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Uma Questão de Fé

Conforme o jovem clérigo se ajoelhava perante o altar, ele sentiu a


pressão espiritual aumentar quando uma entidade sobrenatural entrou
na câmara com ele.

Finalmente! Ainda pode haver esperança para mim!

"Minha deusa," Ele se levantou, levantando seu escudo e rapiera. "Eu-"

O ser diante dele não era o que ele esperava. Nem um pouco.

"Você não é minha deusa." ele disse sem rodeios.

"Não. Eu não sou. Como descobriu?" A entidade perguntou


sarcasticamente.

A figura diante dele estava envolta em vestes escuras, velhas e puídas.


Ele segurava um longo cajado torto em uma mão. Seu rosto era
esquelético e sem cor, mas em suas cavidades oculares afundadas
havia olhos de um azul tão pálido, porém brilhante, que praticamente
reluziam na penumbra da catedral.

Não, não era apenas uma ilusão, eles realmente estavam reluzindo.

Latehea, o clérigo, ficou pasmo. Incerto de seu próximo movimento.


Sem saber se estava em perigo. Mas acima de tudo, sem saber por que
ele se encontrava em comunhão com essa divindade em vez da sua.

"Você... você está aqui para responder minhas orações?" Ele finalmente
conseguiu perguntar.

"De certa forma... sim."

"Mas por que não-"

"Porque ela lhe abandonou."

Foi como se ele tivesse sido atingido no peito. Ele realmente tropeçou
alguns passos para trás quando quase perdeu o equilíbrio. Seu pior
medo se concretizou. A cartomante havia falado a verdade.

"Acalme-se clérigo, nem tudo está perdido" Sua voz era


surpreendentemente poderosa vindo de um corpo tão frágil. "Você
ainda tem um chamado para servir."

O clérigo olhou para cima, encontrando o olhar do novo ser.


"Eu, sou Thanatos. Senhor da Morte. E eu o convoco para servir."

O choque desse pedido foi tão profundo que sua mente precisou de
todo o seu poder para simplesmente acreditar que tinha sido feito dele.
Nada sobrou para a emoção externa. Então ele simplesmente ficou em
silêncio. Thanatos esperou, estoico. Esta claramente não era a primeira
vez que ele lidava com alguém preso em uma crise existencial. Afinal, a
morte não é nada se não for paciente.

Eventualmente, os pensamentos de Latehea o alcançaram, e ele tornou-


se capaz de falar novamente.

"Eu não posso servir a morte. Eu fiz um juramento!"

"E ainda assim você vacilou." Thanatos retrucou rapidamente. "Como a


maioria das coisas neste mundo, é uma questão de fé."

Latehea estava igualmente confuso e irritado. Como alguém ousava


questionar sua fé. No entanto, não era mentira que sua habilidade
sagrada havia desaparecido. Que provavelmente, sua Deusa, de fato,
havia o abandonado.

"Além disso," Thanatos continuou, "é realmente apenas uma questão


de perspectiva-"

"Perspectiva?!"

"De fato." A morte disse com um olhar severo. Aparentemente, ele não
gostou de ser interrompido. "Da MINHA perspectiva... você tem me
servido a vida inteira."

"Isto é loucura." Latehea respondeu: "Eu SALVO vidas".

"Ah sim, mas sem vida não há morte. Suas ações nunca foram
canceladas, nunca desfeitas." Thanatos avançou para a luz entre eles.
"Você apenas evita o inevitável, garantindo que sua chegada seja na
hora certa, no lugar certo. Você viu meu domínio como o inimigo, como
algo a ser temido, a ser mantido à distância. Mas todo esse tempo você
tem servindo sem saber. Servindo a ordem natural das coisas."

Latehea teve que admitir que o pensamento fazia algum sentido. Talvez
esta pudesse ser a resposta às suas orações. Ele começou a sentir isso
queimando em seu peito. A chamada. O orgulho do serviço.
"O que... O que você me pediria?"

Thanatos sorriu, brevemente. "Eu tenho uma tarefa muito específica


para você. Existem aqueles que me desafiam. Desafiam a ordem.
Criaturas que vivem na morte. Sem dúvida você já ouviu histórias sobre
os Liches?"

"Eu ouvi."

"Tudo o que vive... Deve morrer. Um Lich é um ser profano, aquele que
corrompe a ordem natural. Todos eles devem ser destruídos. Eu quero
que você os cace, mas também que continue com seu trabalho. Cure os
doentes, conserte os ferido, purifique os amaldiçoados. Mantenha.
Ordem."

"Por que eu?"

Ah, diabos! Esses mortais e seus questionamentos intermináveis!

“Não há morte sem vida, e não há vida sem morte." Explicou a morte
um tanto quanto impaciente.

"Isso não explica o que eu devo fazer. Você não pode esperar que eu
MATE?! Eu fiz um juramento a Deusa da cura!"

"Escuta aqui seu bastardo, apenas continue fazendo o que você fazia
antes!"

"Ajudar as pessoas?"

"Sim. Eu posso ser a morte, mas meu único papel é guiar a alma para a
vida após a morte, não quero prejudicar ninguém!”

"Certo, mas o que você ganha com isso?"

A figura suspirou em exasperação. Se ele tivesse olhos, eles estariam


pulando para fora de seu rosto.

"Olha garoto, eu vou ser honesto... este trabalho é muito ocupado. Você
sabe quantas pessoas morrem todos os dias?"

"Uhh eu-"
"Exatamente. MUITO. Eu só preciso de uma pequena pausa com menos
almas fluindo um pouco... apenas umas férias curtas, isso é tudo que
estou pedindo. Eu só preciso que você mate os mortos-vivos que já
deveriam estar mortos há muito tempo e salve aqueles que não
deveriam morrer agora. Matar os vivos que deveriam estar mortos.
Transformar os mortos que deveriam estar vivos em mortos-vivos ou
qualquer coisa assim, entendeu?!"

"Então... é isso? Eu só preciso ‘curar’ um pouco mais eficientemente?"

"Eu realmente apreciaria isso. Apenas dê o seu melhor. Acha que pode
lidar com isso?"

"Sim, eu supon-"

"MARAVILHA."

E com isso a morte desapareceu em uma nuvem de névoa, deixando o


clérigo questionando-se sobre sua fé.

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