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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ANDRESSA NORA DOS ANJOS


DRE 121045600

2ª PROVA - INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA

PROFESSOR JORGE CHALOUB

Rio de Janeiro
2021
Uma análise do poema “O Juiz Democrático” de Bertold Brecht perpassando pelo
conceito de política dos Sofistas e de Aristóteles

No poema de Bertold Brecht, O Juiz Democrático, verifica-se a preparação do italiano


ao estudar uma nova língua desconhecida para ele, a língua inglesa, para que ele pudesse
passar no exame de cidadania e tornar-se oficialmente um cidadão dos Estados Unidos. Nesse
contexto, é possível analisar a relação do italiano e do juiz por meio da definição de política
dos Sofistas, apresentado por Bárbara Cassin em O Efeito Sofístico - Como a política é uma
questão de logos, uma vez que os Sofistas eram professores de retórica e considerados “pré-
teóricos”, obtendo linhas de pensamentos distintas para fazer filosofia. Diante disso, os
sofistas obtinham uma visão fundamental para compreender o funcionamento da política e,
também, diferentes formas de se pensar a linguagem.

Do ponto de vista dos Sofistas, segundo Cassin, uma das formas de compreender a
política é por meio da linguagem. No entanto, em O Juiz Democrático, nota-se que o italiano
possui uma dificuldade com a língua, e por isso, em todos as respostas de seu exame, ele
repete uma única coisa: um número, “1492”. Dessa forma, constata-se um longo embate entre
o juiz e o italiano, visto que o italiano não praticava a retórica e, segundo o pensamento dos
Sofistas, a retórica é o elemento fundamental que perpassa o conceito de política. Visto isso,
para tomar decisões no meio da política, era imprescindível fazer uso da retórica, do debate,
do discurso, uma vez que só se vence um debate através da arte de bem falar, de bem
argumentar para, assim, alcançar a verdade, característica que o italiano não domina e, por
isso, o italiano é eliminado várias vezes no exame.

Por outro lado, é possível explorar o poema também pela perspectiva do grande
filósofo Aristóteles, através de seu livro Política, em que decorrem os conceitos da relação da
política. Desse modo, tendo em vista que Aristóteles classifica como fazer política “aqueles
que pensam como os seres humanos devem ser e, principalmente, como os seres humanos
agem no mundo”. Nessa perspectiva, compreende-se que no conto do Brecht, a relação de
embate entre o juiz e o italiano pode ser descrita a partir dos conceitos de philia e ética, sendo
a ética, um conceito que antecede a política, mas não a determina, como aponta Aristóteles.
Ao longo do poema ocorre uma atitude do juiz que se baseia no exercício do conceito de
philia, de Aristóteles, uma vez que ela se baseia em “agir eticamente perante o outro”, ou seja,
uma compreensão do juiz acerca do italiano possuir um desconhecimento daquela língua que
percorre pela construção de um senso de comunidade, levando em consideração o outro nas
suas ações no mundo, visto que o italiano trabalhava duro como o juiz e os outros cidadãos,
exercendo e compartilhando o mesmo bem comum.

Por isso, a ação “compreensiva" do juiz com o italiano devido ao seu esforço e o fato
dele trabalhar duro para ganhar a vida se assemelha a relação com a ética de Aristóteles, já
que a relação da ética com a política tem a ver com uma forma de “boa conduta com o outro”.
Diante disso, pode-se dizer que foi a atitude do juiz, em comparação aos conceitos dos
Sofistas e de Aristóteles, que fizeram com que o juiz tivesse uma atitude democrática e
“empática” pelo italiano que há meses estudava e trabalhava duro para conseguir a sua
cidadania.

Ideias de Canário e as diferentes percepções do mundo sob a visão de Platão

O conto Ideias de Canário, de Machado de Assis, narra a história de Macedo, um


ornitólogo que ao se deparar com um canário em uma loja de belchior, se impressiona com a
capacidade de falar do pássaro e decide, então, comprar o canário para realizar uma pesquisa e
estudar, segundo Macedo, sua linguagem, suas ideias, e o mais inusitado: as suas – diferentes
– visões de mundo. Diante disso, é plausível analisar o conto sob a perspectiva de O Mito da
Caverna, no livro Política de Platão, em que se discute as distintas percepções de mundo do
pássaro.

Comparando o conto com alegoria da caverna de Platão, cabe pontuar, incialmente,


que o texto de Machado de Assis se refere à teoria de conhecimento do mundo de Platão, uma
vez que se tem a passagem do homem no mundo das sombras, onde vivem acorrentados na
caverna, um lugar escuro, para o mundo da luz, que se assemelha ao mundo real onde as
coisas e as ideias são deslumbrantes, como descreve André Amóra em seu artigo “Mas há
mesmo lojas de belchior?”: Considerações sobre os problemas metafísicos em Ideias de
Canário (AMÓRA, 2015, p.5). Logo, a primeira percepção de mundo do canário se mantém
acerca da loja de belchior, um lugar que era descrito por Macedo por ser “[...] uma loja
escura, atulhada das cousas velhas, tortas [...]” que podem ser relacionadas as sombras e a
escuridão da caverna de Platão.

Já quando o pássaro se muda para o jardim de Macedo, há outro embate de


perspectiva, uma vez que ao descrever como era o mundo, o canário esquece a sua antiga
visão da loja de belchior e apresenta uma nova. O mesmo ocorre quando o criado deixa, por
acidente, o canário escapar para o galho de uma árvore, ao ar livre, e mais uma vez ele narra
uma versão diferente. Ao final cada visão de mundo o pássaro afirma que “Tudo o mais é
ilusão e mentira”, aludindo ao mito da caverna, que emite uma nova definição de mundo toda
vez que sai do mundo sombrio da caverna, e no caso do canário, muda-se para uma nova
realidade (AMÓRA, 2015, p.6-7). Sendo assim, esse pensamento pode ser analisado sob a
teoria de conhecimento do Platão, uma vez que a construção do conhecimento perpassa pelo
processo de interação, do diálogo e a forma com que as pessoas compreendem o mundo de
maneira parcial, enquanto o pássaro tem várias visões de mundo sempre dentro de sua gaiola
cada vez que sai de um ambiente e vai para outro, Macedo não é capaz de acompanhá-lo e
entendê-lo.

Além disso, nota-se também uma espécie de “hierarquia de alma” de acordo com a
ideia de Platão, podendo ser visto na cena em que Macedo fala que o criado não escutaria a
ave por não ter um “preparo científico” (ASSIS, p. 5). Assim, pode-se associar a imagem do
criado a dos não filósofos, uma vez que só os filósofos obtinham desde o nascimento a
propensão a pensar, a conhecer o mundo e também a fazer filosofia, já que a filosofia era,
segundo Platão, o ponto mais superior de se conhecer o mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cassin, Barbara. “Como a política é uma questão de logos”. In O Efeito Sofístico. Editora 34,
2005, p. 65-75.
Platão. “A República” – livros I e VII. São Paulo: Martins Fontes.
Aristóteles. “Política”. Livro I, capítulos 1 e 2.; Livro III, capítulos 1, 2, 3, 4 e 5.
Amóra, A. L. A. C. “Mas há mesmo lojas de belchior?' Considerações sobre os problemas
metafísicos em Ideias de Canário”. In: XIV Congresso Internacional da Associação Brasileira
de Literatura Comparada - ABRALIC, 2015, Belém do Pará. Caderno de resumos do XIV
congresso internacional da ABRALIC. Belém do Pará: ABRALIC / UFPA, 2015. -
https://abralic.org.br/anais/arquivos/2015_1455908425.pdf último acesso: 16/10/2021.

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