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Pró-Reitoria de Pesquisa
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Aristófanes é citado na Apologia de Platão como um dos primeiros acusadores de Sócrates.
atenienses. Portanto, se Sócrates não pode ser claro à maioria e mesmo seus discípulos
foram influenciados de inúmeras maneiras diferentes, não podemos retirar de nossas
fontes um modelo histórico uniforme, mas é importante estuda-las considerando a
pretensão de cada autor e a riqueza e complexidade do pensamento socrático.
Diferente de Aristófanes, Xenofonte e Platão nos oferecem imagens positivas de
Sócrates. Em Xenofonte, vemos um mestre temperante cuja maior preocupação é ser
útil à cidade e aos amigos. Os escritos xenofontianos tornam o útil, no plano concreto,
um ponto de ensinamento socrático. Xenofonte mostra um Sócrates para quem o bem é
o útil, o simpático é o lucrativo, o belo dá lugar ao utilizável. O Sócrates de Xenofonte
chegou, pela experiência, à receita de uma medida razoável que não o permite excessos.
Diferente disso, o Sócrates platônico leva a questão ao abstrato para procurar uma
definição de um valor. Platão atribui a Sócrates uma saúde divina, algo que torna
impossível qualquer excesso, mas não o priva do prazer. O que não podemos negar em
relação aos dois Sócrates é que o de Xenofonte é muito mais humano que o de Platão, a
composição do Sócrates platônico beira o divino.
A pesquisa aqui proposta pretende examinar a figura de Sócrates nos diálogos de
Platão. Dorion (DORION, 2006, p.34), nos lembra que os diálogos platônicos de
juventude, considerados como socráticos, não são uma rigorosa copia do pensamento do
Sócrates histórico e não devem ser lidos como menos platônicos que os de maturidade e
de velhice. Eles devem ser interpretados como uma exposição da função do Sócrates
personagem de Platão dentro dos diálogos. Nos primeiros diálogos, vemos Sócrates
levar seu interlocutor à aporia através do elenchos, que se caracteriza pela pergunta ‘o
que é x?’. Através de tal método, ele conduz o diálogo até seu interlocutor se dar conta
de que mantém opiniões contraditórias – portanto, se contradiz naquilo que afirma
saber, caindo assim em aporia. Já em alguns diálogos tidos como de maturidade e de
velhice, podemos observar que Sócrates abandona a aporia como último fim e o
interlocutor é conduzido a exprimir ideias originais, que não sabia manter dentro de si
até então2. Vemos um grande contraste entre o fim almejado por Sócrates nos diálogos
de juventude e nos de maturidade. Enquanto nos primeiros o método socrático permitia
ao interlocutor se livrar de ideias falsas, nos outros o interlocutor pode dar à luz ideias
novas. Em parte dos diálogos de maturidade e de velhice, vemos uma construção com
participação tanto de Sócrates como do interlocutor. Platão faz uso do mesmo
2
Este método é chamado maiêutica.
personagem e do mesmo método, mas os fins são diversos e Sócrates aparece mesmo
em diálogos onde o tema tratado é de caráter cientifico e não refutativo, como nos
primeiros diálogos. Por isso, é importante pensarmos no papel de Sócrates nos diálogos
platônicos.
Os textos que serão o centro do nosso estudo são: o livro VI da República e a
Apologia de Platão. O livro VI é o mais rico em imagens e onde Platão melhor expõem
os processos de corrupção do filósofo dentro da cidade. Além de delimitar bem as
diferenças da natureza filosófica e não filosófica e mostrar como o filósofo deve ser
recebido dentro da cidade para que não se corrompa3. Na Apologia, Apolo assume a
figura socrática como um modelo a ser seguido entre os homens, ou seja, todo homem
que pretende se ocupar do conhecimento deve primeiramente assumir que o
conhecimento é essencialmente divino e assumir sua ignorância perante algo divino. No
livro VI da República, Platão distingue as naturezas que possuem inclinação natural
para a filosofia e as que não possuem. As naturezas filosóficas possuem uma disposição
natural para a investigação, porém, são corrompidas pela cidade e o único modo para
que se salvem é assumirem dentro de si um modelo ético. Em meio a diversas imagens
retóricas expostas por Sócrates a fim de defender o filósofo das acusações da cidade,
temos uma passagem digna de atenção (VI, 501a-b), na qual Sócrates diz que o filósofo
só se ocupa de homem e estado após os receberem limpos e olhando para a essência das
virtudes, pinta o homem de acordo com elas para obter uma forma divina humana.
Temos então a composição de uma forma que deve ser alvo de imitação entre os
homens, ou seja, tal forma deve ser assumida como um modelo. Procuraremos na
Apologia, compreender como se dá a composição desse modelo mimético, que vários
comentadores afirmam ser Sócrates.
Bolzani (BOLZANI, 2012, p.14), confere aos diálogos platônicos um caráter de
produção mimética, em que Platão se serve de personagens e acontecimentos históricos,
modificando-os de acordo com uma função dentro do diálogo. Assim, não devem ser
interpretados como documentos históricos e sim como obras literárias e filosóficas, que
possuem grande liberdade de invenção. Se lermos os diálogos platônicos considerando-
os como produções miméticas, devemos principalmente entender que eles não podem
nos dar a resposta para a questão socrática. A pretensão do texto mimético não é mostrar
o que realmente aconteceu, mas sim, de acordo com a liberdade de criação que o gênero
3
Em varias imagens Platão usa o exemplo de Sócrates como filósofo que não se corrompeu.
lhe confere, mostrar o que poderia acontecer usando para isso a imitação. Podemos ver
um bom exemplo do caráter mimético dos textos platônicos quando comparamos a
Apologia ao Teeteto. Dorion (DORION, 2006, p.55), nos apresenta esta comparação.
Em ambos os diálogos, Sócrates afirma sua ignorância, diz nunca ter instruído ninguém
e cita uma missão confiada a ele pelo deus. Em a Apologia, o deus confere a Sócrates a
missão de refutar os supostos sábios da cidade e no Teeteto, o mesmo deus lhe confere
uma nova tarefa, contrária a da Apologia. O que no primeiro consistia em revelar aos
supostos sábios sua ignorância, no último é mostrar aos supostos ignorantes que são
sábios em certa medida, através da técnica da maiêutica, na qual ele atua como um
parteiro infértil de ideias. Platão usa como base a declaração de ignorância e o fato de
Sócrates nunca ter instruído ninguém para alicerçar uma nova missão, que não mais é
refutar os supostos sábios através do elenchos, mas parir almas através da maiêutica4.
Neste breve exemplo, vemos uma inversão da missão socrática possibilitada pelo caráter
mimético dos diálogos. É provável que o único método do Sócrates histórico seja o
elenchos e que a maiêutica seja um método desenvolvido por Platão. Se é ou não, nunca
saberemos, mas o fato é que a declaração de ignorância possibilita que o personagem
Sócrates use os dois métodos. Logo, a pretensão da produção mimética é mostrar o que
poderia acontecer verossimilmente. Se Platão não se furta de atribuir a Sócrates um
método que é criação sua, é porque o Sócrates histórico poderia ter usado tal método.
A liberdade de criação que a produção mimética confere ao texto tira o foco da
questão ‘quem foi Sócrates?’, pois o autor não pretende ser fiel historicamente àquilo
que retrata, mas sim trabalhá-lo de acordo com uma função determinada no diálogo.
Nosso foco nessa pesquisa é encontrar a função do personagem Sócrates dentro dos
diálogos platônicos. Para tal tarefa, inicialmente contamos com o auxilio dos estudos de
Bolzani e Dorion, que abrem caminho para nossa pesquisa conferindo aos textos
platônicos um caráter de produção mimética, esclarecendo assim pontos importantes
dos diálogos, como o contraste entre o Sócrates dos diálogos de juventude e os de
maturidade e velhice.
Para desenvolvermos essa pesquisa, procuraremos examinar a mímesis em
Platão, especificamente no diálogo A República, para compreendermos melhor os
estudos que entendem o personagem Sócrates como uma construção mimética de
Platão.
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Segundo Dorion (DORION, 2006, p.57), a maiêutica é uma invenção platônica pois só aparece nos
diálogos maduros, não se via traço deste método antes do Teeteto.
No livro VI da República, Platão nos oferece uma complexa reflexão sobre a
imagem. Com base nos estudos de Marques acerca da imagem em Platão (MARQUES,
2009, p.137-165), procuramos encontrar a função da imagem na filosofia platônica para,
a partir disso, pensarmos em uma função para a imagem de Sócrates. O livro VI nos
oferece um grande número de imagens retóricas, nos fazendo pensar no método de criar
imagens que conduzem a alma do leitor que possua disposição natural para a filosofia, a
um estilo de vida previamente determinado, para que depois disso ele possa aprender.
Na Apologia, Sócrates é tomado pelo deus como um modelo a ser seguido. Por
ele ser limpo de opiniões o deus lhe confia a tarefa de tornar os homens limpos como
ele. Para isso Sócrates faz uso do elenchos, que faz com que o interlocutor caia em
aporia, estado em que é capaz de assumir sua ignorância. O interlocutor se livra, mesmo
que por breve momento, de todas as opiniões que tinha como concretas até então. Nos
diálogos observamos Sócrates limpar seus interlocutores dessas opiniões tal como se
limpa uma tela suja. A partir da imagem do filósofo pintor apresentada na República
(VI, 501a-b), exposta acima, investigaremos a função que Sócrates desempenha na
filosofia platônica. Cremos que Sócrates, através da refutação, permite ao interlocutor se
livrar de opiniões falsas, disseminadas por figuras conhecidas de Atenas. Opiniões com
as quais certamente o interlocutor teve contato. Essa interpretação é reforçada pelo fato
dessas figuras aparecem constantemente nos diálogos platônicos, caindo em aporia
junto a Sócrates. Porém, restringir o Sócrates platônico a uma ferramenta usada para
limpar tais opiniões é subestimar a função de um personagem que aparece praticamente
em todos os diálogos, até mesmo naqueles que são considerados construtivos. Após essa
limpeza, o filósofo aparece como aquele que olha para a essência das virtudes e para a
representação que delas estão a fazer nos seres humanos. Nesse sentido, podemos
pensar em Sócrates como uma imagem composta por Platão com uma função dentro dos
diálogos. Mas esta imagem só se torna forte pela relação que mantém com seu modelo
histórico, relação de condução da própria vida que constitui uma mistura homogênea
entre modo de viver e filosofia. Podemos então ver Sócrates como o modelo divino
pintado por Platão, modelo a ser assumido por aqueles que têm disposição e pretendem
se ocupar da filosofia.
Outra passagem da República (VI, 490b) diz que, apesar da multiplicidade da
aparência, a alma é conduzida até aquilo que é igual a ela mesma. Segundo Marques
(MARQUES, 2009, p.165), não é apesar, mas graças à imagem, que isso acontece. O
inteligível aparece como imagem no plano sensível e por aparecer contrário neste plano,
ou seja, múltiplo e conflitante, que são características próprias da imagem, exige uma
elaboração reflexiva que conduz a mais inteligibilidade e aponta para além da imagem.
A multiplicidade da imagem exige uma reflexão que conduz a alma ao inteligível, até
aquilo que é igual a ela mesma. Uma melhor compreensão da natureza da imagem na
República nos auxiliará a entender as interpretações que representam Sócrates, nos
diálogos platônicos, como exemplo de uma vida filosófica, imagem do filósofo ideal.
Considerando as produções miméticas como incapazes de responder a questão
socrática, por não ser a pretensão dessas fontes, procuraremos não mais ‘quem foi
Sócrates?’, mas ‘quem foi o Sócrates platônico?’, ou seja, não privilegiamos um autor
para retirar dele uma resposta que ele não é capaz de dar em relação a um personagem
histórico, mas privilegiamos mesmo pela importância deste personagem nos diálogos e
pela grande influencia que este exerceu na filosofia ocidental.
Pretendemos trabalhar futuramente outros autores que se ocuparam da figura
socrática, como Xenofonte e Aristóteles, para procurarmos uma figura socrática original
que cada autor retratou, refletindo muito mais traços de seu pensamento que teve como
ponto de partida o pensamento socrático, do que o pensamento socrático em si.
1.b Informações Complementares Relativas ao Projeto
( ) EXIGE aprovação
Terá direito a uma 2ª bolsa o(a) orientador(a) de bolsista de Iniciação Científica FAPESP
vigente durante o ano de 2012/2013, CNPq Balcão, ou outro tipo de bolsa de IC obtida
diretamente pelo orientador junto a agências de fomento e com vigência em
2012/2013, respeitando-se a ordem de classificação de acordo com os critérios
aplicados pelo Comitê PIBIC. As orientações de bolsistas PIBIC e PIBITI não atendem
esta condição.
2 Objetivos
Geral:
Examinar o papel da figura de Sócrates nos diálogos de Platão.
Específicos:
Examinar o papel da figura de Sócrates nos diálogos de Platão, usando
como base a Apologia e na República;
Estudar e compreender as interpretações que entendem o personagem
Sócrates como uma criação mimética de Platão;
Examinar a noção de mímesis em Platão, especificamente a partir do
diálogo A República, para melhor compreender o papel mimético
atribuído a Sócrates pelos estudiosos em questão.
3 Metodologia
4 Resultados Esperados
Mês 08/ 09/ 10/ 11/ 12/ 01/ 02/ 03/ 04/ 05/ 06/ 07/ 08/ 10/
Atividade 14 14 14 14 14 15 15 15 15 15 15 15 15 15
Leitura e análise X X X X X X X X X
de textos
Participação em X X X X X X X X X X X
grupo de
estudos
Reuniões X X X X X X X X X X X
semanais com o
orientador
Estudo de X X X X X X X X X X X X X X
língua
estrangeira
Redação de X X
texto para
apresentação no
Congresso de
Iniciação
Científica
Apresentação de X
trabalho no
Congresso de
Iniciação
Científica
Redação de X X
relatório final.
Entrega de X
relatório final
7 Referências Bibliográficas