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Introdução à Platão - Aula 2 - Contexto Literário da Obra

Logo após a morte de Sócrates, em decorrência da Guerra Civil ateniense, uma série de debates acerca
do filósofo executado foram realizados, e Platão tomou a posição de defende-lo, retratando em nove
tetralogias os diálogos de Sócrates. Pois Sócrates era um inquisidor, vivia envolvido em debates onde
fazia muitas perguntas, sempre buscando entender o seu interlocutor. São esses debates justamente que
estão retratados nos diálogos.
Platão, seguindo sua tradição familiar e cultural, era um político e um poeta. E ser poeta nessa época era
ser um tragediógrafo, escrever peças teatrais trágicas, que tinham como função retratar os
acontecimentos históricos da cidade através da interpretação dos mitos, para que seus cidadãos
pudessem contemplar esses acontecimentos, a cidade se via através da representação dos mitos
tradicionais e eles lhe davam sentido. O teatro é a mão da teoria. Até Sócrates introduzir a filosofia, a
tradição teatral ateniense era responsável por dar sentido à vida na cidade. Os grandes poetas da época
retratavam na linguagem simbólica dos deuses, dos heróis, dos anti-heróis que simbolizavam e
retratavam o amor, o ódio, a traição, pérfida, a guerra, a grandeza e a baixeza humana. A vida da cidade
se via refletida na tragédia teatral.
Porém, ao conhecer Sócrates Platão se converte e deixa de produzir as tragédias e cria uma nova poesia,
essa híbrida - reunindo todas as tendências intelectuais da época - desde a narrativa épica, até a retórica
científica da medicina, da tragédia à comédia, do provérbio sapiencial até a linguagem poética dos pré-
socráticos. Essa nova poesia são os diálogos socráticos. A dramaticidade é de total importância para a
obra de Platão, pois é através dela representada nos diálogos que o conhecimento encarna, é vivido,
Sócrates filosofa em suas conversas com pessoas reais, e Platão nos mimetiza isso. Isso é uma ideia que
vai perpetuar toda a obra de Platão, que é a existência de duas dimensões, a moral e a intelectual. Pois
como já foi dito o conhecimento, o logos, o saber precisa se tornar vivo, precisa se tornar carne. Ser
representado e defendido pelas ações do filósofo, que devem sempre estar em conformidade com
aquilo que ele defende intelectualmente. Os diálogos são importantes porque trazem um Sócrates vivo,
com o qual podemos dialogar e testemunhar o desdobramento através das suas ações.
A interação entre os diálogos socráticos e quem os lê deve ser instigadora, provocativa, dever ser a
fagulha que vai iniciar a atividade filosófica, abrir as portas para outros diálogos e reflexões, e
principalmente ser o diálogo que a alma silenciosamente faz consigo mesma.
Platão inaugura com sua síntese de tendências a escola dos filósofos poetas, a qual posteriormente
Nietzsche, Pascal e Santo Agostinho faram parte. Esses filósofos poetas se utilizam de símbolos, imagens,
construções visuais e mitos para que se veja e intua a verdade. Diferente dos filósofos cientistas, que
Platão também era, que utilizam conceitos em detrimento das imagens.
Sócrates nada escreveu, ele apenas é utilizado por Platão nos diálogos socráticos - definidos por
Aristóteles como um drama em prosa; mais poéticos do que prosaicos, para transmitir as verdades
filosóficas. Esse modela era predileto de Platão pois era mais próximo da ideia de consonância entre
pensamento e ação; intelecto e moral; conhecimento e vida. Porém, como afirma em sua Carta VII, os
conhecimentos mais importantes não foram escritos.
O tempo e o espaço, dois conceitos essenciais para transmissão do saber filosófico segundo Sócrates, e
também confirmado por Platão. O filosofo e aquele que por ele é instigado devem ocupar o mesmo
tempo e espaço para que a transmissão do saber seja ideal. A troca de saberes cara-a-cara, presencial,
dinâmica faz parte a busca pela verdade. As transcrições feitas por Platão dos diálogos socráticos apenas
são miméticas à essa experiencia, aproxima, mas não substitui a oralidade. Essa questão espaço
temporal é a base da retórica e da hermenêutica, que conferem a existência de um auditório especifico
que irá receber as ideais.
Na obra de Platão, duvidas trabalhadas através da dialética chegam à certezas, que geram outras dúvidas
e o seu pensamento traça sempre esse ciclo. Isso ocorre porque Platão não tem uma filosofia fechada,
acabada, direcionada, guiada por uma dogmática. As certezas que constroem sempre são questionadas
pelas dúvidas que ela mesma cria. Quanto mais a obra dialoga consigo mesma mais suas dúvidas se
tornam robustas pelas certezas superadas.
A obra de Platão é dividida em três grandes momentos:

Primeiro Momento:
Este é marcado pelos diálogos socráticos, ou elencus, que são o questionamento sistemático acerca das
certezas sobre virtudes específicas; O que é amizade? O que é coragem? O que é justiça? O que é amor?
Cada questionamento dessa marca um diálogo. São questionamentos sistemáticos de princípios éticos,
afirmados por autoridades intelectuais ou pseudointelectuais. O questionamento das virtudes definidas
por essas pseudoautoridades intelectuais é o principal objetivo das obras que constituem o primeiro
momento de Platão. Ele não busca respostas definitivas, conclusões fechadas, e sim instigar o
questionamento de certezas. São diálogos aporéticos, não possuem saída. Platão não busca apenas a
manifestação verbal do pensamento e sim a ideia que dá substancia à essas virtudes.

Segundo Momento:
Nesse é aonde Platão escreve suas grandes obras clássicas e aonde desenvolve o seu grande trunfo
filosófico, que a o conceito das ideais inteligíveis. Platão introduz a ideia que existem objetos reais,
concretos e verdadeiros que existem independentes da mente humana e dão substancia às suas
representações sensíveis. Surge a hipótese das formas, que está articulada com a hipótese do
conhecimento por reminiscência ou memória, que se articula com a ideia de imortalidade da alma e com
a ideai do amor intelectual. Todas essas hipóteses formam os alicerces do edifício platônico; hipótese
das formas, conhecimento como reminiscência, imortalidade da alma e amor intelectual ascendente até
chegar às formas. Essa segunda fase é muito mais resolutiva e doutrinária do que aporética.

Terceiro Momento:
Esse é o momento onde todas as ideais anteriores entrem em xeque. Na primeira tínhamos os diálogos
socráticos que eram puramente refutadores de pretensas certezas, eram instigadores e desafiavam a
psedudoautridade de certos intelectuais. Na segunda Platão vai se preocupar com as ideais inteligíveis e
como alcança-las através da dialética das formas que nos tira do sensível para nos levar ao inteligível e
nos traz de volta do inteligível para o sensível, ou seja, entramos e saímos da caverna, e nesse
movimento de ascensão e descida que se dá a dialética. A terceira fase é mais metafísica, aonde ele vai
se preocupar exclusivamente com as formas, como elas se relacionam entre si e com as coisas que
substanciam. Vai buscar uma forma suprema e a relação do ser com o uno. A participação de Sócrates é
bem mais rara nessa fase e há uma revisão da hipótese das formas, é uma fase menos dramática e
menos poética, e que não mais se utiliza dos grandes mitos que compõe os diálogos da maturidade.

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