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09-19,
1997.
No
seu A vida cotidiana no mundo Moderno; este autor
anuncia por meio de exemplos relacionados ao registro
da imprensa no início do século XX o embrião do
futuro não percebido e a vida cotidiana como ausente
dos noticiários (...). (OLIVA, 1997, p. 10)
No seu estudo
analítico e retrospectivo, Ferry identifica duas correntes
básicas no campo da estética, na história do
pensamento filosófico, que respondem esta questão.
Uma que ele vai denominar clássica, que entende a
arte como revelação da verdade. As variantes nesta
corrente são muitas, a começar pela idéia de verdade.
E a outra corrente, denominada romântica, que
atribui à arte um campo próprio, de importância para
o ser humano, mas que não se entrega à árdua busca
da verdade. (OLIVA, 1997, p. 11)
No século XÍX o centro da reflexão se desloca; ele deixa a especulação para se aproximar da
realidade empírica e prática, dos "dados" da vida e da consciência. A obra de Marx e as ciências
sociais nascentes nessa época delineiam esse traçado. Marx estudou, entre outros "sujeitos", no
quadro social do capitalismo de livre concorrência, a vida real dos trabalhadores e seu duplo
aspecto: atividade produtora e ilusões a superar. (LEFEBVRE, 1991, p. 17)
Com relação â filosofa, a vida cotidiana se apresenta como não-filosófia, como mundo real em
relação ao ideal (e ao conceito de mundo). (LEFEBVRE, 1991, p. 17)
Diante da vida cotidiana, a vida filosófica pretende ser superior, e descobre que e vida abstrata e
ausente, distanciada, separada. A filosofia tenta decifrar o enigma do real e logo em seguida
diagnostica sua própria falta de realidade; essa apreciação lhe é inerente. Ela quer realizar-se e a
realização lhe escapa; c preciso que ela se supere enquanto vida filosófica. (LEFEBVRE, 1991, p.
18)
Fica então aberto apenas um caminho: descrever e analisar o cotidiano a partir da filosofia, para
mostrar sua dualidade, sua decadência e fecundidade, sua miséria e riqueza. Isso implica o projeto
revolucionário de um parto que tirasse do cotidiano a atividade criadora inerente, a obra
inacabada. (LEFEBVRE, 1991, p. 18)
O conceito de cotidianidade provém da filosofia e não pode ser compreendido sem ela. Ele
designa o não-filosófico para e pela filosofia. Mas o pensamento só pode levá-lo cm consideração
no decorrer de uma crítica da filosofia. (LEFEBVRE, 1991, p. 19)
O conceito de cotidianidade não vem do cotidiano nem o reflete: ele exprime antes de tudo a
transformação do cotidiano vista como possível em nome da filosofia. Também não provém da
filosofia isolada; ele nasce da filosofia que reflete sobre a não-filosofia, o que é sem dúvida o
arremate supremo da sua própria superação! (LEFEBVRE, 1991, p. 19)
O cotidiano não seria apenas um grau inferior da reflexão c do "vivido" em que essas duas formas
da experiência se confundiriam ainda, cm que tudo o que se verifica parece pertencer ao
universo, em que o mundo é encarado e enfrentado como a soma das coisas? Seria somente uma
interpretação da experiência, interpretação de bem baixo nível filosófico, segundo a qual o
"mundo" e o "universo" aparecem como um continente, como um vasto recipiente, como uma
moldura gigante? (LEFEBVRE, 1991, p. 19)
Formularemos aqui outros dilemas. Ou empregamos nossas energias práticas (aquelas de que todo
indivíduo dispõe enquanto ser social), para fortificar as instituições, as ideologias existentes — o
Estado ou uma igreja, um sistema filosófico ou uma organização política — e ao mesmo tempo
nos empenhamos em consolidar o cotidiano sobre o qual se estabelecem e se mantêm essas
"superestruturas"; nos dedicamos a '"mudar a vida". (LEFEBVRE, 1991, p. 21)
Estamos apresentando aqui à aprovação do leitor ou ao seu ceticismo uma interpretação de Marx
ou do pensamento marxista? Não. Nós (o autor) interpretamos a história da filosofia, a situação
filosófica e teórica em meados do século XIX. A tese de que a filosofia não permanece filosofia, de
que a contemplação não se contenta em contemplar e de que a especulação não se contenta cm
atingir uma totalidade abstrata, essa tese da realização da filosofia está em Hegel. (LEFEBVRE,
1991, p. 21)
Para ele, a coincidência (a identidade) do real e do racional não é nem terminada e já feita, nem
ideal, futura e indeterminada. Ele surpreende a história no momento em que ela produz essa
unidade. Ele a agarra em sua dupla c una determinação, racional e real, filosófica e política,
teórica e prática. (LEFEBVRE, 1991, p. 21)
A certeza de que o filósofo procura nada tem de comum com a segurança sonhada pelo homem
cotidiano; a aventura filosófica não corre perigo algum, além dos espirituais. O filósofo procura se
fechar na sua especulação e não consegue. O homem cotidiano se fecha em suas propriedades,
seus bens e suas satisfações, e às vezes se arrepende. Ele está ou parece estar mais próximo da
natureza do que o sujeito da reflexão ou da cultura. E muito mais a mulher cotidiana; mais capaz
de cólera, de alegria, de paixão e de ação, mais vizinha das tempestades, da sensualidade, dos
laços entre a vida e a morte, das riquezas elementares e espontâneas. Mas isso e verdadeiro ou
falso, aparente ou real, superficial ou profundo? (LEFEBVRE, 1991, p. 23)
Neste sentido, para o filósofo que assumiu e aprendeu a atitude filosófica (contemplação,
especulação), a vida cotidiana oculta o misterioso e o admirável que escapam aos sistemas
elaborados. Os filósofos se surpreendem com ela mais do que com qualquer outra coisa da
natureza ou da arte. (LEFEBVRE, 1991, p. 23)
Diante do cotidiano a filosofia reencontrara essa surpresa ingênua e anunciadora? Pode ser, mas,
mesmo que isso aconteça, a surpresa oscilara entre o desdém e a admiração. (LEFEBVRE, 1991, p.
24)
Com esse objetivo, não vamos dissimular intenções mais inquietas ou mais inquietas. Não se
trata, por exemplo, de explorar o repetitivo. Em sua trivialidade, o cotidiano se compõe de
repetições: gestos no trabalho e fora do trabalho, movimentos mecânicos (das mãos e do corpo,
assim como de peças e de dispositivos, rotação, vaivéns), horas, dias, semanas, meses, anos;
repetições lineares e repetições cíclicas, tempo da natureza e tempo da racionalidade etc.
(LEFEBVRE, 1991, p. 24)
O estudo da atividade criadora (da produção no sentido mais amplo) conduz à análise da re-
produção, isto é, das condições em que as atividades produtoras de objetos ou de obras se re-
produzem elas mesmas, re-começam, re-tomam seus elos constitutivos ou, ao contrário, se
transformam por modificações graduais ou por saltos. (LEFEBVRE, 1991, p. 24)
O interlocutor vai interromper este discurso. Ele acumula argumentos. (LEFEBVRE, 1991, p. 27)
O estudo da vida cotidiana oferece um ponto de encontro para as ciências parcelares e alguma
coisa mais. Mostra o lugar dos conflitos entre o racional c o irracional na nossa, sociedade e na
nossa época. Determina assim o lugar em que se formulam os problemas concretos da produção
em sentido amplo: a maneira como é produzida a existência social dos seres humanos, com as
transições da escassez para a abundância e do precioso para a depreciação. (LEFEBVRE, 1991, p.
30)
Essa análise crítica seria estudo das opressões, dos determinismos parciais. Ela visa a virar pelo
avesso esse mundo em que os determinismos e as opressões passam por racionais, ao passo que a
razão sempre teve como sentido e fim o domínio dos determinismos. (LEFEBVRE, 1991, p. 30)
A vida é a mesma em outros lugares? É diferente ou específica? Hoje em dia, os franceses não
imitam, não simulam, bem ou mal, o americanismo? Onde ficam as resistências, as
especificidades? Em escala mundial existe uma homogeneização do cotidiano e do "moderno"?
Ou as diferenças são cada vez maiores? (LEFEBVRE, 1991, p. 32)