Você está na página 1de 17

0

INSTITUTUM SAPIENTIAE
ORDINIS CANONICORUM REGULARIUM SANCTAE CRUCIS

CURSUS PHILOSOSOPHIAE

WILGNER BATISTA PICOLO

A IMORTALIDADE DA ALMA SEGUNDO O FÉDON DE PLATÃO

ANÁPOLIS – GO
2020
1

WILGNER BATISTA PICOLO

A IMORTALIDADE DA ALMA SEGUNDO O FÉDON DE PLATÃO

Trabalho apresentado ao Prof. Dr. Padre Titus Kieninger ORC,


referente ao trabalho científico-filosófico, como forma de
obtenção de nota na disciplina de Seminário de Antropologia,
requerido pelo curso de Filosofia do Institutum Sapientiae.

ANÁPOLIS – GO
2020
2

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3

2. CONTEXTO LITERÁRIO .................................................................................. 5

3. A IMORTALIDADE DA ALMA ......................................................................... 7

3.1 ARGUMENTOS DE SÓCRATES SOBRE A IMORTALIDADE ........................ 7

3.1.1 Reencarnação ......................................................................................................... 7

3.1.2 Reminiscência ........................................................................................................ 8

3.1.3 Simplicidade do ser da alma ................................................................................. 9

3.2 REFUTAÇÃO DE SÍMIAS E CEBES ................................................................. 10

3.3 CONTRAPROPOSTA DE SÓCRATES .............................................................. 11

4. CONCLUSÃO...................................................................................................... 15

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 16
3

1. INTRODUÇÃO

Antes de adentrar propriamente na questão da imortalidade da alma, faz-se necessária


uma visão histórica e literária da obra, situando-a no espaço, tempo, questões políticas, humanas
e o próprio desenvolvimento do autor. Essa visão se revela indispensável, por que todo filósofo
é uma pessoa humana.
Platão, filósofo ateniense, nasceu por volta de 427 a.C. Atenas era a cidade-estado grega
mais evoluída política e socialmente, contando com um grande centro intelectual. A democracia
de Atenas, e em especial o período de 469 a 430 a.C.- referente ao governo de Péricles e a
vitória dos gregos sobre os persas- trouxe um clima favorável ao florescimento e
desenvolvimento da filosofia.
Platão viveu “na fase áurea da democracia ateniense” (cf. Vida, p. 5)1. Seu pai, Ariston
de Perictione, e sua mãe pertenciam a famílias com eminência no mundo político da época. Isso
explica, em parte, o desapreço de Platão a política de seu tempo, pois a ela estava envolvido em
suas tramas desde da infância (cf. Vida, p. 5).
Uma das principais influências que Platão recebeu vem de seu mestre, Sócrates (470-
399 a.C.). A influência do pensamento socrático, e a própria vida de Sócrates, se encontram na
base das obras platônicas. Sócrates, por ensinar a busca da verdade e ser contrário a participar
de tramas políticos (cf. Vida, p. 10), foi condenado injustamente a morte tomando cicuta, pelos
falsos crimes de impiedade e corromper os jovens.
O Fédon era considerado, por estudos anteriores, participante do grupo de diálogos
sobre a condenação de Sócrates com a tentativa de ilibar a figura do mestre. Porém, estudos
recentes indicam que é impossível tal classificação, uma vez que o Fédon é cronologicamente
posterior (cf. SCHIAPPA, p. 9)2.
A revolta com a morte de Sócrates fez com que Platão demonstrasse uma maior aversão
aos políticos e sistema governamental vigente, propondo um novo sistema de política, com uma
verdadeira base teórica. Essa revolta também o faz viajar e conhecer vários lugares como a
Magna Grécia, Siracusa, Megara, Cirene, e (não confirmado plenamente) o Egito, escrevendo
suas primeiras obras. Depois retorna a Atenas onde funda a Academia, primeira escola de
pensamento ordenado da época, onde escreve mais diversas obras.

1
Vida e Obra. Em: PLATÃO, Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1999, pp. 5-27, p.5.
2
SCHIAPPA DE AZEVEDO, Maria Teresa. “Introdução, versão do grego e notas”. Em: PLATÃO, Fédon.
Brasília: Universidade de Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 2000, pp. 9-28, p. 9.
4

Com algumas viagens com intuitos políticos, Platão, em seus diálogos, começa o
afastamento da doutrina socrática e o desenvolvimento de sua própria doutrina, tendo sua base
na teoria das Ideias3 e uma certa influência pitagórica (cf. SCHIAPPA, p. 11). Com seus
malogros na política, Platão volta a desenvolver sua filosofia teórica, redigindo seus últimos
diálogos. Assim, em 348-347 a.C., Platão morre em Atenas.

3
Usa-se “Ideia” grafada em maiúsculo para se referir a teoria platônicas das Ideias subsistentes.
5

2. CONTEXTO LITERÁRIO

O Fédon, como se sabe atualmente, foi escrito pouco depois da primeira viagem de
Platão a Sicília e próximo a criação da Academia (cf. SCHIAPPA, p. 10). A obra apresenta o
diálogo de Fédon - um pitagórico e companheiro de Sócrates - e Equécrates - amigo e
simpatizante dos pitagóricos – narrando os últimos momentos de Sócrates, sendo que a obra é
um diálogo narrando um outro diálogo.
O local do diálogo é Fliunte, pequena cidade do Peloponeso que teria sido um antigo
centro ativo de pitagorismo, criado pelo próprio Pitágoras (cf. SCHIAPPA, p. 10). Isso explica
o fato que os temas, argumentos e questões levantadas no diálogo estão muitos ligadas ao
pitagorismo.
Na obra, Sócrates havia sido condenado, e deveria receber a pena imediatamente.
Porém, nos dias em que Sócrates foi preso, estava sendo comemorada a Festa de Delos, que
relembrava a aventura de Teseu. Todo ano, na mesma época, as pessoas enviavam um barco
com oferenda a Delos, cumprindo uma promessa a Apolo. Portanto, até a volta do barco eram
proibidas execuções, o que deu a Sócrates mais duas semanas de vida (cf. MONDIN, 1980, p.
290)4.
No dia no qual o barco retorna de Delos, Sócrates recebe a visita de sua mulher Xantipa
(cf. Fédon, 60) e de seus amigos, que conversam com ele uma última vez. Ressalta-se ainda a
ausência de Platão –que estava doente- a presença de Símias, Cebes e do próprio Fédon.
O diálogo é marcado pelos últimos momentos de vida do mestre, e por isso o tema se
volta a morte. Além da defesa da imortalidade, da forte referência pitagórica, como por
exemplo, as objeções de Cebes e Símias, tem-se ainda uma visão mitológica do mundo, como
a narração dos quatro oceanos, e por fim, as despedidas e últimas providências de Sócrates,
aquele que foi “o melhor homem que entre todos conhecemos, o mais sábio e o mais integro”
(Fédon, 118 a).
A obra pode ser dividida em duas partes quanto aos capítulos, com perfeita simetria,
cortadas por um pequeno intervalo. A primeira trata da alma e sua imortalidade e os argumento
oferecidos por Sócrates para explicar a sua teoria. Tem-se um intervalo, na qual Sócrates faz
uma analogia de suas palavras com o canto do cisne (cf. Fédon, 85 a). Na segunda parte, vem
as objeções de Símias e Cebes, a contraproposta de Sócrates, o mito e a morte de Sócrates.

4
Mondin, Battista. Introdução a filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo: Paulus,1980.
6

Quanto a divisão temática da obra se dá em três fazes. A primeira narra as anotações


biográficas da última conversa de Sócrates e seus amigos. A segunda se encarrega de tratar
especificamente da imortalidade da alma, suas provas, objeções e contraproposta. Por fim, a
terça fase temática trata de uma visão mitológica e uma das “mais belas criações dramáticas,
comparável, se não superior mesmo, a O Banquete” (SCHIAPPA, p. 14).
Quanto aos temas abordados, encontra-se a discussão dos temas pitagóricos da alma-
harmonia5, katharsis6, reminiscência7 e metempsicose8 (cf. SCHIAPPA, p. 12). E desses,
somente a alma-harmonia e a fraqueza na definição de alma dos pitagóricos são refutadas por
Platão.
Assim, tem-se uma visão ampla e dinâmica da vida de Platão, e em especial a construção
literária, fatores externos e a própria divisão temática e intrínseca do Fédon. Tem-se em conta
a grande importância dessa obra no desenvolvimento do pensamento platônico, seu valor
histórico-literário e a influência da obra em diversos pensadores posteriores (cf. SCHIAPPA,
p. 27).

5
Vide em 3.2
6
“Libertação da alma em relação ao corpo, no sentido de que a alma se separa ou se retira das atividades físicas e
realiza” (ABBAGAGNO, Dicionário de Filosofia. 5.ed. São Paulo: 2007, p. 120).
7
Vide em 3.1.2
8
Vide em 3.1.2
7

3. A IMORTALIDADE DA ALMA

O discurso se inicia com base nas dúvidas de Símias e Cebes, que discutem o futuro
próximo de Sócrates. Eles discutem o suicídio, a pertença aos deuses, adentrando ao tema da
imortalidade da alma.
Cebes, respondendo a uma indagação de Sócrates, vai ao cerne da questão, a
imortalidade da alma. Nesse cenário, Platão, por meio de Sócrates, dá três argumentos da
imortalidade. Símias e Cebes oferecem duas oposições. Por fim, Sócrates oferta uma
contraproposta. A grande questão presente no Fédon é a de dar provas da imortalidade da alma.
No total, são cinco provas oferecidas por Sócrates sobre a imortalidade da alma.

3.1 ARGUMENTOS DE SÓCRATES SOBRE A IMORTALIDADE

Com a questão iniciada por Cebes, Sócrates expõe a reencarnação, a reminiscência e a


simplicidade do ser da alma como argumentos para provar a imortalidade da alma. A obra
apresenta três argumentos iniciais, que são explicados e aprofundados por Sócrates. Porém,
deve-se considerar que a obra é um diálogo, portanto, “exige que as provas sejam consideradas
cada uma não como algo autônomo, mas como elemento único, desenvolvendo uma só prova”
(MONDIN, 1980, p. 299).

3.1.1 Reencarnação

O primeiro argumento levantado por Sócrates é a reencarnação. Considerando a ligação


dos opostos, Sócrates considera que as coisas surgem de seus opostos. Para demonstrar isso,
ele usa diversos exemplos, como a força-debilidade, rapidez-lentidão, entre outros. A isso ele
denomina princípio geral da geração, afirmando que “das coisas contrárias nascem as que lhes
são opostas” (Fédon, 71 b).
Disso, Sócrates afirma que a vida e a morte seguem esse princípio. Da morte nasce a
vida e vice-versa, uma vez que são contrárias, “de tudo que é morto, se origina tudo que é vivo”
(Fédon, 71 d). Considerando que dos mortos nascem os vivos, o Hades se faz necessário, como
um “lugar” para as almas até o regresso ao mundo dos vivos.
Partindo da via negativa, Sócrates afirma que sem a geração dos contrários o ciclo da
geração seria destruído. Ele afirma que as coisas são limitadas, e se tudo que morre não retorna,
o processo de geração cessaria. Vê-se isso claramente quando Sócrates questiona: “Se tudo que
8

recebeu vida necessita morrer, e estando morto continua no mesmo estado sem renascer, não
acabariam todas as coisas? ” (Fédon, 72 d).
Essa caraterística do pensamento cíclico e da oposição dos contrários é reflexo da
influência do pensamento de Heráclito em Platão. A teoria dos opostos, a imutabilidade das
Ideias, bem como a expressão grega “Gignesthai ek”, que simboliza o núcleo da teoria dos
opostos, provam essa influência 9.
O primeiro argumento, em suma, afirma que “há um retorno a vida, que os vivos nascem
dos mortos, que as almas dos mortos existem, que a sorte das boas almas é melhor e das más,
pior” (Fédon, 72 e). Com esse primeiro argumento, Sócrates aprofunda a questão da
imortalidade e fomenta o início da questão moral ou do julgamento das almas.

3.1.2 Reminiscência

Uma das questões fundamentais do pensamento platônico é a teoria da reminiscência.


Ela se refere, como Platão explica, ao conhecimento humano. A base dessa teoria se encontra
na metempsicose10 órfico-pitagórica (cf. MARTINS FILHO, 2004, p. 34)11.
A reminiscência, ou seja, esse recordar, deve ser de algo que foi aprendido
anteriormente. Portanto, a reminiscência não seria possível se “nossa alma não tenha existido
já em algum lugar antes de gerar-se na forma humana” (MONDIN, 1980, p. 297).
Para demonstrar tal teoria, Sócrates, partindo da igualdade e da bondade, demonstra a
existência das Ideias subsistentes, pois mesmo não sendo possível encontra-las no mundo
material, o homem é capaz de conhecer. Portanto, o conhecimento desses não vem dos sentidos,
mas do recordar-se. Disso, Sócrates afirma que:

Antes de termos começado a ver, ouvir e fazer uso dos nossos sentidos, é
necessário que tenhamos tido consciência dessa igualdade inteligível, para
compará-la com as coisas sensíveis, iguais e para ver que todas tendem a ser
semelhantes a essa igualdade e que são inferiores a ela (Fédon, 75 b).

Se o conhecimento é recordar-se, é necessário ter conhecido anteriormente. Então, como


não pode ser após a união da alma com o corpo, pois senão se usaria dos sentidos, o

9
Cf. SCHIAPPA, nota 28, p. 125. “A expressão gignesthai ek pode ter um sentido mais lato do que ‘nascer de’
(‘tornar-se’, ‘produzir-se a partir de’) ”.
10
“Crença na transmigração da alma de corpo em corpo” (ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia. 5.ed. São
Paulo: 2007, p. 668).
11
MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de história da filosofia. São Paulo: LTr, 2004.
9

conhecimento deve ser anterior a união com o corpo. Logo, “concluímos de tudo isso que antes
de nascermos nossa alma existe, assim como todas as ideias de que acabas de falar” (Fédon, 77
a).
Assim, se é necessário que a existência da alma anteceda a existência do corpo, afirma-
se a eternidade da alma, no sentido de provar sua existência antes do corpo. Com esse
argumento, Sócrates prova a existência da alma antes do corpo, parte do argumento da
imortalidade. A existência do mundo das Ideias é essencial para provar a imortalidade da alma
para Platão.

3.1.3 Simplicidade do ser da alma

No terceiro argumento de defesa da imortalidade da alma, Sócrates afirma que “as coisas
compostas, ou as que são de natureza de sê-lo, que devem desfazer-se nos elementos
componentes” (Fédon, 78 c). Considerando que o comportamento das coisas compostas é
variado, devido a tensão entre seus componentes, estes são levados a desfazer-se, disso,
Sócrates pergunta a Cebes:

-E todas as outras coisas- prosseguiu Sócrates- homens, cavalos roupas,


móveis e tantas outras da mesma natureza permanecem invariáveis ou são
totalmente opostas as primeiras [as Ideias], por que não se mantêm em
circunstância alguma, nem em relação a si mesmas nem em relação as demais?
-Nem se mantém as mesmas nem se comportam da mesma forma- respondeu
Cebes (Fédon, 78 e).

As coisas simples, entretanto, têm um comportamento único, e não possuem a tensão


que os leva a destruição.
Partindo da subsistência das Ideias, que são imutáveis e simples, Sócrates faz a ligação
entre o visível e mutável, e o invisível e imutável. O homem, também presente no mundo e
possuinte de dois componentes, o corpo e a alma, tem em si o invisível e o visível. O corpo,
“salta aos olhos de qualquer um- disse- é com a espécie visível” (Fédon, 79 b), afirma Cebes.
A alma, por sua vez, “aos olhos dos homens, pelo menos, não é visível” (Fédon, 79 b).
O corpo, está voltado ao que é sensível, material. A alma, por usa vez, está ligada as
Ideias e ao invisível. Observa-se, portanto, que a alma tem a mesma natureza das Ideias, por
isso é invisível e imutável. O corpo, no entanto, está ligado ao visível, por isso, ao mutável e
sujeito aos erros dos sentidos.
10

Essa relação leva a afirmar “ que a alma se assemelha ao divino, e ao corpo o que é
mortal” (Fédon, 80 a). Portanto, “quando a alma e corpo permanecem juntos, a natureza ordena
a um deles que obedeça e seja escravo e à outra, que exerça o domínio e mande” (Fédon, 80 a).
Por esse motivo, Sócrates afirma que a alma tem a missão de mandar e dominar sobre o corpo.
Todas essas conclusões levam a Sócrates afirmar a ligação da alma com o imutável, e o
corpo com o mutável:

Nossa alma é muito parecida com o divino, imortal, inteligível, simples


indissolúvel, sempre igual a si mesma, e que nosso corpo se parece
perfeitamente com o que humano, mortal, sensível, composto, solúvel, sempre
mutável e nunca semelhante a si mesmo (Fédon, 80 b).

Considerando a morte, Sócrates afirma que com a decomposição do corpo, “a alma, este
ser invisível, que vai para um lugar análogo a ela, excelente, puro, invisível, ou seja, o país de
Hades12, para junto do deus repleto de bondade e sabedoria” (Fédon, 80 d). Aqui Sócrates
afirma a imortalidade da alma, tendo como base sua simplicidade e sua igualdade ao invisível.
Vê-se novamente a entrada da metempsicose, ressaltada no segundo argumento, na qual
Platão faz uma consideração dos destinos das almas, sendo julgadas segundo suas ações
praticadas em vida, afirmando que “os mais ditosos são aqueles cujas as almas vão para os
lugares mais agradáveis” (Fédon, 82 b) e os que “são os perversos que são obrigados a vagar
por esses lugares onde pagam a pena de sua primeira existência, que foi má” (Fédon, 81 e).
Nesse argumento, Sócrates afirma que a filosofia consiste “na alma estar recolhida em
si mesma, em meditação, ou seja, filosofando e aprendendo a morrer” (Fédon, 83 c). A morte
não deve aterrorizar ao filósofo, pois esse se dedicou a purificar-se do corpo, e não teme o
eterno mundo pós-morte, mas anseia por sua libertação.

3.2 REFUTAÇÃO DE SÍMIAS E CEBES

Símias e Cebes propõem seus pensamentos. Ambos consideram que as provas de


Sócrates explicam bem o “antes” da encarnação, mas não o depois. Portanto, eles aceitam a
prova da reminiscência, mas negam a efetividade da teoria dos opostos ou da simplicidade da
alma.
A refutação de Símias se baseia na doutrina pitagórica da alma-harmonia, que
considerava a alma como a harmonia do corpo. Esse é a única doutrina pitagórica rejeitada

12
Hades, “ou seja, o lugar onde as concepções escatológicas tradicionais situavam as almas dos mortos”
(SCHIAPPA, nota 43, p. 129).
11

explicitamente. “Platão viu, com razão, que o principal ponto fraco do pitagorismo se assentava
numa imperfeita definição de alma, suscetível de abrir-se a interpretações mais ou menos
‘materialistas’ e contraditórias à noção de imortalidade” (SCHIAPPA, p. 13).
A proposta de Símias, considerando a alma-harmonia, usa o exemplo de uma lira. Suas
cordas materiais tem uma harmonia, que é imaterial. Se as cordas são arrebentadas, a harmonia
se destrói:

Sim, não é possível, (diria) que, uma vez que despedaçadas as cordas, os
elementos mortais, que são a lira e as próprias cordas, subsistissem ainda,
enquanto a harmonia, o elemento aparentado ao que é divino e imortal, e da
mesma substância que ele, se quedasse de pronto aniquilada, perecendo antes
daqueles (Fédon, 86 a-b).

Assim, seria o corpo, a parte material, e sua harmonia seria a alma, que seria destruída
caso o corpo morresse. Se a alma é criada pelos opostos, deveria morrer se estes fossem
destruídos.
Já a objeção de Cebes afirmava que a alma, por ser divina, deveria durar mais que o
corpo. Isso, ele demonstra com o exemplo do tecelão e da roupa. O homem é mais durável que
a roupa, mas pode morrer antes que sua última roupa seja destruída (cf. Fédon, 87 c).
Ele afirma, portanto, que a “alma como ser muito durável e que o corpo é mais débil e
de menor duração” (Fédon, 88 a). Assim, a alma iria se desgastando, e depois de vagar por
vários corpos, desapareceria. Por mais que afirme a maior duração da alma, e afirmando a teoria
da metempsicose, Cebes não aceita a imortalidade total da alma.
Depois de tais observações, Sócrates, usando seu método de diálogo, confirma o
entendimento do pensamento exposto por seus amigos, e começa a desenvolver a sua resposta
a essas objeções. Tais objeções mostram a entrada da estrutura de escrita platônica, bem como
a refutação de ideias predominantes na época.

3.3 CONTRAPROPOSTA DE SÓCRATES

Antes de responder as objeções de Símias e Cebes, Sócrates começa a desenvolver um


breve discurso, ressaltando o fato que “o maior mal de todos é detestar a razão” (Fédon, 89 d).
Após, confirma quais são os argumentos que Símias e Cebes não aceitam, “e quanto aos
argumentos precedentes, vós os rejeitais em bloco ou apenas uns e outros não? –Apenas uns-
responderam ambos” (Fédon, 91 e). Porém, ambos estão de acordo com a prova reminiscência
(cf. Fédon 92 a).
12

Em resposta a objeção de Símias, que considerava a alma-harmonia, Sócrates, como


primeira via, demonstra que o composto não pode existir antes de suas partes (cf. Fédon, 92 b).
Assim, Sócrates afirma que “a alma não é como a harmonia a que a comparas, mas é evidente
que a lira, as cordas, os sons discordantes, são anteriores à harmonia, que é o resultado dessas
coisas e morre antes delas” (Fédon, 92 c).
Se Símias considera a alma como a harmonia, deveria negar a reminiscência, como
Sócrates o adverte:

Se persistires que a alma nessa convicção de que a harmonia é algo de


compósito, e a nossa alma, uma harmonia resultante de elementos do corpo
em tensão, decerto não aceitarás, nem dito por ti mesmo, que, sendo a
harmonia de algo compósito, possa algum dia ter existido antes desses
mesmos elementos que a deverão constituir (Fédon, 92 a-b).

A segunda via de contraproposta é quanto aos graus de uma harmonia. A harmonia pode
possuir diversos graus, por ser de um composto formado de elementos mais ou menos de
acordo, como explicito na fala de Sócrates, “pergunto se, segundo os elementos que a compõe
estejam mais ou menos de acordo, não existe mais ou menos harmonia? ” (Fédon, 93 a).
A alma, no entanto, não tem graus, e não admite a desarmonia, “a alma não pode ser
mais ou menos alma que outra” (Fédon, 93 b). Essa, é prova que a alma não é uma harmonia.
Pois, a alma “dirige e governa as coisas que pretende ser composta, resiste a elas no decorrer
de quase toda sua existência” (Fédon, 94 d) enquanto a harmonia “nada realiza ou sofre, creio,
fora daquilo que realizem ou sofram os ditos elementos” (Fédon, 93 a).
Após responder a Símias, Sócrates chega as objeções de Cebes. Para responde-las
mostra o seu caminho pessoal de busca da Verdade: “começo, pois, se assim desejares, por
referir a minha experiência pessoal nesse campo” (Fédon, 96 a). Ele demonstra todo esse
caminho para demonstrar a necessidade da teoria das Ideias subsistentes, e confirmar a doutrina
a Cebes.
Com as Ideias de Bondade, Beleza e Grandeza, Sócrates faz a demonstração da
participação: “parece-me que se existe alguma coisa bela, além do belo em si, não pode ser belo
a não ser por que participa do próprio Belo” (Fédon, 100 c). Continua, em outro trecho: “afirmo
que o Belo é que torna belas todas aquelas coisas que o são” (Fédon, 100 d). Tanto com relação
a teoria das Ideias, como a noção de participação, Cebes está de acordo, o que é essencial para
os argumentos da imortalidade da alma usados por Platão.
13

Sócrates, então, ressalta o fato que os contrários podem se transformar em seus opostos,
“pois a grandeza cede seu lugar quando vê aparecer sua contrária, que é a pequenez, ou morre
totalmente, mas nunca pode ser outra coisa que não aquilo que é” (Fédon, 102 d-e).
Para esclarecer essa afirmação, usa-se da analogia com a grandeza de um homem ser
grande diante de um, e pequeno diante de outro (cf. Fédon, 102 c). Porém, ressalta, que as Ideias
não podem se transformar em outra, porque não se originam pelo processo dos opostos. Quando
seu contrário aparece elas se retiram. “Nenhum dos dois contrários, apesar de serem o que são,
podem se converter em seu oposto, mas ou se afastam ou se destroem quando o outro chega”
(Fédon, 103 a).
Exemplificando essa afirmação, Sócrates, demonstra que “o quente é algo diverso do
fogo, tal como o frio da neve” (Fédon, 103 d). O contrário do frio é o calor, mas o mesmo não
se dá entre a neve e o fogo. Se o fogo se aproxima à neve, esta logo se retira, não existindo
mais. A neve, por participar do frio, não pode se aproximar do fogo, que participa do calor, “[a
neve] bem pelo contrário quando o quente avança em sua direção, ou bate em retirada ou deixará
de existir” (Fédon, 103 d).
Considerando o fato que as Ideias também se englobam uma a outra, como a Ideia de
três que participa da Ideia do ímpar. Tudo que participa da Ideia do par é excluído pela ideia do
três. Isso, porque “é impossível que a Ideia contrária a que o constitui se aproxime dela em
tempo algum” (Fédon, 104 d).
Chegando ao cerne da questão, Sócrates e Cebes afirmam que a alma é o que dá vida,
ou seja, a vida participa e relaciona com a Ideia da vida. “Ora, responda: o que manifesta num
corpo que o faz estar vivo? -Decerto, a alma” (Fédon, 105 c). Pelo fato de portar a vida, a alma
“jamais aceitará o contrário daquilo que traz consigo” (Fédon, 105 d), isto é, a morte. Aqui, vê-
se que quando a morte se aproxima, a alma não pode participar dela, uma vez que já participa
de seu contrário.
O que não se relaciona, ou participa, da morte é imortal. Por isso, a alma é imortal e
indestrutível, não se corrompe, e não pode morrer. Disso, Sócrates afirma que “se o imortal é
indestrutível, a alma não pode ser destruída quando a morte se aproxima” (Fédon, 106 c-d).
Sendo assim, “quando a morte sobrevém ao homem, é a sua parte mortal, ao que aparece, que
morre, a outra, imortal, subtrai-se à morte e escapa-se a salvo, isenta de destruição” (Fédon,
106 e). Por fim, Sócrates afirma que “é um fato que as nossas almas irão para o Hades” (Fédon,
107 a).
14

A contraproposta se encerra com a admoestação de Sócrates a cuidado da alma, uma


vez que é imortal. As essas observações e a todos os argumentos propostos acima, Símias e
Cebes admitem as explicações e objeções, terminando o discurso sobre a imortalidade da alma.
15

4. CONCLUSÃO

Por fim, ressalta-se que a intenção de Platão era de oferecer uma base filosófica para a
questão da imortalidade, não se baseando somente na religião ou no mito. Ele via a necessidade
de criar uma resposta metafísica a essa teoria. Tem-se em consideração, no entanto, que em
Platão, a filosofia se encontra permeada de mitos, e esses são considerados também na sua
filosofia.
Porém, mesmo com o esforço empregado, a obra se mostra muito unida a mitologia.
Faz-se referência a “antiga tradição” (cf. Fédon, 107 d), que consiste nos mitos dos gregos do
mundo pós-morte. A última parte do diálogo, antes de narrar a morte de Sócrates, revela a visão
mitológica de Sócrates sobre a Terra, afirmando que “em muitas partes ao redor da Terra existe
um grande número de cavidades” (Fédon, 109 b) e que “nós habitamos essas cavidades, embora
não o percebamos, acreditando habitar a superfície exterior da Terra” (Fédon, 109 c).
Isso mostra que Platão consegue dar uma base segundo sua filosofia à imortalidade da
alma. Porém, não se distancia dos mitos, e vê a necessidade de inclui-los no fim de seu diálogo
como forma dar mais peso as suas afirmações. O mito se torna a confirmação de seus
pensamentos.
O desenvolvimento de todas os argumentos usados por Platão, estão ligados às Ideias
subsistentes. Para seus argumentos, a crença na existência do Mundo das Ideias é essencial. Por
isso, os argumentos estabelecidos por Platão não servem, atualmente, para convencer alguém
sobre a imortalidade da alma.
Por outro lado, com o desenvolvimento de seu pensamento, se inicia a discussão da
imortalidade da alma, envolvendo diversos pensadores posteriores. Isso fez com que outros
filósofos explorassem outros argumentos e oferecessem provas válidas à imortalidade da alma,
como São Tomás, na Suma contra os Gentios, livro II, capítulo 79, 9. Assim, vê-se a relevância
da questão levantada por Platão.
16

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de história da filosofia. 3 ed. São
Paulo: LTr, 2004.

MONDIN, Battista. Introdução a filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. São Paulo:
Paulus, 1980.

NETO, Willibaldo Ruppenthal. A pessoa e sua alma: A concepção de alma em Tomás de


Aquino com crítica ao dualismo platônico. Revista Batista Pioneira, Vol. 7, n. 1. Junho, 2018.

Vida e Obra. Em: PLATÃO, Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1999, pp. 5-27.

SCHIAPPA DE AZEVEDO, Maria Teresa. “Introdução, versão do grego e notas”. Em:


PLATÃO, Fédon. Brasília: Universidade de Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 2000, pp. 9-
28 e 111-144.

PLATÃO, Fédon. Brasília: Universidade de Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 2000.

PLATON, Obras Completas. Madrid: 2 ed. Aguilar, 1974.

TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma contra os Gentios, livro 2. São Paulo: Edições Loyola,
2015.

Você também pode gostar