneagramático na psicologia ocidental
foi Erich Fromm na sua obra To Have or To Be, quando descreve o que
ele chama de “caráter mercantil”.
“(...) ele se baseia no fato de nos sentirmos como mercadorias, tendo
não um ‘valor de uso’, mas ‘valor de troca’. O ser vivo torna-se uma
mercadoria no ‘mercado de personalidades’ (...)
Embora varie a proporção de perícia e qualidades humanas, de um
lado, e personalidade, de outro, como requisitos para o êxito, o ‘fator
personalidade’ sempre desempenha um papel decisivo. O sucesso depen-
de, em geral, de como as pessoas se vendam bem no mercado, de como
imponham sua personalidade, e da qualidade da ‘embalagem’ com que
a envolvam: depende de serem ‘joviais’, ‘sadias’, ‘agressivas’, ‘honestas’,
‘ambiciosas’; além disso, contam também a tradição do nome da família,
os clubes a que filiam-se e ao relacionamento com as pessoas ‘certas’
(...) cada qual deve fornecer uma espécie diferente de personalidade que,
sejam quais forem as suas diferenças, devem satisfazer uma condição:
ser procurada.”
Para mostrar sucesso, os Tipos 3 “enfeitam” suas fachadas existen-
ciais com todos os chamados “signos de êxito” socialmente aceitos. Eles
possuem o carro do ano, a TV de plasma mais badalada, o laptop mais
completo, os acessórios mais valiosos. Dependendo de suas diversas
faixas sócioeconômicas, os Tipos 3 se mostram externamente bem-
sucedidos segundo o que sua classe social exige de alguém bem-sucedido.
Um exemplo quase caricatural desta questão de “parecer bem-sucedido”
apareceu num artigo que foi capa da revista Veja Rio de abril de 1996.
A capa mostrava uma gravata feita de reais numa impecável camisa
branca sem cabeça e a matéria de capa era: “Meu primeiro milhão”,
com o subtítulo: “Angústias e recompensas dos jovens que correm atrás
da fortuna no mercado financeiro”. A matéria, está recheada de citações
próprias de Tipos 3 e 8 (compare as sutis diferenças entre estes dois
Tipos Eneagramáticos): “Se eu não performar sempre de forma ótima,
194 Khristian Paterhan C.

alguém vai fazer isso por mim”, “Quem é bom fica, quem não é dança”,
“Não estou jogando para me divertir, mas para ser rico”, “Não sei se
existe um valor que me bastaria. Quanto mais se tem, mais se quer”,
“Poderia viajar quantas vezes quisesse para fora do Brasil, mas não dá
para ficar muito tempo sem estar a par das flutuações do mercado”, “Se
eu chegar aos 30 anos com 1 milhão de dólares e tiver sociedade no
banco, direi que a primeira etapa foi vencida”, “Quero crescer dentro
do banco” e outras pérolas do tipo. Na matéria, a repórter Mônica
Weinberg descreve (consciente ou inconscientemente) esse mundo Tipo
3 em que tantos pretendem apenas “crescer dentro do banco” e ter “um
milhão de dólares”. Entre os entrevistados, a jornalista destaca um sujeito
que, segundo ela, é “bem-sucedido demais para quem mal faz 30 anos,
embora traga o rosto riscado por rugas precoces”. Entre os sinais de
sucesso dos candidatos ao chamado “exclusivo mundo dos melhores e
bem-sucedidos” estão carros de 37 mil dólares, férias em Nova York (!!)
todos os anos (oh, my God! como é que pode com todo esse maravilhoso
Brasil tão perto!), livros “educativos” tais como O covil dos ladrões,
história do megainvestidor norte-americano Michael Milken, punido
por suas próprias espertezas no mercado financeiro; e Barbarian at the
gates, os bastidores de uma operação entre três ex-sócios da Nabisco. O
quê? Gostou?... Não, não sei; no artigo não se mencionam as editoras.
Sobre gravatas, as mais badaladas no momento são as francesas Hermès
ou a inglesa Tie Rack, claro! Bom, por aí vai essa reportagem dos nossos
novos dollars-men made in Brazil.
Alguns Tipos 3 sentem bem cedo a importância da boa imagem. Ter
uma boa imagem e passar aos outros boas impressões leva-os a rejeitar
aqueles que são, “cinzas” demais, “pouco espertos” ou “pouco brilhan-
tes”, ou “humildes demais”, especialmente se essas pessoas têm algum
tipo de relacionamento com eles.
Falando sobre a influência de seus pais na sua existência, Elza, uma
aluna Tipo 3 reconhece este fato: “De um modo geral, aceitei suas
influências no que elas me pareciam boas para alcançar na vida o que
eu julgava que me interessava. Assim, por exemplo, a postura social de
meu pai era de uma humildade absurda. Apesar de ser um engenheiro de
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 195

muito sucesso no seu tempo e de ter acumulado bens materiais bastante


razoáveis, procedia socialmente como se fosse uma pessoa subalterna,
o que me fez desenvolver uma postura completamente oposta à sua
– Típica da Máscara 3: sempre acreditei em trabalhar minha própria
imagem e desde a infância adotei, ludicamente é claro, um lema, em
latim, Hostis Honori Invidia, que significa ‘a multidão honra a quem
inveja’. Já a postura social de minha mãe me parecia perfeita, pois ela
vivia como uma princesa. Identificava nela, porém, uma certa carência
de raciocínio lógico que me obrigou a, desde muito cedo, pensar sem-
pre por mim mesma, por não confiar muito... nas opções tanto de um,
quanto do outro.” É fácil observar neste depoimento as preocupações
de todo Tipo 3: como os outros são importantes socialmente, como se
deve trabalhar a própria imagem para que os outros possam percebê-las
como importantes.
Não adianta apenas ter sucesso, é preciso comportar-se como uma
pessoa bem-sucedida perante os outros, é necessário “parecer” exitoso,
inteligente e “socialite”. Também é necessário “aparecer”, claro! Esta é
a razão pela qual aqueles Tipos 3 considerados socialmente vip, lutam
continuamente para manter-se no pódio dos “vencedores sociais” e
aparecer, por exemplo, na revista Caras. Anseios que são compartilha-
dos com os Tipos 2 e 7. Obter uma fotografia junto a pessoas bonitas e
importantes faz parte de uma luta na qual muitos Tipos 3 se destacam
por suas incríveis estratégias de autopromoção.

“Seja como eu, me imite e se dará bem”:


O Tipo 3 como falso “exemplo” de vida certa

Quando o narcisismo é tido como uma “virtude social”, Tipos 3 se


tornam “motivadores” dos outros, encorajando-os a serem como eles.
Esta necessidade de encorajar, motivar e cobrar dos outros atitudes e
resultados vem acompanhada do correspondente lembrete: “aprenda de
mim, me imite, esforce-se como eu”. Aqueles em que esta tendência é
“suave” produzem nos outros uma acolhida calorosa e agradecida, são
196 Khristian Paterhan C.

simpáticos e participativos, ajudam os outros e gostam de fazer coisas


em benefício da comunidade. Assim eles alimentam a própria imagem.
Porém o que neles é visto por alguns como positivamente “motivador”
e “exemplar”, para outros pode acabar se transformando em cobranças
difíceis de suportar. Alguns Tipos 3 são extremamente controladores e
chegam a exagerar nas suas cobranças.
Parecem, com suas atitudes, estar sempre lembrando aos outros: “se
você não me imita, se você não é um triunfador como eu, se você não
trabalha como eu, você é um fracassado, um ninguém”. Pais Tipos 3,
muito apegados à imagem triunfante, podem ser extremamente contro-
ladores com seus filhos, provocando o contrário como reação.
Quando Tipos 3 triunfam, se tornam extremamente “cobradores”
para com aqueles que estão perto deles, sejam estes seus sócios, amigos
ou parentes. Existe uma certa agressividade nesta conduta, já que nessas
cobranças está implícita a ideia de que os “incapazes”, os “que se dão
mal na vida”, os que “não dão certo” (segundo o que eles chamam
de “capacidade”, “dar-se bem”, e “dar certo”) são seres desprezíveis.
Também, esta atitude com respeito aos outros esconde um forte medo
(movimento negativo ao Ponto 6) de ter que viver entre ou com pessoas
que poderiam ter que depender deles em troca de nada.

Procurando um “bode expiatório” para os fracassos

Caso, por razões externas ou por erros nos seus negócios, um


Tipo 3 inicie um processo de fracassos e se dê mal, ou não tenha os
resultados esperados, a saída é culpar os outros, ou ao “estado incom-
petente”, ou à “situação geral”, porque é difícil ter que aceitar que
a causa do fracasso pode ser ele mesmo. Os Tipos 3 não querem ser
considerados fracassados. Tentam demonstrar que não tiveram culpa
ou não seriam responsáveis. A necessidade de manter suas imagens
de pessoas bem-sucedidas os leva a não aceitar o fracasso, razão pela
qual se esforçam e muitos até conseguem superar crises que, para
outros Tipos Eneagramáticos, seriam difíceis de transpor. Assertivos
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 197

e dinâmicos perante situações complicadas, conseguem muitas vezes


convencer os outros de que eles não criaram essas situações. Entre os
Tipos 3 menos evoluídos, encontraremos aqueles sujeitos que podem
determinar friamente que “se eu fracasso os outros deverão fracassar
também”, desse modo ninguém poderia chamá-los de fracassados já
que “todos estarão na mesma situação”.
Por esta rejeição ao “fracasso”, Tipos 3 se tornam às vezes extre-
mamente críticos com quem está por perto, muitas vezes cometendo
graves erros de apreciação. Lembro-me neste instante de um certo Tipo
3 que devido a algumas “quedas financeiras” chegou a pensar que ter
ingressado numa determinada instituição poderia ser uma das causas
possíveis dessas perdas temporais! Ele depois compreendeu que a coisa
não era assim, mas naquele momento sua afirmação provocou entre seus
colegas uma reação totalmente compreensível de rejeição.
A razão é simples. O que num determinado momento os Tipos 3
chamam “fracasso” é apenas o fato de não estarem conseguindo tudo
o que eles desejam. A razão do fracasso temporal nunca é devida ao
resultado de suas ações, mais é causado pelas circunstâncias do meio,
pela empresa, a terapia, a esposa, os sócios, etc. O narcisismo os impede
de enxergar as verdadeiras causas do aparente “fracasso” que apenas
deveria servir como “feedback” para assim conseguir a Equanimidade
e a Humildade necessárias face à realidade ou Verdade que se ocultam
por trás das máscaras da Inveja, do Orgulho e da Mentira, que são os
três pecados capitais que formam o corpo do Minotauro que este Tipo
Eneagramático deve enfrentar no labirinto de seu mundo interno.

Conclusão necessária para não ter a mesma sorte de Narciso

Namorar a si próprio não é negativo quando se compreende a fundo


o que já foi citado sobre o conceito de amor-próprio definido por Gurd-
jieff no capítulo relacionado ao Tipo 2. A dose certa de amor-próprio e
de autoestima é saudável e motivadora. Porém maquiar demais o ego,
produzir-se além da conta, e depender apenas desses artifícios para
198 Khristian Paterhan C.

impactar os outros, pode levar os Tipos 3 a ficar mais longe da própria


verdade. É bom lembrar que, de tanto namorar sua bela imagem refletida
no lago, Narciso acabou se afogando – as ninfas talvez o tenham levado
ao reino das águas e, não sabemos se conseguiu ser feliz por lá – ou pelo
menos ninguém mais o encontrou. Assim surgiu o primeiro trágico exem-
plo dessa patologia psicológica chamada “narcisismo”. É interessante
nesta parte lembrar que, segundo Helen Palmer, quando se relacionam os
Tipos Eneagramáticos com as patologias psicológicas do DSM americano
(Diagnostic and Statistical Manual III, Revised), o Tipo 3 não se encaixa
em nenhuma categoria correspondente, esclarecendo-se que este é um
“Tipo identificado recentemente no pensamento psicológico ocidental”.
Curioso, não? Como poderia ser considerado patologia psicológica por
um teste “made in USA” o fato de se possuir uma personalidade Tipo
A, ou workahólica, numa sociedade que faz questão de considerar esse
tipo humano a melhor amostra da cultura americana? Para Ives Leloup,
um dos pioneiros da psicologia transpessoal, este seria com certeza um
excelente exemplo de “normose”, ou seja, dessa doença rasteira que
afeta a milhões de pessoas no mundo fazendo-as acreditar que a única
opção para ser feliz neste mundo são suas agitadas, ocupadas, rotineiras
e vazias vidas.
Só me lembrei desta questão agora, enquanto pensava no triste des-
tino de Narciso... olhando o seu “reflexo” nas águas da mater-matéria,
esqueceu aquele que olhava através de seus olhos e que era ele... verda-
deiramente. Todos temos este esquecimento e todos corremos o risco de
perdermos, de nós mesmos, como Narciso...

Iniciando o processo de mudanças positivas

Quando os Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos, geralmente o fazem


com o entusiasmo e o empenho que colocam para realizar seus objetivos e
metas materiais. Porém a necessidade da máscara de querer mostrar bom
desempenho faz com que eles esqueçam o verdadeiro alvo desse trabalho
interior, ou seja, olhar para dentro de si mesmos e sentir, simplesmente
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 199

aprender a sentir. Não é fácil para eles, porque, acostumados a viver para
o externo, acostumados a mostrar-se bem-sucedidos em tudo, os Tipos 3
fazem de qualquer trabalho interno uma espécie de prova de capacidade ou
de uma nova oportunidade para mostrar-se como os melhores.
É comum ouvir deles que na terapia tal ou qual, ou na análise, ou
nas dinâmicas de grupo, eles manifestam-se de acordo com as expecta-
tivas do terapeuta, analista ou psicólogo ao qual estão tentando abrir
seus mundos internos sem conseguir o resultado principal, ou seja, uma
genuína transformação. O efeito “camaleão” toma conta do processo,
como Elizabeth nos revela neste depoimento:
“Quando fazia terapia eu conseguia me antecipar às expectativas do
psicólogo, aprendia e lia sobre as técnicas psicológicas usadas por ele e me
adiantava ao que ele tinha para me falar. Eu me sentia até mais capaz do que
ele e logo abandonava essa terapia, sem ter conseguido abrir meu mundo
interior. Em cada terapia eu me comportava dessa maneira e parecia que
sempre conseguia mostrar-me como a melhor em cada uma delas, porém
sentia que ainda não conseguia superar meus obstáculos interiores.”
É importante compreender que as mudanças positivas a serem de-
senvolvidas importam e são valiosas apenas porque você precisa delas.
Não haverá mudanças positivas se você não ficar entregue ao trabalho
interior. Não existe nada que você deva demonstrar para os outros além de
sentimentos autênticos. Você deverá aprender que também vale pelo que é,
e não apenas pelo que você faz. Porém, para atingir este valioso resultado,
é necessário ser verdadeiro. Sim, verdadeiro, primeiro com você mesmo e
logo, como consequência natural, verdadeiro para com os outros.

Os movimentos no triângulo equilátero: verdadeiro sentir,


verdadeira ação, verdadeira esperança – (ver figura na página 334)

Parece um resumo do Nobre Óctuplo Sendeiro budista e, de certa


maneira é. Para os Tipos 3, 9 e 6, todo o movimento eneagramático se
dá em relação a esse Trino Ser que, apesar de ser “Três Pessoas”, é “Um
200 Khristian Paterhan C.

só Deus, não mais”. Sim, tudo acontece para estes três Tipos no mundo
interno e na sua relação com o ser. Quando a máscara da mentira está
presente, os Tipos 3 agem esquecendo-se de si mesmos, deixando de
sentir, adiando o que é mais importante. Esse é o “movimento” negativo
ao Ponto 9 do triângulo. Quando esse estado de abandono de si mesmo
se afirma no falso ouro dos “ótimos resultados”, o medo de perder essas
fantasiosas fontes de segurança ilusória leva os Tipos 3 a experimentar os
aspectos negativos do “movimento” ao ponto 6. Resultado: impossível
parar (volta ao Ponto 3), é necessário continuar a correr atrás do sucesso,
do triunfo, da carreira, do posto elevado, do alto cargo. Ainda sentindo
a terrível sensação de estar esquecendo-se de si mesmos (Tipo 9) e das
necessidades internas daqueles que compartilham suas vidas pessoais,
os Tipos 3 decidem comportar-se como se não tivessem medo do vazio
existencial, como se os desafios externos fossem uma espécie de droga
que os pode manter sem sentir a dor de estar longe de si mesmos. Neste
aspecto há algo do chamado contrafóbico dos Tipos 6. Observar esse
movimento interno nos seus aspectos negativos é fundamental para o
resgate do verdadeiro no Tipo 3. Observar como a imagem que um Tipo
3 projeta de si mesmo consegue (e isto é algo apavorante para aquele
que se dá conta a tempo) substituir o seu verdadeiro Eu.
Quando Tipos 3 decidem trabalhar em si mesmos e lembrar-se de si
mesmos, pequenas mudanças tornam-se extremamente valiosas. Ima-
ginemos um Tipo 3 com uma sincera capacidade de observação de si.
Talvez perceba que não precisa adiar determinadas ações ou vivências
relacionadas com ele ou seus seres queridos (movimento positivo ao
Ponto 9) até o momento em que esteja com “menos trabalho” porque
ele descobre que ter sempre algo para fazer, ter sempre “muito tempo
ocupado”, faz parte de sua “mentira”, então aparece a “coragem”
verdadeira (movimento ao Ponto 6) para comportar-se de um modo
inédito, para atrever-se a sentir determinadas experiências sem temor. A
distinção entre fazer por temor, ou seja, ir contra a seta eneagramática,
fazer porque se não fizer pode perder algo, ser desconsiderado pelos
outros ou perder sua qualidade de “melhor entre os melhores”, leva o
Tipo 3 ao esquecimento de si mesmo, de suas verdadeiras necessidades
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 201

(Ponto 9) e, finalmente, o melhor modo de não enxergar os perigos dessa


atitude extrema é tornando-se um trabalhador compulsivo (volta ao
Ponto 3). Não se trata de ter que parar de trabalhar, nem de abandonar
tudo e sim conseguir um equilíbrio entre trabalho e vida interior, entre
sentimentos e atividades. Este é o segredo da verdadeira ação, dessa
verdadeira vida que um Tipo 3 deve objetivar. Ou seja, perceber, por
exemplo, que trabalhar 8 horas de segunda a sexta pode ser tão bom e
produtivo como trabalhar 17 horas diárias e, ainda, sábados e domin-
gos, com a vantagem de que se pode curtir um bate-papo com os filhos,
uma noite romântica com a pessoa amada ou simplesmente sentir e
somente sentir a vida. Isto é Equanimidade, uma das virtudes vizinhas
(Ponto 4), que Tipos 3 precisam viver. Aprender que não acontecerá
nada se decide equilibrar seu agitado ritmo de vida e que, o máximo
que pode acontecer é, talvez, evitar um ou dois infartos (lembro que
Tipos 3 e 8 estão dentro do que se conhece como personalidades Tipo
A (ou seja aquele grupo de pessoas com sérias tendências de sofrer
doenças cardiovasculares) e ter tempo livre para dedicar ao encontro
com seu ser. Falando de um outro modo, talvez mais motivador: tente
ser excelente em relação ao seu mundo interno sentimentos, tanto como
é excelente em termos materiais e externos! Alcançar este equilíbrio
entre o mundo interno e o mundo externo passa por compreender esses
estados superiores do ser que estão por trás da Verdade (3), da Ação
(9) e da Coragem (6) do triângulo eneagramático: Amor (9), Fé (6) e
Esperança (3). Sim. Ame honestamente a si mesmo e aos que estão perto
de você, tenha fé naquela existência que é verdadeira e não aparente
e que o pode levar a compreender que tem muito “Ouro de Tolos”,
como cantava Raul Seixas, nessas suas “conquistas”. É necessário um
novo modo de “fazer” mais consciente e equilibrado do ponto de vista
do Ser. Este é o segredo.
202 Khristian Paterhan C.

Como evitar o “vazio interior” e o que aprender


com os companheiros eneagramáticos 4 e 2?

Os Tipos 3 deverão estudar e analisar as características de seus com-


panheiros eneagramáticos 2 e 4.
Do aspecto negativo do Ponto 4 Tipos 3 recebem a influência da
Inveja, entendida como a procura sofrida daquilo que ainda não conse-
guiram, daquilo que aparentemente falta e que, iludidos, acham que os
fará felizes, no aqui e agora. Esta influência 4 produz em alguns Tipos 3
a sensação de inconformismo com qualquer resultado obtido. É como se
sempre faltasse algo. Porém, essa falta de “algo mais” não produz nele
a luxúria do 8, não. Ela esta ligada ao sentimento de ser merecedor de
algo especial e único. Então, a possibilidade de se converter num “burro
atrás da cenoura” se torna muito real e Tipos 3 deverão observar em que
momento isto acontece. Por outro lado, a influência do Ponto 2 provoca
a ideia de “sou merecedor do reconhecimento, porque eu faço o que
outros não são capazes de fazer tão bem-feito quanto eu”. Isto é uma
manifestação da ideia egoísta de “ser maior que o mundo” descrita por
Claudio Naranjo quando analisa o Tipo 2 na sua obra.
O positivo da influência do Ponto 4 é que Tipos 3 preocupan-se
com valores espirituais, procuram dicas para viver melhor e valorizam
o autoconhecimento. Ou seja, manifestam uma honesta necessidade de
Equanimidade, de ficar equidistantes entre o mundo interno e o mundo
externo. Esta procura tem dois tipos de expressão: alguns Tipos 3 tentam
justificá-la mediante o constante aperfeiçoamento. Compram manuais de
como fazer isto ou aquilo, manuais sobre como ser o melhor gerente, o
melhor administrador, como ser bom pai, etc. Manuais são irresistíveis
para Tipos 3, são uma forma de “narcotizar-se” (movimento a 9) ou
esquecer essa sensação de “vazio” e de falta. Outros iniciam uma procura
de si mesmos, por intermédio de terapias, sistemas, métodos e livros de
autoconhecimento ou de autoajuda com o objetivo de serem melhores
“internamente”. O perigo é quando fazem desta procura interior apenas
algo “para inglês ver”, uma outra maneira de mentir a si mesmos, com
o risco de continuar “vazios”.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 203

Os Tipos 3 devem trabalhar para serem honestos na procura do


“Eu Real”, compreendendo que mentir em relação a esta procura só
prejudicará a eles mesmos e nada mais que a si mesmos, ou que, no
final, equivale a uma tragédia espiritual, porque o verdadeiro acaba
por não ser mais sentido. Aconselho aos Tipos 3 que estejam reali-
zando qualquer trabalho de aperfeiçoamento interior ou que estejam
participando de escolas, fraternidades ou de grupos religiosos com o
objetivo de “conhecer a si mesmos”, a refletir no seguinte aforismo que
Gurdjieff nos deixou com um propósito exato: “Lembre-se de que você
veio aqui, porque você compreendeu a necessidade de lutar contra si
mesmo - unicamente contra si mesmo. Agradeça, portanto, a quem lhe
proporcione a ocasião para isso.” Sim, você deve lutar “unicamente
contra si mesmo”, contra sua mentira, contra sua falsa imagem, e não
adianta “parecer” para os outros como “o melhor dos discípulos”. O
problema é seu. Seja autêntico porque é para você mesmo que você
será autêntico. Você não acha que vale a pena lutar contra si mesmo
para chegar a esse estado interior no qual você se sentirá honesto e
verdadeiro com você?
O positivo do Ponto 2 como influência é a capacidade de demons-
trar seus sentimentos e emoções, especialmente quando o que se sente
é positivo e agradável. Essa atitude amorosa e receptiva dos Tipos 2,
quando oportuna é positiva, valiosa e um exemplo a ser imitado pelo
Tipo 3. Quando Tipos 3 estão sentindo vontade de abraçar ou de falar
“bobagens” do tipo “eu te amo”, “estou feliz de estar aqui!”, etc., eles
talvez possam sentir esses momentos de uma maneira mais autêntica,
se apenas “consideram externamente” percebendo que para os outros
essas manifestações podem ser muito valiosas e importantes, tanto como
ganhar aumentos de salários ou de conseguir ganhos na bolsa. É necessá-
ria a Humildade para reconhecer o que está sentindo e para expressá-lo.
Quando Tipos 3 não conseguem mostrar seus verdadeiros sentimentos,
quando não se permitem parecer vulneráveis, eles não conseguem ser
humildes. Humildade, Verdade e Equanimidade são poderosas virtudes.
Tente descobri-las em você!
204 Khristian Paterhan C.

“A VERDADE OS FARÁ LIVRES”: O DESAFIO FINAL

Parece até título desses filmes em série, certo? É bom rir, para poder
relaxar e quebrar ou, pelo menos, começar a quebrar algo daquilo que
está cristalizado no coração. Não tente se defender agora, eu sei que você
sente. Com frequência vejo os Tipos 3 quase chorando. Alguns declaram
que não podem. Alguns se fazem de engraçados e tentam, em tom de
brincadeira, dizer coisas que não sabem expressar emocionalmente. Às
vezes são tão desajeitados no momento de mostrar sentimentos ou de
querer agradar os outros que provocam o efeito contrário. Lembro aqui
como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), Tipo 3, fazia
esforços para mostrar-se irritado ou contrariado com relação a qualquer
questão política que precisava de uma “reação enérgica” durante o seu
governo. Simplesmente, ele até hoje não consegue!
Arnaldo Jabor, a quem admiro, expressou bem-humorado, este
aspecto da psique de FHC, escrevendo no Segundo Caderno do jornal
O Globo de 30 de abril de 1996 uma espécie de chamado ao despertar
das emoções do ex-presidente sob o título: “O Presidente deita no divã
do psicanalista”. No subtítulo, esta frase: “Sem reformar seu mundo
interior, FHC não conseguirá fazer as reformas do Estado.” Após uma
entusiasmada sessão de análise que termina com uma terrível advertência
profética (“Do contrário, você vai ser o Gorbatchov latino e vai dar o
poder para algum bêbado louco!”), Jabor, descreve o esperado e catártico
resultado: “...o presidente se ergueu do divã e gritou: – ‘Seus idiotas...
seus cascas de ferida, seus sujos, mequetrefes, nefelibatas!’..., o doutor
entusiasmado grita: ‘– Isso, Fernando!...’ e o presidente totalmente
autêntico, emocionalmente falando, continua desabafando: ‘– Eu... eu
sou o presidente desta joça... Meu povo! as reformas são as seguintes...
Eu sou o que manda, eu sou o pau na mesa, o chefe desta pátria que
nos pariu!’ O entusiasmo catártico é grande e incontenível e o analista
grita: ‘– Dá-lhe, garoto!... isto é... presidente!’”
Achei simplesmente genial porque, é o que sempre se cobrou de
FHC! Realmente, ele deveria ter seguido os conselhos de Jabor para
aprender a desabafar, reagir e defender seus triunfos quando necessário
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 205

e justo, já que, como escreveu J.R.Guzzo na revista Veja do 1° de


setembro de 2010, ainda não se reconhece que foi seu governo quem
“finalmente encarou e venceu a inflação no Brasil”, porque, segundo
Guzzo, “o que não se perdoa ao ex-presidente FHC é o seu sucesso.”
Talvez para FHC defender seus triunfos como Tipo 3, aqui no Brasil,
seja difícil por que como Guzzo adverte: “O Brasil, por força de teimosa
tradição, não convide bem com o êxito; na celebre definição de Tom
Jobim, sucesso, por aqui, é ‘insulto pessoal’” Então, Tipos 3 fiquem
alertas, porque independentemente de questões políticas, escrevo sobre
este caso para que vocês reflitam no fato de que muitas vezes, por querer
parecer agradáveis, comunicativos e diplomáticos demais (influência
da asa 2 e movimento ao Ponto 9 do Eneagrama) vocês não reagem
e não demonstram suas verdadeiras emoções, nem o que realmente
sentem por medo de perder a popularidade e a aceitação dos demais
(Ponto 6 contra seta). Aconselho a você, Tipo 3, homem ou mulher, a
expressar adequadamente seus sentimentos. Porém, até conseguir essa
expressão adequada,você deve procurar a reconciliação e reencontro
com o seu mundo emocional. Não se pode mudar de uma vez, apenas
porque você como bom Tipo 3 acha que pode tudo! Sim, vá devagar...
Platão lembra-nos no Mito da caverna que levar de repente alguém para
enfrentar o Sol da Verdade pela primeira vez, pode causar grande dor e
até cegueira. Então não faça deste caminhar para o sol do seu coração
uma maratona performática...! Seja Humilde (Ponto 2) e Equânime
(ponto 4), para seu próprio bem...
Há pouco tempo, estive com um dos mais antigos alunos chilenos, um
Tipo 3 muito especial. Tivemos conversas eneagramáticas muito valiosas,
com ele e sua família. Sua filha conseguiu desabafar: “Eu teria gostado
que você estivesse mais tempo comigo, que brincasse com a gente, que
me tomasse no colo ou que batesse um papo comigo, mas você estava
sempre muito ocupado, sempre com muito trabalho!” Ele compreendeu e
sentiu. Aos poucos, ele percebe hoje que o que sua filha desejava não era
apenas um “bom-pai-provedor-de-tudo-o-que-faz-falta”. Num trabalho
familiar pedi para ele abraçar a filha, para ele falar de seu amor por ela,
para ele a sentir... e foi muito bom para todos na família!
206 Khristian Paterhan C.

A virtude da Verdade pode ser atingida por meio da vivência delibera-


da de determinadas situações nas quais Tipos 3 costumam comportar-se
como camaleões.
A esposa Tipo 3 de um grande amigo conversou comigo sobre certas
questões, procurando orientação. Ela é uma mulher do tipo que cha-
mamos “brilhante” e possui uma personalidade que reúne as melhores
qualidades dos Tipos 3. Por isso, ela tinha ocupado durante anos um
cargo de importância numa instituição mundial de grande prestígio.
Numa de nossas sessões de coaching e perto de deixar o cargo, ela me
revelou seu grande amor por essa instituição e como estava triste por
deixar esse cargo. Ela gostava de tudo o que conseguia fazer pelos outros
por meio dela e com o apoio e o trabalho solidário de seus colegas. Eu
percebi que esse era um sentimento real e muito precioso e sugeri que
dissesse isso no seu discurso de despedida. Ela, porem, não queria, já
que, não se atrevia a mostrar esse tipo de emoção aos outros porque
“não achava necessário nem importante”. Deixei isso como um desafio
e uma tarefa a ser realizada. Se ela conseguisse se abrir e mostrar seus
sentimentos em relação a esse cargo e a essa instituição, ela poderia
dar-se conta de que as pessoas receberiam essa revelação do seu mundo
interno com muito amor e alegria. Como poderia não ser importante
para todos seus colegas e membros da sua comunidade saber que ela
tinha todos esses sentimentos preciosos em relação ao seu trabalho?!
Ela prometeu tentar... e assim o fez. Pela primeira vez, ela conseguiu
expressar aquilo que Tipos 3 demoram demais para conseguir, (alguns
demoraram anos), ou seja, emocionar-se verdadeiramente e expressar
com autenticidade todos os sentimentos positivos que tantas vezes não
foram reconhecidos. Ela foi muito aplaudida.

O desenvolvimento emocional é um dos aspectos mais descuida-


dos por nossos programas de educação e, como Gurdjieff dizia, um
dos mais importantes. Ele advertia que o desenvolvimento humano
não pode nem deve ser unilateral e que precisamos que todos os
Centros - Intelectual, Emocional e Físico - sejam aprimorados har-
moniosamente.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 207

Sem dúvida, a Teoria das Inteligências Múltiplas do Dr. Howard


Gardner teria para Gurdjieff um grande valor prático e me atrevo a dizer
que o Quarto Caminho, sistema filosófico no qual se fundamenta esta
obra, tem muito a oferecer no campo de um novo tipo de educação no
qual o conceito de inteligência supere os limites aos quais continua sen-
do restrito. Hoje, graças a Daniel Goleman, o conceito de “Inteligência
Emocional” foi definitivamente incorporado a nossa linguagem e aos
nossos limitados mapas mentais. Projetos como o “SAT – Educação”
promovido por Claudio Naranjo, fundador da Escola SAT, estão focando
esta visão de uma educação integral e humanizada. Realizá-los somente
será possível com o apoio de indivíduos lúcidos que se importem com
a evolução da nossa espécie.
O Eneagrama, cuja divulgação realizo há mais de 20 anos, é um dos
conhecimentos que podem auxiliar na educação integral das nossas
crianças e jovens e espero que pessoas como você, desconhecido Tipo
3, empreendedor e bem-sucedido, apóiem minha proposta de levar este
conhecimento a muitos outros seres humanos. Você pode!
O Tipo 4

O eu
que idealiza

Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para manter a


consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas espécies de sofrimento.
O sofrimento também é um bastão de duas pontas. Uma leva ao anjo;
a outra, ao diabo. Temos que lembrar o movimento do pêndulo: após
um grande sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande.
O homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada ‘bom
caminho’ há sempre um ‘mau caminho’ correspondente. Um caminha
sempre ao lado do outro. Onde existe pouco bem, existe pouco mal;
onde tem muito bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com
o sofrimento; é fácil encontrar-se no caminho equivocado. O sofrimento
se transforma em algo agradável. Alguém é golpeado uma vez, e tem
dor; a segunda vez tem menos dor, na quinta vez já está desejando ser
golpeado. Deve-se estar em guarda, deve-se saber o que é necessário
a cada momento, porque a gente pode se desviar do caminho e cair
num fosso.”

G. I. Gurdjieff
210 Khristian Paterhan C.

Sobre a dificuldade de ser feliz

A jornalista Daniela Name escreveu para o jornal O Globo o que,


na minha opinião, é o melhor retrato de um Tipo 4 que todos os bra-
sileiros cultos, sem dúvida, conhecem por meio da sua obra literária.
Como é muito comum que Tipos 4 sejam muito cultos, decidi iniciar
a breve análise da sua máscara mediante o retrato jornalístico deste
ilustre lusitano. Você concordará comigo que o famoso escritor por-
tuguês Mario de Sá-Carneiro, grande amigo de Fernando Pessoa, foi
um ser humano muito especial e diferente. No artigo, a jornalista nos
lembra as características únicas deste poeta extraordinário: “Moderno,
marginal, decadente. Ao se matar aos 26 anos, no quarto de um hotel
barato de Paris... ele reafirmou os adjetivos usados para qualificá-lo. Era
o dia 26 de abril de 1916 e os médicos que analisaram o cadáver – que
vestia um smoking e estava deitado na cama – não tiveram dificuldades
para escrever o atestado de óbito... Envenenamento... No suicídio mais
anunciado da história.”
Sim, foram ao todo mais de 202 cartas depressivas, que podem ser
lidas nas obras completas deste escritor publicadas pela Editora Nova
Aguilar.
Dentre esses “anúncios da própria morte”, Daniela Name destacava
na ocasião uma carta e um telegrama que retratam esse tipo de mundo
interno que somente os Tipos 4 podem compreender, como já veremos
ao longo deste capítulo. A carta citada, escrita em Paris, datada de 3 de
abril de 1916, diz:
“Adeus, meu querido Fernando Pessoa. É hoje segunda-feira 3,
que morro atirando-me debaixo do Metrô (ou melhor, Nort-Sud) na
estação de Pigalle. Mandei-lhe ontem meu caderno de versos mas sem
selos. Peço-lhe, faça o possível por pagar a multa se ele aí chegar. Caso
contrário, não faz grande diferença pois você tem todos os meus versos
nas minhas cartas. Vá comunicar ao meu avô a notícia de minha morte
– e vá também ter com minha Ama na Praça dos Restauradores. Diga-
lhe que me lembro muito dela neste último momento e que lhe mando
um grande, grande beijo. Diga a meu avô que também o abraço muito.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 211

Adeus. O seu pobre Mário de Sá-Carneiro. P. S.: Envio-lhe como últi-


ma recordação a minha carta de estudante na Faculdade de Direito de
Paris – o bom tempo – com o meu retrato. Um grande abraço. Adeus.
O seu, seu Mário.”

Você imaginou receber 202 cartas de um amigo querido anunciando


que vai se suicidar?! Sim, devia ser difícil para Fernando Pessoa, com
certeza. Sorte de ele ser um Tipo 5!. Talvez esse fato lhe permitisse com-
preender esses anúncios do seu amigo e também talvez lhe permitisse
estar preparado para receber as notícias do adiamento do suicídio. Você
pensa que estou brincando? Não, prezado Tipo 4, é a verdade! No caso
citado pela jornalista, após receber este “último adeus”, Fernando Pessoa
recebe no outro dia um telegrama em que se lê:
“Paris, 4 de abril de 1916. Sem efeito as minhas cartas até nova ordem
– as coisas não correm senão cada vez pior. Mas houve um compasso
de espera. Até sábado. O seu Mário de Sá-Carneiro.”
O organizador da obra completa deste escritor, o poeta Alexei Bueno
– declara à jornalista que Sá-Carneiro era “um poeta extraordinário,
mas vivia atormentado pela ideia da grande arte. Tinha uma sensibili-
dade extrema, era quase histérico. E bebeu estricnina porque não podia
suportar a banalidade do cotidiano”. Numa outra parte do artigo se
lê: “Exagerava na forma e no conteúdo de tudo o que escrevia. Sua
linguagem abundante não economizava palavras nem imagens extrava-
gantes. Levava uma vida de dândi, e não encontrou dificuldades para
descrever com maestria holofotes sobre piscinas e a rotina de milionárias
americanas em Paris.” Num outro parágrafo deste artigo, encontramos
a declaração do professor de literatura portuguesa da Unicamp, Akira
Osakabe, que revela um dos aspectos mais interessantes deste notável
escritor relativo ao tema da multiplicidade do “eu”: “Ele tinha plena
consciência da falta de unidade do ‘eu’. Mas, diferentemente de Fernan-
do Pessoa, que criou seus heterônimos, não achou uma saída estética
para o tema. Pessoa ameniza o conflito, Sá-Carneiro vive o drama em
si mesmo.” Sim, nesta breve e preciosa descrição jornalística, se revela
essa grande dificuldade de viver e de ser feliz que caracteriza todo Tipo 4.
212 Khristian Paterhan C.

Uma dificuldade que às vezes é superada quando os donos desta quarta


máscara conseguem alcançar a equanimidade, ou quando abafam sua
angústia existencial dedicando-se a quixotescas causas, ou a colecionar
preciosidades, ou quando se dedicam a ajudar aos outros, ou ainda
quando influenciados pelo 3 Eneagramático, dedicam-se, como escreve
Helen Palmer, a combater a depressão com hiperatividade contínua.

Lembrando outros exemplos

Destaquei em itálico o que são, neste poeta, algumas das manifesta-


ções corriqueiras do Traço Principal desta máscara: “vive o drama de si
mesmo”, “exagero na forma e no conteúdo”, “imagens extravagantes”,
“as coisas não correm senão cada vez pior”. Sim, a questão básica neste
quarto Tipo Eneagramático é a perda constante do chamado “sentido
da vida”, uma das causas dessas patologias psicológicas derivadas da
depressão exógena. Uma espécie de “dor de viver”, que muitas vezes
chega a ser “curtida”, um constante “abandono” do presente que
leva estes tipos a sentir com força especial o significado dessa palavra
que eu, como estrangeiro, acho (viu? eu estou “achando” também!)
semanticamente maravilhosa e rica em significados: “saudade”. Os
Tipos 4 sofreram perdas às vezes muitos grandes, a “saudade” neles é
um sentimento fortíssimo. Para sentir melhor esta máscara enquanto
escrevo, ouço o CD do conjunto Madredeus, no seu concerto gravado
ao vivo no Coliseu dos Recreios em Lisboa, em abril de 1991. Real-
mente um belo concerto Tipo 4! E só ler as letras das canções. Pensei
também há pouco no quão fascinante deve ser para alguns Tipos 4
ler Jean-Paul Sartre e sentir que só ele podia compreender e sentir a
“náusea” da vida humana ou de chegar à conclusão de que fomos
todos como que “abandonados” numa existência de características
trágicas e desesperadoras.
Porém acho que não foi Sartre o melhor exemplo dessa representa-
ção psicofilosófica da tragédia da vida humana que conhecemos como
existencialismo, até porque encontramos nela um chamado a vivê-la e a
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 213

sermos responsáveis. Quem seria mais pessimista e cético que o filósofo


romeno Emil Michel Cioran? Logicamente, muitos Tipos 4 pensarão:
“Eu, só que acho que nem sequer devo falar a respeito, pois não vale
a pena!!” Bem, este filósofo também decidiu, num momento determi-
nado, parar de escrever “convencido de que seria inútil externar suas
opiniões”. Em um breve artigo publicado pela revista Veja achei alguns
destes dados tão interessantes do chamado arauto do pessimismo, cujo
primeiro livro, publicado quando tinha 22 anos, chamou-se No Cume do
Desespero (!!). Apesar de não terminar seus dias suicidando-se (morreu
aos 84 anos após uma vida “dedicada a apontar a ausência de sentido
na vida”), garantia que, paradoxalmente, o que o consolava era o fato
de ter o poder de acabar com a própria vida quando bem entendesse. A
Veja cita uma declaração do filósofo a respeito: “Sem a ideia do suicídio,
já teria me matado há algum tempo.” Na minha opinião, o fato de ele
ter sido simpatizante do nazismo (estupidez da qual se arrependeria pu-
blicamente anos depois), revelou apenas outras das características deste
Tipo Eneagramático. É comum encontrar entre os Tipos 4 os “intelec-
tuais rebeldes”, os “contrários ao regime”, “os esquerdistas teóricos”,
os “intelectuais boêmios”, os “livre-pensadores”, os “originais”. Cada
época tem os seus... Graças a Deus!
Só para deleite dos prováveis masoquistas Tipos 4 (estou apenas
tentando fazer com que você também ria de si mesmo, porque, se levar a
sério demais isso, corro o risco de ser apontado como o causador de seu
provável suicídio e eu sei que, mais de uma vez, você pensou ou imaginou
o abandono antecipado deste mundo), cito aqui algumas das frases que a
Veja destacou como representativas da “visão” da existência de Cioran,
este incrível representante da quarta espécie eneagramática. Veja só que
pérolas!: “O ceticismo derrama demasiado tarde suas bênçãos sobre nós,
sobre nossos rostos deteriorados pelas convicções, sobre nossos rostos
de hienas com um ideal”; “Quem se mata por uma mulherzinha vive
uma experiência mais completa e profunda do que o herói que altera a
ordem do mundo”; “Que auxílio pode oferecer a religião a um crente
decepcionado por Deus e pelo Diabo”; “A música é o refúgio das almas
feridas pela felicidade”.
214 Khristian Paterhan C.

Descobrindo o traço principal através dessa inveja


que não parece inveja e sim tristeza
(porque talvez inveje o que apenas se perdeu!)

O saudoso mitólogo, professor e escritor Junito de Souza Brandão


(a quem tive a grata oportunidade de conhecer pessoalmente) escreveu
no seu Dicionário mítico-etimológico sobre a Inveja: “Ftono é a inveja,
o ciúme, a mágoa provocada pela felicidade merecida de outrem. Ftono
é a personificação da Inveja. Como a maioria dos ‘demônios’, cuja per-
sonalidade está associada ao próprio nome, Ftono não possui um mito
próprio.” Não é incrível? Ftono nem sequer possui um mito próprio!...
Interessante, não é? Afinal, por que é que o pecado capital da inveja
é associado aos Tipos 4? Muito simples: esse modo de “errar o alvo”
que chamamos inveja, esconde sutilezas que explicam a psicologia desta
máscara eneagramática.
Na sua obra Dos Vícios, Artigo IV (Questão LXXXIV, ponto dois)
sobre “se devemos admitir sete vícios capitais” ou não, o famoso “Dr.
Angélico” (Santo Tomás de Aquino) faz um comentário que, na minha
opinião, permitirá que nos aproximemos com mais sucesso do estado
de espírito dos Tipos 4.
Ele diz que “a tristeza está incluída na preguiça e na inveja” (o
texto original completo diz: “Enumerantur autem aliqua vitia ad quae
pertinet delectatio et tristitia: nam delectatio pertinet ad gulam et luxu-
riam; tristitia vero, ad acediam et invidiam”). Sim, a inveja dos Tipos
4 é provocada por uma profunda tristeza que os leva a sentir a falta
da felicidade, a falta do que se acham merecedores e que julgam que
outros possuem. Os Tipos 4 sentem uma constante falta de algo, algo
que deveria ser obtido ou que já se teve e se perdeu, algo que poderia
ser a causa da sua felicidade futura, algo que nunca está presente e que
parece que outros atingem. Daí a tristeza e a melancolia que nestes Tipos
freqüentemente se encontra à flor de pele. Uma contínua insatisfação
no presente os leva a viver no e do passado, ou no e do futuro. É como
se no presente não se tivesse o que poderia fazê-los felizes, como se no
presente não coubesse sua utopia.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 215

O maravilhoso Frans Krajcberg::


um exemplo da visão do mundo através da Quarta Máscara

Vejamos um novo exemplo de Tipo 4 que descobri no Brasil. Estou


me referindo ao notável artista plástico polonês naturalizado brasileiro,
que vive numa casa construída sobre um tronco de árvore numa reserva
florestal de 960.000m2; defensor da floresta tropical brasileira, o homem
que compra troncos e restos de árvores das queimadas e que contrata
carretas para levá-los até Nova Viçosa, no litoral Sul da Bahia, para criar
belíssimas eco-esculturas-denúncia com as quais defende a Amazônia
e a Mata Atlântica. O homem que numa entrevista para um programa
da TV Cultura contou a uma maravilhada e emocionada jornalista,
que não fazia esculturas apenas para serem vendidas, que ele gastava
muito dinheiro para trazer os restos de árvores queimados e até tinha
sofrido atritos por isso, que ele o fazia porque as árvores queimadas
lhe lembravam o sofrimento e os corpos dos judeus mortos nos campos
de concentração nazis, de que foi testemunha ocular. Sim, este homem
sensível e único é Frans Krajcberg. É fácil sentir a tristeza deste homem
nas suas grandiosas obras de arte, enormes espaços ocupados com restos
das queimadas transformados em esculturas maravilhosas e melancólicas.
A sua tristeza pela destruição das florestas é consequência das lembran-
ças de suas próprias perdas. Ele tenta nos acordar dizendo: “Vocês não
sabem o que têm, vocês não merecem tanta beleza.” Ele valoriza o que
os brasileiros têm e que absurdamente alguns destroem. A inveja aqui se
apresenta como uma denúncia e um protesto: “Se eu fosse o dono desta
floresta, vocês não poderiam destruí-la.” O sentimento da possível perda
do 4 aparece nessa insatisfação com o presente e com o mundo que a
gente descobre em Krajcberg. Como ser feliz num planeta onde a “espécie
inteligente” desmata e queima essa preciosa manifestação da vida que
são as florestas? Aqui, o sentimento da falta de compreensão dos outros,
da falta de sensibilidade diante da vida e da natureza, se transforma em
um motivador extraordinário. A inveja como sentimento que exprime
a sensação maçante de falta: algo falta e deve ser obtido e, enquanto
não possa obtê-lo, como poderia ser feliz? Krajcberg sintetiza com sua
216 Khristian Paterhan C.

vida e sua obra essa inveja – tristeza eneagramática, que o leva a fixar
como meta o anseio utópico de provocar uma reação catártica ante essa
constante destruição ecológica. Ele foi testemunha de terríveis perdas
e quer evitar outra grande perda. Ele sabe por dolorosa experiência e
com total certeza que esse espírito destrutivo acompanha desde sempre
seus semelhantes. Luta contra inimigos invencíveis, com uma força que
todo Tipo 4 manifesta diante dos obstáculos que ele enfrenta quando
procura aqueles objetivos nos quais fundamenta sua futura felicidade.
Quanto mais incerteza do fruto, mais sofrimento, mais sensação de
falta, mais mensagens do tipo: “Está vendo, eu não falei que ninguém
compreende!?”

A perda do paraíso

A inveja no Eneagrama é derivada de uma espécie de insatisfação


dolorosa que, para cada Tipo 4, tem uma explicação diferente. No Enea-
grama, perda e inveja escondem a procura angustiante que todos temos: a
procura da felicidade que, para Aristóteles, é a palavra chave para nosso
mais íntimo anseio, como constatamos no início da sua Metafísica. É a
perda dessa felicidade que está por trás desse sentimento de falta, de ca-
rência da qual Platão nos fala no seu precioso diálogo conhecido como O
Banquete. Uma falta que, quando sentida, nos leva à procura dos nossos
paraísos perdidos. Essa é a motivação mais profunda do Ponto 4. Por
acaso não será invejado aquele que parecer ter reencontrado um desses
“paraísos”? Para Tipos 4 as perdas são multiformes. Tão multiformes
quanto nossos próprios “paraísos perdidos”. Não será importante lutar
por recuperá-los? Não serão invejados aqueles que aparentemente os
reencontrarem?
Numa preciosa reportagem da Revista Ícaro da VARIG, escrita por
Frederico Morais, pude verificar minhas suspeitas sobre o Tipo Enea-
gramático deste artista. Sob o sugestivo título de “Krajcberg Escultor
de Florestas”, o autor nos permite conhecer algo do seu mundo interno
mediante suas impressões pessoais quando seu primeiro encontro no
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 217

ateliê que ele instalara, a céu aberto, em Cata Branca, Minas Gerais:
“Revoltado e angustiado como um personagem de Camus, lembrando
fisicamente Van Gogh, travava, naquele cenário, uma luta insólita contra
as convenções da pintura.” Sim, tipos 4 sentem-se e muitas vezes atuam
como seres especiais, originais, sempre revoltados pela incapacidade
dos outros de enxergar o realmente valioso, o importante, que existiu
no passado ou que poderia existir no futuro. Essa fixação relacionada
com o sentir o que outros não percebem, leva Krajcberg a justificar, por
exemplo, sua não participação no movimento neorrealista dizendo: “Eu
gostava da insolência dos artistas do Novo Realismo, que lutavam con-
tra o abstracionismo, mas, na verdade, eu pertenço à minoria que cedo
percebeu a importância da natureza para o futuro dos homens.”

A insatisfação com o presente

Para Tipos 4 será fácil compreender as ações de Krajcberg. Eles sabem


o porquê da insatisfação com o presente, no qual nada é como deveria
ser, e sabem como é que essa insatisfação promove uma sensação de falta
ou de perda, que pode se tornar o argumento para abandonar um pro-
jeto ou para ir embora de uma cidade ou de um país. A felicidade para
Krajcberg parece estar no Brasil longe da Europa na qual só viveu perdas
e sofrimentos: “soldado no front russo, ferido de guerra, toda a família
dizimada em campos de concentração alemães na Colônia, onde nasceu,
miséria e fome em Paris” lembramos o autor do artigo na Ícaro. O artista
encontra no Brasil um desses paraísos perdidos que Tipos 4 procuram
e sonham: “No Brasil, nasci uma segunda vez, tomei consciência de ser
homem e de participar da vida com minha sensibilidade, meu trabalho e
meu pensamento. Os bosques da Europa não me emocionam e as intole-
râncias europeias continuam a me inquietar.” Porém ele sempre sente que
falta algo, até sente que carece da capacidade de expressar a beleza deste
país no qual encontra uma natureza em que “tudo lhe parecia tão lindo e
surpreendente que muitas vezes se viu chorando e dançando de alegria”:
Como expressar na minha obra toda esta emoção e esta beleza?”.
218 Khristian Paterhan C.

Inevitavelmente, o passado virá a se impor à sua alegria e à sua obra.


O Traço Principal não poderá ser evitado. Num determinado momento
ele inicia a defesa da natureza no Brasil. Sua defesa, como ele afirmou
num programa da TV Cultura, se alicerça na lembrança do seu sofrimen-
to na Europa. Esse sofrimento acabou, porém é necessário lembrá-lo.
Como? O autor da reportagem na Ícaro responde: “Sem abandonar Nova
Viçosa, decide em 1978 aprofundar seu conhecimento da Amazônia
brasileira onde já esteve duas vezes. Nessa expedição, é acompanhado
pelo pintor Sepp Baendereck e por Pier Restany, dela resultando, além
de muitas obras, o polêmico manifesto do Rio Negro ou Manifesto do
Naturalismo Integral. Nessa ocasião Restany definiu o artista como ‘o
arauto de uma consciência ecológica nacional e internacional...’” Sim,
nosso artista “descobre” uma nova razão para justificar sua constante
tristeza, sua sensação eneagramática de faltas e perdas: “Doravante,
em sua obra, a beleza está associada à indignação. Krajcberg denuncia
e protesta contra as queimadas do Pantanal Mato-grossense, que ele
passa a visitar com frequência...”
É preciso denunciar. Como as antigas e trágicas perdas da guerra, as
queimadas são um crime contra a humanidade, uma espécie de genocídio
ecológico. Deve-se lutar contra a falta de sensibilidade. O futuro dos
seres humanos está em risco. Como provocar a sensibilização de todos?
Por meio da arte: “Suas obras são realizadas, desde então, com troncos
queimados e carvão. Cria imagens candentes da destruição feita pelo
homem, imagens de revolta. Ele consegue sensibilizar a opinião pública
nacional e internacional: Sua obra recente transformou-se assim em um
manifesto visual...” Assim este notável Tipo 4 nos leva a refletir sobre o
valor da vida: lembrando o passado e advertindo-nos sobre um futuro
trágico que devemos evitar. (Paradoxalmente, sem considerar esse pas-
sado e esse provável futuro, como poderíamos ser felizes no presente?)
O presente dessas florestas magníficas pode ser perdido. Krajcberg nos
abre o íntimo de seu Tipo Eneagramático na frase com que Frederico
Morais finaliza sua matéria: “Não escrevo: não sou político. Minha
mensagem é trágica. Denuncio o crime, a outra face de uma tecnologia
sem controle. Não faço esculturas, procuro formas para que ouçam o
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 219

meu grito. Sinto-me na madeira e na pedra. Esta árvore queimada sou


eu.” Sim, assim é a Quarta Máscara Eneagramática e, sem dúvida, aquilo
que podemos ver e aprender, através dela, é, apenas outra das extraor-
dinárias faces da realidade. Os que queimam florestas e desmatam com
certeza desconhecem o protesto artístico-ecológico deste homem, ou
simplesmente não se importam. Só espíritos sensíveis e realmente sábios
poderão julgar seus esforços. Para Tipos 4, lutar por causas perdidas
faz parte desse jogo em que realizam grandes esforços para alcançar
difíceis metas, sabendo que quando estiverem perto de alcançar seus
objetivos, deixarão de sentir o que sentiam num primeiro instante. É
como se quisessem manter essa sensação de impossibilidade. Ao contrário
dos Tipos 2, eles não desejam sentir o agora, e, ao contrário dos Tipos
3, eles sentem até demais, que o que sentem deve sempre ser algo por
acontecer, algo por vir, algo a resgatar, algo que ainda falta, algo que é
a causa de uma felicidade desconhecida, longínqua, distante, e, por isso
mesmo, sofridamente atraente.

Felicidade... Só de longe, só desejada

Com Krajcberg é possível comprovar o afastamento dos Tipos 4 da


felicidade quando próxima ou achada. O anseio de expressar a beleza da
natureza, da mata, se transforma no temor de perdê-la e essa sensação
de nascer de novo nesta terra abençoada também implicará a descoberta
de uma nova forma de dor e de sofrimento. O paradoxo é que os Tipos
4 não se permitem sentir felicidade mas se mantêm sempre distantes
dela, desejando-a desesperadamente, porém sempre se afastando quando
está pronta para ser obtida. No fim, parece que têm medo da felicidade
porque tiveram grandes e inexplicáveis perdas. E, se todas as coisas
podem ser perdidas, se tudo é passageiro, não será a felicidade algo
que apenas devemos sentir de longe? Esta consideração talvez leve os
Tipos 4 a sentir a melancolia como algo atraente, algo no qual sentem o
que outros não poderiam sentir porque não são capazes de sentir esses
“sentimentos profundos”. Jorge Luis Borges, ilustre Tipo 4 argentino
220 Khristian Paterhan C.

e mestre da literatura hispano-americana, nos transmite esse estado de


espírito que revela a ameaça permanente da possível perda (lembremos
que sua maior perda foi a da visão: “eu que sempre imaginei o paraíso
como uma biblioteca...”, exclama, quando confessa a dor de ser nomeado
diretor da Biblioteca de Buenos Aires no momento em que sua cegueira
se manifesta, impedindo-o de desfrutar de todos aqueles livros) daquilo
que existe no presente mas que pode sumir a qualquer momento, por
meio de alguns dos seus versos, como estes: “Si para todo hay térmi-
no y hay tasa, y última vez y nunca más y olvido, quién nos dirá de
quien en esta casa por última vez nos hemos despedido?7 Os Tipos 4
muitas vezes abandonam trabalhos quando estão dando certo. Outros
até “sabotam” seus projetos. Nossa única aluna Tipo 4, Vera, declara:
“Muitas vezes sou inconstante, vacilante, nos meus planos, projetos,
que muitas vezes ficam inacabados.” É como fugir antecipadamente da
perda iminente convertida numa maneira de sabotar a própria felici-
dade. Só assim se pode confirmar frente aos outros um estado que não
se deseja abandonar. Só quando admitirem a perda que os leva a achar
que nada os fará felizes e a agirem como vítimas das injustiças da vida
que tudo lhes nega, os Tipo 4 conseguirão perceber as possibilidades
reais e concretas de alcançar a tão invejada felicidade que lhes parece
acessível aos outros mas que eles não se permitem sentir. Sim, é muito
complexo. Como poderia ser simples? Não, não fique pensando que “é
tarde demais para mudar” ou coisas do gênero. Ainda que você não
acredite, sei como você se sente. Apenas medite no seguinte: talvez seja
necessário compreender que existe um tipo de “sofrimento inútil”, como
ensina Gurdjieff. Qual o significado de “sofrimento inútil”?

7
Verso que podemos traduzir mais ou menos assim: “Se para todas as coisas existe fim
e medida e última vez e esquecimento, quem nos poderá dizer de quem nesta casa pela
última vez nos despedimos?”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 221

A tristeza de não ser feliz no presente


(ou como se inicia às vezes o “sofrimento inútil”)

No livro A Lei de Cristo: Teologia Moral, o redentorista B. Häring


afirma que “a inveja é uma perversão do nosso instinto de emulação. As
qualidades de outrem me agradam e eu gostaria de também possuí-las!
Isso é normal. Mas o invejoso enche-se de tristeza pelo fato de descobrir
boas qualidades nos outros. Encara-as como obstáculo à sua própria
glória e ao seu próprio desejo de excelência”.
Vamos examinar, no depoimento de Helio, como esta “perversão do
nosso instinto de emulação” pode surgir. Quando criança, ele percebeu
que seu pai tinha uma preferência por seu único irmão. A partir da ideia
de falta e perda que permeia estes Tipos, ele afirma que “esta foi uma
de minhas primeiras perdas emocionais” e que, apesar de ser o filho
preferido da mãe, “isso não compensou a clara preferência de meu pai
por meu irmão”.
Lembrei o bíblico caso da inveja de Caim por Abel no Gênese,
quando li o seguinte: “Meu irmão foi um problema muito sério para
mim. Para começar, eu invejava sua beleza física: louro de olhos
azuis, ele atraía as meninas com muito mais facilidade do que eu,
que inclusive comecei a usar óculos aos nove anos, e era chamado de
quatro-olhos pelas outras crianças. Sentir-me feio, em comparação
a meu irmão, e também pelo fato de usar óculos, foi uma perda que
trouxe inúmeros problemas à minha vida afetiva. Meu irmão sempre
teve uma inteligência brilhante, e um desempenho escolar muito bom,
ficando sempre em primeiro lugar ou perto disso. Além de invejar sua
beleza física, eu também invejava sua inteligência... O sentimento de
inferioridade que adquiri perante meu irmão agravou-se pelo fato de
que ele, mais velho e mais forte, me dominava fisicamente em nossas
lutas corporais. Passei a cultivar um ódio violento por ele, que fez
com que eu o denunciasse a meus pais quando fazia algo errado, só
para vê-lo castigado. Sentia por isso uma culpa enorme – e ele se
afastou de mim, para fazer suas diabruras longe de meus olhos. Foi
também uma perda afetiva... .”
222 Khristian Paterhan C.

Ao refletir sobre este depoimento, podemos sentir o que significa


a perversão do nosso instinto de emulação. Na inveja eneagramática
constata-se uma insatisfação com o que se possui no presente, porque
o que se possui é simplesmente ignorado, ou seja, não conseguimos
ver o valor do que possuímos, o valor daquilo que nos diferencia do
nosso próximo.

O Tipo 4 e o tipo intuitivo introvertido de Jung

A descrição que Jung faz do tipo intuitivo introvertido ajuda a com-


preender esse “estado de espírito” que faz com que Tipos 4 se afastem
do “presente”, sem perceber o que poderia fazê-los felizes “agora”:
“A intuição introvertida está dirigida para o objeto interno (...)
Embora sua intuição possa ser estimulada pelos objetos externos, não
se ocupa das possibilidades externas, mas daquilo que o objeto externo
liberar dentro dele.
Desta maneira, a intuição introvertida percebe todos os processos
de fundo da consciência com quase a mesma clareza que a sensação
extrovertida registra os objetos externos.”

O irmão do Helio parece ser mais feliz porque é o preferido do pai,


porque é mais belo, porque é mais inteligente, porque é mais forte. O
que produz a inveja nos Tipos 4 é uma incapacidade de ver a si mes-
mos e de enxergar o que possuem no presente, porque, como talvez
aconteceu no caso citado, ninguém lhes mostra o quanto são valiosos
ou porque ninguém explica as razões das “perdas”. Não pode existir
autovalorização, autoestima ou amor-próprio sadios, sem o apoio de
alguém que permita essas descobertas. A preferência do pai pelo irmão
o leva a perguntar-se: “por que será que não sou como meu irmão?”
Em sua mente começará a se construir uma razão que se transformará
em ódio: “ele possui a preferência de meu pai porque ele é belo, é forte,
é mais inteligente.” Tudo isto acontece porque ninguém lhe mostrou as
vantagens da sua personalidade. Quando não conseguimos olhar para
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 223

esses fatores que nos tornam diferentes dos outros e que são valiosos
pelo fato de serem únicos e irrepetíveis, terminamos achando que não
existem razões para sermos felizes sendo como somos. Então, falta algo
que os outros parecem possuir. Portanto, Tipos 4 não podem ser felizes no
presente. A tristeza se instala. O sentimento de falta e de perda se alicerça
e a máscara começa a consolidar-se. Quando analisado, o depoimento
nos mostra outras questões eneagramáticas de importância:
Podemos constatar, por exemplo, um forte movimento contra a seta
ao Ponto 1 Eneagramático, quando Helio nos revela: “Passei a cultivar
um ódio violento por ele [seu irmão], que fez com que eu o denunciasse
a meus pais quando fazia algo errado, só para vê-lo castigado.” A raiva
vingativa se faz presente denunciando as imperfeições que ninguém vê
no irmão, uma típica atitude da Primeira Máscara: Vejam, ele não é tão
bom, não é perfeito, acusa o irmão.
Diferentemente de Caim, nosso exemplo não assassinou seu irmão,
nem física nem psicologicamente, tendo superado há muito esse conflito
– “felizmente resgatamos nossos sentimentos fraternos anos mais tarde”
–, provocado por um dos erros mais comuns cometidos pelos pais de
todo o mundo: manifestar preferências exageradas por um dos filhos
ou por alguns filhos, esquecendo que as necessidades de consideração
e amor são iguais para todos e que quando não são levadas em conta,
podem provocar profundas feridas psicológicas que às vezes nunca
cicatrizam, provocando diversas reações negativas que dificultam a exis-
tência harmoniosa desses seres humanos. Vejamos qual foi a estratégia
de Helio para superar sua aparente inferioridade: A percepção errada de
que algo externo é a causa da felicidade do irmão (ele não usa óculos,
ele tem cabelos louros e olhos azuis, ele é mais forte, etc.) faz com que
ele procure uma forma externa de destacar-se perante os outros, para
ser considerado e admirado. A influência do Ponto 3 do Eneagrama e o
movimento ao Ponto 2 “colaboram” para essa descoberta.
Se externamente não pode ser melhor que ele, deve existir algum meio
pelo qual ele consiga destacar-se. Assim, Helio descobre o que o pode aju-
dar a ser considerado pelos outros como valioso: “Destaquei-me sobretudo
pela habilidade na escrita. Os elogios que recebi por minhas redações, no
224 Khristian Paterhan C.

período escolar, me tornaram escritor.” Tornar-se escritor tem sido para


ele até hoje uma fonte de satisfação e, aperfeiçoado como trabalhador da
palavra escrita, reconhece que: “Desloquei-me para minha asa 3 e fiz do
meu trabalho uma grande fonte de felicidade pessoal.”

Ao analisar comparativamente este caso com o seguinte, podemos


constatar que a inveja como “perversão de nosso instinto de emulação”
uma vez mais será a causa do surgimento da Quarta Máscara.
Numa parte do seu depoimento, Vera nossa aluna Tipo 4 nos
revelou:
“Sempre fui muito saudável. Meu pediatra dizia à minha mãe que
eu lhe dava prejuízo, pois dificilmente adoecia. Mas convivi muito com
doenças. Meu irmão mais velho tinha uma doença de pele muito forte,
além de outras alergias, o que nos obrigava a viajar frequentemente
para cidades com estâncias hidrominerais, fazer tratamentos com águas
termais, durante a infância. Acho que pode ter sido esta a razão de me
desenvolver como Tipo 4. Devido à doença, meu irmão recebia atenção
total de toda a família, tios, tias e avó inclusive. Sempre me dei muito
bem com ele, mas apesar de ser a filha favorita do meu pai, eu gostaria
de ter recebido o carinho, os cuidados e as atenções que ele recebia da
família. No início da adolescência uma prima mais nova veio morar
conosco e tive que dividir com ela minha categoria de única princesa
da casa. Sentia inveja dela quando ganhava presentes e passeios mara-
vilhosos do pai dela, enquanto eu nem saía de casa.”
Neste caso, a inveja é provocada pelas atenções dadas ao irmão e à
prima. Eles recebem atenções que ela acha que não recebe. No primeiro
caso, os cuidados dos pais para com o irmão doente não lhe permitiram
receber atenções, cuidados e carinhos. A chegada da prima, que também
recebe atenções do pai, não só aprofunda o sentimento de não receber o
que merece, porque terá que dividir até a “honra” de ser a única “prin-
cesa da casa”, como consolidará a ideia de carência. A falta de atenções
(recebidas pelo irmão) e a perda de atenções (com a chegada da prima)
fundamentam em nossa aluna sua máscara eneagramática, provocada
pelos erros paternos já mencionados acima.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 225

Quando sofrer se transforma na arte


de acabar com você

Vamos lembrar aqui da resposta de Gurdjieff sobre o sofrimento


citado no começo deste capítulo:
Alguém perguntou: “É preciso sofrer o tempo todo para manter a
consciência aberta?” Ele respondeu: “Há muitas espécies de sofrimento.
O sofrimento também é um bastão de duas pontas. Uma leva ao anjo;
a outra, ao diabo. Temos que lembrar o movimento do pêndulo: após
um grande sofrimento existe uma reação proporcionalmente grande. O
homem é uma máquina muito complexa. Ao lado de cada ‘bom caminho’
há sempre um ‘mau caminho’ correspondente. Um caminha sempre ao
lado do outro. Onde existe pouco bem, existe pouco mal; onde tem muito
bem, tem também muito mal. O mesmo acontece com o sofrimento; é
fácil encontrar-se no caminho equivocado. O sofrimento se transforma
em algo agradável. Alguém é golpeado uma vez, e tem dor; a segunda
vez tem menos dor, na quinta vez já está desejando ser golpeado. Deve-
se estar em guarda, deve-se saber o que é necessário a cada momento,
porque a gente pode se desviar do caminho e cair num fosso.”
Seria bom que você se detivesse um instante e meditasse nestas
palavras de Gurdjieff. Especialmente se você corre o risco de “cair no
fosso” quando não se é capaz de enxergar o perigo dos extremos desse
bastão. Como já comentei anteriormente no capítulo sobre o Tipo 6,
nos treinamentos avançados de Eneagrama, temos um exercício em que
utilizamos um bastão numa roda de participantes em pé. O bastão é
lançado do centro da roda, sem prévio aviso, a qualquer um deles. O
exercício, que está baseado em antigas técnicas de autocontrole psicofí-
sico, tem regras precisas: ninguém pode externar temor ao bastão, nem
com gritos nem com movimentos exagerados de defesa, ninguém pode
sair de seu lugar na roda. A pessoa deve receber o bastão com a mão
esquerda, ou com a direita, tentando estar sereno e relaxado, porém
alerta e pronto. As pessoas aprendem muitas coisas importantes com
este simples exercício. Percebem que às vezes imaginam perigos inexis-
tentes, percebem que todos os dias estão recebendo diferentes “bastões
226 Khristian Paterhan C.

da vida”, percebem que podem se autocontrolar e relaxar até conseguir


intuir quando é que o bastão será lançado a um deles, percebem que às
vezes imaginam perigos inexistentes e... também percebem como sofrem
à toa por tudo o que imaginariamente “projetam” no bastão – agressão,
medo, raiva, ameaça, etc. – do que, o inocente bastão não tem nada. O
bastão é percebido apenas de acordo com o que cada um deles projeta
e/ou transfere a ele. Muitos descobrem como vivem projetando e trans-
ferindo diariamente a pessoas, situações e vivências, conflitos, angústias
e outros estados internos negativos, que apenas estão neles próprios.
Aos poucos essa compreensão os leva a realizar mudanças positivas em
relação às suas vidas, permitindo-lhes um estado interno mais relaxado
e harmonioso, aprendendo a controlar suas emoções negativas no dia-
a-dia. Eu defino essa nova atitude como o “aprender a conviver com o
bastão da existência”.
Enquanto o exercício se desenvolve, algumas questões são lembra-
das. Uma delas é: “Aprenda a não ficar muito tempo com o bastão no
seu poder, aprenda a se desfazer dele. Receba e solte. O mesmo deverá
ser feito com as experiências da vida. Não se apegue. Aprenda a soltar
o bastão qualquer que seja a forma que ele tomar na sua existência.”
Uma das formas de apego mais difíceis de compreender é o apego ao
sofrimento. E os Tipos 4 são os mais vulneráveis a este apego masoquista.
Algumas vezes, nem sequer se dão conta de como isso se repete em suas
vidas, tomando mil formas diferentes, sendo algumas tão “razoáveis” que
enganam durante anos os seus hipnotizados sofredores, aprisionando-os
numa teatral “dor de existir”, sem permitir-lhes compreender o quão
inúteis são esses seus amados “sofrimentos”. Vamos analisar como este
“sofrimento inconsciente e tolo” como o definia Gurdjieff, consegue
fazer vítimas entre nossos incompreendidos e especiais Tipos 4. (Lembro
aqui que esta forma de sofrimento dito inconsciente é comum a todas
as máscaras.)
Uma aluna Tipo 4 que participou dos nossos workshops declarou
certa vez: “Às vezes, deitada, gostava de imaginar que estava morta...
Imaginava quantas pessoas amigas se reuniriam ao meu redor e observava
quem estava presente e quem faltava... .”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 227

Não é interessante? Neste caso podemos constatar o que significa


sofrimento inconsciente teatralizado. Quando os Tipos 4 têm fantasias
da própria morte (de como seria seu suicídio, onde gostaria de morrer e
como gostaria de morrer, se por amor, etc.) eles não conseguem perceber
que estão perto do “fosso” provocado pela polarização negativa no
bastão do sofrimento. Essa polarização vai se “cristalizando” com tanta
sutileza ao longo dos anos, que alguns Tipos 4 até demoram a perceber
que esse sofrimento “tolo”, inicialmente “teatralizado”, vai degenerar
numa forma de viver e sentir erradas. Vejamos como isso acontece neste
depoimento: “Como forma de chamar a atenção de meus pais, descobri
o poder do teatro do sofrimento: ficava amuado num canto, silencioso,
até que fossem cuidar da minha tristeza. O jogo, claro, fazia mais sucesso
com minha mãe, mas funcionava. Desenvolvi um prazer masoquista nesse
teatro. E a máscara do sofrimento tornou-se uma arma de controle da
atenção e do comportamento dos outros.”
Para cada Tipo Eneagramático existe um modo de chamar a aten-
ção dos outros. Este é o modo dos Tipos 4: usar o poder do teatro do
sofrimento. Alguns Tipos 4 demoram muito a perceber o controle que
esse sofrimento passa a ter sobre suas vidas. Às vezes eles o superam
após um longo processo marcado por experiências dolorosas como no
caso do Helio. Outros, como no caso seguinte, perceberam essa “fixa-
ção” da máscara, graças à descoberta do Eneagrama. Refiro-me a uma
senhora que, num dos nossos workshops, expressou por escrito e de
uma maneira brilhante, o impacto sofrido ao descobrir sua “Máscara
4” com estas palavras:
“...Desabei ao dar de cara com o Tipo 4. Foi tão forte o impacto que
não consegui conter a emoção que extravasou-se em fortes lágrimas, que
só com muito esforço consegui reter para que minha introspecção e a
descoberta recente do porquê de tantas coisas não se tornassem soluços
dignos de uma peça shakespeariana. Não, não estou jogando asas para
a mordaz ironia do 7... Eu sinto estar pronta, convicta, passada e repas-
sada por tantas provas. Portanto, fazer teatro só se for como um ator
profissional ou amadorístico. No dia anterior... Escrevi o seguinte: ‘aos
amados amigos... . Uma gotinha de esperança para adoçar esse cotidiano
228 Khristian Paterhan C.

tão cheio de surpresas que não podemos deixar que empanem a beleza da
vida’. Ora! Só o cotidiano do número 4 pode ser tão cheio de surpresas
amargas, de perdas dolorosas, de traições inacreditáveis.”
Basta examinar esta parte do extenso depoimento entregue por
esta gentil mulher, para constatarmos o que chamamos de “sofrimento
inconsciente”. Suas palavras veementes têm o objetivo inconsciente de
mostrar-se direta ou indiretamente como a pessoa mais sofredora: “de-
sabei ao dar de cara com o número 4...”; ...”foi tão forte o impacto que
não consegui conter a emoção, etc.”... “passada e repassada por tantas
provas”. Inconscientemente ela reconhece seu “teatro do sofrimento”,
embora o rejeite: “soluços dignos de uma peça shakespeariana”, “fazer
teatro só se for como ator profissional ou amadorístico (este último
esclarecimento é simplesmente fantástico). O confronto com a máscara
provoca nela uma necessidade de justificar seus sofrimentos inconscientes
da seguinte maneira:
“... Como posso evitar que o impacto com as surpresas desagradáveis
tornem minha vida um mar de lágrimas?” Ela mesma pretende dar a
resposta, a qual, como sempre, de modo veemente, trágico e exagerado
com que alguns Tipos 4 permeiam todas as suas ações e descobertas e
que, logicamente, é uma das causas dos seus sofrimentos inúteis:
“Preparando meu instrumento para refletir à luz, aguçando meus
sentidos para a obtenção do autocontrole e a canalização consciente
de minhas forças, de minha vontade para objetivos anteriormente
priorizados como mais importantes a serem realizados nesse ínfimo
espaço-tempo de que dispomos nessa etapa de vida... é termos o controle
sereno da vida... Em sincronia com a Magnificência da Força Criadora
do Cosmos, a qual devemos nos render e aceitar os desígnios dos quais
desconhecemos as causas.”
Talvez você seja desses Tipos 4 que conseguem perceber a tempo
quais as falhas desse “jogo” do “teatro do sofrimento”. Caso contrá-
rio, vale a pena refletir sobre quais foram as “falhas” que nosso aluno
descobriu nessa atitude “masoquista” perante a existência, e que hoje
parece ter superado o bastante para transformar-se num “exemplar” 4,
mais equânime:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 229

“Na adolescência, transferi esse jogo (o teatro do sofrimento) para o


campo da relação amorosa. Funcionava bem com algumas garotas (es-
pecialmente, claro, as de Tipo 2). E tudo era dinamizado com as poesias
trágico-românticas que eu escrevia. O jogo tinha duas falhas graves. A
primeira era esta: as garotas queriam namorados alegres, de alto astral.
Meu teatro do sofrimento às vezes atingia tal carga dramática, que a re-
lação ficava pesada, desgastada, insustentável. Então eu era abandonado
ou trocado por outro, de alma mais leve, de cabeça menos complicada.
Isto criou em mim o pânico de ser abandonado, e minha insegurança
tornou-se visível, fragilizando ainda mais as relações e causando novos
abandonos. Dos 14 aos 17 anos, passei perigosamente à borda do abismo
do suicídio. Cheguei mesmo a fazer o teatro do suicídio, como ameaça,
como arma de controle. A outra falha do jogo era o sofrimento maior
que ele me causava. Como eu me achava pouco atraente fisicamente,
criava personagens sedutores para as garotas. Fazia o tipo poeta, muito
original... Fazer um personagem me punha em pânico. Eu estava con-
victo de que não seria, nunca, amado pelo ser que eu realmente era.
Precisava, portanto, vestir uma máscara. Mas, e se fosse descoberto? Até
quando o personagem seria sustentável? Não era inevitável que eu fosse
abandonado mais cedo ou mais tarde, quando fosse flagrado em minha
insegurança, meu sentimento de inferioridade, em minha incapacidade
de ser eu mesmo? Como personagem, eu estava fora da relação, não era
eu mesmo. Qualquer felicidade seria teatral, externa, não verdadeira,
não alojada no fundo de meu coração.”
Esta questão de “fazer um personagem” é muito interessante. A in-
fluência do Ponto 3 Eneagramático é flagrante nesta atitude de “parecer
outro” que aparentemente é mais bem-sucedido ou mais aceitável pelos
outros. Por outro lado, esconde uma clara manifestação da inveja.
Às vezes essa tentativa de parecer uma outra pessoa, de mostrar-se
diferente, é considerada como uma forma de “renegar” a si mesmo. Isto
é o que podemos comprovar no depoimento da nossa brilhante aluna:
“Ter renegado minhas raízes cristãs, ter reprimido de forma tão formal
meu modo de ter, ser e sentir, ter tentado extirpar o crer profundo por
um saber com suas bases no intelecto e na razão, mesmo que tentando
230 Khristian Paterhan C.

dar voltas pela sensibilidade...”. Num outro trecho indaga: “por que
essa enorme atração por máscaras pela vida afora? Em minha poesia há
tantos tipos, tantas máscaras que uma pintora chegou a pintar inúmeros
quadros baseados nos meus poemas...” e se descobre justamente num
desses quadros em que “o Pierrô tirou a máscara e a Colombina conti-
nuou seu jogo mascarada”. Ela descreve assim sua descoberta: “Um dia,
refletindo sobre a beleza do quadro, fiquei chocada ao certificar-me de
que aquela Colombina era eu. Então enumerei todas as máscaras usadas
no decorrer da vida e fiquei atônita ao constatar como, nos poemas, lá
estavam descritos certinhos os papéis assumidos. Percorreu-me um frio
pela coluna! Afinal, quem era eu?”
Esse viver assumindo outros papéis, renegando a si mesma, criando
um “personagem”, botando uma máscara, além de ser em si uma causa
de sofrimento, vai gerar outras reações negativas. É um sofrimento que
pode chegar a ser somatizado. Nossa aluna percebe que essa repressão
do seu modo de ter, ser e sentir “... Levou-me a um estado emocional
tal que comecei a somatizar minha dor pela pele, pelo pâncreas e depois
pelo coração...” Uma reação semelhante vai acontecer com nosso aluno:
“Aos 17 anos passei a sofrer de uma enxaqueca miserável, que não me
abandonava e me provocava insônia e a sensação de estar enlouquecen-
do... Meu pai me levou ao médico e ficou evidente que eu precisava de
ajuda, de um tratamento terapêutico. Precisei tomar calmantes pesados
para conseguir dormir.”
É necessário assinalar aqui que a somatização do sofrimento incons-
ciente manifesta-se em todos os Tipos Eneagramáticos, sendo que, para
Tipos 4 e Tipos 6, essa somatização pode ser muito mais severa e/ou
desastrosa, razão pela qual estes tipos e os tipos ligados diretamente pelo
movimento da seta eneagramática (Tipos 1 e 2 para o caso do Ponto 4
e Tipos 9 e 3 para os casos ligados ao Ponto 6), devem tentar realizar
um trabalho mais profundo a respeito.
Espero que você, querido (a) leitor (a), Tipo 4 ou não, reflita nas suas
próprias formas inúteis de sofrimento e tome as medidas necessárias para
que não dominem de tal maneira sua existência a ponto de convertê-lo
(a) numa vítima de si mesmo (a).
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 231

Iniciando o processo de mudanças positivas, a observação


dos companheiros eneagramáticos 3 e 5

Você descobrirá muitas “dicas” sobre seu mundo interno, observando


as influências dos Pontos 3 e 5 do Eneagrama. Os aspectos positivos do
Ponto 3, tais como a capacidade de trabalho, de encontrar satisfação nas
suas conquistas ao mesmo tempo em que luta por atingir metas e objeti-
vos, podem ajudá-lo a não abandonar seus projetos antes de concluí-los.
Os Tipos 4 estão num ponto do Eneagrama no qual é preciso aprender
a finalizar projetos, evitando os desvios, ainda que pareçam existir
muitas razões para abandoná-los. Peço para que você reflita e aprenda
a contrariar sua máscara quando sinta esse impulso de não chegar até
o fim nos seus projetos, ou quando justifique racionalizando o porquê
de determinados desvios nas ações realizadas ao longo de sua existên-
cia. Do Ponto 3 aprenda também os perigos de mentir-se em relação à
aparente impossibilidade de ser feliz. Aprenda do 3 a curtir seu presente
e agradeça e valorize o que possui hoje. Aprenda a viver mais presente
e no presente, permitindo-se ser feliz e parando de sofrer inutilmente.
Seja mais extrovertido e curta suas conquistas pessoais.
Do Ponto 5, os Tipos 4 possuem a capacidade de pensar, raciocinar
profundamente e o gosto de estar sozinhos. (Krajcberg gosta disso e até
construiu sua casa no topo de uma árvore na Bahia. Algo que qualquer
Tipo 5 adoraria, certamente). Os Tipos 4 são pessoas inteligentes, capazes
de observações e pensamentos originais e interessantes. Gostam de estar
sozinhos, como reconhece nossa aluna neste depoimento: “... Me sinto em
paz, serena e tranquila quando me interiorizo. Quando estou só comigo
mesma, estou com uma sensação interna muito boa e agradável. Quando
estou estressada busco, quando posso, ficar comigo mesma, e me equilibro
emocionalmente.” Do Ponto 5, procure evitar que essa capacidade de ra-
ciocinar não se transforme em capacidade de racionalizar negativamente
suas perdas e faltas. Tente reconhecer como nossa aluna que “algumas
vezes, quando sou tomada por um sentimento negativo, ficar só aumenta
ainda mais a dor, porque procuro racionalizar o sentimento e muitas vezes
isto leva-me a um estado depressivo”. Então, fique de olho...
232 Khristian Paterhan C.

Do Ponto 5, Tipos 4 deveriam aprender a refletir e sentir menos


emocionalmente. O problema aqui é não “saber sentir”. Sente-se com
exagero. Daí a necessidade de ser equânime. Os aspectos negativos da
influência do Ponto 5 que deverão ser evitados são, entre outros, a ten-
dência a criticar ou desmerecer os outros, a tendência a afastar-se das
pessoas, lembrando que “solidão” não é “isolamento”, a tendência a
um pensar negativo em relação ao presente e a tendência à autocrítica
destrutiva.

Percebendo o negativo e o positivo


dos movimentos aos pontos 2 e 1 – (ver figura na página 334)

O movimento da seta para o Ponto 2 provoca nos Tipos 4 im-


portantes reações. Quando negativo, esse movimento os transforma
numa espécie de sofredor orgulhoso. Sofrer passa a ser um destaque
da personalidade. Por outro lado, COLABORA na teatralização dos
seus sofrimentos com objetivo de atrair a atenção dos demais. Não
exagere suas possíveis carências. Não pretenda, como os Tipos 2,
ajudar os outros ilimitadamente. É positiva sua sensibilidade pelos
sofrimentos dos outros, mas aprenda a “desidentificar-se” quando
necessário. Evite manipular os outros e tente não depender demais do
“ombro amigo”. O positivo do movimento ao 2 se produz quando
os Tipos 4 aprendem a estar com os pés no chão graças ao cultivo
da humildade egoica. Não “inflacione” seu ego, a ponto de achar
que você é único, original e tão diferente dos outros que até dá a
impressão de não ser deste mundo. No movimento contra a seta ao
Ponto 1, você descobrirá como seu anseio por uma felicidade futura
ou por voltar a viver uma felicidade perdida evolui associado à ideia
de uma “perfeição” (o trabalho perfeito, a atividade perfeita, o local
perfeito, etc.) que não existe na realidade. Este movimento negativo
contra a seta está presente numa parte do depoimento da nossa aluna.
Reflita no que ela percebe desta “busca” idealizada do que poderia
ser a situação perfeita:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 233

“Quando enfim estava estagiando e com a possibilidade de pós-


graduação no Museu Nacional do Rio de Janeiro, resolvi abandonar
tudo em troca de um sonho maior: viver no campo... Até hoje a minha
indecisão me impede de promover realizações...”

Lembre-se, não admita o sabotador interno. Decida parar de sofrer


inutilmente a partir de agora. Aprenda a observar como a insatisfação
com o presente provoca uma raiva interna que aumenta a dor de viver.
Aprenda a ser menos crítico em relação à sua realidade e na sua percep-
ção das pessoas que se relacionam com você direta ou indiretamente.
Esta atitude positiva pode salvá-lo da armadilha de querer descobrir “a
quinta pata do gato”, que na verdade... não existe! O positivo do movi-
mento ao Ponto 1, é que ele permite a você poder cultivar a Serenidade.
Não seja rígido com você a ponto de essa rigidez ofuscar sua visão de
outros ângulos da realidade. Cultivando a Serenidade, você aprende a
relaxar e sentir o que possui para ser feliz no presente, porque relaxado
você fica mais ciente da existência real. Serenidade e Equanimidade se
complementam.
Ao referir-se ao positivo que este conhecimento trouxe à sua existên-
cia, nosso aluno 4 termina seu depoimento lembrando que precisa “tra-
balhar os demais planos do ser (principalmente o físico), para vivenciar
o Eneagrama numa plenitude maior, mais humana, mais enriquecedora,
mais próxima da nossa verdadeira essência”.

Na verdade, os Tipos 4 ganham em consciência de si quando traba-


lham o Centro do Movimento. A razão é simples: O Centro Físico está
sempre no momento presente. Manifestar-se conscientemente mediante
ele facilita o Trabalho. Hermeticamente, isto se explica graças à Lei de
Correspondência: se é assim externamente (presença por intermédio do
Centro do Movimento), assim será internamente (presença do observador
no momento presente).
234 Khristian Paterhan C.

Trabalhando para conseguir ser equânime

Já dissemos que Tipos 4 são pessoas de percepção e sensibilidade


extraordinárias. Aliás, isso é fácil de constatar nos exemplos e depoi-
mentos citados neste capítulo. O fato de serem sensíveis ao sofrimento,
faz deles pessoas muito fraternas e compreensivas, capazes de ajudar a
outras pessoas. Existem certos aspectos que fazem de Tipos 4 e 8 seme-
lhantes na procura da justiça. Por meio de meios diferentes, ambos os
Tipos sentem-se chamados a combater injustiças.

A prática da Equanimidade, virtude a ser descoberta e praticada pelos


Tipos 4, pode fazer dessa sensibilidade ao seu sofrimento e ao dos outros
uma poderosa ferramenta de crescimento e progresso pessoal e coletivo.
Podemos definir a Equanimidade como a capacidade de ficar no meio
em relação aos extremos do sofrimento. É essa capacidade de achar o
que Buda chamou “o Caminho do Meio”, que fica a igual distância dos
extremos do nosso famoso bastão.
Se o sofrimento inconsciente é uma tolice, o sofrimento consciente é
um poder nas mãos daqueles que aprendem a usá-lo.
Os meus alunos aprendem, por meio de práticas precisas, essa dife-
rença, e chegam a utilizar o sofrimento consciente como um instrumento
gerador de benefícios deliberadamente objetivados.

Quando alguém que possui esta Máscara Eneagramática descobre


suas formas de “masoquismo”, está perto da Equanimidade, porque
esse “dar-se conta” é o primeiro passo para se tentar mudanças efetivas.
Para isso se precisa considerar externamente e não achar que o “nosso
sofrimento é único e inigualável”. O nosso aluno descobriu que a so-
matização do seu sofrimento foi um processo que lhe permitiu melhorar
interna e externamente, aos poucos, como ele mesmo descreve:

“Como eu sabia que meu pai não tinha dinheiro para o tratamento,
mas que se sacrificaria por mim, tomei a decisão de fingir que estava
bom. Joguei o vidro de calmantes pela janela e até hoje, 29 anos depois,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 235

nunca mais coloquei em minha boca algo semelhante. Pela primeira vez
em minha vida, decidi não mais apoiar-me em fantasias, nem em gozos
teatrais masoquistas, nem em qualquer muleta externa. Resolvi cami-
nhar pelas próprias pernas, usando minhas próprias forças, enfrentando
sozinho meus próprios fantasmas. Creio que foi minha primeira grande
atitude saudável perante a existência, a primeira grande conquista de
autonomia. E comecei a melhorar.”

Na continuação do depoimento pude constatar como ele conseguiu


ultrapassar momentos que, para outros “românticos trágicos”, teriam
sido difíceis ou impossíveis de superar. As influências positivas dos Pontos
3 e 2 foram fundamentais. Veja a continuação, como isso aconteceu:
Após ter superado uma “séria inclinação ao suicídio” devida ao rom-
pimento com uma garota por quem era apaixonado, ele decide “explodir
com tudo”, ou seja, destruir seu passado de sofrimento e reiniciar sua
vida longe de sua terra natal (está lembrando Krajcberg abandonando
a Europa?... Pois é... Também Sá-Carneiro, enfim, como a felicidade
parece nunca estar aqui...):
“Abandonei meu curso de Psicologia no meio do segundo ano... E
junto com uma amiga recente, mudei-me com a cara e a coragem para o
Rio de Janeiro. Nesta cidade, fui mais feliz.... Passei a representar cada
vez menos, embora não na velocidade desejável. Devo confessar que as
perdas amorosas me aprisionaram muito tempo no passado, num limbo
de sofrimento, não em um paraíso perdido, mas numa mescla de dor
e vazio aparentemente insuperáveis, que só o tempo poderia curar – e
esse tempo de cura demorava muito a chegar, pois o vício do sofrimento
estava enraizado em meu coração.”
236 Khristian Paterhan C.

Superando “o vício do sofrimento”

A última parte do depoimento deste aluno me fez lembrar a resposta


que o sábio Sileno8 deu ao poderoso Rei Midas, após um duro interroga-
tório com o qual o lendário rei “o obrigou a transmitir-lhe importantes
ensinamentos”, revelando-lhe com desdém que o mais conveniente para
ele, como parte da espécie humana, e portanto, conveniente a todos nós
humanos era, simplesmente, morrer: “O melhor de tudo é para ti intei-
ramente inalcançável: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso,
porém, o melhor para ti é logo morrer.” Com certeza, para alguns Tipos
4 tão sensíveis ao sofrimento e tão trágicos quanto os gregos da época de
Eurípedes, essa dura resposta teria sido um bom motivo para afundar de
vez no “vício do sofrimento” e ainda seria uma boa razão até para justificar
o suicídio. Porém, nosso aluno teria questionado ao velho e sábio Sátiro.
A descoberta do sofrimento como um vício,9 um vício que ele re-
conhece ter superado após anos de grandes lutas internas, “auxiliado...
pelos choques dados pela vida e pelos toques que recebi das pessoas mais
próximas”, foi o que finalmente o conduziu após os 30, e já cansado de
tanto sofrimento inútil, à descoberta dos primeiros frutos da equanimi-
dade: “... Consegui finalmente contrariar minha máscara e abrir espaço
para a entrada da felicidade em meu coração!” Sim, não importa quanto
tempo você demore para compreender que o sofrimento inconsciente é
um VÍCIO, um vício que faz com que os Tipos 4 percebam, como nossa
aluna, que essa atitude tão trágica perante a existência não é boa por
que: “Sempre insatisfeita. Os ideais nunca eram atingidos! A realidade
era sempre castradora e esmagadora se não cruel e ameaçadora!”

8
O lendário “pai dos Sátiros” e “educador de Dioniso”, segundo nos ensina o saudoso
Prof. Junito Brandão no seu Dicionário mítico-etimológico (Edit. Vozes). Sugiro a leitura
do livro O nascimento da tragédia no qual F. Nietzsche comenta esta lenda.
9
Hoje a neurociência comprova o que Gurdjieff ensinava sobre o “sofrimento tolo”: o
cérebro se “vicia” (emotional adiction) em emoções negativas ou positivas, agradáveis
ou desagradáveis.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 237

Então, mudar de atitude é fundamental para conseguir vivenciar a


virtude da equanimidade. Não se deixe influenciar demais pelo “velho Sá-
tiro” Sileno que nos lembra o trágico da nossa existência. É verdade que o
sofrimento existe, porém não é verdade que a felicidade não possa existir
nas nossas vidas. Sofrimento e felicidade são apenas o natural movimento
do pêndulo existencial. Ficar à mesma distância dos extremos desse mo-
vimento é o segredo oculto nesse Arcano Maior do Tarô chamado por
Aleister Crownley, “A Arte”, sim, a arte de viver neste Templo da vida cujo
chão está formado de quantidades iguais de quadrados pretos e brancos,
conformando um harmonioso e belo Mosaico pelo qual devemos aprender
a caminhar equânimes, aplicando o Princípio Hermético da Polaridade.

Aplique o conselho de Gurdjieff

Assim como no início deste capítulo citei uma resposta de Gurdjieff em


relação ao tema do sofrimento, acho oportuno citar outra ao final. Espero
que você reflita sobre ela e se lembre dela a cada dia. Quando alguém pergun-
tou a Gurdjieff: “qual o papel do sofrimento no autodesenvolvimento?”, ele
respondeu: “Existem duas classes de sofrimento: consciente e inconsciente.
Somente um tolo sofre inconscientemente. Na vida existem dois rios, duas
direções. No primeiro rio, a lei é somente para o rio, não para as gotas
d’água. Nós somos as gotas. Num momento uma gota está na superfície,
num outro momento está no fundo. O sofrimento depende da sua posição.
No primeiro rio, o sofrimento é completamente inútil, porque ele é acidental
e inconsciente. Paralelo a esse rio tem um outro. Neste outro rio existe outra
classe de sofrimento. A gota do primeiro rio tem a possibilidade de passar
ao segundo. Hoje a gota sofre porque ontem não sofreu o suficiente. Aqui
opera a Lei de Retribuição. A gota também pode sofrer por antecipação.
Cedo ou tarde tudo se paga. Para o Cosmo o tempo não existe.
O sofrimento pode ser voluntário e somente o sofrimento voluntário
tem valor. A gente pode sofrer simplesmente, porque se sente infeliz. Ou
pode sofrer por ontem para preparar-se para o amanhã. Repito, somente
o sofrimento voluntário tem valor.” Boa reflexão!
Parte III

Centro Intelectual

Tipos 5, 6 e 7
O Tipo 5

O eu
que pensa

Gurdjieff ensinava que “é impossível lembrar-se de si mesmo. E


não podemos nos lembrar, porque queremos viver unicamente pelo
mental... Talvez vocês se lembrem do que dissemos do homem: nós
o comparamos a uma atrelagem com um amo (o Ser), um cocheiro
(Centro Intelectual), um cavalo (Centro Emocional) e uma carruagem
(Centro do Movimento). Não podemos nem falar do amo, pois ele não
está presente; de modo que só podemos falar do cocheiro. Nosso
mental é o cocheiro... Todos os interesses que temos em relação à
mudança e à transformação de nós mesmos pertencem apenas ao
cocheiro, quer dizer, são unicamente de ordem mental... A transforma-
ção não se obtém pelo mental; se for pelo mental, não tem nenhuma
utilidade. Por essa razão devemos ensinar, e aprender, não por meio
do mental, mas do sentimento e do corpo... Naqueles que estão aqui,
aconteceu acidentalmente um desejo de chegar a algo, de mudar al-
guma coisa. Mas apenas no mental. E nada mudou ainda neles. Não
passa de uma ideia que têm na cabeça e cada um permanece o que
era. Mesmo aquele que trabalhasse mentalmente durante dez anos,
que estudasse dia e noite, que se lembrasse mentalmente e lutasse,
mesmo esse não realizaria nada útil ou real, porque mentalmente nada
há para mudar. O que deve mudar é a disposição do cavalo. O desejo
deve estar no cavalo e a capacidade na carruagem. Mas como já dis-
semos, a dificuldade é que, devido à má educação moderna, a falta
de relação entre nosso corpo (carruagem), nosso sentimento (cavalo)
e nosso mental (cocheiro) não foi reconhecida desde a infância, e a
maioria das pessoas está tão deformada que não há mais linguagem
comum entre uma parte e outra...”
242 Khristian Paterhan C.

Certa feita, falando sobre a necessidade do desenvolvimento harmo-


nioso dos três centros no ser humano (Físico, Emocional e Intelectual),
Gurdjieff disse: “Em cada um de vocês, uma das máquinas internas que
os constituem está mais desenvolvida do que as outras. Não há nenhuma
conexão entre elas. Só se pode chamar homem sem aspas aquele em
quem as três máquinas estão igualmente desenvolvidas. Um desenvolvi-
mento unilateral só pode ser prejudicial. Um homem pode possuir certo
saber, pode saber tudo que deve fazer... esse saber é inútil e pode até
se revelar perigoso. Cada um de vocês é deformado...”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 243

Não, por favor, não quero invadir sua privacidade com esta
análise... O quê?..., Claro! Ora bolas! Tenho certeza de que você
tem que raciocinar sobre esta interessante tipologia antes
de emitir qualquer opinião...!

Quando visitei Petrópolis (RJ) pela primeira vez, tive a oportunida-


de de conhecer os “fragmentos externos” da vida e obra daquele que,
na minha opinião, foi o mais importante Tipo 5 brasileiro. Conheci
sua “racional” casa, na qual até os degraus da escada que permitem
chegar ao ninho desta brilhante “águia” foram pensados. Como é que
as pessoas não percebem que não vale a pena construir degraus com-
pletos numa escada já que pisamos em um de cada vez, ora com o pé
direito, ora com o esquerdo? Pensou na economia de material? Bom,
talvez em alguns casos as escadas tenham que continuar sendo do tipo
que conhecemos. Porém, você concordará comigo que esta ideia bem
que poderia ser considerada. Os governos e as empreiteiras poupariam
recursos e a gente pouparia grana, certo? E que dizer do uso racional
do espaço que você percebe nessa casa...? E o chuveiro a álcool (dizem
que é muito mais econômico que o elétrico ou a gás!)? E a mesa que de
noite serve como cama? Porém, o mais notável é o local que escolheu
para mandar construir essa sua casa. Uma encosta íngreme, na qual
ninguém pensaria em construir... (eu sei, você talvez pensasse, sim...)
Com certeza, ele comprou barato esses metros quadrados de terra,
justamente, pelo inadequado que deve ter parecido a qualquer um
construir ali qualquer coisa! Mas ele fez. Eu nem sei se ele está gostando
que turistas como eu invadam sua casa. Enfim. Ele fez por onde merecer
essa nossa curiosidade, certo?... Sim, você acertou: estou me referindo
ao genial inventor de fama internacional Alberto Santos Dumont. Um
Tipo 5 que, como Leonardo da Vinci (outro 5 notável), encontrou no
exercício da razão e da inteligência criativas um meio (para eles o mais
importante) de comunicar-se com seus próximos. De outra maneira,
teria sido muito difícil, com certeza. Amante das alturas, Santos Dumont
tinha nessa casa até um observatório... Gostava de ficar horas olhando
as estrelas... sozinho. Sua vida foi especial. Quando seu pai, um homem
244 Khristian Paterhan C.

rico, o estimula a conhecer o mundo e a aperfeiçoar seus conhecimentos,


deixando claro que pode fazê-lo porque sua fortuna lhe possibilitará
fazer o que quiser sem preocupações materiais, Santos Dumont inicia
uma vida de descobertas maravilhosas e úteis para todos, num claro e
produtivo movimento ao melhor do Ponto 7 Eneagramático. Poderia
ter dilapidado sua fortuna nos prazeres de um dolce far niente como um
bon vivant na tentadora França da época... Porém, ele tinha um destino
e seus frutos geniais nos fazem refletir sobre o que Gurdjieff chamava
de nossa “dívida com a existência”. Sua vida emocional foi complicada,
tinha, como todo 5, dificuldades para relacionar-se. Uma das mulheres
que conheceu e com a qual manteve o que poderíamos chamar de “um
romance”, foi uma chilena com a qual parece ter podido conciliar essa
necessidade de solidão-liberdade com a discrição que muitos Tipos 5
procuram.
Nossos vizinhos americanos “mestres”, segundo Gurdjieff, “na arte
de converter moscas em elefantes”, deram um jeito para que este brasi-
leiro ilustre perdesse os créditos como “Pai da Aviação Mundial” para
os famosos irmãos Wright. (Em viagem ao Brasil, em 1997, o presidente
do EUA, Bill Clinton, reconheceu a primazia de Santos Dumont.) Como
latino-americano, me enche de orgulho sua existência, até porque, quan-
do estudei história no segundo grau, ninguém me falou de Santos Dumont
no Chile... Mas agora que a América Latina está se unindo mais graças ao
Mercosul, é valioso que todos saibamos como nestas terras têm nascido
“elefantes de verdade” e não “apenas moscas” (este é o meu 8 fazendo
comentários!). Quando li em algumas enciclopédias sobre este grande
homem, percebi um outro aspecto de seu traço principal: ele numerava
seus balões – balão número 1, 2, 3, etc., até o 14-bis! Você não deve
estranhar, claro. Porém eu, como “velho” analista de tipos humanos, vejo
nesse fato outra manifestação típica dos donos desta quinta máscara.
Só Tipos 5 conseguiriam botar número em inventos que outros Tipos
Eneagramáticos batizariam com nomes da amada, da mitologia, ou até
da mãe! Os balões não se chamam “Vento do Norte” ou “Carlota I”
e sim Dumont 1, 2, 3... até 14-bis! Sim, eu sei que você concorda com
essa nomenclatura científica e racional... a razão é simples: você é Cinco!
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 245

O suicídio deste inventor extraordinário (até o relógio de pulso foi ideia


dele) confirmou minha suspeita em relação à forte influência do Ponto 4
que se pode advertir na sua vida e nos textos por ele escritos.
Ele nunca pensou que seu invento fosse um dia ser usado de manei-
ras incrivelmente destrutivas, ainda que não descartasse seu uso bélico.
Também jamais pensou que alguns de seus compatriotas o esqueceriam
em vida e lhe negariam até a construção de um Museu da Aeronáutica
no Rio de Janeiro. Ele aos poucos se desiludiu com os homens...!
O movimento ao Ponto 7 é outro dos “detalhes” eneagramáticos notá-
veis neste homem. Sempre planejando novas aventuras... Na França, ele se
comportava como um bom 7 faria. Veremos que essa conduta é típica em
Tipos 5. Compare este tipo de movimento “sem censura” ao comentado
no caso de Tipos 1, “fugindo” da sua “ordem” para relaxar. Sair do seu
castelo é um chamado à aventura, um chamado a ser livre de todas as
censuras. Em Paris, ele será capaz de reunir-se às pessoas com o objetivo
de mostrar seus inventos e máquinas, realizará demonstrações públicas,
será até o dono de um carro vermelho! Um exagero, claro! Mas Tipos 5
quando têm possibilidades ou necessidades de ir até o Ponto 7 (ou contra a
seta do 8), fazem cada coisa extravagante! Amava voar, amava a liberdade
dos céus nos quais com certeza achava-se à vontade, observando do alto
seus semelhantes... altos pensamentos... voos da águia livre que ele era...
voos que lhe permitiam isolar-se nas alturas como um novo Ícaro redimido
e triunfante... Por outro lado, esta maneira de manifestar-se externamente
confirma que ele é o que Don Richard Riso qualifica como Tipo 5 “sadio”,
um “visionário”, um “gênio”, um “inovador”. Quando a águia se refugia
no seu ninho localizado num ponto íngreme da protegida e imperialmente
isolada Petrópolis, talvez ele já fosse um daqueles Tipos 5 que não tinha
mais fé nos seus irmãos da espécie. Suas clarividentes visões do futuro o
fazem semelhante somente a um Julio Verne. Escreveu dois livros, um dos
quais tem o título de O que vi e o que veremos (aliás, um título tão próprio
de Tipos 5, no sentido de refletir esse constante estado de observação do
mundo e dos demais que os caracteriza), em que “vê” o futuro da aviação
como meio de transporte de massas e mercadorias. Enfim. Gostei muito
de “descobrir” este brasileiro tão único e admirável.
246 Khristian Paterhan C.

Consideração interna e o traço principal:


a tendência ao isolamento (ou da sutileza da avareza)

Quando ministramos o workshop do Eneagrama para mais de 70


voluntários do projeto Simplesmente Copacabana, no ano de 1996, sob
o patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro e do Banco Real, tivemos
a oportunidade de conhecer pessoas muito especiais. Uma delas, Tipo
5, nos entregou, a pedido nosso, seu depoimento de como tinha desco-
berto sua máscara eneagramática. Destaco este depoimento porque esta
pessoa é um homem da chamada “terceira idade” que, com o passar
dos anos, conseguiu uma profunda compreensão de si mesmo. Ele é um
homem ativo, inteligente, estudioso, que durante todas as ocasiões em
que pudemos observá-lo, mostrava-se sempre profundamente interessado
por todos os conhecimentos que nós, e outros instrutores convidados,
transmitimos para esse grupo de pessoas interessadas em trabalhar por
uma cidadania mais ativa e pela revitalização da maravilhosa “Princesi-
nha do Mar”. O depoimento completo – quando digo completo, quero
insinuar algo que revelarei daqui a pouco – é este:
“Descobri meu enquadramento neste tipo justamente por uma ten-
dência ao isolamento, desenvolvida a partir da incompreensão alheia ao
meu projeto de vida, daí resultando o ensimesmamento que favoreceu
minha apreensão de conhecimentos julgados importantes ou oportunos
àquele projeto. Para estudar inglês, numa adolescência pobre, dispus-me
a copiar, a mão, todo um livro, utilizando o verso de papel já servido.
Como natural consequência, escolhi a via autodidática que me permitia
total discrição sobre o que, e como saber. Isso me deu uma confortadora
sensação de realização pessoal que, de certo modo, veio me reconciliar
com o mundo e nele atuar, com relativo sucesso, à base dos conheci-
mentos adquiridos, compensando a falta de uma tradição perseguida e
prezada pelos demais.”
Sublinhei algumas partes deste depoimento por sua importância para
a análise eneagramática: “tendência ao isolamento”, “incompreensão
alheia”, “ensimesmamento”, ”discrição sobre o que, e como saber”,
“reconciliar com o mundo e nele atuar”. Sim, nestas palavras temos as
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 247

chaves para conhecer um pouco deste Tipo Eneagramático. Sem dúvida,


qualquer Tipo 5 poderia construir uma definição quase completa sobre
si mesmo usando apenas elas.
Talvez, dissesse, por exemplo: “Costumo ser uma pessoa capaz de
um constante ensimesmamento, em razão da incompreensão alheia ao
meu modo de enxergar a realidade e as pessoas. Devido a este fato,
tenho tendência ao isolamento. Porém, acho que esta capacidade de
isolar-me me permite aprender e saber tudo aquilo que preciso para ser
independente dos demais – objetivo pelo qual sempre luto com total
discrição. Desta forma, eu mesmo decido sobre o que e como saber. Sei
que devo reconciliar-me com o mundo. Penso que por meio de meus
conhecimentos consigo atuar nele com certo sucesso. Ainda assim tento
manter-me afastado dos demais, preservando minha privacidade.”
O depoimento de nosso querido Tipo 5 – no caso, bastante “redi-
mido” como costumam falar os especialistas cristãos desta tipologia – é
breve, porém retrata quase todos os possuidores desta máscara: eles
sempre são breves, precisos, mentais, alguns quase frios (outros eu diria
que parecem “congelados” emocionalmente). Nesse “jeito breve de ser”,
nessa “precisão” e “frieza”, no modo de falarem de si mesmos por escrito
revela-se o pecado ou Traço Principal deste tipo: a avareza. Uma avareza
que possui expressões internas e externas, provocadas pelo medo nuclear
(Ponto 6 do Eneagrama) que afeta a este e aos outros Pontos Eneagra-
máticos relacionados aos chamados “Tipos do Centro Intelectual”. Foi
interessante comprovar com os Tipos 5 como essa avareza é reforçada
naqueles com influência do Ponto Nuclear 6. Os Subtipos 5 com essa
influência se descrevem por meio de listas – numeradas ou não – com
curtas frases nas quais eles resumem ou sintetizam o que consideram
“a única coisa importante para comunicar” de cada um deles. Somente
aqueles com maior influência do Ponto 4 conseguem escrever mais sobre
si mesmos, sem recorrer a essa listagem. Os primeiros só conseguem
dizer algo mais sobre si mesmos após um pedido expresso de nossa
parte. Dados intelectuais considerados importantes são colocados em
alguns desses trabalhos escritos, até utilizando símbolos ou abreviaturas,
talvez para que somente “os que sabem” tenham acesso ao significado
248 Khristian Paterhan C.

secreto que essas abreviaturas e símbolos escondem. Sim, em geral, os


depoimentos dos Tipos 5 são a expressão do Traço Principal que eles
deverão vencer em diferentes níveis de manifestação. Era isto o que há
pouco prometia insinuar. Tipos 5 são mais discretos e mais reservados
nos seus depoimentos quanto mais forte a influência nuclear do Ponto 6.
Quando, pelo contrário, é o Ponto 4 o de maior influência, seus depoi-
mentos são mais generosos, porém nunca tão veementes no emocional
quanto seus românticos e trágicos vizinhos.
Talvez o depoimento mais relevante a respeito dessa avareza intrín-
seca foi o daquele ex-membro da escola, que escreveu (mais uma vez o
depoimento se transcreve completo):
“Um Nº 5, faria um detalhado e minucioso relatório. Eu já fiz muito
isso. Agora cansei. Prefiro falar pessoalmente para o grupo e contribuir
com comunicação viva, orgânica. Não é preguiça, é consciência de
prioridades. É melhor trocar energias que fazê-las girar em círculos
dentro de si mesmo. Prefiro falar, dançar e cantar; escrever só quando
indispensável. E assim se deu o suicídio do 5.”
Sei que alguns especialistas em análise eneagramática ficariam pen-
sando o mesmo que eu, ou seja, como se confirma o Tipo de 5 deste
sujeito nesse breve depoimento... e que notável a influência do Ponto
4! O tempo veio comprovar que esse aparente suicídio do 5 nunca se
realizou. Só para manter meu propósito de que podemos rir de nós
mesmos, vou contar-lhes como aconteceu a ressurreição da máscara
deste seu semelhante. Um dia, conversava com ele sobre a possibilidade
de instruir a mais pessoas (ele é terapeuta corporal), com certos movi-
mentos conscientes que ele tinha aprendido num workshop recente.
Sua resposta, lacônica, foi mais ou menos a seguinte: “Acho que não
vou fazer isso... o ouro é muito pouco para compartilhar com tantos”
(estas últimas palavras foram ditas por Gurdjieff referindo-se ao valor
do conhecimento que ele ministrava e nosso 5 achou oportuno citá-las
naquele momento). Foi incrível! O Nº 5 tinha sobrevivido ao “suicídio”
e com grandes argumentos ainda por cima!
Bom, estou tentando fazer com que você não se leve muito a sério nes-
ta análise e por isso contei este caso que me pareceu tão engraçado.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 249

A sutileza do pecado da avareza faz com que alguns Tipos 5 fiquem


surpresos quando é mencionado este pecado capital da quinta máscara.
É difícil para eles admiti-lo. Outros compreendem a profundidade desse
aspecto imediatamente e reagem com uma certa felicidade por terem
descoberto a razão de sua incapacidade para se relacionar com os outros.
Alguns decidem que devem aprimorar-se a nível emocional e admitem
a dificuldade de expressar seus sentimentos. Alguns riem de si mesmos
quando descobrem como a avareza se manifesta nessa incrível capacidade
de escapar dos outros, de ficar invisíveis num local com muita gente como
um meio de poupar-se de pessoas que falam só abobrinhas.

Como surge o traço principal?

O surgimento da avareza eneagramática se dá, às vezes, por uma


percepção, desde muito cedo, de falta de privacidade, ou por perdas
(veja a influência do Ponto 4) inexplicáveis que geram temor e sensa-
ção de perigo. Para outros, essa característica ou Traço Principal surge
como resultado de uma percepção fortíssima de “parecer diferente dos
outros” em razão de certas vivências infantis marcantes. Como acontece
com todas as máscaras, a infância é o ponto crucial na construção da
futura persona.
Este depoimento de Carla, nos ajudará a compreender esta questão.
Sob o título de “Caso de uma Nº 5”, ela escreve:

“...eu tinha mais ou menos quatro anos de idade e a minha irmã


era mais velha do que eu um ano e pouco. Éramos companheiras de
brincadeiras durante o dia todo. Meus pais trabalhavam fora, e este
era mais um motivo para sermos unidas. Então a minha mãe resolve
mandar a minha irmã para outra cidade, relativamente distante. Eu não
tinha capacidade para entender o que havia acontecido. Eu só sentia
que a mamãe havia ‘dado a minha irmã’ e a dor desta perda era muito
grande. Mais tarde vim a entender que ela tinha ido para a casa de uma
tia solteirona, de maior poder aquisitivo, e assim deixaria os meus pais
250 Khristian Paterhan C.

mais folgados financeiramente. Lembro-me desta época sentindo muita


saudade de minha irmã. Os dias eram longos. Eu não tinha mais com
quem brincar. Existem cenas na minha memória de grande tristeza e
solidão. Ficou um vazio com a partida dela.
Então acho que daí nasce todo o comportamento do 5, em querer
evitar sofrer novamente a dor de uma separação. Evito me envolver com
as pessoas, para não correr o risco de sofrer novamente.
Este comportamento durou a minha vida toda praticamente, até ter
começado a minha busca interna, aonde venho tomando consciência
desta e de outras coisas. Inclusive quando mais tarde a minha irmã
voltou, eu já não queria mais me chegar até ela.
Existe comigo uma forte asa 6 pois naquela época cresceu um enor-
me medo, já que eu não sabia o que poderia acontecer comigo, tipo
assim: ‘será que a mamãe vai me deixar hoje na próxima esquina? ou
será amanhã’.”
Outra aluna revela como a intromissão dos adultos vai provocando
essa necessidade de ocultar-se e poupar-se que vai gerando sua máscara
desde muito cedo:
“Filha do meio, única menina de uma família de três filhos... Mo-
rávamos numa casa vizinha ao sítio da minha avó... Vovó era uma
pessoa de personalidade muito forte. Meio autoritária e dominadora.
Ajudava bastante meus pais... E se sentia no direito de interferir
nas suas vidas. Junto com os meus avós moravam três tias-avós
solteironas. Cada uma escolheu um dos netos como predileto. Eu,
por ser a menina, era a mais vigiada... Isso sempre me incomodou
muito... O excesso de zelo só fez crescer quando comecei a ficar
mocinha. Sempre fui uma menina tranquila e geralmente obediente.
A rebeldia só surgiu depois do primeiro namorado mais sério. Houve
brigas por não cumprimento de horários ou por mentirinhas para
conseguir escapar nos fins de semana. E, finalmente, com ajuda dos
meus irmãos, aos 16 anos consegui ganhar a liberdade. Mas meus
pais nunca suportaram e sempre reprovaram meu namoro... Acho
que eles tinham razão em muita coisa. Mas sou teimosa. Odeio co-
branças e ser pressionada.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 251

Mais adiante, nossa aluna lembra que durante a infância “e para


complicar, tinha um irmão mais velho repressor. Encarregado (coitado)
de proteger a irmã. E o fazia, à sua maneira”.
Essa tremenda intromissão na sua vida provocou essa forma de
avareza que chamamos poupar-se dos outros, afastar-se, isolar-se. Uma
reação que ela explica assim:
“Cedo conheci a solidão e o sentimento de abandono. E comecei a
buscar o prazer que essa situação me oferecia. Lembro que no casarão
existia um porão e eu gostava de me esconder e ouvir as minhas tias
loucas atrás de mim. ‘Onde está a menina? Onde ela se meteu? Será
que...?’ Achava graça em presenciar a minha ausência. No colégio era
tímida e introvertida. Sempre me senti um peixe fora d’água. Piorou,
quando aos 11 anos fui morar com os meus pais em... Fui a última a
sair do sítio. Depois da mudança para a cidade, ainda fiquei quatro anos
morando com meus avós.”
Será graças a um forte movimento ao Ponto 7 que ela conseguirá fugir
da intromissão e repressão, brincando com os meninos quando pequena
(“sempre era muito mais interessante do que brincar de boneca”), jogan-
do vôlei, namorando “o menino mais popular da escola”, vivenciando
experiências radicais e mostrando-se “rebelde”. Uma maneira “pensada”
de conseguir “fugir da pressão” e que, como veremos mais adiante,
provoca nos Tipos 5 a necessidade de viver situações e aventuras em
segredo, “confidencialmente”, como acontece com Tipos 1.
O Traço Principal está baseado numa reação ao que é tirado pelos
outros, uma reação ao temor de perder algo. Portanto, Tipos 5 evitarão
ser cobrados, procurarão um porão onde se esconder. Essa excessiva
cobrança leva a uma procura de defesa do que se possui. Compartilhar
se torna difícil porque pode implicar perdas. Quando nossa aluna brinca
com meninos, ela consegue não ser cobrada como menina. É um modo
sutil de sumir para seus repressores, porque, brincando com os meni-
nos, eles pensarão que não há perigo para ela, porquanto estará com
seus dois irmãos, um dos quais é o “encarregado” dela. Ela não poderá
brincar de boneca porque será observada, será cobrada como menina.
Ela não será totalmente aceita pelos meninos. Ela, então, está sozinha.
252 Khristian Paterhan C.

Sua solidão e sentimento de abandono provocam uma necessidade de


pensar: “que prazer poderá existir nesta minha solidão”? O primeiro
virá, ao comprovar que “achava graça em presenciar minha ausência”.
A “avareza” como reação à excessiva cobrança e intromissão. O Traço
Principal iniciará a consolidação da quinta máscara: “É prazeroso estar
sozinho e observar os outros de longe.” Para nossa aluna aceitar essas
situações, compreender seus pais, justificá-los, será um processo lento,
fruto de um intenso trabalho interior. Novamente, aqui é importante
que os pais que leem este livro reflitam nas seguintes palavras com as
quais nossa aluna termina:
“Me lembro com saudade de um tempo (acho que até os cinco anos)
que sentia mais alegria e amor pela vida e pelas pessoas. Sem desconfian-
ças, espontânea e autêntica. Como é bom amar por amar e viver sem se
esconder. Anseio desesperadamente por esse resgate. Sinto ser possível.
A Escola de Eneagrama e principalmente a minha grande vontade, têm
me dado bastante esperança.”
Quem não lembra do Sr. Scrooge do famoso “Conto de Natal”, de
Charles Dickens? Ele é um Tipo 5 tão triste na sua avareza! Serão os
“espíritos” dos natais do passado, presente e futuro e o amor que surge
nele por uma criança que o libertarão da sua solidão e da sua avareza.
Sim, para Tipos 5 serão necessários fortes choques para destruir o muro
que foi construído por eles para ocultar-se do mundo. O trabalho grupal
permite este processo de abertura e você está convidado a participar nele.
Para alguns dos Tipos 5 que trabalham no aprimoramento e conhecimen-
to de si mesmo, esta é uma das razões pelas quais participam de nossos
treinamentos, como reconhece esta aluna no depoimento:
“Existe em mim um desejo intenso de querer mudar, de me livrar
desses limites e poder viver intensamente. É uma das razões pelas quais
continuo na ‘Escola de Eneagrama’.”
Temos certeza de que você refletirá a respeito de como a avareza vai se
manifestar em você e sabemos que o Eneagrama se transformará num grande
aliado na procura do autoconhecimento. Vamos analisar em seguida outras
das manifestações próprias desta Quinta Máscara: as incríveis formas do
apego, as manifestações do medo e os “argumentos” para justificá-los.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 253

O medo e as racionalizações (percebendo a dificuldade


dos relacionamentos): como compartilhar meus sentimentos?
Como me relacionar com os outros sem riscos?

Em geral, Tipos 5 admitem ter dificuldades para se relacionar com os


outros. Admitem ter desconfiança, afirmam que é difícil para eles compar-
tilhar, emocionalmente falando. Essa desconfiança e essa dificuldade para
compartilhar são expressões do Traço Principal associado à avareza e à
origem dela no medo nuclear do Ponto 6 Eneagramático e, portanto, vale
a pena refletir nas experiências que nossos associados descobrem graças
à observação de si mesmos em relação a estes aspectos e aos que estão
ligados de uma ou outra maneira. Essas observações serão importantes
para você, na medida em que poderão proporcionar-lhe certos insigths que
podem libertá-lo ou provocar um dar-se conta de como a mentalização da
realidade e dos relacionamentos pode deixá-lo fora dela e como esse ficar
de fora irá ser racionalizado como aparentemente necessário, mais conve-
niente, uma confirmação da necessidade de isolar-se e até um argumento
para justificar para si mesmo quão agradável é ficar sozinho.
Vamos acompanhar esta questão mediante alguns depoimentos.

Desconfiança demais!

Um aluno, Leonardo, descreve os pontos negativos que consegue


observar como expressões de seu traço principal da seguinte forma:
“A desconfiança em demasia prejudica os relacionamentos. – O inte-
lectual (refere-se ao Centro Intelectual) controla as emoções, tirando a
naturalidade. – Dificuldade de dar e receber, de compartilhar. – As pessoas
são constantemente testadas e após passarem por um crivo continuam
sendo testadas. Se houver decepção não tem perdão. – Dificuldade de
compartilhar o espaço. – Por ser extremamente responsável e intolerante
com os outros e até consigo mesmo....”
O medo que influencia os Tipos 5 e 7, a partir do Ponto 6, é racionali-
zado. Mediante uma reação mental à realidade Tipos 5 decidem isolar-se,
254 Khristian Paterhan C.

Tipos 7 decidem afastar-se, enquanto os 6 decidem não confiar e esperar


sempre o pior. É uma reação mental, porque não conseguem externalizar
o que sentem, não sabem como fazê-lo, nem foram incentivados a isso.
Durante a infância os adultos não explicaram seus atos e aparentemente
não queriam saber o que é que esses atos provocavam nos seus filhos.
Portanto eles deverão encontrar também sozinhos as respostas. O medo
levará os Tipos 5 a refletir mais ou menos assim: Se é difícil manter
a privacidade, se as pessoas parecem querer invadir o meu espaço, se
não é possível confiar nos outros, essa realidade ameaçadora deverá
ser compreendida, estudada, analisada, porque desta maneira vou me
proteger. Só o que eu conhecer e dominar mentalmente será confiável,
e, para conhecer, é necessário estar sozinho também. Então não se deve
nem confiar nem depender dos outros. As razões para estas “reações”,
como observamos nos depoimentos deste capítulo, podem ser várias:
intromissão exagerada dos adultos durante a infância, percepção dos
outros como ameaçadores ou capazes de realizar ações inexplicáveis,
como no caso da aluna que lembra a dor de ver “sumir” a sua irmã
e imaginar que ela também pode ser abandonada porque os pais não
explicam o que aconteceu oportunamente, e finalmente o que é pior,
achar que essa possibilidade de perda pode se repetir e decidir que, por
essa “razão”, nunca mais deverá se envolver em demasia com alguém
para não sofrer se esse alguém some. O que provoca medo será pensado
até que esse estar sozinho seja racionalizado como um “raro prazer”.
É o momento de pensar um pouco mais no processo de racionaliza-
ção. Sabemos que, psicologicamente falando, a racionalização é uma
expressão do autoengano. Vale a pena lembrar que Gurdjieff se refere
ao processo de enganar ou mentir a si mesmo como um dos principais
fatores do Esquecimento de Si. G. Allport define a racionalização as-
sim: “A razão adequa os impulsos e crenças ao mundo da realidade,
pelo contrário, ao invés, a racionalização adequa a concepção da
realidade aos impulsos e crenças do indivíduo. O raciocínio descobre
as causas reais dos nossos atos, a racionalização encontra boas razões
para justificá-los.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 255

Somatizando o medo:
o desgaste do centro do movimento

No depoimento abaixo veremos como o medo e a racionalização


podem provocar reações psicossomáticas negativas. Nossa aluna Tipo
5 com forte influência dos Pontos 6 e 4 do Eneagrama, nos revela o
modo como seus medos passam a expressar-se fisicamente (veremos
esta tendência nos Tipos 6) e o modo como este medo é um obstáculo
aos seus anseios de compartilhar (neste caso divertir-se e dançar) com
os demais:
“Eu me considero um (Tipo) 5 principalmente pela necessidade de
isolar-me. Hoje sei que o isolamento não era uma opção desejada, mas
uma necessidade surgida de um medo insuportável de me expor ou de
me relacionar com o mundo.
Desde criança e durante uma boa parte de minha vida sofri humi-
lhações e injustiças (sociais). E inconscientemente comecei a me calar
e a me afastar das pessoas vendo-as sempre como se repentinamente
elas pudessem me agredir de algum modo. Tentava fazer tudo perfeito
para não receber críticas, fui autodidata para não ter que perguntar ao
professor e assim sempre caminhei para a autossuficiência, para não ter
que depender de ninguém.
Não tinha amigos. Sentia-me rejeitada. Descobri que as pessoas se
aproximavam de mim somente porque precisavam das coisas que eu
fazia bem, mas nunca me convidavam. Tornei-me uma observadora da
natureza humana para aprender como me comportar em grupo e me
aproximar das pessoas.
A solidão começou a incomodar muito e as fugas da realidade se
tornaram cada vez mais frequentes e sofridas.
Embora eu desejasse ser mais extrovertida e me divertir como as outras
pessoas da minha idade, eu acabava desmaiando nas festas que ia.
Certa vez, fui a um baile com algumas colegas e em vez de tentar
aprender a dançar como sempre quis, não suportei aquele sentimento
(que até hoje não sei identificar muito bem) e me retirei do salão.
Como não podia voltar só para casa, passei a noite toda no banheiro
256 Khristian Paterhan C.

do clube, de onde saía de vez em quando para que as colegas me vis-


sem. Foi um horror.
Nas festas que eu não podia deixar de ir, normalmente saía sem ser
notada ou então inventava uma desculpa para sair pouco depois. Fiquei
perita em inventar justificativas para me ausentar das festas. Mas como
se não bastassem, comecei a desmaiar em público. Aprendi a reconhecer
os sintomas e a me esconder no banheiro.
Uma vez fui a uma festa e depois de uns vinte minutos lá, percebi que
ia desmaiar, saí disfarçadamente, e sem ser notada voltei para o carro
onde desmaiei e voltei a mim várias vezes seguidas. Assim que melhorei,
voltei à casa, fui ao toalete e retoquei a maquiagem. Encontrei uma sala
vazia, onde uma senhora assistia à televisão e fiquei ali por um tempo
e, na primeira oportunidade, inventei uma desculpa mirabolante para
me retirar.”
Num outro depoimento, outro de nossos alunos Tipo 5, além de re-
conhecer sua “tendência ao isolamento” e de sentir-se “frequentemente
desligado das pessoas e sem nenhum interesse pelos seus semelhantes,
mesmos os mais próximos”, relata como o fato de ter que relacionar-
se com os outros em razão de seu trabalho lhe provocou, em algumas
ocasiões, o que define como “um profundo desgaste”:
“Embora perceba, em mim, uma resistência para estabelecer relações
com pessoas, quando consigo vencer esta tendência e estabelecer contato
me sinto renovado. Há alguns anos atrás cada vez que eu trabalhava
coordenando grupos, ministrando cursos, etc., sofria um profundo des-
gaste e muitas vezes adoecia após o término do trabalho.”

Talvez “sumir do mapa” seja o mais correto

No seguinte depoimento, veremos como esta dificuldade de se rela-


cionar com os outros pode ser racionalizada até o ponto de achar que,
afastar-se dos demais ou evitá-los, pode ser uma “atuação correta”:
“Assim que cheguei ao Rio, há uns oito anos, dividia meu aparta-
mento com um colega de serviço, provavelmente um 7. No dia de meu
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 257

aniversário, ele e outros colegas de serviço planejaram uma festa sur-


presa para mim. Logo percebi a movimentação da véspera e desconfiei
de algo no ar. Fiquei desesperado ao imaginar: ‘uma festa para mim!...
é muita exposição, existem pessoas que não gostaria de encontrar, além
de enfrentar uma situação inesperada, não havia me preparado com
antecedência para isso, como agir, o que falar!’
Então, no dia da festa, fugi para bem longe, ‘sumi do mapa’. Passei
meu aniversário longe, assisti a filmes que gostaria de ver e tentei esquecer
o que se passava, de alguma forma consegui me distrair, porém ainda
continuava ansioso, o que iriam pensar de mim? Havia pessoas que eu
gostava e não queria magoá-las, então resolvi voltar. Já era bem tarde
da noite e ao chegar percebi que a festa ainda não havia terminado.
Que situação!! Não sabia o que fazer, fiquei indignado por não ter sido
cancelada a festa sem a presença da principal figura: eu, o aniversariante.
Fui tomado de um sentimento de ridículo, vergonha, em suma, ‘a baixa
autoestima’ apareceu e me levou ‘pro fundo do poço’.
Após esperar que o último convidado saísse, entrei no apartamento
e me tranquei no meu quarto. Analisei tudo e na época ainda ‘pintou’
um certo convencimento de que havia atuado corretamente, fazendo o
que gostaria de fazer.”

Temos aqui uma prova contundente da definição de racionalização


enunciada por Allport.

A tristeza de não poder sentir para não sofrer


a tristeza de sentir

A percepção de não ser capaz de estabelecer relações e de não poder


“chegar até os outros”, ou não poder “alcançar os outros”, pode se
tornar uma causa de profunda tristeza:
“Sinto muita solidão e sei também que é porque me isolo, e não con-
sigo alcançar os outros. Isto me entristece, gostaria de ser diferente. Mas
acho difícil chegar até os outros. Por isto tenho poucos amigos. Observo
258 Khristian Paterhan C.

demais as pessoas e crio um espaço vazio para mantê-las a distância.


Não me envolvo, não sinto. Tenho medo de sentir, me envolver e depois
sentir a dor de uma decepção.
Observo para obter confiança, pois necessito de segurança. Esta
confiança cresce muito lentamente. Para que este espaço vazio diminua,
é preciso que a pessoa tenha requisitos para poder passar pela portinha
estreita das minhas exigências. Fico observando mais ou menos descon-
fiado. Estou sempre sondando para ver se descubro alguma coisa. Nesta
hora me sinto capaz de desvendar estes mistérios, mas na maioria das
vezes não acredito na minha capacidade, não tenho confiança em mim
mesma. Se me decepciono, me afasto e não quero mais ter contato, é
como se algo ficasse irreversível. Não quero sentir a dor da decepção
novamente.”

Uma boa desculpa: “antes só do que mal-acompanhado”

Quando alguns Tipos 5 decidem que só terão poucos amigos uma


nova racionalização virá à tona: “Antes só do que mal-acompanhado.”
Vamos considerar o depoimento de uma aluna 5 a respeito: “...Antes
só do que mal-acompanhado. Gosto de ter meu espaço próprio, minha
privacidade, onde estou bem comigo mesma e recebo os poucos ami-
gos íntimos, aqueles com os quais posso me abrir, me mostrar, porque
já ganharam minha confiança (passaram no teste). A pior coisa que
pode acontecer é uma grande decepção com um amigo; como confiar
novamente?”
O perigo lógico desta racionalização é provocar uma limitação na
visão dos relacionamentos. Não só não elimina a possibilidade de ser
decepcionada (o), como também limita suas possibilidades de conhecer
pessoas que, sem terem passado no teste, poderiam oferecer momentos
agradáveis e descobertas preciosas, sem necessidade de terem sido ca-
talogados como confiáveis.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 259

Mentalizando a existência: pensando e supondo demais;


julgando-se demais; as armadilhas que separam os Tipos 5
da realidade

A dificuldade de relacionar-se com os outros frequentemente se reflete


na dificuldade de relacionar-se consigo mesmo. Alguns Tipos 5 declaram
que precisam ter clareza de seus sentimentos, que é necessário pensar o
que se passa neles quando expostos a confrontos ou escolhas. O medo
de errar ou de estar se manifestando equivocadamente é um motivo de
grande atrito interno. O autojulgamento é forte e se manifesta como uma
espécie de questionamento que deverá ter respostas adequadas: Por que fiz
aquilo?, por que realizar isto?, o que é que aconteceu exatamente hoje?,
que devo dizer?, como agirei nessa festa?, qual o melhor comportamento
nessa inevitável reunião? É preciso respostas. Antecipadas, certamente.

O Tipo 5 e o tipo de pensamento introvertido de Jung

Logicamente, Tipos 5 se correspondem com o tipo de pensamento in-


trovertido de Jung, e na descrição que faz deste tipo, temos que ter em conta
o conceito nuclear de “consideração interna” (Ponto 6 do Eneagrama) de
Gurdjieff para compreendê-la em toda a sua extensão. Jung escreve:
“O pensamento introvertido está fundamentalmente orientado pelo fator
subjetivo (...) Não conduz de uma experiência concreta de volta ao objeto,
mas sempre ao conteúdo subjetivo. Os fatos externos não são o objetivo
e a origem do pensamento, ainda que com frequência ao introvertido lhe
agradaria fazer com que seu pensamento parecesse assim. (O pensamento)
começa com o sujeito e conduz de volta ao sujeito (...) Os fatos são reunidos
como evidência de uma teoria, jamais pelo seu próprio valor.”

No seu depoimento um dos alunos já citados nos revela, em curtas


frases, este estado de constante julgamento, suposição e autocrítica in-
terna e como o fato de enfrentar uma situação imprevista lhe provoca
um forte movimento contra a seta ao Ponto 8:
260 Khristian Paterhan C.

“Muitas vezes, quando alguém me propõe fazer alguma coisa tenho


necessidade de pensar sobre a proposta antes de decidir, em algumas
situações me irrito com a indecisão... Frequentemente fico em estado
de confusão e tomo as decisões erradas. Tenho a sensação de que algo
atua dentro de mim e me perturba mental e emocionalmente. Gostaria
de me limpar internamente, isto é, ter clareza de meus sentimentos e
pensamentos, mesmo quando eles não são agradáveis.”
O fato de ter que “explicar” e “mentalizar” tudo o que se passa é
uma das causas deste constante autojulgamento e autocrítica. São o
medo e a racionalização tomando conta do mundo interno. Uma aluna
nos revela:
“Desejo sempre saber de antemão o que está por acontecer, gosto
da previsibilidade, gosto de me organizar para cursos, saber quem irá a
tal reunião, ensaiar mentalmente qual a resposta a ser dada em caso de
uma pergunta constrangedora.”
Há também os que concluem que: “Às vezes, por insegurança, tenho
a necessidade de saber o que pode acontecer (fazer uma elaboração
mental de tudo) para planejar o que fazer ou falar. Mas as coisas nunca
acontecem como a gente pensa.”
Para alguns Tipos 5, o conhecimento do Eneagrama permite com-
preender a razão destes processos mentais negativos. Ao analisar seu
tipo, Noêmia descobre como a influência do Ponto 6 gera nela dois
processos indesejáveis:
“...imagino com maior frequência o que de ruim poderá acontecer
e dedico pouca atenção e imaginação às coisas boas que porventura
pudessem ocorrer... temor de situações na qual não exista uma linha
preestabelecida de comportamento; temor da hostilidade, deslealdade.
Esse medo talvez me leve à hesitação na tomada de decisões e a ter grande
dificuldade em fazer, tornar real alguma coisa. O pensamento substitui
a ação, talvez pelo medo de errar. Junto com o medo vem a ansiedade,
a angústia, a aflição do que poderá ocorrer. Por isso adoto a prudência,
me previno, sondo o ambiente, estou sempre com um pé atrás.”
Como muito bem o resumem duas alunas: “O intelectual controla as
emoções, tirando a naturalidade”, ao mesmo tempo em que a percepção
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 261

clara de estar se ocultando “atrás de atitudes preparadas” acusa inter-


namente que “falta a espontaneidade”. Em parte do seu depoimento
outra aluna confessa: “Quero estar sempre prevenida, preparada, e essa
necessidade me faz querer descobrir o que se encontra por baixo de
uma gentileza, de um sorriso ou de uma atenção especial. Enfim, estou
constantemente analisando, observando e imaginando muita coisa.
Quando tenho algum evento, dias antes planejo tudo, com tanto detalhe
que fico cansada...” Quando a mentalização constante da realidade e
a suposição nos separam da existência real, das experiências, então, a
realidade, a existência, os momentos e relacionamentos correm o risco
de parecer “difíceis”, “perigosos”, “medíocres”, etc. perante aquilo
que foi mentalizado e suposto.
Esta atitude interna reforça a ideia de que é necessário tomar cui-
dado com os outros e que é justo desconfiar. Deve-se observar mais
que viver. Até conhecer a si mesmo pode se transformar numa nova
desculpa para ficar “acima” dos outros e do “medíocre” (lembro aqui
a ideia de H. Palmer de identificar o ego dos Tipos 5 como numa
espécie de castelo no topo do qual e por meio de pequenas janelas
observa ao redor e se esconde dos outros). Vejamos mais este depoi-
mento (Tipo 5 com influência do Ponto 4): “Quero aprender um pouco
de tudo, adquirir conhecimentos, para sentir-me aprimorada, buscar
algo elevado na vida, não me limitando a um cotidiano medíocre.
Além do mais, sou bastante observadora, e sei que a sabedoria maior
está em conhecer a si mesmo e perceber o que está além das palavras
e dos atos. Às vezes, isso me distancia das pessoas, como se eu me
colocasse numa posição superior, de forma preconceituosa, sem dar
chance que o outro mostre seu verdadeiro valor. Crítica, julgo saber
o que é melhor para mim e para os outros. Quando permito a apro-
ximação, percebo o quanto fui parcial no meu julgamento, de caráter
puramente intelectual. É a dificuldade de mostrar os sentimentos e
emoções o que, na verdade, me isola...”
262 Khristian Paterhan C.

A perigosa invasão:
um exemplo de mentalização negativa

As racionalizações tomam variadas formas. O termo “invadir”,


quando se refere ao ato de “respeitar a privacidade dos outros”, revela
de maneira flagrante o estado emocional que provoca a chegada de
alguém não esperado, o encontro indesejado, a conversa que não se
quer. A mesma aluna diz em outra parte de seu depoimento: “Também
não costumo invadir os outros, respeito seus limites assim como quero
ser respeitada.” Uma outra aluna (Tipo 5 com influência do Ponto 4)
lembra no seu depoimento o seguinte:
“Não vejo com frequência os meus amigos e parentes, apesar de serem
pessoas muito queridas. Aos 15 anos, durante uma crise existencial, no
auge do sofrimento adolescente, escrevi e nunca esqueci:
Os meus olhos são portas fechadas
De um imenso casarão
Que logo se armam
Contra uma possível invasão.
Mais bandeira do que isso, impossível. Sou, ou não sou um 5?”

A palavra invasão é resultado da suposição de que todo encontro com


os outros é comprometedor, agressivo e perigoso; pode acarretar com-
promisso futuro e término não desejado da segurança que a privacidade
outorga. Mentalmente aquelas “invasões” vividas na infância “gatilham”
a sensação da possível perda devida ao compartilhar inesperado ou da
obrigatoriedade de compartilhar algo que não se deseja compartilhar.
Ante esta possível invasão, Tipos 5 reclamam assim:
“Não gosto de me comprometer com os outros pois isso gera uma
obrigação que vai perturbar minha paz” ou “não gosto que haja pro-
blemas à minha volta”. Para um dos nossos alunos, essa possibilidade
de ter que viver relacionamentos não desejados implicava uma sensação
de opressão.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 263

Escrever é melhor que falar o que sinto:


outro exemplo

Quando Tipos 5 têm que enfrentar situações imprevistas, sentem-se


desorientados. A razão é simples: o fato de não ter tempo para pensar
no assunto, para calcular seus possíveis resultados, para responder de
acordo ao que consideram necessário, ou seja, não ter tido a possibilidade
de mentalizar, de se preparar, etc. lhes provoca uma reação de tremenda
vulnerabilidade: o risco de ser “invadido”, de ser surpreendido, compro-
metido, obrigado, é maior. Um dos alunos já citados confessa que “muitas
vezes, quando me propõem fazer alguma coisa, tenho necessidade de
pensar sobre a proposta antes de decidir, em algumas ocasiões me irrito
com a indecisão”, depois repete: “fico irritado em algumas situações em
que me cobram uma decisão”, acrescentando que “procuro me prevenir
para não ter problemas....”
Conheci um Tipo 5 que enquanto discutia qualquer assunto comigo
jamais conseguia externar o que estava sentindo. Após alguns dias,
eu encontrava na minha caixa postal uma carta em que ele fazia uma
extensa análise do problema, deixando claro, inclusive, que aspectos
da nossa discussão ele gostara ou não. Muitas vezes, nessas cartas, ele
desabafava como nunca fizera cara a cara, e eu compreendia sua atitu-
de. No próximo encontro eu, propositadamente, não falava sobre essa
carta, nem ele, logicamente.
A necessidade de pensar a realidade é significativamente mais im-
portante que resolver questões reais. Se o assunto pode ser resolvido
mentalmente, é como se não existisse necessidade da experiência real.
Escrever se torna, então, uma espécie de “realidade virtual” na qual até
conflitos podem ser de algum modo resolvidos, como se depreende do
depoimento:
“De outra feita, a dona da creche onde minha filha ficava criou
uma questão comigo. Fracassei em todas as tentativas de diálogo. Fui
tremendamente humilhada. Levei o caso para a Justiça e ganhei a cau-
sa. Durante todo o processo não mostrei nenhuma reação emocional.
Mas depois de resolvida a questão, escrevi várias cartas para ela (que
264 Khristian Paterhan C.

jamais enviei). Sempre que a lembrança do caso me trazia muita raiva,


eu escrevia cartas para ela e quando tudo passou eu as joguei fora. Fre-
quentemente procedo dessa forma.”
Vamos ficar por aqui com as análises dos desdobramentos do Traço
Principal. Há muito mais, claro, mas acho necessário que você (epa!
quase escrevo “que você pense”) se atreva a viver e sentir essa imprevi-
sibilidade da existência... Tá legal, concordo com você: às vezes é bom
planejar, mas, só às vezes.

Iniciando o processo de mudanças positivas; observando


o negativo dos Pontos 4 e 6: que influências!

Os Pontos 4 e 6 deverão ser observados com máxima atenção. Quan-


do negativa, a influência do Ponto 4 leva Tipos 5 a estados de tremenda
“mágoa”, que se expressam em uma espécie de denúncia constante,
doentia e veemente das injustiças, erros e falta de consideração para
com ele e que justificam seu distanciamento, isolamento e solidão. Não
apenas os outros não parecem compreendê-lo, como também se cria uma
série de pseudorrazões (racionalizações) para demonstrar a si mesmo que
não é ele o culpado pelo isolamento e sim os outros. Já o Ponto 6, com
sua influência, permite projeções tão perigosas que parece que nada do
que existe é confiável. É como se, dentro de você, dois seres diferentes
falassem constantemente: “Você nunca será compreendido pelos outros,
devido à sua especial visão da realidade (4), então fique sempre com um
pé atrás, você pode estar em perigo sem saber onde ele se oculta (6).”
Um dos exemplos mais marcantes da influência negativa dos pontos 4
e 6 que já analisei foi: certa vez, um tipo 5, “quase paranoico”, quis
atingir uma instituição da qual fora expulso por diversas e justas razões.
Para isto, enviou um panfleto calunioso e muito extenso em nome de
uma outra instituição internacional a membros da organização da qual
fora afastado com o objetivo de desmoralizá-la perante seus líderes e
diretores. Este sujeito, em cuja “presença geral”, como diria Gurdjieff,
se tinham cristalizado os piores aspectos do seu Traço Principal, revelava
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 265

nesta carta uma influência do Ponto 4 Eneagramático, por meio de frases


com as quais tentava demonstrar que não fora expulso e sim que deci-
dira retirar-se voluntariamente em razão de pretensas “contradições”,
de cunho “intelectual”, claro, disfarçando com diversos argumentos sua
tremenda mágoa e desejo de vingança (movimento contra a seta ao Ponto
8 do Eneagrama) por ter sido afastado. Por outro lado, sua imaginação
descontrolada (veja as características do Tipo 6) o levava a denunciar
supostas “razões ocultas” (ele fazia isto em forma de perguntas que se
iniciavam com a frase “qual será a razão oculta de...” isto ou aquilo) para
diversas situações irreais que ele achava que devia “questionar”, como
um modo de fortalecer suas críticas e provocar dúvidas nos integrantes
da instituição ora atacada, em relação à idoneidade dos seus trabalhos.
Somando à sua tremenda paranoia uma manifestação tipicamente
contrafóbica (novamente uma clara expressão do Ponto 6, núcleo
do “Medo” no Eneagrama), tentou ocultar o seu tremendo temor às
possíveis e justas reações, botando embaixo da sua assinatura uma frase
de efeito com a qual pretendia chamar a atenção sobre sua imaginária
“coragem”. Por se sentir “protegido” (aqui temos um exemplo prático
dessa falsa ideia de segurança que alguns Tipos 6 sentem quando são
partes de um grupo ou organização que lhes agrada) pela organização
que dizia representar, além de questionar a autoridade da instituição
que lhe solicitara uma “renúncia voluntária” para não prejudicá-lo pu-
blicamente em relação ao seus trabalhos, decidiu desautorizar e criticar
maldosamente seus líderes e diretores. Logicamente, após ser denunciada
a sua conduta à instituição por ele invocada, o desafortunado autor
dessa carta foi desautorizado totalmente além de ter-lhe sido solicitado
que se desculpasse publicamente com a organização atacada, o que, até
hoje, claro, nunca fez.
Este caso mostra com muita crueza o que pode acontecer com um
Tipo 5 quando “atacado” pelos aspectos mais sombrios de seus parceiros
eneagramáticos.
É importante observar como eles podem acabar aumentando seu
“isolamento” da realidade tal qual ela é. Tente observar quando essas
influências se tornam fatores de isolamento ou afastamento dos outros
266 Khristian Paterhan C.

que no final são ou deveriam ser seus próximos. Não deixe que os peri-
gos imaginários lhe provoquem a incapacidade de ver claramente todo
o bem que, com certeza, está a seu redor.

Aproveite as influências positivas


dos Pontos 4 e 6 – (ver figura na página 334)

Quando positiva, a influência do Ponto 4 (Equanimidade) permite


uma aceitação da realidade como algo “presente e concreto”, ou seja,
uma percepção de que entre essa “presença” da realidade e você não
pode existir algo mais: o que está acontecendo é real naquele instante
e você deve estar ali e não no mundo mental que você tanto defende.
Esse estar presente lhe dá a oportunidade ímpar de se abrir ao que está
acontecendo, de não se poupar da experiência desse instante precioso
no qual o passado e o futuro começam. Não pode se fechar diante desse
“contato”. Ele se torna uma tremenda oportunidade de existir. Nesse
instante não tem nada por acontecer.
A coragem de sentir esse momento tal qual ele é, será o aspecto
positivo da influência do Ponto 6.
A imaginação negativa é detida. A suposição é detida. A ousadia
e a coragem de viver o inesperado implícito ou explícito nesse “pre-
sente” acontecem. Você aceita o imprevisto e simplesmente está ali,
vivenciando-o fora do castelo. Sugiro a leitura dos Tipos 4 e 6 para você
aprofundar sua análise pessoal.

Observando os movimentos do 5 ao 7 e do 5 ao 8 – (ver figura na página 334)

O que permite uma observação mais apurada do quinto Traço Prin-


cipal e suas “armadilhas” é a consideração dos movimentos do Ponto
5 para o 7 (a favor da seta) e para o 8 (contra a seta). No movimento
para o 7, o desejo de ser livre e de não depender encontra seu “refor-
ço”. Também, quando sair do isolamento se torna uma necessidade
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 267

imperiosa, o Ponto 7 influencia com sua parcela de gula. A saída é


exagerada, sem limites e nela tudo pode acontecer sem restrições, sendo
que essas escapadas, às vezes, são planejadas em todos os seus deta-
lhes. O positivo deste movimento ao 7 se dá quando, compreendido o
desapego, Tipos 5 conseguem sentir “equilíbrio” entre mundo interno
e externo, quando conseguem ser espontâneos, autênticos e curtem a
vida relaxadamente. No movimento contra a seta ao 8, duas questões
deverão ser observadas. A primeira é a hostilidade para consigo mesmo
(acusar-se internamente) e a desconfiança e sensação de perigo que
provocam determinadas pessoas e eventos. Essa desconfiança não é
apenas “medo de”; é também um preparar-se para um possível ataque
ou desapontamento vindo do exterior. A agressividade e a luxúria do
8 se apresentam aqui como a procura de todas as defesas imagináveis
que possam ser colocadas entre a realidade e o “meu mundo”; é pre-
ciso estar preparado. É o estado de sentir o isolamento como proteção
contra os eventuais “perigos” e “inimigos” externos.
No positivo, o movimento contra a seta do 8 resulta na capacidade de
sentir e vivenciar momentos e experiências de uma forma “instintiva”, fi-
cando sem defesas mentais, sentindo o “sabor da vida” sem prejulgamentos
nem preconceitos. O movimento para o 8 também é uma forma de con-
trariar, positivamente falando, a excessiva teorização, o que diminui esse
planejamento minucioso que muitas vezes impede a ação real (Influência
do movimento do 7). Peço para você ler os Tipos 7 e 8, a fim de conhecer
detalhes da dinâmica do seu mundo interno em relação a este ponto.

Contatando a realidade tal qual ela é

O processo de mudanças positivas inicia quando o contato com a


realidade é total. Não se pede para parar de pensar, nem para se deter
os processos intelectuais. O que se pede é que consiga sentir. O conheci-
mento real é o conhecimento fruto de sentir a vida a realidade “tal qual
como ela é”, segundo dizia meu Mestre. É necessário aprender a lingua-
gem “natural” do corpo, do sentimento, do instinto e dar-se conta que
268 Khristian Paterhan C.

essa é uma linguagem que, quando intelectualizada demais, não se pode


compreender. Como diz Gurdjieff, o risco é ter apenas “informação”, que
se tornará inútil com o passar do tempo, porque não foi transformada
em “vivência” ou nunca esteve “ligada” a uma vivência. O “saber real”
incorpora todos os aspectos incluídos no ato de conhecer, aspectos que
muitas vezes não poderão ser mensurados, calculados ou previstos. Existe
um conhecimento que supera o conhecimento intelectual, não porque
o elimine ou porque esteja acima ou “antes” do ato de conhecer, mas
porque integra e conhece as outras formas e linguagens do processo de
aprendizado. Nossos centros são três e não apenas um, somos criaturas
tricerebrais e, sendo assim, não podemos apenas intelectualizar a vida.
Osho ensinava: “A vida não é apenas racional. Pelo contrário, a maior
parte da vida é irracional. A razão é apenas uma pequena ilha ilumi-
nada no vasto, escuro e misterioso mar da irracionalidade.” O grande
desafio para você é iniciar um contato “sem interferências mentais”
com a vida, as pessoas, os momentos e as experiências. Experimente
chegar a um encontro sem se preparar e observe o que acontece. Deixe
que os momentos aconteçam, sinta o sabor do imprevisto e perceba
que nem sempre o imprevisto será algo ruim ou indesejado. Tente curtir
situações “não pensadas”. Observe-se nelas sem julgar-se, sem querer
ter controle. Vá a uma festa, internamente livre, e dance e sinta o gosto
do movimento. Terapias corporais, trabalhos grupais e dinâmicas que
impliquem a autodescoberta por meio de sensações, movimentos, danças
e exteriorização de emoções e sentimentos poderão ajudar a resgatar
esse contato real com a vida. Talvez nada demais possa acontecer ou
tudo pode acontecer. Isso não importa. O que importa é que você “vive”
aquele instante e não apenas o “pensa”. Não existe julgamento, nem
plano, nem perigo. Atreve?... Pô! Já começou a pensar de novo! (Estou
brincando.) Quando se consegue viver dessa maneira, é possível cami-
nhar em direção ao que Gurdjieff chama de “a razão da compreensão”.
Com palavras não conseguirá passar a você tudo o que isto significa
para mim, até porque isso não é importante... Apenas saia um dia sem
planos do seu castelo e, por exemplo, tente sentir um abraço, mergulhe
nele e não se importe como o está fazendo, nem pense o que acontecerá
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 269

depois. Reparou? Este conselho também não serve, porque foi pensado.
Talvez a chave para o desenvolvimento harmonioso dos Tipos 5 esteja
na virtude a ser resgatada...

O desapego: a virtude de ficar entregue

A esta altura, você talvez consiga “sentir” quanto esconde esta


palavra após a breve análise do Traço Principal e algumas de suas
manifestações. Desapego implica, em primeiro lugar, “desprender-se”
dessas defesas e preconceitos que o levam a sentir o contato com os
outros como ameaçador. Desapego é parar de pensar que algo pode ser
perdido, que algo pode ser tirado de você. Desapego implica abrir-se
sem temores, disposto (a) a viver a realidade tal qual ela é. Desapego é
perceber que você nega a você vivências e satisfações que poderiam ser
uma porta para sentir a vida real. Desapego é compreender que solidão
não é isolamento, que compartilhar não é deixar de ter, que abrir-se
não é ficar nu ou vulnerável e sim receptivo e acolhedor. Desapego não
é sofrer quando chega o momento de dar, é descobrir que não precisa
dar demais, para contrariar qualquer das formas em que se manifesta
sua avareza. As virtudes que acompanham o desapego são a coragem
(Ponto 6) e a Equanimidade (Ponto 4).
Sim, para abrir-se e desapegar-se, é preciso coragem. Não supor de-
mais, não acautelar-se demais, não criar inimigos imaginários. Desapegar-
se não deve ser um exagero, a Equanimidade precisa ser compreendida.
Nada de exageros. Nem muito aberto, nem muito fechado, nem muito
generoso, nem muito pé-atrás, etc. No desapego não existe temor de
perder, nem algo a proteger. O desapego é uma espécie de certeza de
que o que se possui verdadeiramente nunca se perde, sempre está aqui
e quando compartilhado aumenta, não diminui. No desapego nada se
espera. Não existe qualquer coisa a ser esperada. O desapego é a com-
preensão de que muito da vida apenas acontece e que nem tudo pode
ser controlado. Desapego é uma das virtudes principais na doutrina
budista. Seu sinônimo cristão chama-se contentamento. Não vou me
270 Khristian Paterhan C.

estender nisto e peço para você refletir. O importante aqui é compreen-


der que superar a avareza em qualquer de suas expressões não implica
uma violenta expressão contrária, nem num ir e vir nos extremos de
dar ou reter. No seguinte depoimento, está explícita a forma errada de
interpretar o desapego a nível material:
“Às vezes entrego, em minutos, tudo que consegui com sacrifício du-
rante meses. Em outras ocasiões me conduzo de uma maneira mesquinha,
recusando-me a dispensar pequenas coisas, como se o fato de as dar me
transformasse em um miserável paupérrimo. Esta atitude me provoca
uma profunda vergonha. Acho que é para não sentir esta vergonha que
entrego, em outro momento, tudo com a maior facilidade, parece que
tenho pressa em me livrar da possibilidade de sentir vergonha.”
Com muita frequência Tipos 5 se comportam de maneira semelhante
no plano sentimental. Fechados demais, sentem-se incapazes de qualquer
contato e se culpam por não conseguir se abrir com alguém, então, vão
ao extremo e vivem experiências “radicais” (movimento ao Ponto 7),
apenas para sentir que são capazes de viver determinadas experiências.
Nada disso é desapego. No desapego não existe angústia, nem temor, nem
sentimento de culpa. O desapego é a renúncia a mentalizar a existência
e a decisão de vivê-la plenamente.

Uma reflexão necessária: a diferença entre conhecimento


vivo e conhecimento morto

Viver plenamente a existência significa obter o privilégio de conhecer


um tipo de sabedoria e de conhecimento que não se esgotam jamais.
Quando renunciamos ao “conhecimento morto”, à mera “intelec-
tualização” da realidade, não renunciamos ao saber. Pelo contrário,
nos transformamos em seres capazes de “revitalizar” o saber. Nos
Relatos de Belzebu a seu neto, livro de Gurdjieff (ainda não traduzido
ao português), o sábio personagem principal ensina a seu neto Jassin
a diferença entre o “conhecimento morto” (“saber comum”, sem
compreensão verdadeira ou apenas intelectual, sem vivências reais)
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 271

e o “conhecimento vivo” (o “saber real”, fruto da compreensão e da


vivência graças ao trabalho conjunto de sensação-emoção e pensamen-
to), com as seguintes palavras:
“Agora, então, meu filho, para que compreenda melhor aquilo que
estou lhe falando no momento, considero necessário lhe dizer, mais
uma vez, de uma forma mais precisa, a diferença (...) entre o ‘saber’ e a
‘compreensão’(...) A ‘razão da compreensão’, razão consciente própria
de todos os seres tricerebrais (de três centros; como o ser humano) que
povoam os demais planetas do nosso Megalocosmos, a qual possuíam os
seres terrestres de épocas passadas, é algo que se funde com a presença
geral (...) toda informação percebida por essa razão transforma-se para
sempre em parte indivisível deles mesmos.
Quaisquer que sejam as mudanças de um ser e os resultados que
geram a contemplação “eseral” (do ser, com o ser e para o ser) do con-
junto das informações anteriormente percebidas por essa mesma razão,
sempre formarão parte da sua essência.
Porém, a ‘razão do saber’, habitual na maioria dos teus favoritos (os
seres humanos) contemporâneos, toda nova impressão que ela percebe, e
todo resultado intencional ou simplesmente automático das impressões
anteriores, não fazem parte do ser senão apenas de maneira temporal;
não podem aparecer neles senão em certas circunstâncias e ainda, sob
a condição daquelas informações nas quais se alicerçam, serem ‘refres-
cadas’ e ‘repetidas’, vez por outra, pois na falta desta condição, essas
impressões anteriores se ‘evaporam’ para sempre da presença destes seres
tricerebrais.” Belzebu agrega mais na frente:
“... Eis aqui a razão pela qual, na presença dos seres tricerebrais que
tão-somente possuem a ‘razão do saber’, tudo quanto acabam de apren-
der deposita-se e fica para sempre num estado de simples informação, da
qual eles não tomam consciência alguma com o seu ser. Por isso, todos
os novos dados percebidos e fixados neles desta maneira não contêm
nenhum valor com respeito ao aproveitamento que eles poderiam tirar
(desses dados) para sua existência futura...”
272 Khristian Paterhan C.

Finalmente não esqueça a lição que esconde


a historinha do geógrafo no Pequeno Príncipe
de Saint-Exupéry

Quando “fechados” em nossos pensamentos, perdemos contato com


a existência real e a interpretamos segundo nossas paixões, temores e
defesas “mentais” (e, no pior dos casos, “paranoicas”), corremos o ris-
co de acabar igual ao geógrafo do Pequeno Príncipe, o qual explicava
que ele fazia seus mapas apenas segundo os relatos que os viajantes lhe
traziam, sem nunca constatar in loco se eles eram verdadeiros ou falsos.
O principezinho olhando o belo planeta do geógrafo lhe faz perguntas
sobre o oceano, as montanhas, rios e cidades que existem nele, porém o
teórico geógrafo responde a todas elas dizendo: “Como hei de saber?”
O pequeno príncipe lhe diz, surpreso: “Mas o senhor é geógrafo!” A
desculpa do geógrafo é: “É claro, (...) mas não sou explorador (...)
O geógrafo é muito importante para estar passeando. Não deixa um
instante a escrivaninha (...).” Compreende a mensagem? Deixe “sua
escrivaninha” do Centro Intelectual e torne-se um “explorador”, até
porque, como, paradoxalmente, o reconhece o próprio geógrafo dessa
bela e sabia historinha: “Há uma falta absoluta de exploradores.”
O Tipo 6

O eu
que imagina

O mestre Gurdjieff diz: “O homem, às vezes, se perde em pen-


samentos obsessivos, que voltam e tornam a voltar em relação ao
mesmo objeto, às mesmas coisas desagradáveis que imagina, e que
não apenas não ocorrerão, mas, de fato não podem ocorrer.
Esses pressentimentos de aborrecimentos, doença, perdas, situ-
ações embaraçosas, se apoderam muitas vezes de um homem a tal
ponto que assumem a forma de sonhos despertos. As pessoas deixam
de ver e ouvir o que realmente acontece, e, se alguém conseguir pro-
var a elas, num caso preciso, que seus pressentimentos e medos são
infundados, elas chegam a sentir certa decepção, como se tivessem
sido frustradas de uma perspectiva agradável (...)
O medo inconsciente é um aspecto muito característico do
sono (...)
As pessoas não suspeitam até que ponto estão em poder do medo.
Esse medo não é fácil de definir. Na maioria dos casos, é o medo de
situações embaraçosas, o medo do que o outro pode pensar. Às vezes
o medo se torna quase uma obsessão maníaca.”
274 Khristian Paterhan C.

Medo: o traço principal, ou como uma espada pode virar


uma bengala branca, segundo Woody Allen

O consagrado diretor de cinema Woody Allen é, sem dúvida, um


grande exemplo de um típico Tipo 6! Woody Allen é genial na forma
de expresar seus medos!
No livro Pequeno tratado das grandes virtudes, o professor de filoso-
fia francês André Comte-Sponville, no capítulo sobre o humor, lembra
algumas frases deste grande diretor do cinema americano, que revelam
com clareza seu Traço Principal, o medo, confessado de modos engra-
çados: “Sempre trago uma espada comigo para me defender. Em caso
de ataque, aperto o seu punho e ela se transforma em bengala branca.
Então vêm me socorrer!!!” ou “Embora eu não tenha medo da morte,
prefiro estar longe quando ela acontecer.” ou ainda: “A única coisa que
lamento é não ser outra pessoa.” Esta última frase poderia resumir o
depoimento de uma das minhas alunas Tipo 6, com o qual iniciaremos
a análise deste Tipo Eneagramático:
“Medo... um medo visceral, profundo, deprimente, covarde, babaca!
Como eu gostaria de não tê-lo. Como eu admiro os corajosos! E como
eu tenho, durante toda a minha vida, desprezado os covardes. Até
perceber que eu também tenho sido um deles. (Esta percepção ocorreu
agora, com o estudo do Eneagrama.) Isso gera um problema de auto-
estima – não quero me desprezar por isto, mas quero me curar. Medo de
ser feliz – medo de ser infeliz; medo de me expor – medo de me isolar;
medo de ir – medo de ficar; medo do sucesso – medo do fracasso; medo
da convivência – medo da solidão; medo do desconhecido – medo de
sentir medo. Medo... medo... medo... Chega! Não quero mais!!! Exem-
plo: Adoro viajar, mas viajei muito pouco na vida... por medo e preguiça
(movimento ao 9). Nunca havia saído do Brasil. Eu tinha muita vontade
de ir a Portugal e à França, conhecer o restante da minha família, mas
dizia: ‘Só quando construírem uma ponte entre a América do Sul e a
Europa para eu ir de carro’. Tinha pavor de avião. Eu dizia também que
só iria entrar em um avião se me dopassem antes e, mesmo assim, não
poderia acordar durante a viagem (teria que ser uma dose alta). E isto me
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 275

impedia de concretizar um sonho lindo. Eu até evitava pensar nisso para


não sofrer com meus limites enormes. E acabara negando para todos e
até para mim mesma que queria ir. No ano passado, quando me decidi,
fiquei muito tensa, não dormi nada na noite anterior à viagem, mas
fui (com meus pais) peguei quatro aviões e... Eureca!!!: não doeu, não
morri, nada de mal aconteceu. Muito pelo contrário, adorei a viagem e
noto que, depois disso, melhorei em relação aos medos. Mas ainda há
muito a trabalhar. Puxa... era tão simples! Por que eu não fui das outras
duas vezes que meus pais haviam ido?! Quanto tempo perdido! Quanta
bobagem! Quero mudar. Então, vou começar por me expor...!”
Quando a aluna escreve esta frase final, está se referindo ao fato de
que vai revelar seu nome (o que faz) como uma maneira de contrariar
sua personalidade, mas com esse ato confirma seu Tipo, já que o trabalho
de descrever como se manifestava sua Máscara tinha como requisito ser
anônimo. Engraçado, não? Sim, porém profundo, como veremos agora:

Ambivalência: extrema covardia ou extrema ousadia


(no fim ainda o medo... será que não é melhor jogar frescobol?!)

Por meio da imaginação, o intelecto dos Tipos 6 lhes adverte sobre


possíveis perigos, reais ou imaginários, que poderiam sofrer repentina-
mente. Então, ou eles se protegem desses perigos evitando o contato
com a realidade (Influência do Ponto 5, sentimentos de insegurança e
inferioridade) ou os enfrentam com a urgência cega de quem pula apa-
vorado da janela do sétimo andar (se imaginou um outro andar mais
alto, tudo bem, é só um modo de expressão) de um prédio em chamas,
sem esperar que a lona esteja pronta (reações contrafóbicas, irracionais
ou histéricas). Acho que o seguinte caso reflete bem essa ambivalência
com que a realidade é enfrentada por um Tipo 6. Certa vez, li um desses
interessantes e bem-humorados artigos do conhecido escritor e jorna-
lista Millôr Fernandes no qual lembrava as “paradas” que topou como
opositor da ditadura militar, mesmo sem pegar em armas como os mais
radicais fizeram. Na parte final, ele escreve:
276 Khristian Paterhan C.

“... Trinta por cento de correção monetária pelas paradas que topei.
Hay gobierno? Soy contra. No hay gobierno? Soy contra también. Mas
em armas eu não peguei não. Nem sei onde é que fica o gatilho de um
revólver. Meu negócio é acabar com as forças armadas. Vou apoiar outra
força armada? Mas na hora do pega pra capá, garotos, eu não dei no
pé não. Tão lembrados? Estão nada. Ninguém lembra porra nenhuma.
Eu sou daqueles que não foram embora. Bom, não estou criticando os
que se mandaram. Medo é medo – quem tem orifício anal sabe disso.
(Longa pausa.) Mas teve gente que se mandou muito cedo.”
Com certeza, a lembrança das vezes em que este provável Tipo 6 (com
forte movimento ao Ponto 9) sentiu seu “orifício anal” reagir diante do
medo, deve provocar nele algumas “longas pausas”. Para Tipos 6, os atos
contrafóbicos – aqueles nos quais foram obrigados a atuar com aparente
coragem apesar de seus medos – quando lembrados, devem provocar as
mesmas “longas pausas” que provocaram no nosso “valente” Millôr, que,
para não deixar dúvidas sobre sua tendência à paz (movimento contra
a seta ao 9) escreveu, consciente ou inconscientemente, naquele mesmo
dia na sua página, que ele é “um dos inventores do frescobol – o único
esporte com espírito esportivo. Até hoje ninguém inventou ganhadores,
nesse jogo”, portanto ninguém fica com medo de perder, certo?
As “longas pausas”, sentidas pelas “mensagens” do “orifício anal”
do jornalista, lembram a típica ambivalência com que Tipos 6 enfrentam
a realidade, ambivalência que os leva a temer tudo, como nos mostrou
nossa aluna no depoimento: “Medo de ser feliz; medo de ser infeliz. Medo
de me expor; medo de me isolar, medo de ir; medo de ficar, etc.” Enfim,
medo do medo, que pode levar a atitudes e condutas extremas, para se
expor ou para não se expor, ou, como confessa o nosso jornalista, para
ser “contra”, em qualquer caso. Millôr, como todo Tipo 6 “democráti-
co”, não gosta de autoritarismo e apesar de nunca ter pegado em arma,
“ousa” advertir que “meu negócio é acabar com as forças armadas” .
Ele revela que, “naqueles dias”, correu grandes riscos, e pede “correção
monetária” por tudo o que topou na época. Porém esses riscos ele sabe
que não foram “inteligentes”, nem foram assumidos por valentia. Ele
não é “valente”, ele não quer ser nem perdedor, nem ganhador, ou seja,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 277

ele apenas quer jogar uma partida de frescobol contra um “time da pe-
sada”, ao qual deverá convencer de que ele não quer ganhadores nem
perdedores, apenas “acabar com as Forças Armadas” (!?).
Sem dúvida, foram muitas “longas pausas”!

Os filhos do casal ambivalência-medo: indecisão, atitudes


flutuantes, inconstância, rejeição ao conflito, emoções opostas, etc.
(Que família!) O Tipo 6 e o tipo de sentimento introvertido
de Jung

Tudo bem, vamos transcrever aqui os comentários sobre a ambi-


valência do psicólogo norte-americano T. Millon, publicados na obra
Disorders of personality (Desordens da personalidade, 244): “A am-
bivalência dos passivos-agressivos se intromete constantemente na sua
vida cotidiana, resultando em indecisão, atitudes flutuantes, condutas e
emoções opostas e um generalizado devaneio e inconstância. Não po-
dem decidir se aderem aos desejos dos demais como um meio de obter
conforto e segurança, ou se dirigirem a eles mesmos para estes ganhos,
se são obedientemente dependentes dos demais ou insolentemente re-
sistentes e independentes deles, se tomar a iniciativa de governar seu
mundo ou ficar ociosamente sentados por ali, esperando passivamente
a liderança de outros; vacilam, então, do mesmo modo que o asno pro-
verbial, movimentando-se primeiro numa direção e logo numa outra,
sem decidir jamais qual ‘fardo’ de palha é melhor.”
Em razão do medo nuclear e desta ambivalência, Tipos 6 procuram,
como nosso Millôr, não ter conflitos. (“Em volta de mim, amados
amigos, ninguém ganha ou perde. Vive”.) Não ter que decidir, não ter
que escolher, ou, numa atitude insolente atrever-se (custe o que custar e
aceitando todas as “longas pausas”) a declarar que quer “acabar com
as forças armadas”.
O Tipo 6 corresponde ao tipo junguiano de sentimento introvertido.
Talvez pela ambivalência que caracteriza este tipo, Jung teve dificulda-
des, como ele mesmo reconhece, para descrevê-lo “intelectualmente”:
278 Khristian Paterhan C.

“É extremamente difícil oferecer uma relação intelectual do processo


do sentimento introvertido (...) embora a peculiar natureza desta classe
de sentimento seja muito perceptível quando a gente se dá conta (...)”
Nos nossos workshops do Eneagrama, os Tipos 6 às vezes descrevem
este “processo” como “uma dificuldade de expor” o que acontece nos
seus “mundos internos”, que inclui a dificuldade de definir quais são os
sentimentos relativos a esses momentos. Concordo com Jung, só quando
a gente “observa” esse estado “natural” nos Tipos 6, é que é possível
compreendê-lo em sua intensidade.
A ambivalência, reconhecida por nossos alunos Tipo 6, produz di-
versas consequências. Em parte do seu depoimento, Jane, uma de nossas
alunas, confessa: “Detesto brigas e desarmonia. Não quero saber de
problemas. Só quero é ser feliz! Acho que busco a felicidade absoluta!
Evito o atrito ao máximo, mas se não tiver jeito eu entro na briga. Te-
nho medo de minha agressividade. Acho que sou capaz de matar num
momento de muita raiva.” Logicamente, o medo do que sua raiva pode
gerar a faz acrescentar logo em seguida que tem “dificuldade de expressar
raiva”. Outra aluna reconhece: “não gosto de competições e sempre me
retiro de ambientes ou cursos ou qualquer atividade onde haja disputa.
Não gosto de lutar”. Outra escreve: “O medo de perder as pessoas me
leva a evitar qualquer tipo de conflito; a não aceitar cargos de chefia,
onde haveria possibilidade de algum rompimento ou desavença.” Mais
adiante repete que sua “incapacidade de conviver com o conflito” é uma
“característica forte”, e acrescenta: “Às vezes a tensão é tanta, que acabo
tomando decisões (que aparecem como atos corajosos). Isto me faz sair da
confusão e fazer alguma coisa. Embora estes aprendizados sejam sempre
muitos sofridos (pois me tiram da famosa zona de conforto onde tudo é
conhecido e organizado) sinto que faço alguns progressos assim.”
O fato de ter que tomar decisões se torna estressante, como confessa
Sílvio, um dos nossos alunos 6: “Não gosto de decidir, o que acarreta di-
ficuldades de iniciar e terminar qualquer coisa. Sendo que, no final, acabo
realizando o que for necessário geralmente de modo bem mais satisfatório
do que imaginava, mas com muito desgaste.” Ele continua confirmando
esse estado de ambivalência e revelando que: “Há uma particularidade no
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 279

meu comportamento, aquilo de que tenho medo é justamente o que procuro


fazer, mas também com um enorme desgaste. Sinto-me dependente porque
preciso da aprovação dos outros, para não me sentir rejeitado. Ajusto-me
ao mundo (pessoas e situações) para me sentir em segurança.”
No depoimento de outra aluna Tipo 6 podemos apreciar como esta
luta interior entre fazer ou não fazer, decidir ou não decidir, provoca o
que muitos donos desta máscara chamam a “dificuldade de concretizar”
(um típico movimento ao Ponto 9):
“Sempre demoro a concretizar algo, pois fico imaginando as possíveis
consequências, as melhores maneiras de fazer, qual deveria ser a maneira
correta, etc. A partir daí surgem as dúvidas e o desânimo. Começo a
protelar e invento desculpas para não fazer as coisas, adiando o máximo
possível. Quando este estado de apatia começa a me incomodar, passo
a me movimentar fazendo muitas coisas, preenchendo meu tempo com
várias atividades.
A compra de minha casa vem se desenrolando desta maneira. Quando
decidi comprá-la, fiquei animada, fiz planos e comecei a procurar nos jor-
nais. Então começaram as dúvidas: será que as pessoas são de confiança? E
assim, fico somente selecionando anúncios, sem ir ver as casas, até que paro
de procurar, inventando desculpas como falta de tempo ou simplesmente de
ânimo para agir (movimento para o 9). Passam-se alguns dias ou semanas
e começo achar que algo precisa ser feito, que estou muito parada e que
devo começar a agir. Recomeço a procurar então com mais confiança, com
mais empenho e disposição, vendo várias casas durante a semana, durante
o mês (movimento para o 3). Voltam as dúvidas e então nada me agrada:
quando a casa é boa, o local é ruim; se me agradam o local e a casa, desisto
porque tem pessoas morando e poderia haver problemas para desocupá-la;
me deixo levar por opiniões de outras pessoas (volta para o 6). Estas etapas
se repetem várias vezes até que eu consiga realizar o que pretendo.”
A esta altura, você deve estar pensando: “Incrível, achava que somente
eu era assim!” A descoberta do Traço Principal é muito chocante sempre,
mas conhecer sua origem levará você a profundas reflexões que facilitarão
qualquer trabalho, presente ou futuro, sobre si mesmo, mediante o qual
você possa obter os benefícios da fé e da coragem verdadeiras.
280 Khristian Paterhan C.

Como surgiu o traço principal


(Ou quando o que acontece não é o esperado)

A que chamamos medo? Habitualmente o medo é a palavra que define


uma série de “estados emocionais alterados” provocados por uma ame-
aça, real ou imaginária; pela percepção de um perigo, real ou imaginário
ou pela iminente ou súbita possibilidade de enfrentar uma situação que
associamos, objetiva ou subjetivamente, por aprendizado ou por termos
tido uma dolorosa experiência, com situações desagradáveis, odiosas, re-
pulsivas, perigosas, desconhecidas ou conhecidas, situações estas que nos
fazem perder – temporal ou constantemente – nosso senso de segurança,
bem-estar, conforto e/ou prazer, confiança e/ou tranquilidade.
Nos depoimentos de Tipos 6, a lembrança dos primeiros medos e do
modo como estes alterariam o relacionamento com a realidade é frequen-
te e, às vezes, forte. Neles temos palavras-chave que ajudarão você, como
Tipo 6, a ter elementos de observação que lhe permitam, aos poucos,
primeiro individualmente e logo mediante terapias ou trabalhos grupais
superar seus medos em virtude da constatação dos pontos comuns que lhe
indicam como eles possuem origens similares. Algumas palavras-chave
são: crítica(s), ameaça(s), autoritari (a-o-ismo), decepção, repreensão,
insegur (ança, o, a) sever (a-as-o-os-idade), castig (ar-o)

Novamente peço aos pais e responsáveis pela educação das crianças


e adolescentes que leiam esta obra para refletir profundamente sobre
como surge esta sexta máscara e seu traço principal. Uma aluna nos
revela a respeito o seguinte:
“Lembro das críticas por parte de meus pais, sempre observando
minhas falhas, especialmente meu pai, que não podia admitir uma filha
mais forte e corajosa que ele. Meu pai é um homem muito autoritário e
perde o controle facilmente. Quando criança ele me decepcionou muito.
Minha insegurança partiu desta primeira grande decepção.”
Crianças Tipo 6 percebem que não se pode confiar nos adultos porque
acontecem situações inesperadas e decepcionantes que as fazem sofrer e
temer represálias imprevistas e dolorosas. Certa aluna conta:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 281

“Como na minha infância eu tinha muito medo que meus pais me


batessem, minha irmã soube se aproveitar bem dessa situação. Qualquer
traquinagem ingênua que eu aprontasse, ela ameaçava contar para minha
mãe, a não ser que eu fizesse algo para ela, como, por exemplo, servir-lhe
água quando estivesse com sede, avisando-me, porém, que nem pediria,
apenas emitiria um som para eu saber que ela estava com sede.
Eu e minhas amigas do prédio em que morava, adorávamos ir de
andar em andar apertando a campainha de apartamentos e depois
esconder-nos. Um dia, estava no elevador com minha irmã, e um rapaz
encarou-me e disse: ‘Se eu te pegar mais uma vez tocando a campainha
da minha casa, vou te botar nua no elevador!’ Fiquei morta de medo e
essa foi mais uma das chantagens da minha irmã. Mas o que me marcou
foi quando um dia, na praia, um velho me bulinou (graças a Deus saí
correndo). Fiquei muito chocada e com medo que meus pais soubessem,
e mais uma vez minha irmã, durante um bom tempo, ameaçou-me se eu
não a obedecesse. Eu tinha medo até do que não era culpada.”

Errar por medo do erro ou


“por que estão me castigando?”

Esta última afirmação (“eu tinha medo até do que não era culpada”)
é muito importante. Tipos 6 temem o “deslize”, como afirma Claudio
Naranjo, portanto, se caracterizam por suas contínuas apreensões. Em
razão da ambivalência que os caracteriza, ao mesmo tempo em que
rejeitam o autoritarismo, se sentem menos inseguros quando conhecem
as “regras do jogo”, quando podem confiar numa autoridade ou quando
se coletivizam. Desta forma as possibilidades de “deslize” diminuem,
ainda que se sintam apreensivos e temerosos de não poder “cumprir”
essas “normas” e/ou “regras do jogo” sempre. A razão pela qual Tipos
6 sentem-se melhor quando estão trabalhando em grupos, quando fazem
parte de um “nós”, de um coletivo, está alicerçada em parte nesta procura
de não cometer erros. Se os erros são cometidos “no departamento, onde
nós trabalhamos”, então o risco de sofrer o castigo fica “repartido” e,
282 Khristian Paterhan C.

portanto, menos doloroso, “seremos mais numerosos para nos defen-


dermos das possíveis injustiças”. A necessidade de segurança é muito
importante. Logicamente, esta atitude leva os Tipos 6 a ter medo até
de “errar por medo do erro”, ou como diz um aluno: “tenho pavor de
errar, principalmente com o próximo. Mostro meu erro antes que o outro
perceba e fale...” Uma outra causa deste temor ao deslize está no fato
de que para muitos Tipos 6 as causas dos castigos e repreensões nunca
ficaram claras durante a infância. Como o castigo é um ato imprevisto,
inesperado, sem razão, o medo passa a ser constante. Assim, Tipos 6
perdem a confiança nas pessoas e nas situações cotidianas.
Um aluno lembra:
“A partir dos 5 anos, fui criado por uma tia (irmã de meu pai). Até
então, tive uma mãe muito severa e um pai muito ausente. Após os cinco
anos, também com uma criação muito severa, só que aí já não era so-
mente minha mãe, mas as tias, a avó e todos os outros me repreendendo
e me castigando. Eu não sabia de onde nem quando viriam os castigos
e/ ou repreensões. Tive desde cedo que me virar sozinho, inclusive para
me defender de todas estas ameaças externas. Nunca sabia em quem e
quando confiar.”
Naturalmente, essa perda de confiança resulta numa atitude de
rejeição ao controle ou obrigação real ou imaginária que um Tipo 6
possa sentir na atitude de outras pessoas. Novamente, o Traço Princi-
pal será consequência das primeiras experiências, como nos revela este
depoimento:
“Hoje, depois de começar a entender o significado de cada máscara,
começo também a entender os meus medos. Eles vêm da minha infância
e principalmente da adolescência, que foi terrível. Por isso mesmo, até
hoje não aceito quando alguém determina o que vou ou não, posso ou
não fazer. Não aceito ser controlada ou obrigada a fazer coisa alguma.
Esses medos e rejeições ainda hoje estão muito presentes em mim.”
Outra grave consequência das experiências injustas vividas na
infância e na adolescência é que muitos Tipos 6 se tornam “problemá-
ticos, rebeldes e contestadores”, numa clara reação psicológica que no
fundo quer dizer: “Fui injustamente castigado, então, agora, farei algo
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 283

realmente ruim!” Um dos alunos já citados declara que, ainda perceben-


do que criava um “círculo vicioso”, ele provocava propositadamente
situações para ser punido: “Já que eu havia sido punido injustamente,
então me rebelava criando situações piores do que as que motivaram
as punições.”
A sensação de abandono, de não ser tratado com justiça, de enfrentar
um mundo cheio de imprevistos desagradáveis e críticas e punições injus-
tas faz com que este Tipo Eneagramático adquira a convicção de que não
se pode confiar em ninguém: “Sinto uma grande desconfiança de outras
pessoas e ambientes... Sou bastante desconfiada (advogado do diabo) e
sempre me toca aquela dúvida cruel: Será que posso confiar dessa vez
ou será que vou quebrar a cara novamente?” Os Tipos 6 decidem que
só existe uma pessoa na qual se pode confiar, ainda que com medo: eles
próprios. Só que uma ajuda invisível e poderosa é sempre bem-vinda.

O mundo oculto: motivo de rejeição e de atração


(uma reflexão no Brasil “afro-brasileiro”)

A imaginação negativa a que Gurdjieff se refere no texto transcrito


no início deste capítulo provoca nos Tipos 6 uma outra manifestação
ambivalente. Desta vez, com o que vulgarmente chamamos de “mundo
oculto”, “invisível”, “esotérico”, o mundo das “magias” de todas as
cores. As questões ditas “esotéricas” atraem e assustam este Tipo. Por
um lado, como sempre acontecem “coisas inesperadas”, alguns Tipos
6 tentam “estar preparados”, “protegidos”, gostam de “talismãs” e de
“proteções” diversas. O inexplicável precisa ser explicado; o oculto,
desvendado e controlado. Eles imaginam que a causa das situações e/
ou vivências inesperadas e negativas possam ser “forças desconhecidas”,
“causas desconhecidas”, “razões ocultas” que devem ser exorcizadas. Esta
questão é muito interessante, especialmente no Brasil, onde os cultos afro-
brasileiros, inicialmente exclusivos dos negros escravos e hoje praticados
por negros e brancos que procuram neles força e proteção invisíveis. Peço
licença para fazer aqui uma breve reflexão sobre este assunto.
284 Khristian Paterhan C.

Ninguém ignora que os escravos viviam num ambiente autoritário e


controlador, em que o castigo inesperado, a humilhação e a tortura eram
o “pão de cada dia”. O domínio dos brancos não podia ser contestado
diretamente, mas talvez fosse neutralizável de outra forma... Os brancos
possuíam as armas e o poder visíveis. E o poder invisível e mágico era
a única ajuda e defesa possível, além da difícil alternativa da fuga. Os
negros se protegiam, e se protegem ainda, com a ajuda poderosa de seus
Orixás, do mesmo modo que há milhares de anos seres humanos de
diferentes raças procuram nas suas religiões e cultos um meio de enfren-
tar os perigos do invisível, contando com a ajuda do além. Por trás da
defesa enfática de seus cultos, tradições e cultura, os negros que vivem
em países como o Brasil e os EUA contestam o “sistema estabelecido”
como reação ao apartheid sorrateiro e disfarçado que sofrem há gerações.
Eles têm sido agredidos, mortos e perseguidos sempre. São a expressão
coletiva da psique dos Tipos 6: o medo e a ambivalência são as caracte-
rísticas de seus modos de vida. Como os Tipos 6, os negros decidiram
atuar contrafobicamente em todos os planos. Por trás das manifestações
atrevidamente contrafóbicas e chocantes, por trás das expressões do
“orgulho de ser negro”, eles se protegem de uma sociedade que se diz
culturalmente não racista, mas que ainda o nega na prática. São eles os
“suspeitos” que a polícia prefere, os discriminados nos trabalhos, os que
sobrevivem majoritariamente nas favelas. Exatamente como um Tipo
6, a grande maioria dos negros sente medo do inesperado, do castigo
injusto, da violência sem razão que mata muitos de seus filhos inocentes.
Daí a ambivalência e desconfiança que sentem dos brancos. O sucesso
inicial da revista Raça foi uma prova dessa procura de segurança ca-
racterística de Tipos 6, que só se encontra com e entre “aqueles que são
iguais a nós”. Uma espécie de discriminação ao contrario. Enfim, aqui
a gente tem “muito pano pra manga”, certo? Fiz esta reflexão a título
de observador estrangeiro e com o desejo de chamar a atenção sobre
uma questão ainda não resolvida totalmente para os filhos que nascem
neste “berço esplêndido”.
Voltando ao assunto. Num país de sincretismos como o Brasil, onde
todo mundo ouve desde a infância palavras tais como “mãe-de-santo”,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 285

“terreiro”, “candomblé” ou “macumba”, e onde a maioria, alguma vez,


procurou ajuda para “fechar o corpo” ou para “abrir seus caminhos”,
Tipos 6 devem sentir que seus medos e seus modos de se proteger dos
“inimigos invisíveis”, dos “olhos grandes” e das “forças negativas”, não
são tão anormais assim.
O medo leva Tipos 6 a não somente querer saber “o futuro” por meio
do Tarô, ou de visitas a “clarividentes” como também a preocupar-se
demais com “cargas negativas”, “magia negra” e questões afins. Numa
parte do seu depoimento outra aluna nos revela:
“Também sinto uma grande desconfiança de outras pessoas e ambien-
tes, principalmente em relação a absorver as cargas negativas. Tive muitos
problemas sérios, até físicos, por absorver cargas negativas de lugares
como hospitais, etc., e acho que fiquei um tanto paranoica! Também
sofri muito por causa de inveja, magia negra, etc., e fico preocupada
com isso para que não me atinja mais.”
Os Tipos 6 devem procurar libertar-se desta classe de dependência
paranoica e temores neuróticos e irracionais, por meio do trabalho sobre
si mesmos, recuperando a autoconfiança e desenvolvendo um maior
controle imaginativo. Já em termos raciais, negros e brancos (além de
outras cores) deveríamos fazer o mesmo, certo?

Movimento aos Pontos 3 e 9: descobrindo


os modos de fugir e os modos errados de fazer.
Iniciando o processo de mudanças positivas – (ver figura na página 334)

O movimento eneagramático do Tipo 6 é via em direção do 6 ao 3,


do 3 ao 9 e do 9 ao 6 novamente.
Refletindo sobre este movimento, você poderá aprimorar a obser-
vação de si mesmo e descobrir quando é que atua sem medo e quando
atua por medo, quando consegue fazer adequadamente e quando o faz
motivado apenas por sua máscara. Descobrirá também quando atinge
um estado de segurança autêntico e quando está apenas “fugindo” ou
“ocultando-se” da aparente realidade.
286 Khristian Paterhan C.

Essa observação deverá estar acompanhada da reflexão nos aspec-


tos negativos e positivos de cada ponto. Assim, o aspecto negativo do
movimento do 3 é a mentira, o fazer de conta que não tem medo, agir
contrafobicamente. O aspecto negativo do movimento ao Ponto 9 é a
tendência a adiar decisões e/ou ações, aquilo que G. I. Gurdjieff chamou
de “a doença do amanhã” (“amanhã eu faço, amanhã me preocupo,
amanhã começo de verdade, amanhã...”, você sabe). Tente observar seus
movimentos contrafóbicos, os momentos de falsa coragem. O positivo
desse movimento eneagramático está na possibilidade de realizar qual-
quer coisa sem temor e confiante em relação ao resultado. (Movimento
da Coragem e da Fé, a Verdade do Ponto 3.) Quando Tipos 6 agem
deste modo equilibrado, conseguem um verdadeiro descanso no Ponto
9 do Eneagrama. O aspecto positivo do movimento ao Ponto 9 (contra
a seta) se relaciona com a capacidade de evitar o ato contrafóbico, que
permitirá uma ação reflexiva e verdadeiramente corajosa (Do Ponto 9
ao 3), o que finalmente lhes permite sentir um estado de “segurança”
real. Controle sua imaginação. Pergunte-se: por que estou imaginando
esta situação desta maneira?, não poderia ser diferente? Ao se mover
negativamente ao 9, procure perceber as imagens negativas que provocam
a necessidade de protelar ações ou decisões, muitas delas valiosas para
o seu crescimento e progresso.

Observando seus parceiros eneagramáticos 5 e 7

Os Tipos 6 aprenderão muito por meio da análise das Máscaras 5


e 7 do Eneagrama. Tanto com o que devem evitar quanto com o que
devem adotar desses seus “parceiros”. A influência negativa do Ponto 5
reforça a ideia de perigo e desconfiança que situações ou pessoas podem
provocar. Nestes casos, os Tipos 6 recuam ou se afastam sem querer
experienciar o que, naturalmente, reforça seus medos e os afasta da
realidade. A influência negativa do Ponto 7 se manifesta fundamental-
mente nas atitudes ambivalentes e na incapacidade de concluir planos
e/ou projetos. O mais positivo da influência do Ponto 5 é aprender a
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 287

desenvolver a capacidade de reflexão e raciocínio como um modo de


atingir o necessário controle imaginativo. Aprender a perceber o absurdo
e irracional de determinadas imagens mentais e treinar a mente para
modificar essas imagens, apagá-las ou refletir nas alternativas positivas.
O mais positivo do Ponto 7 é a capacidade de vivenciar novas experi-
ências, viver e planejar situações prazerosas, sem julgar e/ou temer que
algo esteja errado. Desfrutar do corpo e ficar mais aberto ao momento
presente, curtindo o que está acontecendo de positivo sem se “projetar”
ao futuro negativamente.

Imaginação consciente:
percebendo as “78 faces” da realidade

Gurdjieff afirmava: “O medo pode ser o órgão de uma futura clarivi-


dência...” Fantástico, não é? Nossa maior conquista como seres humanos
é desenvolver as potencialidades psicofísicas que estão adormecidas em
nós. A imaginação, potencialmente, pode transformar-se num dos alia-
dos mais poderosos do ser humano. Com certeza você ouviu falar das
técnicas de “imaginação criativa”, de “visualização positiva”, “criação
mental”, PNL, etc. Essas técnicas estão alicerçadas na constatação de um
fato simples, porém, maravilhoso: com disciplina imaginativa, a gente
pode modificar positivamente os acontecimentos existenciais. Quando
o medo nos controla, acontece o inverso. Nossa imaginação fornece as
imagens que afirmam nossos medos, fobias e temores. Nesse momento,
não conseguimos VER CLARAMENTE. Mais ainda: não conseguimos “VER”
na “tela mental” mais que uma ou duas faces possíveis da realidade. Os
antigos mestres herméticos ensinavam que a Verdade tem “78 faces” e
que, quando a gente percebe apenas uma ou duas dessas faces, é neces-
sário lembrar que ainda existem 77 ou 76 por conhecer. Esta afirmação
de que a realidade ou a Verdade tem 78 faces é simbólica, claro! O que
aprendemos dela é que sempre podemos imaginar mais de uma pos-
sibilidade para qualquer questão. Quando um ser humano inicia um
processo de consciência imaginativa tem possibilidades de desenvolver
288 Khristian Paterhan C.

uma “visão interior” mais ampla. É como se, em vez de perceber apenas
25 graus da realidade, ele começasse a perceber 40, 60, 90, 180 graus...
até 360! Comece a controlar sua imaginação.
Quando uma cena mental aparecer para iniciar e/ou reforçar seu
medo, observe-a e mude-a por outra diferente e positiva! A imaginação
é uma de suas capacidades cerebrais mais valiosas.
Ela deve estar ao seu serviço. Por isso, não deixe que ela comande
sua vida!

Conquistando a virtude da coragem


e desenvolvendo uma “fé consciente”

As Virtudes a serem conquistadas pelos Tipos 6 são muito espe-


ciais. A “Coragem” implica literalmente um “agir com o coração”,
ou seja, um agir a partir de um Centro Emocional equilibrado (Ponto
3) e livre do temor (desidentificação ou desapego das imagens negati-
vas fixadas pela ideia de uma ameaça sempre latente), o que permite
essa visão clara da realidade, limpa de todas as ameaçadoras e irreais
imagens internas. Naturalmente, isto conduz a uma ação relaxada no
plano físico. De acordo com Helen Palmer: “A coragem depende da
capacidade corporal de agir adequadamente a partir de um estado não
pensante da mente.” Realizar é melhor que apenas imaginar realizar
ou temer realizar. Devemos lembrar novamente que será o controle
imaginativo que permitirá “agir com o coração” e não com a cabeça.
Quando nos atrevemos a agir sem temor, podemos descobrir que muitos
“tigres são de papel”. Os Tipos 6 podem conquistar uma tremenda
capacidade de ver além das aparências, desenvolvendo sua natural
intuição, se começarem a confrontar seus medos com a realidade.
Quando a realidade é confrontada fisicamente, temos a possibilidade
de voltar a ter segurança nas nossas capacidades e nos nossos atos.
Aprenda a confiar e conhecer melhor seu Centro Físico. Como já falei
na análise de outras máscaras, durante os treinamentos avançados de
Eneagrama, temos uma prática ao ar livre em que as pessoas ficam
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 289

em pé formando um círculo e seus movimentos são deliberadamente


limitados assim como suas reações emocionais. Ou seja, não podem
sair do seu lugar, nem gritar ou pular fora do círculo. No centro, o
instrutor está com um bastão de madeira de um metro de comprimento
(mais ou menos) e adverte que o bastão será lançado a qualquer um
e a qualquer momento, sem prévio aviso. De início as pessoas ficam
ansiosas, temerosas de serem atingidas pelo bastão, até que, aos poucos,
começam a perceber que não é “tão perigoso assim” e como é fácil
receber o “ameaçador” bastão, sem tensão e sem medo. Logo, numa
dinâmica de grupo, é muito engraçado ouvir que as pessoas imaginaram
muitas coisas em relação a essa prática milenar. Umas comentam que
achavam que seriam golpeadas na cabeça, outras que o bastão poderia
atingir um olho, outras que sentiam que quase não podiam mover-
se. Enfim, o medo os paralisa de início e lhes impede a realização de
movimentos com os quais seus Centros Físicos possam pegar o bastão
sem que este lhes provoque nenhum dano. Eles percebem que o que
temiam era apenas “imaginário”. Logo pede-se que eles aprendam a
agir cotidianamente de acordo com o que compreendem e percebem
nessa prática psicofísica. Os resultados são excelentes.
Entre os Quatro Verbos chamados “Mágicos” (Ousar, Querer, Saber
e Calar), sobre os quais escrevi no meu primeiro livro, os que devem ser
mais vivenciados pelos Tipos 6 são os verbos “Ousar e Querer”. Ambos
implicam ações concretas e ambos estão relacionados com profundos
sentimentos e não apenas com pensamentos. A autoconfiança só pode ser
gerada a partir de “contatos” efetivos com a realidade e não apenas com
atos contrafóbicos. Os atos contrafóbicos surgem do Centro Intelectual e
paralisam o “sentir”, paralisam as emoções como se quisesse “ignorar”
o que vai acontecer após sua irreflexiva execução. Não é ousadia, não
é querer e sim seu oposto: o ato contrafóbico. Isto é fácil de comprovar
quando pessoas que sofrem de fobias conseguem ser curadas mediante
metódicos e pacientes processos de sensibilização e conscientização, por
meio dos quais passam a perceber que aquilo que temem, simplesmente,
não é real e não acontece.
290 Khristian Paterhan C.

O valor da fé consciente

Em relação ao desenvolvimento do que Gurdjieff chamava de “Fé


consciente”, primeiro é importante ter presente quais são os dois tipos de
“fé” negativa que todos nós temos que aprender a reconhecer e superar,
especialmente se o Traço Principal é o 6.
Gurdjieff lembra esta questão importante com o seguinte aforismo
que só comentarei em parte, dada a sua profundidade e importância:
“A Fé da consciência é liberdade, a fé do sentimento é fraqueza, a
fé do corpo é estupidez”.
Quando você “se atreve” a fazer algo ou a enfrentar uma situação
contrafobicamente, poderíamos dizer que está agindo emocionalmente
alterado (a). Nesses instantes, sua “fé” está fundamentada na sua fra-
queza (“a fé do sentimento é fraqueza”) e sua reação corporal não vai
estar guiada pela lucidez que acompanha qualquer ato consciente (“a
fé do corpo é estupidez”). Você ficou preso mentalmente à “certeza”
de que o ruim imaginado com respeito a esse ato ou a essa situação
“x” poderia realmente acontecer, porém, como não tem outra saída,”
mobiliza” inconscientemente seu “Centro do Movimento” e executa
ou enfrenta a situação “sem consciência de si”. O resultado pode ser
bom ou ruim, positivo ou negativo, porém você não se importa com
isso naquele momento. Esta forma de reagir contrafóbica é a que é re-
almente perigosa e não a situação ou o ato em si mesmo. Quando você
consegue agir com verdadeira Fé, você se liberta dos limites que seus
medos lhe impõem. Sua consciência fica livre, acima da sua “máscara”.
Então seus Centro Emocional e Físico se comportam de acordo com o
que realmente “sabem” fazer, com plena capacidade. Helen Palmer cita
na sua obra sobre o Eneagrama o seguinte depoimento de uma mulher
Tipo 6, que demonstra o que estou tentando explicar-lhe:
“Frequentei a City University em Manhattan e usava o metrô para
ir às aulas. Nunca me preocupava com as viagens de dia quando havia
multidões, e eu podia ler meus textos todo o trajeto desde a estação da
Rua Delancey. Quando eu tinha aula à noite e tinha de esperar sozinha
na plataforma, eu ficava muitas vezes apreensiva, e combinei com meu
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 291

namorado de me encontrar na Delancey e a gente andar juntos até


minha casa.
Uma noite, um louco entrou no vagão. Ele fazia caretas e cerrava os
punhos e começou a dizer palavrões andando pelo corredor. Havia pouca
gente no metrô, e ninguém tinha coragem de olhar o rosto do louco.
De repente, ele descobriu alguém no assento atrás de mim, apontou,
praguejou e veio em nossa direção, e então eu me vi bloqueando sua
passagem. Meu corpo tinha se erguido, e eu ouvia minha voz falando
com o sujeito sem saber o que eu devia dizer. Ainda não consigo me
lembrar do que eu disse, mas sei que, ao ver uma arma na mão dele,
não tive medo algum.
Eu parecia estar repetindo os movimentos de algo que já tinha acon-
tecido antes. Não me surpreendi quando vi dois braços pegando-o pelas
costas numa chave de cabeça nem quando arranquei a arma da mão dele
quando ele apontou o meu rosto. Quando encontrei meu namorado na
Delancey, eu estava tão impassível que ele teve dificuldade em acreditar
que minha história fosse verdadeira.” Não é incrível este depoimento?
Simplesmente, “a Fé da consciência é liberdade”! Veja como de novo
é importante o controle da “imaginação” para que essa Fé consciente
seja conhecida por você: “A fé é a certeza do que se espera, a convicção
do que não se vê.”, segundo a brilhante definição do Apóstolo Paulo na
sua carta aos Hebreus. Aprenda a ter certezas positivas e compreenda
que aquilo que ainda não aconteceu, que ainda “poderia acontecer” ou
“acontecerá” depende, em grande parte, da sua total consciência do
momento presente, porque é no presente que criamos o futuro e é nele
que fazemos nossas escolhas.
O Tipo 7

O eu
que projeta

“Liberdade é seriedade. Não essa seriedade de sobrancelhas fran-


zidas, lábios fechados, gestos cuidadosamente medidos e palavras
filtradas entre os dentes, mas a seriedade que significa determinação
e persistência na busca, intensidade e constância, de modo que, mes-
mo nos momentos de repouso, o homem prossegue com sua tarefa
principal. Façam a si mesmos a pergunta: São livres? Muitos serão
tentados a responder que sim, se estiverem num estado de relativa
segurança material, sem preocupação com o amanhã e se não depen-
derem de ninguém para sua subsistência ou para a escolha de suas
condições de vida. Mas a liberdade está aí? É somente uma questão
de condições externas?”
“O homem, bem no seu íntimo, ‘exige’ que todo mundo o tome por
alguém notável, a quem todos deveriam constantemente testemunhar
respeito, estima e admiração pela sua inteligência, pela sua beleza,
sua habilidade, seu humor, sua presença de espírito, sua originalidade
e todas as suas outras qualidades. Essas ‘exigências’, por sua vez,
baseiam-se na noção completamente fantasiosa que as pessoas têm
de si mesmas, o que acontece com muita frequência, mesmo com
pessoas de aparência muito modesta...” Os dois parágrafos acima
reúnem palavras de Gurdjieff, anotadas por seus discípulos.
294 Khristian Paterhan C.

A alegre, maravilhosa e original turma dos Tipos 7!


(faltou dizer algo mais?)

Sem dúvida é um grande problema escolher só um exemplo brasilei-


ro do Tipo 7. O próprio Brasil é um precioso país Tipo 7 e, tirando os
aspectos sociais negativos que necessitam ser mudados, deve continuar
sendo esse paraíso que é, para o bem e alegria de todos os brasileiros e de
toda a humanidade! É verdade que o fato de ser um País Tipo 7 provocou
certa vez o desabafo atribuído ao líder francês Charles De Gaulle, que
teria sentenciado que o Brasil era um país “pouco sério”, mas, pensando
bem e sem querer provocar um atrito diplomático internacional, prefi-
ro a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade à moda brasileira. Tudo
bem, dizia que era um grande problema escolher exemplos de Tipos 7
brasileiros, não porque faltem e sim porque não quero que alguém não
citado fique achando que não o considerei, que não sei da importância
da sua figura (nossa! Quanta puxação de saco!) etc., etc.
Mas como não tem jeito, tomei uma decisão e vou destacar, então,
dois exemplos públicos, muito queridos nesta terra. Refiro-me a Jô
Soares e Miguel Falabella ou Miguel Falabella e Jô Soares, esse nos-
so David Letterman em versão fat. A ordem dos fatores não altera o
produto, certo? Primeiro, nosso “gordo”. Quem vai pra cama sem ele?
Comandando na TV.Globo um dos programas mais populares da TV
brasileira, Jô Soares, genial, comediante, poliglota, escritor de sucesso,
é um clássico Tipo 7 com poderosa influência do Ponto 8 do Eneagra-
ma. Ele possui essa capacidade de nos descontrair com suas entrevistas
inteligentes, piadas e brincadeiras das quais a maior parte dos seus
convidados não consegue fugir, não apenas porque ele é um humorista,
mas porque esse é um dos aspectos marcantes e positivos desta Máscara
Eneagramática: a vida para Tipos 7 é uma constante procura de alegria
e prazer. Destaquei dele o fato da forte influência do Ponto 8 Eneagra-
mático, porque Jô Soares não hesita quando se trata de defender causas
nobres e populares, nem quando acha que deve falar algumas verdades
que doem até para alguns dos seus convidados. Quanto ao ator, diretor
teatral, apresentador, escritor, etc. etc. etc. Miguel Falabella, é fácil para
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 295

qualquer conhecedor profundo do Eneagrama perceber que é o Tipo 7


que decidiu transformar sua vida numa eterna brincadeira que lhe rende
bons lucros. Numa reportagem da revista Veja titulada “Rico faz rir à
toa”, do jornalista Alfredo Ribeiro, Falabella declarou: “Brincando de
ser estrela, de trabalhar muito, eu me transformei num fenômeno de
público”; e numa outra entrevista dada para a revista Caras, ele afirma
se sentir sempre como uma criança para a qual o trabalho é, em síntese,
um agrado, um gosto mediante o qual consegue realizar-se e ser feliz. E
que o digam seus amigos!
Na reportagem de Veja, a atriz Maria Padilha declara: “Nem ele sabe
quando está fazendo um número ou falando sério. (...) Ele descobriu
como ganhar dinheiro com as peças que aplicava nos amigos”, lembran-
do o dia em que teve que invadir o apartamento do ator para salvá-lo
do “suicídio”: (...)” deitado, caixas de Lexotam por todo lado, babava
pelo canto da boca (...) Saí de lá à beira de um ataque de nervos, com o
Miguel às gargalhadas.” Tudo não passava de uma “brincadeirinha”.
Com certeza, você também deve ter muitas anedotas semelhantes para
contar, certo?
Sem dúvida, o mundo seria sério demais sem a participação dos fa-
lantes, inquietos, joviais, multifacetados, inteligentes e sempre criativos
Tipos 7! (Gostou?)
Para os que gostam de música, dois exemplos de Tipos 7 inesquecíveis:
Mozart, que revolucionou sua época com seu estilo inimitável e com seu
polêmico modo de se comportar numa época cheia de normas e limites,
e John Lennon, que nos deixou essa maravilhosa canção Imagine, cuja
letra perfeita é capaz de expressar numa bela síntese poética o anseio
e a esperança que todos temos de viver num planeta melhor, sem fron-
teiras e sem religiões. Ambos viveram existências marcadas pelos atos
extravagantes e contra a corrente de seus tempos.
Como esquecer o alegre Darcy Ribeiro? Ele dizia: “Viver é muito bom,
eu não quero morrer!” Sua frase mais “7” foi: “Fracassei em tudo o que
tentei na vida. Tentei alfabetizar crianças, não consegui. Tentei salvar
os índios, não consegui. Tentei uma universidade séria, não consegui.
Mas meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de
296 Khristian Paterhan C.

quem venceu.” Numa reportagem de Paulo Moreira Leite publicada


na Veja se lê a seguinte descrição do Darcy Ribeiro: “Tinha a erudição
eclética do autodidata e passou os últimos anos dando entrevistas com
a frequência de uma estrela de rock, exibindo sua inteligência elétrica,
chutando adoidado, dando palpite sobre todo, e, se lhe perguntassem,
contando detalhes de suas preferências sexuais (...) exuberante, tropi-
calista, apaixonado, malandro, contraditório, sem compromisso com a
razão, o método e o rigor (...) separado (...) construiu uma fulgurante
coleção de namoradas (...)” Um homem incrível, não é verdade?
É fácil encontrar Tipos 7 dispostos a criar e realizar projetos e ne-
gócios diferentes, não convencionais ou inovadores. Eles sempre têm
algum bom programa. É fácil achá-los entre as pessoas que viajam pelo
planeta à procura de aventuras, no mundo dos criativos publicitários,
do cinema, dos compositores de vanguarda, da comédia, dos grandes
entrevistadores, da arquitetura, nos empreendimentos que poucos se
atreveriam a sonhar e muito menos realizar. Maravilhoso, simplesmen-
te, maravilhoso! Como se sente após conhecer alguns dos membros da
sua tribo? Na verdade, seriam muitos os destaques. Tipos 7 são únicos!
Legal, não é?
Num de nossos primeiros e mais bem-sucedidos workshops de Ene-
agrama realizados aqui no Brasil em 1996, no Hotel Le Meridien, no
Rio de Janeiro, com a participação de quase 400 pessoas, o encontro dos
Tipos 7 foi maravilhoso, fantástico! Márcio Galvão, um criativo Tipo 7
assumido, com quem participei do Projeto Simplesmente Copacabana
junto a Liane Freire, da Dialog, liderou a alegria contagiante desse grupo
tão especial! Literalmente, fizeram a festa! O único inconveniente é que
desde que dirijo workshops são sempre poucos os Tipos 7 participantes
(Tudo bem, Tipos 7, eu sei que é uma chatice encerrar-se num fim de
semana para estudar e vivenciar o Eneagrama, especialmente aqui neste
belo pais!) e menos ainda os que entregam seus depoimentos escritos
e completos. Por isso tive que escolher somente três deles para utilizar
neste capítulo. Enfim, os Tipos 7 são, simplesmente, admiráveis! Porque,
para ser diferente neste mundo, é preciso não ter medo. É preciso ser
ousado! Acima de todas as coisas, os Tipos 7 são ousados e corajosos!
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 297

Está gostando do modo de iniciar a análise da sua máscara? Gostou do


“banho no seu ego”? Está se sentindo à vontade? Acho que peguei você!
Não percebe que já comecei a “pisar no seu calo”?

Negando o medo como uma maneira


de sentir liberdade

Devemos lembrar que os Tipos 7 fazem parte da tríade centrada


no mental do Eneagrama (o que Gurdjieff chamou Centro Intelectual)
e que no Medo nuclear que comanda essa tríade se esconde a chave
para compreendê-los. Poder-se-ia dizer que os Tipos 5, 6 e 7 percebem
mentalmente as ameaças da existência e “imaginam” como deverão
enfrentá-la: os Tipos 5, então, as enfrentarão a partir de uma “constru-
ção mental de segurança”, uma espécie de mundo próprio, no qual o
raciocínio e o conhecimento adquirido serão os grandes aliados. Para
os Tipos 5, na máxima “Saber é Poder” está a resposta que exorcizará
seus medos enquanto a procura do isolamento social se transformará
no meio prático que consolidará a estrutura de segurança criada ao seu
redor. Já os Tipos 6 decidiram que seus medos devem ser enfrentados
mediante um constante estado de alerta interior, um estado de preven-
ção que os leva a imaginar quais são esses perigos, onde se ocultam
e, consequentemente, a valorizar e procurar a união com pessoas de
confiança, os amigos, os grupos, com os quais se sentirão mais seguros
e confiantes. No caso dos Tipos 7, o medo simplesmente deverá ser
ignorado e/ou enfrentado vivendo-se sempre de uma maneira otimista,
descobrindo o “lado bom das coisas”, e “planejando” de que maneira
garantir um constante “prazer em tudo o que se faz”. Um dos nossos
alunos reconhece que: Pareço não ter medos, ou eles estão tão ocultos
que não dá para perceber (...) Em algum momento, quando crianças,
os Tipos 7 decidiram que enfrentariam o medo de perder a felicidade,
que todas as causas que provocavam a perda da alegria tinham que ser
destruídas e que nenhuma delas os privaria de serem felizes para sem-
pre. Tudo se pode fazer, tudo se pode solucionar, tudo se pode viver,
298 Khristian Paterhan C.

tudo é válido para atingir o ponto de segurança. Portanto, todos os


limites, regras e normas são percebidos como as causas que provocam
a perda do prazer, da alegria e da liberdade. Estes limites deverão ser
enfrentados, porque por trás de cada um deles se escondem punições,
castigos, proibições e implicam submissão, obediência, e aceitação
muitas vezes do que vai contra nossos anseios de felicidade. Em algum
momento, então, os Tipos 7 decidem não ter mais medos e ficar acima
daquilo que os provoca ou fora do seu alcance. Não é que se livrem
deles. Pelo contrário, o medo nuclear da tríade 5-6-7 será ignorado,
abafado, afastado, evitado. Como conseguem fugir do medo? Como
ficam acima dele ou longe do que o provoca? Simples: Nunca ser como
os adultos, nunca deixar de brincar, nunca deixar de sonhar, nunca
submeter-se a nada. Só se lembrarão os melhores momentos da vida, os
outros serão literalmente “apagados”. Esta decisão tem suas vantagens
e desvantagens, como veremos em seguida.

A decisão de ser um “puer aeternus”


(ou como se livrar do medo e ser feliz sempre)

Quando Tipos 7 decidem inconscientemente não ter medo (inconscien-


temente porque é uma “decisão” tomada em algum momento da infância,
quando a personalidade estava sendo formada), percebem intuitivamente
que o caminho é nunca se comportar como adultos, nem aceitar o mundo
dos adultos. O mundo dos adultos é distante, talvez esteja cheio de perigos,
obrigações, deveres, proibições, regulamentos e outras barreiras entre
eles e o prazer. Talvez seja um mundo demasiado “sério”. O mundo das
crianças é “leve”, é vida “tranquila” é “jogo e lazer” e, portanto, sendo e
sentindo como criança se pode ser sempre “livre” e “feliz”. Crianças são
as únicas que podem transpor as barreiras sem serem cobradas por isso,
nem punidas. Poderíamos dizer que Tipos 7 são capazes de compreender,
de um modo pleno, o ensinamento do Mestre Jesus Cristo, que diz que
“o Reino dos Céus é das criancinhas”. Será a procura do “paraíso” na
Terra o que vai motivar a existência deste Tipo. O Mestre Osho, um Tipo
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 299

7 iluminado, com sua filosofia da contínua “celebração”, simbolizou, na


nossa época, essa procura. Na sua vida e obra, concretizada após muita
perseguição, na Osho Multiversity de Poona, Índia, se pode apreciar até
hoje a influência desse seu “sonho” de um mundo em que o prazer, a
alegria e o bem-estar podem estar sempre presentes.
Para a maioria dos Tipos 7 a infância é lembrada com alegria. Essa
capacidade de somente guardar as melhores lembranças da vida faz parte
desta Máscara Eneagramática e acompanhará seus possuidores até o final
dos seus dias, como muito bem o expressa Félix, um de nossos alunos:
“Guardo as melhores lembranças de minha infância, juventude e ida-
de madura e agora, com 62 anos, busco na vida espiritual um caminho
seguro que me levará à autorrealização. Sou otimista.”
Um outro aluno lembra:
“Durante o período de 4 a 10 anos, a minha infância foi tranquila,
feliz, ao lado dos meus pais e mais três irmãos. Meu pai seguia a filosofia
de Allan Kardec, o que fazia com que agisse sempre com tranquilidade,
sem agressividade física ou verbal. Não me recordo de ter sido agredido
por ele, dele guardando uma imagem de um ser especial que zelou por
toda a minha infância, com um amor de um nível bastante superior. (...)
Minha mãe era muito exigente na nossa educação, estimulando sempre
a busca pela qualidade de vida tanto material como espiritual. Ambos
foram os responsáveis por uma infância, sem atropelos, sem violência,
nos fornecendo a estrutura adequada ao desenvolvimento.”
Por outro lado, a decisão “inconsciente” de ser internamente uma
“eterna criança”, pode estar também associada, em certos casos, a pri-
vações vividas na infância e, em outros, ao fato de que, quando crianças,
muitos Tipos 7 reclamam de não ter tido muito amor dos pais ou de
terem sido ignorados emocionalmente ou tratados por eles da maneira
que poderíamos chamar “aceitável”. Não que não tenham sido “bons
pais” no sentido geral e subjetivo que damos a essas duas palavras, e
sim que certos prazeres infantis derivados do contato com os pais não
foram satisfatórios. Sobre este assunto, reflitamos no depoimento em
que Hilária, uma das minhas alunas, lembra que aspectos da sua infância
deram origem à sua Máscara 7:
300 Khristian Paterhan C.

“Aos dois anos de idade, mais ou menos, nasceu o meu irmão. Creio
que fui deixada um pouco só, devido aos afazeres de minha mãe. Nesta
época morávamos afastados de outros familiares. Lembro-me que criei
amigos imaginários. As lembranças que tenho da infância são agradáveis,
porém eu não decidia nada, aceitava sempre. Também não pedia para
meus desejos serem realizados. Embora algumas vezes brincasse em
grupos, me sentia sempre só. Lembro-me de momentos felizes, estava só
e brincando com argila, ou em um pomar comendo frutas. Não sei bem,
mas é possível que meus pais não conversassem muito comigo.
Meu lar não era dos mais tranquilos, havia algumas divergências
entre meus pais. Mas sempre me senti amada, embora esse amor fosse
sem aconchego, no sentido de brincadeiras, de abraços, e de beijos, etc.
Lembro-me do grande prazer que sentia em contato com a natureza,
nesses momentos vejo-me sempre só. Foram esses os aspectos que deram
origem à minha máscara.”
Destaquei as frases em que nossa aluna menciona a sensação de
solidão, porque nelas está implícito o medo que deverá ser superado,
no caso dela, “criando amigos imaginários” para garantir sua alegria.
Este aspecto do uso positivo (em alguns casos até positivo demais) da
imaginação é extremamente importante para a “vida feliz” que Tipos 7
almejam obter. A imaginação se torna o meio pelo qual eles “planejarão”
o modo de obter o prazer em tudo e de qualquer jeito.

Hedonismo ou como os Tipos 7 decidem


não sofrer nunca (se possível)

A palavra “hedonismo”, que na Antiguidade estava relacionada


apenas a um sistema filosófico que declarava que a obtenção do prazer
era o objetivo mais importante da existência, se transformou, em nossa
época, num sinônimo daquelas pessoas que tentam obter “prazer” a
qualquer custo e sempre. Semanticamente, a palavra “hedonismo”
ficou ligada a palavras como “excesso”, “permissividade” e “luxúria”.
No Brasil, poderíamos dizer que a famosa e popular “Lei de Gerson”,
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 301

ou seja, a atitude que leva um sujeito a querer tirar vantagem de tudo,


está muito ligada à atitude “hedonista” típica: quanto mais vantagens
eu possa tirar de todas as situações, maiores serão as garantias de ob-
ter sempre “meu” prazer. Esta atitude faz parte da Máscara 7. Como
escreve Claudio Naranjo referindo-se a este aspecto: “(...) Em alguns
casos, podemos nos referir a uma ‘adequação cósmica’, na qual o con-
tentamento do indivíduo é apoiado por uma visão do mundo na qual
não existe bem ou mal, culpa, imposições, deveres ou a necessidade de
fazer esforço – basta aproveitar.”
Existe no Tipo 7 uma rejeição ao sofrimento, que cristaliza ainda
mais essa atitude hedonista. Se algo não pode ser obtido, não importa,
não se deve sofrer por isso. Em outra parte do seu depoimento, Hilária
nos mostra este aspecto de sua máscara:
“Adoro explorar territórios novos. Gostaria de poder voar ou de
colocar uma mochila nas costas e sair viajando pelo mundo. Tenho um
espírito aventureiro. Concretizar esses e outros desejos é difícil. Sofrer,
nunca: há sempre algo bom a se tirar das coisas difíceis. Adio o sofri-
mento ao máximo, porque espero o melhor.”
Os Tipos 7 mostram esta tendência hedonista quando adultos,
procurando preencher suas vidas com o máximo de prazeres. Numa
parte do seu depoimento, nosso aluno Tipo 7 descreve assim esta
tendência: “(...) Também planejo fazer programas que eliminem o
tédio e intensifiquem os prazeres da vida (...).” Esta necessidade de
“intensificar os prazeres da vida”, de estar sempre feliz, de ter sempre
mais “brinquedos de adultos”, de preencher todos os instantes com
uma hiperatividade, é uma maneira de fugir do medo (Ponto 6) e uma
clara influência do Ponto 8 do Eneagrama no que se refere à luxúria,
entendida aqui como a ilimitada procura de prazer. Nessa procura pelo
prazer, os Tipos 7 às vezes exageram tanto que até utilizam a trapaça
para conseguir o que desejam. O medo da perda do prazer e a procura
do máximo de prazer provocarão a consolidação da paixão do Traço
Principal: a Gula.
302 Khristian Paterhan C.

Observando o traço principal: a gula e suas consequências -


o Tipo 7 e o tipo de sensação extrovertida de Jung

Os Tipos 7 desejam obter prazer em tudo o que fazem, de todas


suas experiências e vivências. É esta procura a que explica a “Gula e
Intemperança”. Jung nos ajuda a compreender mais profundamente estas
características dos Tipos 7 quando descreve na sua tipologia os tipos que
ele chama de sensação extrovertida com estas palavras:
“Como a sensação está fundamentalmente condicionada pelo objeto,
aqueles objetos que estimulem as sensações mais intensas serão decisivos
para a psicologia do indivíduo. O resultado é um forte vínculo sensual
com o objeto... (...) O único critério de seu valor (do objeto) é a inten-
sidade da sensação produzida pelas suas qualidades objetivas...
Nenhum outro tipo humano pode se igualar em realismo ao tipo de
sensação extrovertida. (...) O que experimenta serve (...) como um guia
para sensações novas (...) A sensação é uma expressão concreta da vida
(...) simplesmente a vida real vivida ao máximo. Todo seu objetivo é o
gozo concreto e sua moralidade se orienta de acordo com isto.”

A Gula é definida no Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa


como “excesso na comida; glutonaria, gosto exagerado das boas
iguarias; gulodice”. É interessante notar que a palavra “gulodice”,
além de significar gula e guloseima, tem também o sentido figurativo
de “desejo veemente”. Também acho interessante destacar a palavra
“gulosar” que significa, por sua vez, “comer gulodices; comer pouco
de várias coisas; de bicar na comida, escolhendo o melhor”. Quero
que você tenha em conta estes significados para a análise que realizarei
a continuação.
A chave da atitude do Tipo 7 na vida esta resumida numa das es-
trofes do hino em latim da Universidade Católica de Valparaíso, Chile.
Traduzida ao português essa frase disse:
“Alegremo-nos (portanto) enquanto somos jovens, porque a velhice
é um estorvo e a juventude é fecunda; e, no final, todos transformaremo-
nos no pó da terra.”
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 303

Este é o leitmotiv da eterna criança, do eterno Peter Pan que se esconde


no mundo interior de cada Tipo 7: conseguir ser feliz ao máximo nesta
existência, negar-se à velhice, curtir, desfrutar e alegrar-se sempre. Portanto,
a procura do prazer, da liberdade e da felicidade é compulsiva e constante.
A gula dos Tipos 7 é pelas experiências prazerosas, pelos projetos que lhes
tragam alegria, pelos trabalhos que lhes proporcionem a oportunidade de
criar, desde que não impliquem demasiado envolvimento. Nosso já citado
aluno reconhece: “Sou um pouco narcisista mas muito Peter Pan. Isso
herdei de meu pai. Busco a felicidade participando de muitas atividades na
ânsia de obter gratificação sentimental e manter um alto astral. Às vezes
me comprometo além de minha capacidade, o que leva a desistir facilmente
de algumas destas atividades; outras vezes, substituo certas atividades por
outras novas (que possam ser mais promissoras).”
Como diz mais francamente um Tipo 7 amigo meu: “Após um
tempo abandono certos trabalhos e projetos porque perdem a graça.”
Aqui é onde se esconde o problema: tudo pode “perder a graça”, então
é necessário viver “gulosando”, ou seja, fazer de tudo um pouco, fazer
e provar “mil coisas ao mesmo tempo”, escolher entre todas as coisas
as mais prazerosas, as melhores. O resto deve ser adiado, abandonado,
deixado de lado, porque “perdeu a graça”, porque “cansei”, porque
“ficou difícil demais”, etc. Aparece assim, quase que sutilmente, uma
certa irresponsabilidade com respeito às próprias ações. Para evitar a
punição, a crítica e os atritos, os Tipos 7 tentarão transformar esses
abandonos, essas irresponsabilidades, esse “deixar de lado”, em situações
sem importância, nada demais: Vamos celebrar que não é nada sério!
Frequentemente, a gula não lhes permite finalizar, concluir, “ir
fundo”, nem nos trabalhos nem nos relacionamentos. Existe uma certa
superficialidade, um trato por cima, já que, se vão mais fundo, podem
correr o risco de “perder a liberdade”, de ter que lidar com problemas,
com “a parte chata do assunto”. Pregar peças nos outros, “passar a
perna” de um jeito simpático, não levar nada a sério, parecerá até sem
importância para os que rodeiam os Tipos 7 mais harmônicos. Seus atos
serão até interpretados como “brincadeiras”, a forma com a qual ele se
transformará muitas vezes no lendário “vendedor de gato por lebre”,
304 Khristian Paterhan C.

que no final convence a seu ingênuo comprador de que gato é tão bom
ou melhor que a própria lebre. Sendo assim, qual é o problema? De
alguma maneira, eles nos lembram o astuto Hermes, que roubou as
vacas de Apolo apenas para ser conduzido ao Olimpo e solicitar a seu
pai, Zeus, que o admitisse lá como um deus. O mito conta que Zeus
até gostou do jeito sem-vergonha do filho e lhe concedeu o que queria.
Conta a lenda que para roubar as vacas de seu meio irmão sem deixar
rastro, Hermes botou suas sandálias ao contrário para que suas pegadas
confundissem ainda mais o sábio Apolo. Apolo sempre caiu em todas
as peças que Hermes lhe pregou, e dessa forma Hermes sempre obteve
tudo o que queria. Com certeza, vocês, Tipos 7 que estão lendo esta
parte do livro vão ter um súbito desejo de conhecer um pouco mais
este astuto Hermes. Até o Mestre Jesus Cristo pregou que devíamos
ser “astutos como serpentes e humildes como pombas”, só que não se
deve exagerar e nem sempre é bom ultrapassar certos limites. Os Tipos
7 desejam sentir-se sempre livres para realizar e conseguir o que querem
de qualquer jeito. Por esta razão, frequentemente confundem liberdade
com libertinagem, com não compromisso, com “direito a abandonar”
sem dar explicações válidas. Há algo de semelhante entre a gula e a
libertinagem. A capacidade de obter o prazer e de sentir-se livre e com
direito a todo o prazer não é negativa. O negativo da situação tem a
ver com a procura “desnorteada” do prazer, com o “desespero” e com
a angústia de querer preencher o que Naranjo chama de “vazio ôntico”
deste Tipo Eneagramático. Ele nunca consegue e, nessa busca desespera-
da do prazer, desconhece a possibilidade de “saborear” até o final uma
única vivência porque sempre está querendo “desfrutar” uma outra. O
resultado desta gula eneagramática é a intemperança.

Uma mistura perigosa: gula e intemperança

Pelo fato de querer sentir, viver, fazer “de tudo um pouco”, sem
limites, sem escolher, sem ficar preso a nada e com a pressa que carac-
teriza a gula, alguns Tipos 7 perdem a capacidade de concluir coisas
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 305

importantes, perdem a capacidade de “amadurecer”, de viver certas


situações até o final porque “perderam a graça”. Deixam de ver a pro-
fundidade de certos eventos e ignoram os limites. Todos sabemos que,
muitas vezes, comer de tudo, beliscar, pode provocar graves problemas
digestivos. Com nossas experiências pode acontecer o mesmo. Alguns
Tipos 7 terminam “enjoados” quando não se permitem a possibilidade
de controlar a “gula” e o “hedonismo”. A gula e o hedonismo oferecem
apenas uma visão parcial e unilateral da existência. Isto equivale a dizer
que os Tipos 7 não equilibrados se arriscam a viver num mundo ilusório.
O grande risco é achar que desta forma poderão ser mais felizes. Do
mesmo modo que os Tipos 4 só enxergam o sofrimento que existe nas
suas vidas e ficam presos a ele, os Tipos 7 podem ficar presos à “gula”,
rejeitando o sofrimento e a dor que fazem parte da existência. Do mesmo
modo que os Tipos 4 precisam compreender o que é “sofrimento cons-
ciente”, os Tipos 7 devem descobrir que esse tipo de sofrimento pode
também ser importante para se atingir a verdadeira felicidade. No livro
Kierkegaard’s, Philosophy (A filosofia de Kierkegaard), de John Douglas
Mullen, encontramos algo sobre isso. Acho que os Tipos 7 deveriam
examinar com cuidado este comentário filosófico:
“Não é muito difícil observar por que a vida do hedonismo diverso
é insatisfatória (...) O tédio, seu inimigo final, é inevitável (...) Uma vida
dedicada à coleção de experiências agradáveis ou ‘interessantes’ é uma
vida vazia. Não é uma vida do espírito, mas uma na qual o espírito some
na multidão de diversões. Ao pensar nisto, todos sabemos que aqueles
que estão em condições de desfrutar as doces diversões da vida, não estão
em melhor posição, de modo algum, com respeito àqueles que não estão
nessa situação. Sabemos que aqueles que têm ficado entregues a uma vida
de autoindulgência frequentemente se veem atormentados pelo vazio,
pela solidão, pelo ódio a si mesmos, pela nostalgia, e, apesar disso, não
estão dispostos a mudar. Mas, ainda que saibamos tudo isto, seríamos
incapazes de renunciar, de deixar passar a oportunidade de viver uma
vida assim. Por quê? Porque ficamos convictos de que seríamos judiciosos
no uso do prazer. Praticaríamos a moderação (...) Uma vida de diversões
superficiais tem grande atrativo, tal como um tabuleiro de doces para
306 Khristian Paterhan C.

uma criança. Neste último caso, sabemos que é porque a criança não
é séria com respeito a seus hábitos de alimentação. O mesmo ocorre
conosco (...) Ficar entregue à indulgência é dizer: ‘Tudo o que eu sou é
um potencial para o prazer. Quanto mais prazer exista, maior eu sou.’
Com certeza, ninguém pode levar isto a sério, e é por essa razão que
uma vida assim está alicerçada no autoengano.”
Poderíamos dizer que os Tipos 7 podem beber do vinho da vida sem
medida e terminar tão bêbados que a alegria inicial pode se transfor-
mar numa ressaca daquelas! Deve-se beber do vinho da existência com
moderação. Passar dos limites e correr muitos riscos é ficar aberto aos
“acidentes” que bêbados costumam sofrer com frequência.
A aluna já citada reconhece sua “gula” em relação às suas atividades e os
problemas: “Procuro trabalhar muito, até mesmo me sobrecarregando. Pela
‘gula’, julgo ser capaz de realizar tarefas além das minhas forças. O ‘fazer’
excessivo leva-me muitas vezes a uma situação de conflito, fico muitas vezes
sem discernir o que realmente é o mais importante no momento. Isto tem
relação com uma dificuldade de priorizar os assuntos, as realizações, enfim
os afazeres (...) Tenho pressa, porque necessito desempenhar muitos papéis e
muitas funções (...) Tenho sempre o que fazer, devido a muitos interesses. Por
isso há sempre afazeres pendentes, a nível concreto e abstrato. O tempo e o
espaço são problemáticos para mim. A questão dos limites é difícil; quando
me dedico a algo, esqueço assuntos também relevantes.”
Alguns Tipos 7 percebem os riscos da gula e da intemperança bastan-
te cedo, o que lhes permite transformar-se em bons gourmets, ou seja,
desfrutam o melhor da vida e “bebem dos seus melhores vinhos” com
a moderação e o refinamento que lhes permitem obter sucesso, prazer e
alegria verdadeiras. Outros menos conscientes são literalmente destruídos
pela “gula” e a intemperança que se manifestam em suas experiências
profissionais e/ou pessoais.
Os Tipos 7 deveriam refletir num velho ensinamento hermético que
recomenda a nós, seres humanos, sermos conhecedores profundos da
“Arte de Viver”. O Arcano Maior da Temperança no Tarô de Aleister
Crowley esconde justamente esse antigo segredo que conseguimos
conhecer quando emoções e pensamentos estão em equilibrada relação e
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 307

descobrimos a preciosa Pedra Filosofal oculta no nosso mundo interior.


Tanto a gula quanto sua companheira eneagramática, a “luxúria”, nos
vencem porque, como diz o ditado popular, “os olhos são maiores que
o estômago”. Então, veja como este seu Traço Principal se manifesta em
você e comece a observação de si que lhe trará a possibilidade de alcançar
as Virtudes da Temperança e do Equilíbrio, nas quais se fundamentam
sua verdadeira liberdade e seu contentamento pleno.

A projeção para o futuro:


os riscos do “sonhar acordado”

Na vida dos Tipos 7, a imaginação joga um papel tão importante


quanto para os Tipos 5 e 6 do Eneagrama. Porém ela se manifesta como
um refúgio e/ou meio pelo qual o mundo é idealizado. É enxergado como
se tudo estivesse ao seu favor sempre. Só que, como todos os mundos
imaginários, eles não resistem sempre aos confrontos com a realidade.
Novamente temos aqui o risco de uma imaginação não controlada, de
uma imaginação que, em vez de ser uma aliada, ou seja, uma capacidade
disponível, se transforma em um meio pelo qual a realidade não é enxer-
gada como realmente é. A imaginação, para os Tipos 7, é uma maneira
de fugir da realidade para mundos idealizados. Pelo menos, para este
Tipo Eneagramático, a imaginação não cria pesadelos, como acontece
com os Tipos 5 e 6. Peço para que você leia o que escrevi sobre este fato
no final dos comentários ao Tipo 6. O aluno já citado anteriormente
declara em relação a este respeito que:
“Na infância, devido às imposições assustadoras da vida, me refu-
giava na imaginação.”

E nossa aluna celebra: “A minha imaginação sempre mostra o lado


melhor dos acontecimentos”, mas reconhece: “Planejar me dá grande
prazer, executar nem sempre consigo.”
A percepção do que nosso aluno chama de “imposições assusta-
doras da vida” tem vários significados e diversos níveis na vida deste Tipo
308 Khristian Paterhan C.

Eneagramático. A maioria dos Tipos 7 acha que a imaginação é um refúgio


e um meio para fazer planos de como atuar, de como realizar um projeto,
uma viagem, uma aventura. Isto os torna reconhecidamente “sonhadores”.
De alguma maneira, eles desejam ser felizes a qualquer custo e, quando
seus sonhos não se realizam, a influência do Ponto 8 e o movimento ao
Ponto 1 do Eneagrama colaboram para deixá-los com muita raiva. Do
mesmo modo que uma criança quando não consegue os brinquedos dos
seus sonhos fica zangada e cheia de considerações internas, os tipos 7 não
aceitam facilmente o fato de não verem realizados seus desejos. O planejar
atribuído a eles tem um certo ar de soberba. As coisas devem acontecer
como eles desejam, como eles planejaram. Nossa aluna reconhece que nem
sempre “imaginar o lado melhor dos acontecimentos” é certo:
“Este otimismo é positivo em alguns fatos da minha vida e profun-
damente negativo em outros, assim como a inexistência do medo.”
Nos casos de Tipos 7 mais desequilibrados, esta atitude de “sonhar
acordados” sem considerar todos os aspectos de uma determinada situ-
ação, desconhecendo os riscos, os leva a uma total falta de autocontrole
nos seus atos. Ficam sem limites e “fora da realidade”. Conheço um Tipo
7 que, com suas atitudes, quase acaba com o equilíbrio financeiro de
toda a família. Após pedir desesperadamente que alguns seus parentes
e amigos solucionassem os problemas dele, este 7 voltou a cometer os
mesmos erros mais uma vez. Sua atitude é simples demais e desconsidera
a “seriedade” de seus atos: “Não adianta me julgar. Eu sei que o que fiz
está errado. E daí? Agora já não adianta pensar nisso.”

Iniciando o processo de mudanças positivas


observando os movimentos a favor e contra a seta do 7 ao 1
e do 7 ao 5 – (ver figura na página 334)

O movimento ao Ponto 1 do Eneagrama exige que os Tipos 7 alcan-


cem o melhor de si mesmos. Quando positivo, este movimento ajuda
a que alcancem o máximo de satisfação naquilo que fazem graças à
certeza de estar bem-feito. Também, tem a ver com a cobrança que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 309

muitos deles fazem a si mesmos em relação ao que pretendem alcançar.


Às vezes implica um certo sentimento de culpa pelo fato de não poder
atingir esse ponto de “perfeição” que poderia trazer a sonhada felicidade
plena. Para alguns Tipos 7, “ir ao 1” é desistir de projetos ou de planos
por acharem que estão incompletos, que falta algo para sua execução.
Isto pode ser negativo em algumas ocasiões.
O estado de autocrítica é muito forte quando eles se direcionam até
o Ponto 1 do Eneagrama e está explícito, e muito bem descrito, por um
dos nossos mais jovens alunos Tipo 7 no depoimento que, com certeza,
servirá a todos os que estão empenhados no autoconhecimento, já que
mostra esse instante especial no qual se descobrem as “limitações” às
quais se está sujeito e se percebe como é difícil atingir uma verdadeira
liberdade. No fundo, este jovem aluno está iniciando o caminho do
autoconhecimento, e ele sabe que isso é o mais importante:
“Para quem estuda o Eneagrama, o fato de conhecer a personalida-
de pode ser uma vantagem, já que podemos indicar e perceber quando
estamos agindo de forma automática, ignorando nossas verdadeiras
necessidades e na maioria das vezes nos causando problemas.
Mas para mim também gera outras emoções: Raiva por eu perceber
minhas limitações, medo por achar que nunca poderei superá-las e
desespero porque começo a perceber que nem meus pensamentos são
realmente meus, e sim o fruto de minha personalidade, ‘asas’ e ‘movi-
mentos’; me tornando um verdadeiro robô.
No meu caso específico, como sou 7, o primeiro movimento que vai
para o ‘1’ é muito forte e determinante no processo.
Quando eu tenho um projeto ou uma meta, o que é fácil devido
à minha capacidade de planejamento, eu ‘naturalmente’ me detenho,
achando que ainda não estou preparado, ou que as coisas ainda não são
perfeitas (...) acabo adiando ou desistindo; como isto é uma constante
gera muita raiva por nunca considerar satisfatórias as circunstâncias e
por me sentir incapaz ou muitas vezes julgar os outros incapazes.
Este movimento ao Ponto 1 é muito forte em mim, porém, por conhe-
cer isto, tenho conseguido ‘contrariar a máscara’, tentando desempenhar
a virtude do movimento ao 1, que é a Serenidade.
310 Khristian Paterhan C.

Saber que mesmo as coisas não estando perfeitas podem ser realizadas.
Curiosamente, depois de cada etapa ‘vencida’ eu me sinto leve, como se ti-
vesse vencido um demônio interno, um fantasma, eu me sinto capaz (...)”
Acho desnecessário mais comentários a respeito, concorda? Observe
como se dá em você o movimento ao Ponto 1 e leia o capítulo referente
a essa “Máscara” Eneagramática, para maior compreensão.

Observe quando o Movimento ao Ponto 1 aumenta seu narcisismo


e excesso de autoconfiança

Um dos aspectos “negativos” do movimento ao Ponto 1, se dá


quando você se considera “o melhor” de todos. Nessa atitude, você não
somente julga os outros como inferiores, como acredita piamente que
é “superior” a todos. Esta atitude pode provocar uma natural rejeição
por parte dos seus amigos, colegas e parentes, os quais sentirão desa-
grado e/ou tristeza perante essa sua incapacidade de ficar num mesmo
nível. Quando os Tipos 7 se fixam na ideia de se sentir “superiores” e
“melhores”, achando que são os únicos a entender as coisas, tendem a
desprezar os que estão perto deles sem conseguir apreciar as suas virtudes
e capacidades, valorizando apenas seus erros e fraquezas.

A necessidade de sentir-se “livre” e seus aspectos


positivos e negativos

Em relação ao movimento para o Ponto 5 do Eneagrama, muitos


Tipos 7 encontram nele um positivo reforço à ideia de serem “livres”.
Quando negativo, implica uma espécie de afastamento das pessoas e/ou
ideias que signifiquem “compromisso” ou que pareçam implicar uma
perda de liberdade. Também confirma a ideia narcisística de que só eles
sabem como conseguir determinadas coisas, o que lhes impede de “fica-
rem abertos” aos dados do mundo externo, que poderiam beneficiá-los.
A aluna citada diz a respeito:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 311

“Gosto da solidão, ficar só para realizar as coisas das quais gos-


to. Enfim, creio que me é mais interessante comunicar-me do que
relacionar-me.”
Também fica muito claro o movimento ao 5 quando Tipos 7 decla-
ram como Hilária:
“Relação só admito com pessoas com as quais me sintonizo a nível
espiritual e intelectual.”
É importante notar que ela mesma admite no início do seu trabalho
que: “Quando iniciei o estudo do Eneagrama, ainda bem no início, pensei
ser o ego número 5”, o que muitos Tipos 7 também reconhecem como
algo interessante quando iniciam a análise e observação de si mesmos.
De positivo do movimento contra a seta ao Ponto 5, os Tipos 7 de-
vem aprender a interiorizar-se. Este interiorizar-se nada tem a ver com
isolar-se ou ficar sozinho ou afastado dos demais. Tem a ver só consigo
mesmo. Mediante a interiorização ou da atitude reflexiva que o filósofo
espanhol José Ortega y Gasset chamava de ensimismamento, os Tipos 7
podem conseguir “DESIDENTIFICAR-SE” das múltiplas escolhas que o atraem
e não o deixam “fixar-se” no que é mais importante em determinados
momentos. Desta maneira, podem conseguir ser mais seletivos, podem
vencer a tendência à evasão mental, controlando os “pulos de macaco”
com os quais seu Centro Intelectual vai de um a outro assunto, sem con-
seguir concentrar-se com firmeza naquelas questões mais importantes.
Veja as características do Tipo 5 no capítulo correspondente e aprimore
a observação de si mesmo.

Seus parceiros 6 e 8 (pegue só o melhor deles!)

A análise detida destes seus parceiros eneagramáticos lhe será de


grande proveito. Do Ponto 6, deve cultivar a virtude da Coragem, es-
pecialmente no que diz respeito a assumir compromissos até o fim e a
não abandonar seus projetos pela metade. Do Ponto 8, deve aproveitar
a firmeza com que esses Tipos decidem realizar seus planos, dispostos a
passar por todos os obstáculos. Do Ponto 6, evite o medo que paralisa
312 Khristian Paterhan C.

seus planos e do 8, a incapacidade de ficar contente querendo sempre


mais e mais. Observe como as Virtudes do Equilíbrio e da Temperança
estão relacionadas à descoberta do que são as virtudes dos seus parceiros
eneagramáticos: Alcançar a Fé (Virtude do Ponto 6 do Eneagrama) lhe
permitirá ir a fundo em seus projetos, e deixar de sentir-se inseguro em
relação às suas escolhas. Por sua vez, o controle da Luxúria por meio
do Contentamento que Tipos 8 atingem após compreender que a maior
conquista e o maior poder só existem no fundo de nós mesmos, lhe
permitirá desfrutar mais plenamente das coisas, sem essa sensação de
vazio que tanto perturba a Tipos 7. No fundo, trata-se de descobrir que
podemos ter tudo e perder de vista o Ser, ou que podemos ter o justo
sem deixar de senti-lo presente nas nossas vidas.

Controlando o sentimento de “inferioridade”

Do Ponto 6, deve-se evitar o sentimento de insegurança em relação


a si mesmo. Alguns Tipos 7 tendem a sentir-se “inferiores” quando
acham que não estão conseguindo o que desejam e se comparam aos
que aparentemente são bem-sucedidos. A partir desse instante, passam
a imaginar que suas vidas não estão certas, que são um fracasso e que
talvez não consigam o que almejam. Num dos nossos workshops, um
jovem Tipo 7 nos revelou que ele sempre imaginara que seria incapaz
de conseguir qualquer coisa na sua vida. Com forte influência negativa
do Ponto 6, que lhe provocava uma baixa autoestima, imaginava que
nele o seu Traço Principal não tinha a menor chance de ser superado,
o que o fazia sentir-se irresponsável e desorientado. Quando observou,
nas dinâmicas de grupo, que esta “ideia” de “inferioridade” tinha sido
vivida por outros Tipos 7 que agora eram pessoas bem-sucedidas e fe-
lizes, compreendeu que ele tinha as mesmas possibilidades o que o fez
recuperar sua autoconfiança.
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 313

Os problemas com hierarquias e autoridades

Atente para a colocação de um dos nossos alunos do Tipo 7 já citados


aqui, e observe qual seria sua atitude em relação ao mesmo assunto:
“Em mais de 30 anos de serviço nunca fui chefe e, nas poucas vezes
que substituí o chefe, não fugia da responsabilidade, mas ficava muito
feliz quando o expediente se encerrava e levava meu serviço sem pro-
blemas (...)”
Observe de que modo os Pontos 6 e 8 interferem, aumentam ou
diminuem suas “ideias”, temores e preconceitos em relação às palavras
“autoridade(s)” e “hierarquia(s)”. Veja como estes conceitos o afetam
e/ou como as situações relacionadas com eles lhe provocam tensão,
medo, frustração, raiva, e/ou rejeição. Por exemplo, observe quando
rejeita posições de comando ou chefia nas organizações e/ou empresas
nas quais trabalha. Veja como as relaciona com as ideias de “liberdade”
e “responsabilidade” e procure refletir nas suas reações e preconceitos
relativos a elas. Aprenda a crescer com esta observação no dia-a-dia.

Controlando a agressividade e a luxúria

Tipos 7 devem perceber quando se tornam agressivos demais, ou seja,


quando a influência negativa do Ponto 8 se faz presente com a força
de um “rolo compressor”. Isso acontece com mais intensidade, quando
os Tipos 7 sentem que as pessoas poderiam estar contra seus planos e
desejos pessoais e/ou quando debocham, menosprezam e minimizam a
importância e as consequências dos fatos e situações que desejam contro-
lar ou provocar, reafirmando suas capacidades e mostrando-se “fortes”
e “decididos” além da conta. Veja os riscos dessa atitude.
Também observe como “gula” e “luxúria” se complementam não
deixando que você se sinta satisfeito com o que tem no momento e fa-
zendo com que perca a capacidade de “curtir” a vida como ela é.
314 Khristian Paterhan C.

Conquistando a virtude do equilíbrio

Já tratei desta virtude quando me referia aos riscos da “gula” e da


“intemperança”.
O Equilíbrio que Tipos 7 devem conquistar está atrelado ao concei-
to de “Discernimento”, ou seja: permitir-se a escolha certa, reflexiva e
consciente de tudo e qualquer coisa. No Equilíbrio está implícita a ideia
de “saber pesar”, de saber qual o “fiel da balança”, quais os “limites”.
Aqui a palavra limite não deve ser atrelada à ideia de perda da liber-
dade e sim à ideia de “temperança”. No caso de Tipos 7, a virtude do
Equilíbrio tem a ver com as de temperança e sobriedade.
É interessante notar que a palavra “equilíbrio” tem também uma
relação estreita com as palavras “harmonia” e “igualdade”. Também é
interessante refletir que “equilíbrio” se define algumas vezes como “capa-
cidade de aguentar uma situação difícil”. Portanto, não fuja das situações
difíceis e dolorosas, não as ignore. Elas fazem parte da existência. Tente
observar como a procura de prazer sem medida o afasta da possibilidade
de ir fundo em seus relacionamentos e responsabilidades. Não exagere
sua importância. Fundamentalmente, o equilíbrio se perde quando você
“perde o controle” de si mesmo e das suas escolhas e decisões. Todos
estes “conselhos” apontam ao mesmo ponto: nunca exceder-se. O ex-
cesso está relacionado com a tendência à luxúria do Ponto 8 e guarda
relação com a atitude agressiva que caracteriza este seu “companheiro”
eneagramático, que tanta influência exerce em Tipos 7. O segredo do
equilíbrio está nessa frase bíblica que diz: “Tudo está permitido ao ho-
mem embaixo do sol, mas nem tudo lhe é conveniente.”
O desequilíbrio dos Tipos 7 se dá quando estes exageram na “con-
sideração interna” e em suas fantasias, quando as doses de prazer
almejadas são mentalmente exageradas, gerando-se então um círculo
vicioso semelhante ao que a psicologia moderna chama de Círculo da
Insatisfação, Frustração e Desmoralização, ou Círculo IFD. A procura
do máximo de prazer oferecido por todos os estimulantes externos
(situações, vivências, projetos, opções variadas, etc.) é IDEALIZADA, o
que gera uma fuga ao reino da fantasia e dos sonhos, com o qual todo
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 315

o provável prazer futuro que virá como produto dessas experiências, é


inflacionado. As expectativas aumentam ilimitadamente junto com as
possibilidades de achar insatisfatórios os resultados e/ou frutos dessas
experiências. Então, quando o “contato” com a realidade demonstra que
o fruto dessas experiências não era tão “maravilhoso” assim, sobrevém a
FRUSTRAÇÃO. Esta provoca, às vezes, a sensação de que talvez faltou algo
e gera um processo de DESMORALIZAÇÃO, de abatimento da moral e de
desapontamento/decepção, ou, o que eu acho mais adequado neste caso,
gera um processo de desilusão no sentido de que a fantasia e o sonho não
se realizam, porque no fundo só podiam existir fora da realidade.

Relacionando liberdade e responsabilidade


com o autoconhecimento

Os Tipos 7 sempre reclamam para si a liberdade e a amam. “Eu


sou livre” é uma de suas frases prediletas. Quando se trata de sujeitos
equilibrados, este senso de liberdade é positivo. Eles produzem ao seu
redor uma atmosfera aberta, na qual tudo pode ser expresso e tudo faz
parte da harmonia que atribuem a uma existência sem cercas nem obs-
táculos de nenhuma espécie. Para eles, a vida é um maravilhoso presente
e, como expressão de agradecimento, permitem que tudo se manifeste
plenamente e se surpreendem sempre com tudo o que de positivo ela
oferece. Sentem que a vida é inesgotável e “dá para todos” sem achar
que correm o risco de perder sua parte dessa dádiva preciosa que é a
existência. Por esta razão, são entusiastas e muito falantes, cheios de
ideias e soluções “criativas” para tudo. As pessoas se sentem atraídas
por esse jeito “generalista” que eles passam. Sabem tudo, conhecem
tudo. Praticam tudo. O conceito de liberdade para eles está atrelado
tanto ao fato de ter muitas opções e muitas atividades sempre, quanto
à ideia de não ter “rótulos” nem limites. Vejamos como nossa aluna
nos explica isto:
“Tenho muitas atividades, estudo vários assuntos, buscando sempre o
novo. Não gosto de compromissos porque podem atrapalhar as minhas
316 Khristian Paterhan C.

opções em algum momento. Quero ser livre. Gosto de solidão, ficar


só para realizar as coisas das quais gosto. Enfim, creio que me é mais
interessante comunicar-me do que realmente relacionar-me. Relação só
admito com pessoas com as quais me sintonizo, a nível espiritual e in-
telectual. Não aceito com facilidade a rotina. (...) Tenho pressa, porque
necessito desempenhar muitos papéis e muitas funções (...) A questão
dos limites é difícil, quando me dedico a algo, esqueço assuntos também
relevantes. Não gosto de combinar nada com antecedência, só próximo
à realização decido o que fazer (...) Não admito que me rotulem, por
exemplo, quanto a ser religiosa ou mística, ou racional ou emocional
porque creio ser um pouco de tudo (...)”
Porém quando se trata de Tipos 7 menos equilibrados, este “amor
pela liberdade” pode ficar “torto” e até perigoso. Como já mencionei
anteriormente, pode provocar muitos problemas e, o que é mais gra-
ve, uma séria distorção da relação existente entre responsabilidade e
liberdade. Como lembra a raposa ao principezinho no conto de Saint-
Exupéry somos responsáveis pelo que cativamos o que Tipos 7 tendem
a esquecer quando centrados demais em si mesmos. O narcisismo joga
um papel importante nesta distorção do significado da própria liberdade.
A liberdade é válida somente para eles, não para os outros. Parece não
implicar responsabilidades. Com a mesma facilidade com que as pessoas,
situações, experiências e coisas são desfrutadas, podem ser deixadas ou
abandonadas. O desfrutar da liberdade é um direito só deles. Existe aqui
um sutil movimento negativo ao Ponto 5 do Eneagrama: a liberdade
só é válida para mim e seu gozo e benefícios serão só meus; os outros
apenas serão “utilizados” para eu atingir meus propósitos. Por esta
razão, alguns Tipos 7 se tornam odiados pelos que cativaram porque,
é claro, o fizeram apenas com o objetivo de obter o melhor para eles
e só para eles. Alguns se tornam espertos na arte de fugir de qualquer
situação ou relacionamento que os tenha entediado ou nos quais já não
tenham mais interesse.
Ao mesmo tempo e devido a ficarem objetivando apenas seu pró-
prio benefício, os Tipos 7 passam, paradoxalmente, a serem escravos
das exterioridades que procuram sem discernimento e sem limites, na
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 317

ânsia de sentirem-se capazes de fazer tudo e viver tudo. A capacidade


de discernir, ou seja, enxergar o que é mais útil ou o que é menos útil,
o que é mais conveniente e o que é menos conveniente, etc. se perde. A
liberdade, então, também se perde. Este é o momento mais paradoxal
na vida de Tipos 7 desequilibrados.
Os excessos, então, tomam conta dos Tipos 7 quando estes decidem
que ninguém nem nada pode estar entre eles e os objetos de seus planos,
desejos, e vontades. Quando isto acontece, relacionamentos são um es-
torvo, o trabalho é abandonado, o matrimônio e os filhos parecem um
empecilho. No fundo, se tornam odiosamente egocêntricos e passam a
não enxergar as necessidades alheias.
Acontece, então, o risco de achar que as pessoas, os trabalhos, o
casamento e outros relacionamentos, assim como os deveres que o viver
em sociedade impõe sejam tidos como “prisões”. Burlam a autoridade,
não respeitam as convenções, se tornam “rebeldes sem causa”, e anar-
quizam os ambientes nos quais atuam, passando por cima de normas e
regulamentos. Estas atitudes não só lhes pode provocar graves problemas
pessoais, como também causar grandes prejuízos à(s) pessoa(s) com eles
relacionadas profissional ou familiarmente.
No começo deste capítulo, citei ensinamentos de Gurdjieff sobre
questões relacionadas com este Tipo Eneagramático e seu Traço
Principal. Em especial sobre os conceitos de liberdade e os erros de
uma autoimagem inflacionada. Gostaria que você voltasse a ler essas
citações agora.
Talvez seja necessário aprender que a renúncia à nossa limitada
vontade (às vezes inexistente, porque chamamos de “minha vontade”
apenas os nossos desejos mais fortes), seja o caminho para conhecer a
verdadeira Vontade. Talvez isso signifique renunciar ao que habitual-
mente chamamos de nossas liberdades, para conhecer a Verdade que
nos fará realmente livres. Talvez seja esse o segredo para “perdendo a
vida, ganhar a Vida”, segundo alguns textos sagrados. O anseio que
muitos Tipos 7 declaram sentir pelo conhecimento de si mesmos, quando
acabam de discernir os “limites” e “perigos” que a pseudoliberdade e
a pseudovontade escondem, só poderá ser satisfeito quando eles olhem
318 Khristian Paterhan C.

além de seus espelhos narcisistas e decidam dar o “grande pulo” em


direção à fonte na qual a Gula e o Desequilíbrio desaparecerão para
sempre: o Ser. Isso requer um ato Corajoso (Ponto 6) e, ao mesmo
tempo, implica a decisão de confiar e percorrer o mundo interior com
segurança e confiança absolutas (Ponto 8) nos sinais fiéis e mapas
fidedignos que nos deixaram aqueles que conheceram a Liberdade
Total do Ser. Como sei que muitos Tipos 7 desejam iniciar o caminho
do autoconhecimento (ou estão trilhando algum para consegui-lo), e
ao mesmo tempo duvidam quando chega o momento de decidir seguir
um caminho objetivo e não fantasioso que conduza até o Ser (ou estão
duvidando do seu “caminho” atualmente), vou concluir esta parte
solicitando a você que reflita nestes conselhos que Gurdjieff deixou
não somente para Tipos 7, mas também para todos os que procuram
níveis superiores de consciência:
“A renúncia às suas próprias decisões, a submissão à vontade
de outro, podem apresentar dificuldades insuperáveis para um ho-
mem, se não conseguiu dar-se conta previamente de que assim não
sacrifica nem modifica realmente nada em sua vida, uma vez que,
durante toda a sua vida, esteve sujeito a alguma vontade estranha
e nunca tomou, verdadeiramente, nenhuma decisão por si mesmo.
Mas o homem não é consciente disso. Considera que tem o direito
de escolher livremente. E é duro para ele renunciar a essa ilusão de
que ele próprio dirige e organiza sua vida. No entanto, não existe
trabalho possível sobre si, enquanto as pessoas não se tiverem li-
bertado dessa ilusão.
O homem deve dar-se conta de que não existe; deve dar-se conta de
que nada pode perder, porque nada tem a perder; deve dar-se conta de
sua nulidade no sentido amplo do termo.
Esse conhecimento de sua própria nulidade, e somente ele, pode aca-
bar com o medo de submeter-se à vontade de outro. Por mais estranho
que possa parecer, esse medo é, de fato, um dos maiores obstáculos que
um homem encontra no seu caminho. O homem tem medo de que o
façam fazer coisas contrárias a seus princípios, a suas concepções, a suas
ideias. Além disso, esse medo produz imediatamente nele a ilusão de que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 319

realmente tem princípios, concepções e convicções que, na realidade,


nunca teve e seria incapaz de ter (...)
Frequentemente o medo de submeter-se à vontade de outro é tal, que
nada pode superá-lo.
O homem não compreende que a subordinação à vontade de
outro ...é o único caminho que pode conduzi-lo à aquisição de uma
vontade própria.”
Palavras Finais

O Eneagrama positivo
e a possível evolução humana
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 323

A importância da observação
e da lembrança de si

Gurdjieff ensinava que a evolução do ser humano podia ser com-


preendida como “o desenvolvimento nele de faculdades e poderes que
nunca se desenvolvem por si mesmos”. Ensinava que essas faculdades
e poderes podiam ser desenvolvidos somente por meio de um constante
trabalho sobre nós mesmos, fundamentado em três processos aparente-
mente simples, porém, difíceis de praticar: A “Observação e Lembrança”
de nós mesmos e a prática da “Desidentificação (Não identificação) e da
Consideração externa”.
É fácil perceber que podemos realizar um processo de auto-observa-
ção, porém não é fácil lembrar dessa necessidade sempre e deliberada-
mente. Você pode observar seu corpo ou Centro Físico? Claro que pode.
E graças a essa observação você até fica em condições de dar-se conta, por
exemplo, de que precisa perder alguns quilos, ou que está necessitando
comer um pouco mais, ou que talvez seja necessário começar a praticar
alguns exercícios porque está “perdendo a forma”; você pode cuidar dele
esteticamente e assim por diante. Você pode observar seu Centro Físico,
também, com a ajuda de especialistas, médicos e terapeutas corporais,
que usarão conhecimentos, técnicas e tecnologias avançadas para detectar
alguma doença, fazer um check-up geral. Tudo isto para garantir sua
saúde, ou para prevenir certas doenças, ou para corrigir diversos pro-
blemas físicos, dos quais não menos de 50% afetam sua vida emocional
e/ou intelectual, segundo importantes estudos e pesquisas. Enfim, você
pode observar seu Centro Físico. Porém você poderia esquecer aquilo
que for observado, ou esquecer a importância de uma “observação”
constante. Por exemplo: você “sabe” que deve ir ao dentista, mas você
pode adiar essa decisão até que a dor ou o problema ultrapassem cer-
tos limites toleráveis. Você não decide ir ao dentista, sua dor “decide”
quando você esquece. Se você esquece o observado, então, não vai ao
dentista, não inicia sua dieta, não se lembra de praticar seus exercícios
corporais e /ou de fazer exames médicos periódicos e necessários. A lem-
brança é necessária. Você pode também observar seu Centro Emocional,
324 Khristian Paterhan C.

certo? Às vezes você diz: “eu não gostaria de ser tão sentimental”, ou,
“acho que fui muito duro com meu filho”, ou, “gostaria de ser menos
agressivo”. Às vezes, você percebe que está atuando emocionalmente
de um modo inadequado, acha que não consegue conter certas reações
emocionais “desagradáveis”, enfim, você acha que deveria fazer algumas
mudanças “emocionais” e que isso seria muito bom. Especialistas de
áreas alternativas, psicólogos, analistas, orientadores, psicoterapeutas e
outros profissionais, podem ajudá-lo nessas observações relativas ao seu
“Centro Emocional”. Práticas de autocontrole e autoajuda também são
valiosas. Porém, pelo fato de não se lembrar de si mesmo, você “esquece”
de praticar o que esses especialistas e métodos lhe indicam e você volta
a ter todas essas reações “emocionais” desagradáveis não conseguindo
modificá-las. Emoções ruins que perturbam você ou seus seres queridos,
amigos ou colegas, são difíceis de conquistar. Nós nos damos conta de
que é necessário mudar, porém, não lembramos disso no momento certo.
Finalmente, você pode, às vezes, observar seu Centro Intelectual, seus
“estados mentais”, seus pensamentos, certo? Às vezes você diz: “eu não
gostaria de pensar essas coisas”, ou, “por que imagino tantas besteiras?”,
ou diz, “gostaria de ter um pensamento mais positivo”, “mudar alguns
modos de pensar seria bom para mim”, “gostaria de controlar minha
mente” e assim por diante. Novamente existem apoios externos que
podem lhe ajudar nessa procura do domínio mental: métodos diversos
de controle mental, técnicas de desenvolvimento das suas faculdades de
concentração, memória, imaginação criativa, meditação, etc. Mas você
volta a pensar negativamente, volta a ser controlado por sua imaginação.
Você esquece que pode modificar o que tinha observado, por si mesmo,
ou com a ajuda dos profissionais e técnicas adequadas.
Tanto esquecer observar quanto esquecer o que essas observações feitas
no Centro Físico, Emocional e Mental implicam em termos de mudanças
ou cuidados, levam a um forte esquecimento de si mesmo, e sabemos que
o esquecimento de si mesmo é um dos fatores eneagramáticos nucleares,
correspondente ao Ponto 9 do triângulo equilátero, o qual se relaciona
justamente com o Centro Físico ou Centro do Movimento, que é o único
Centro capaz de estar sempre “presente” e é somente no presente que
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 325

tudo aquilo que você quer e poderia modificar está acontecendo. Mas
você não lembra de si mesmo, e lembrar-se de si mesmo tem a ver com o
desenvolvimento dos seus Centros Intelectual e Emocional.
Você só pode lembrar aquilo que compreende e ama. Aquilo que você
não compreende, você esquece, ou se torna um conhecimento morto,
sem efeitos na sua vida. Aquilo que você não ama não tem importância
real para você, passa sem deixar rastro, é fácil de esquecer. A maioria
das pessoas “entende” que deve realizar mudanças em si mesmas, mas
poucas o “compreendem”. Vou dar um exemplo do que estou afirman-
do: um indivíduo fuma há muito tempo e ele começa um dia a observar
que isso lhe faz mal. Porém esquece e continua fumando. Um dia lê um
artigo sobre os perigos do fumo. Ele concorda com os dados que nesse
artigo aparecem. Mas continua fumando. Ele é uma pessoa inteligente,
mas não consegue compreender que “o cigarro é prejudicial à saúde”,
apesar de essa frase aparecer em cada maço de cigarros que ele compra.
Ele mente a si mesmo (Ponto Nuclear 3 do Eneagrama) e diz que nada
vai acontecer, que isso são bobagens, e se “identifica” com o cigarro
dizendo coisas como: “o cigarro me acalma”, “com o cigarro consigo
pensar melhor”, “nada como um cigarro para eliminar a tensão”, “fumar
é charmoso”, etc., ou seja, ele se autoengana, atribuindo ao cigarro “vir-
tudes” que não possui. Ele, na verdade, entende, mas não compreende,
porque esquece o valor de seu corpo e não se ama. Seu intelecto sabe,
mas ele não consegue realizar o que de vez em quando lembra, ou seja,
“acho que deveria parar de fumar”. Somente a “compreensão” poderá
modificar esse quadro, ou um repentino “choque” na sua saúde, talvez
o início de um câncer pulmonar. Então ele não conseguirá “esquecer”
que deve mudar, ele valorizará seu corpo, ele se arrependerá de não ter
conseguido “amar a si mesmo”. Porém, às vezes, é tarde demais para
modificar os resultados de seus esquecimentos. Compreender é o processo
que provoca as mudanças reais que fazem com que o observado seja lem-
brado. Compreender não nos permite mentir nem para nós mesmos nem
para os outros. Compreender é ter atingido a lembrança de si mesmo,
a consideração do que realmente acontece e não do que “achamos” ou
“imaginamos” ou “supomos” (Ponto Nuclear 6 no Eneagrama).
326 Khristian Paterhan C.

Só é possível mudar e evoluir, quando aprendemos e compreendemos


o valor da observação e lembrança de nós mesmos e quando aumenta
nossa capacidade de “considerar externamente sempre, internamente
nunca”. Sem lembrança não existe observação e sem observação não
existem possibilidades de lembrança. Porém, para observar “corretamen-
te”, é necessário cultivar a “consideração externa”, ou seja, ver as coisas
sem preconceitos, sem medos, sem prejulgamentos, sem acomodá-las aos
nossos “modos de ver as coisas”, sem julgá-las apressadamente.
Quando conseguir “isolar” seu Traço Eneagramático Principal, você
terá que “observar” como ele se manifesta na sua existência. Deverá
se lembrar de fazer isto todas as vezes que for possível, deverá consta-
tar como esse Traço Principal o leva a “considerar” pessoas e eventos
“internamente”, ou seja, os modos como você julga, prejulga, decide,
reage, enfim, se manifestam automaticamente em função desse seu Traço
Principal. Se você descobre que é um Tipo 9, você percebe que esquece
suas próprias necessidades, que não é capaz de fixar prazos e datas para
realizar seus planos, que você “adormece”. Se você descobre que é um
Tipo 8, verá como sua “consideração interna” o leva a criar inimigos que
não existem, a supor que as pessoas podem querer “atacá-lo” sempre,
que sua agressividade é a forma como se “esquece de si mesmo”. Cada
Tipo Eneagramático tem sua maneira de “esquecer”, “considerar” e de
se “identificar” negativamente.
Quando sua capacidade de “observação” e “lembrança de si”
aumentem, você conseguirá alcançar a capacidade de “considerar
externamente”, ou seja, poderá ver as coisas, as pessoas e as situações
como elas são e não como você imagina que são. Somente deste modo
as mudanças positivas vão acontecer.
Este não é um processo rápido, contudo é definitivo. É necessário
apenas lembrar-se sempre e em todo momento de si mesmo e da sua
relação com a existência. É deste modo que conseguiremos vivenciar o
Eneagrama Positivo por meio do qual é possível a evolução a níveis de
consciência superiores.
A Lei Hermética de Polaridade explica o positivo que existe por trás
de cada Traço/ou Defeito Principal. Ela diz:
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 327

“Tudo é duplo; tudo tem seu par de opostos;


os semelhantes e os antagônicos são o mesmo;
os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau;
os extremos se tocam,
todas as verdades são semiverdades;
todos os paradoxos podem se reconciliar.”

Aplicando esta Lei ao Eneagrama dos Traços Principais, descobrimos


que, para cada um desses aspectos negativos que devemos “modificar”
mediante a Observação, da Lembrança de Si e da Consideração Externa,
existe uma virtude, um poder potencial que podemos desenvolver mediante
um trabalho deliberado e permanente de autoconhecimento. Acerca destes
poderes ou virtudes, o leitor pode reler no final de cada análise das “más-
caras eneagramáticas” neste livro e refletir. Conservei o nome das virtudes
de acordo com as pesquisas de O. Ichazo e como foram citadas na obra da
Dra. Helen Palmer e outros autores, o que ajudará a entender os seguintes
e valiosos ensinamentos de Gurdjieff. Todos sabemos que os Sete Pecados
Capitais são: A Indolência ou Preguiça, relacionada com o Traço Principal
dos Tipos 9, a Ira ou Raiva relacionada com o Traço Principal dos Tipos 1; a
Soberba, Orgulho ou Vaidade, relacionada com o Traço Principal dos Tipos
2 e 3; a Inveja, relacionada com o Traço Principal dos Tipos 4, a Avareza,
relacionada com o Traço Principal dos Tipos 5; a Intemperança ou Gula,
relacionada com o Traço Principal dos Tipos 7; e a Luxúria, relacionada com
o Traço Principal dos Tipos 8. O Medo, relacionado com o Traço Principal
dos Tipos 6, seria o resultado “mental” de “culpabilidade” que produzem a
manifestação e os resultados dos Sete Pecados Capitais. Cada Traço produz
afastamento do Ser Verdadeiro, e portanto, a “prática” de cada um deles
provoca o “medo” de perder o Ser, de ficar fora do “Superior”. Como diz
o apóstolo Paulo: “Porquanto todos pecamos e estamos destituídos da
glória de Deus.” Deus é o Ser Real e recuperar sua “glória” tem a ver com
a necessária vivência do mandamento bíblico: “Ama a Deus acima de todas
as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo.” Somente quando amamos o
Ser acima de todas as coisas, é que podemos amar o Ser em nós mesmos e
o Ser presente em todos os nossos próximos e em toda a existência.
328 Khristian Paterhan C.

O resultado dessa possível nova atitude consciente será o surgimento


dos Poderes ou Virtudes:
A Reta Ação (9); a Serenidade ou Paciência (1); a Humildade, Veracida-
de e Honestidade (2 e 3); a Equanimidade (4); o Desapego (5); o Equilíbrio
ou Temperança (7) e o Contentamento ou Inocência (8). Logicamente,
quem consegue desenvolver esses poderes ou virtudes não pode ter mais
medo. O Ser pode ser sentido no coração, e, a partir desse momento, será
ele quem vai atuar mediante a personalidade, promovendo a “Coragem”,
virtude atrelada ao Ponto 6 do Eneagrama e que significa Agir desde e com
o Coração, o qual é tido em todas as Tradições Sagradas da humanidade
como o Templo do Ser.
Estas virtudes estão relacionadas, então, com o Verdadeiro Amor (Reta
Ação, Serenidade e Inocência); com a Verdadeira Esperança (Humildade,
Veracidade e Equanimidade) e com a verdadeira Fé (Desapego, Coragem
e Equilíbrio). Por acaso existem um Falso Amor, uma Falsa Esperança e
uma Falsa Fé?
Segundo Gurdjieff, sim. E todo o nosso trabalho interior deve estar
relacionado com a capacidade de distinguir entre as expressões ver-
dadeiras e falsas daquilo que no Cristianismo é tido como as Virtudes
Principais (Amor, Fé e Esperança).
Para que você reflita sobre este assunto e faça as relações correspon-
dentes, transcrevo o que Gurdjieff diz sobre isso nos Relatos de Belzebu
a seu Neto, e também num dos já citados Aforismos:

“A Fé (Ponto 6) da Consciência é Liberdade.


A fé do sentimento é fraqueza.
A fé do corpo é estupidez.
O Amor da Consciência (Ponto 9) provoca o mesmo em resposta.
O amor do sentimento provoca o contrário.
O amor do corpo não depende senão do tipo e da polaridade.
A Esperança (Ponto 3) da Consciência é Força.
A esperança do sentimento é servidão.
A esperança do corpo é doença.”
(Gurdjieff, em Relatos de Belzebu a seu neto)
Eneagrama – um caminho para seu sucesso individual e profissional 329

“O Amor Consciente (9) provoca o mesmo em resposta.


O amor emocional provoca o contrário.
O amor físico depende do tipo e da polaridade.
A Fé Consciente (6) é liberdade.
A fé emocional é escravidão.
A fé mecânica é estupidez.
A Esperança (3) Inquebrantável é força.
A esperança mesclada de dúvida é covardia.
A esperança mesclada de temor é fraqueza.”

(Aforismos 34, 35 e 36 de Gurdjieff como aparecem no livro Gurdjieff


fala com seus alunos).

Lembrança de si mesmo
Amor
Reta Ação / Paz

Inocência / Sensibilidade 9
Justiça / Poder interior /
Não violência Serenidade / Moral objetiva
8 1 Perfeição verdadeira / Flexibilidade

Humildade/
Equilíbrio / Liberdade Doação consciente/
Satisfação / Justo Meio / 7 2 Fraternidade/
Plenitude / Perseverança Colaboração/
Amizade
desinteressada

Consideração 6 3 Desidentificação
externa Esperança / Verdade /
Fé / Coragem / Controle Autenticidade /
imaginativo / Ver a Realização / Honestidade
realidade tal qualela é
5 4
Desapego / Compreensão Equanimidade / Sofrimento consciente
Doação verdadeira / Estar e sentir no “presente” /
Tolerância / Mente Holística Contentamento

Gráfico das Virtudes e Poderes, pesquisados por Ichazo e outros, que se escondem por trás de cada Traço ou
Defeito Principal, destacando os três que Gurdjieff ensinava como fundamentais: o Amor Consciente, relacionado
com a Lembrança de si mesmo, a Fé Consciente, relacionada com a Consideração Externa, e a Esperança
Consciente, relacionada com a Desidentificação. De autoria de Khristian Paterhan-1997
330 Khristian Paterhan C.

Qualquer que seja seu Traço ou Defeito Principal, você perceberá que
todos os seus demais defeitos se ordenam de acordo com ele, manifes-
tando-se com maior ou menor força em relação a ele. Ao mesmo tempo,
isso significa que, quando iniciamos o processo de autoconhecimento,
trabalhando acima do nosso particular Traço Principal, todos os demais
começam a ser superados, devido à dinâmica e à inter-relação matemática
existente no Eneagrama, presente no movimento externo relacionado
com a dízima periódica 0,142857142857.... e com o movimento no
triângulo equilátero 9,6,3,9,6,3, 9...
Lembre que todos os Tipos e Traços estão presentes em você e que a
sequência e o movimento eneagramático começam a partir da sua posição
no Eneagrama, relacionada com seu Traço ou Defeito Principal.
Referências
Bibliográficas
Sobre as Leis ou Princípios Herméticos

PATERHAN, Khristian. Iniciação e autoconhecimento.

Sobre o Quarto Caminho e os Ensinamentos de Gurdjieff

Gurdjieff, G.I. Gurdjieff fala a seus alunos. São Paulo: Pensamento, 1993.
____. Relatos de Belcebú a su nieto. Buenos Aires: Hachette, 1976.
____. La vida es real solo cuando “Yo Soy”. Málaga: Sirio, 1995.
Ouspensky, P. D. Fragmentos de um ensinamento desconhecido. São Paulo:
Pensamento, 1989.
____. El Cuarto Camino. Buenos Aires: Kier, 1987
Speeth, Kathleen Riordan. O trabalho de Gurdjieff. São Paulo: Cultrix, 1989.

Sobre o Eneagrama

Bennett, J.G. O Eneagrama. São Paulo: Pensamento, 1993.


Naranjo, Claudio. Os nove tipos de personalidade: Um estudo do caráter humano
por meio do Eneagrama. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
Palmer, Helen. O Eneagrama: compreendendo a si mesmo e aos outros em
sua vida. São Paulo: Paulinas, 1993.
____. O Eneagrama no amor e no trabalho. São Paulo: Paulinas,
Riso, Don Richard. Tipos de personalidad: El Eneagrama para descubrirse a sí
mismo. Santiago: Cuatro Vientos, 1994.
____. Comprendiendo el Eneagrama. Santiago: Cuatro Vientos, 1994.

Sobre a Tipologia Junguiana

Jung, Carl Gustav. Psychological Types. Princenton: 1971, Princenton University


Press.
334 Khristian Paterhan C.

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