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TEMAS

ESPECIAIS PARA DEFENSORIA


PÚBLICA ESTADUAL

DIREITOS HUMANOS

Tutela dos direitos humanos dos grupos vulneráveis pela


defensoria pública

1. Introdução

Primeiramente, deve-se observar alguns conceitos e noções básicas sobre os direitos


humanos. Sendo estes abrangentes, é importante delimitar alguns nortes valorativos
para que se consiga transitar em todos os assuntos pertinentes à matéria. Quando se
pensa em direitos humanos, deve-se associá-los aos valores e direitos inerentes à
própria condição humana. Somente pelo fato de ser humano, a pessoa é dotada de
direitos e valores indissociáveis.

2. Conceito

Os direitos humanos são inerentes à condição humana da pessoa, enquanto ser dotado
de razão, liberdade, dignidade e de igualdade. Decorrem da mera existência da pessoa
e englobam todos os aspectos essenciais e indispensáveis a uma vida digna.

Tal inerência está relacionada ao direito natural; porquanto, parte-se de um conceito


naturalista para que se observe quais são os direitos pertencentes a uma pessoa
somente pelo fato de existir. Quando se reconhece que toda pessoa ou ser humano é
dotado de razão, liberdade, dignidade e igualdade, começa-se a construir, de uma forma
mais racional e positivista, uma delimitação a partir da qual seria possível construir os

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direitos humanos.

Cumpre ressaltar que são titulares desses direitos toda e qualquer pessoa somente pelo
fato de existir, ou seja, decorrem da mera existência da pessoa. Pessoa é todo ser
humano, e essa premissa é importantíssima para a afirmação dos direitos humanos,
visto que, na história, por exemplo, na época da Segunda Guerra Mundial, judeus,
negros e homossexuais não eram considerados pessoas.

Os direitos humanos são vastos e abrangem todos os aspectos essenciais para que a
pessoa tenha uma vida autônoma e que sua dignidade seja respeitada. Todos os
direitos, valores e aspectos necessários para a promoção e efetividade para essa vida
digna são direitos humanos.

3. Dignidade da pessoa humana enquanto vetor


interpretativo

A dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º,


III, da Constituição Federal de 1988 − CF/1988), norteia não somente a disciplina de
direitos humanos, mas grande parte do ordenamento jurídico e das demais disciplinas
que sofrem influxos do direito constitucional e dos direitos humanos. A dignidade da
pessoa humana é um valor essencial para a concretização e efetividade de qualquer
ordenamento jurídico.

Quando se pensa em dignidade da pessoa humana, há alguns valores filosóficos


importantes para a construção do alicerce conceitual de dignidade da pessoa humana;
tal visão é baseada, principalmente, nas ideias de Immanuel Kant, sobretudo em sua
obra a respeito da fundamentação da metafísica dos costumes.

Uma lição importante trazida por Kant foi a distinção entre coisas e pessoas, que forma
o cerne para a construção do conceito de dignidade da pessoa humana. Kant, em sua
obra da fundamentação da metafísica, diz que pessoas não podem ser comparadas a
coisas, porquanto as coisas possuem um preço, um equivalente, e são instrumentos
para se alcançar determinado fim, ou seja, utilizam-se coisas para alcançar outra
finalidade qualquer. As pessoas, por sua vez, não possuem equivalente ou preço, antes
dignidade; dessa forma, as pessoas são um fim em si, não se devendo utilizar uma
pessoa pra alcançar determinado fim.

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Atenção!

Toda vez que se utiliza uma pessoa para uma determinada finalidade,
seja ela quem for, acaba-se por instrumentalizar-se a pessoa, violando-se,
portanto, o valor inerente à pessoa humana; isso diferencia a pessoa de
todas as demais coisas e objetos do mundo.

A dignidade da pessoa humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser


humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem
como assegura condições materiais mínimas para uma vida digna. No ordenamento
jurídico brasileiro, há diversas previsões e menções da dignidade da pessoa humana na
CF/1988, tal como os arts. 1º, III (já referido), 170, caput, 226, § 7º, e 230. Ademais, é
previsto em documentos internacionais como o DUDH (Declaração Universal dos
Direitos Humanos), art. 1º; CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos), arts.
5º, 6º e 11.

A dignidade da pessoa humana pode expressar diversas funções dentro do


ordenamento jurídico, e algumas delas são decorrentes da doutrina especializada:

a) Função hermenêutica: a dignidade da pessoa humana é o vetor axiológico dos


ordenamentos jurídicos sociais democráticos. Pode-se entender “vetor axiológico” como
um centro valorativo do qual decorrem todos os valores, no qual se interpretam todas
as demais normas inerentes ao ordenamento jurídico.
b) Diretriz para a ponderação: confere mais peso aos bens jurídicos e direitos que
promoção à dignidade da pessoa humana. Hoje, percebe-se uma utilização delicada do
princípio da proporcionalidade e outros princípios que demandam margem de
manipulação maior; nesses casos, a dignidade da pessoa humana é essencial para
conferir uma ponderação que atenda à dignidade das pessoas, ou seja, os fundamentos
da dignidade da pessoa humana devem ter mais peso em determinadas questões,
ponderações e conflitos no nosso ordenamento jurídico.
c) Controle de validade de atos (eficácia negativa): são inválidos os atos estatais e
privados que ofendam a dignidade humana. Um ato ou um negócio jurídico praticado
em violação à dignidade da pessoa humana passa a ser contrário ao ordenamento
jurídico, com o condão de invalidar atos praticados pelo Estado ou particulares que
violem a dignidade da pessoa.
d) Fonte de novos direitos (eficácia positiva): visa preencher lacunas e
incompletudes dos ordenamentos a fim de proteger a dignidade humana. Nesse caso, é

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possível que surjam novos direitos com base na dignidade da pessoa humana.

Assim, na busca pela tutela dos direitos das pessoas vulneráveis, a Defensoria deverá
utilizar-se da dignidade da pessoa humana em suas várias funções: função
hermenêutica, diretriz para a ponderação, controle de validade de atos (eficácia
negativa) e fonte de direitos (eficácia positiva).

4. Grupos vulneráveis

Assim, é importante ter em mente que todo ser humano é titular de direitos pela sua
simples condição. Ocorre que, dentre os seres humanos, existem determinados grupos
mais expostos ou vulneráveis, revelando-se alguns como hipervulneráveis.

Nos termos do art. 134 da CF/1988, à Defensoria cabe a promoção dos direitos
humanos e a consequente defesa dos “necessitados”.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais
e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV
do art. 5º desta Constituição Federal. (Grifos nossos.)

A doutrina e a jurisprudência pátrios são assentes ao entender de forma ampla a


expressão “necessitados”, englobando pessoas e grupos de pessoas vulneráveis do
ponto de vista não só econômico (pessoas desprovidas de condições financeiras
suficientes a uma existência digna), mas também jurídica (pessoas sem acesso a um
advogado, sem meios de manejo judicial ou extrajudicial, sem as prerrogativas que a
Defensoria possui e que podem ser úteis à defesa de um seu direito), técnica
(consumidores frente a grandes empresas), biológica (crianças enquanto pessoas em
desenvolvimento, idosos enquanto pessoas fragilizadas e deficientes, enquanto pessoas
com necessidades especiais) etc.

Pode ocorrer de determinada pessoa se enquadrar em mais de um grupo,


potencializando, assim, a sua vulnerabilidade; por isso usa-se a denominação
hipervulnerabilidade, a exemplo de uma criança com deficiência mental, que requer
cuidados acima dos normalmente requeridos por uma criança não portadora de
necessidades especiais. A Defensoria Pública desempenha um papel essencial na defesa

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e proteção de interesses desses grupos.

Percebe-se, dessa forma, como são amplos os aspectos para a proteção dos direitos
humanos, e observa-se a importância da dignidade da pessoa humana para que se
consiga visualizar os direitos humanos. Como dito, há uma vasta gama de direitos
inerentes às pessoas; pode-se citar como exemplo os seguintes:

a) direito à saúde;
b) direito à integridade física e mental;
c) direito à liberdade;
d) direito à igualdade;
e) direito à segurança, entre outros.

Essa lista não é taxativa, porquanto todos os direitos e valores que forem essenciais
para a concretização da dignidade humana, e restarem inerentes às pessoas, são
considerados como direitos humanos. Ao longo do tempo, foram utilizadas diversas
nomenclaturas e, ao se observar alguns documentos internacionais, há diversas formas
de nomear os direitos humanos, sempre se referindo aos valores e direitos essenciais.

Um bom exemplo de vulnerabilidade ou hipervulnerabilidade técnica é o caso do


consumidor, que desconhece o processo de feitura de determinado produto alimentício,
especialmente se ele contém ou não glúten, substância prejudicial a determinadas
pessoas portadoras da chamada doença celíaca. Assim, diante do dever de informação,
as empresas deverão estampar de forma facilmente visível a mensagem: “Contém
glúten. O glúten é prejudicial à saúde de pessoas portadoras de doença celíaca”.

Nessa senda, a Defensoria Pública, enquanto legitimada à propositura de uma ação


civil pública, de acordo com o art. 5º, II, da Lei nº 7.347/1985, poderá ingressar com
essa ação objetivando a tutela dos direitos do grupo de consumidores (vulneráveis),
bem como dos consumidores portadores de doença celíaca (hipervulneráveis). Veja-se
recente julgado pelo STJ, de 2017, que, por ser extremamente didático, merece ser lido
em sua íntegra:

PROCESSO CIVIL. PROCESSO COLETIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO


COLETIVA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER DE INFORMAR. ROTULAGEM DE
PRODUTOS ALIMENTÍCIOS. PRESENÇA DE GLÚTEN. PREJUÍZOS À SAÚDE DOS
DOENTES CELÍACOS. INSUFICIÊNCIA DA INFORMAÇÃO-CONTEÚDO “CONTÉM
GLÚTEN”. NECESSIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO COM A INFORMAÇÃO-
ADVERTÊNCIA SOBRE OS RISCOS DO GLÚTEN À SAÚDE DOS DOENTES CELÍACOS.

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INTEGRAÇÃO ENTRE A LEI DO GLÚTEN (LEI ESPECIAL) E O CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR (LEI GERAL). 1. Cuida-se de divergência entre dois julgados desta
Corte: o acórdão embargado da Terceira Turma que entendeu ser suficiente a
informação “contém glúten” ou “não contém glúten”, para alertar os consumidores
celíacos afetados pela referida proteína; e o paradigma da Segunda Turma, que
entendeu não ser suficiente a informação "contém glúten", a qual deve ser
complementada com a advertência sobre o prejuízo do glúten à saúde dos doentes
celíacos. 2. O CDC traz, entre os direitos básicos do consumidor, a “informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos
que apresentam” (art. 6º, inciso III). 3. Ainda de acordo com o CDC, “a oferta e a
apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras,
precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros
dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores” (art. 31). 4. O art. 1º da Lei 10.674/2003 (Lei do Glúten) estabelece que
os alimentos industrializados devem trazer em seu rótulo e bula, conforme o caso, a
informação “não contém glúten” ou “contém glúten”, isso é, apenas a informação-
conteúdo. Entretanto, a superveniência da Lei 10.674/2003 não esvazia o comando do
art. 31, caput, do CDC (Lei 8.078/1990), que determina que o fornecedor de produtos
ou serviços deve informar "sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores", ou seja, a informação-advertência. 5. Para que a informação seja
correta, clara e precisa, torna-se necessária a integração entre a Lei do Glúten (lei
especial) e o CDC (lei geral), pois, no fornecimento de alimentos e medicamentos, ainda
mais a consumidores hipervulneráveis, não se pode contentar com o standard mínimo,
e sim com o standard mais completo possível. 6. O fornecedor de alimentos deve
complementar a informação-conteúdo “contém glúten” com a informação-advertência
de que o glúten é prejudicial à saúde dos consumidores com doença celíaca. Embargos
de divergência providos para prevalecer a tese do acórdão paradigma no sentido de
que a informação-conteúdo “contém glúten” é, por si só, insuficiente para informar os
consumidores sobre o prejuízo que o alimento com glúten acarreta à saúde dos doentes
celíacos, tornando-se necessária a integração com a informação-advertência correta,
clara, precisa, ostensiva e em vernáculo: “CONTÉM GLÚTEN: O GLÚTEN É
PREJUDICIAL À SAÚDE DOS DOENTES CELÍACOS” (EREsp. nº 1.515.895/MS, rel.
Min. Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 20.09.2017, DJe 27.09.2017).

Outro grupo que merece atenção especial são as mulheres vítimas de violência
doméstica, tuteladas por meio da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. Os casos de
violência doméstica deixam claro que a vulnerabilidade não diz respeito diretamente à

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situação econômica da pessoa. Um exemplo foi a procuradora da AGU (Advocacia Geral
da União) que foi agredida por seu namorado, mesmo ganhando mais do que ele e
tendo autonomia financeira. Isso revela que a vulnerabilidade da mulher vítima de
violência doméstica diz respeito à sua condição biológica, compleição física mais
delicada que a do homem, regra geral, restando essa vulnerabilidade presumida pela
legislação em vigor.

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS


CORPUS. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 129, § 9º, DO CP.
COMPETÊNCIA DA VARA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EX-NAMORADO, COM FILHA
COMUM. RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. INCIDÊNCIA DA LEI 11.340/06.
REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. INADMISSIBILIDADE PELA VIA DO HABEAS
CORPUS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Considerando que restou consignado na origem que o


recorrente e a vítima mantiveram relacionamento afetivo,
tendo, inclusive, uma filha em comum, com menos de um ano de
idade, a agressão à ex-namorada configura crime de violência
doméstica abrangido pela Lei Maria da Penha. (...) 4. A mulher
possui na Lei Maria da Penha a proteção acolhida pelo
país em direito convencional de proteção ao gênero, que
independe da demonstração de concreta fragilidade,
física, emocional ou financeira (...) (AgRg no RHC nº
74.107/SP, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado
em 15.09.2016, DJe 26.09.2016 − grifos nossos).

Veja-se mais um julgado que expressamente refere a


vulnerabilidade presumida da mulher:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO


NO RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA SOFRIDA PELA VÍTIMA. EXAME
DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA nº 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. (...) 2.
Tratando-se de proteção legal em razão da condição de mulher em relação
familiar, de afeto ou de coabitação, dispensável é na Lei nº 11.340/06 a
constatação concreta de vulnerabilidade (física, financeira ou social) da vítima
ante o agressor (...) (AgRg nos EDcl no REsp. nº 1.720.536/SP, rel. Min. Nefi
Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 04.09.2018, DJe 12.09.2018).

Por fim, podemos nos referir ainda aos idosos, vulneráveis

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frente aos planos de saúde. Existem inúmeras frentes de
atuação da Defensoria Pública na tutela de seus direitos, em
casos de abusividade de cláusulas contratuais, fornecimento de
medicamentos, maus tratos etc.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS DE ACOMPANHANTE.


PACIENTE IDOSO. CUSTEIO. RESPONSABILIDADE. PLANO DE SAÚDE. ESTATUTO
DO IDOSO. NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA. RESOLUÇÃO NORMATIVA. AGÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER
PROTELATÓRIO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. MULTA. AFASTAMENTO. 1. Recurso especial
interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015
(Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir a
quem compete o custeio das despesas do acompanhante de paciente idoso no caso de
internação hospitalar. 3. O artigo 16 do Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/2003 –
estabelece que ao paciente idoso que estiver internado ou em observação é assegurado
o direito a um acompanhante, em tempo integral, a critério do médico. 4. A Lei dos
Planos – Lei nº 9.656/1998 – é anterior ao Estatuto do Idoso e obriga os planos de saúde
a custear as despesas de acompanhante para pacientes menores de 18 (dezoito) anos.
5. Diante da obrigação criada pelo Estatuto do Idoso e da inexistência de regra acerca
do custeio das despesas de acompanhante de paciente idoso usuário de plano de saúde,
a Agência Nacional de Saúde Suplementar definiu, por meio de resoluções normativas,
que cabe aos planos de saúde o custeio das despesas referentes ao acompanhante do
paciente idoso. 6. O Estatuto do Idoso é norma de ordem pública e de aplicação
imediata, devendo incidir inclusive sobre contratos firmados antes de sua vigência.
Precedente. 7. Na hipótese em que os embargos de declaração objetivam prequestionar
a tese para a interposição do recurso especial, deve ser afastada a multa do art. 1.026
do CPC/2015, com base na aplicação da Súmula nº 98/STJ. 8. Recurso especial
conhecido e provido (REsp. nº 1.793.840/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
Terceira Turma, julgado em 05.11.2019, DJe 08.11.2019).

5. Proteção à mulher, à criança e ao idoso no âmbito


internacional

Em relação ao tema, a primeira convenção e a mais importante


que precisa ser destacada é a Convenção Internacional para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher (1979).

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A doutrina costuma fazer algumas observações sobre essa
convenção. A primeira delas é que o texto tem algumas lacunas,
deixando, assim, de se referir a alguns direitos importantes, por
exemplo, a proibição de segregação em razão do gênero,
propaganda sexista, violência familiar. Esses temas não são
abordados na Convenção, mas são lacunas importantes sobre os
quais a convenção nada falou. Apesar disso, trata-se da
Convenção de Direitos Humanos que mais recebeu reservas,
pois muitos países, como os Estados Islâmicos, não aceitaram
essa premissa, da igualdade entre homens e mulheres.

A Convenção para a Eliminação da Discriminação Contra a


Mulher prevê a criação de um comitê dos direitos da mulher, e
esse comitê tem competência para receber relatórios estatais.
Dessa forma, os Estados que ratificam ou aderem a essa
convenção têm obrigação de apresentar relatórios periódicos
informando as medidas legislativas, judiciais e administrativas
tomadas para fazer cumprir a convenção.

Posteriormente, em 1999, foi adotado o protocolo facultativo


que previu a competência do comitê para examinar, além dos
relatórios estatais, petições particulares e realizar
investigações, ou seja, com base no protocolo facultativo, as
vítimas podem se dirigir ao comitê e propor uma demanda em
face do Estado, informando a violação, o descumprimento das
obrigações previstas na convenção. O comitê analisará essa
petição, ouvirá o Estado e emitirá um relatório, um parecer,
sobre aquela petição. Há uma regra nessa Convenção que se
repete, que é a seguinte:

CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE


DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (1979): Art. 4º – 1. A adoção pelos Estados-
partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de
fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida
nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a
manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os
objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

Esse artigo trata de ações afirmativas, ou seja, adoção de

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medidas temporárias para fazer cessar a desigualdade. Essas
ações afirmativas, elencadas nos dispositivos, são basicamente
duas coisas: elas não implicam discriminação vedada pela
Convenção e devem ser de caráter temporário.

A questão que não configura discriminação vedada é que a


doutrina de direitos humanos costuma fazer uma distinção entre
discrimination against x discrimination between.
Discrimination against significa uma discriminação odiosa, que
leva à supressão de direitos. Por sua vez, a discrimination
between significa uma discriminação que fortalece os direitos
de um grupo vulnerável. Desse modo, apenas a discrimination
against viola o princípio da igualdade, e a discrimination
between o fortalece em sua acepção material de tratar os
desiguais de maneira desigual, na medida de suas
desigualdades para que eles tenham igualdade de
oportunidades. Logo, o objetivo da convenção é que homens e
mulheres tenham igualdade de oportunidades.

As convenções do chamado sistema especial, geralmente, têm a


previsão de ações afirmativas. Temos, por exemplo, o sistema
internacional de proteção dos direitos humanos. Esse sistema é
composto por dois grandes sistemas: sistema global e os
sistemas regionais.

O sistema global se divide em uma parte geral e uma parte


especial. A parte geral é composta por três instrumentos:
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Em
contrapartida, a parte especial é composta por várias
convenções, como por exemplo, Convenção contra o Genocídio,
Convenção Contra a Discriminação Racial, Convenção Contra a
Discriminação contra a mulher, Convenção sobre os Direitos da
Criança, Convenção sobre as Pessoas com Deficiência,
Convenção sobre os Trabalhadores Migrantes e suas famílias
etc. Para completar, nos sistemas regionais há o sistema
europeu, sistema interamericano e o sistema africano.

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O sistema geral trata o ser humano na sua generalidade, isto é,
o ser humano visto apenas como ser humano sem considerar
suas peculiaridades, os grupos vulneráveis, as minorias etc. No
caso do sistema especial, considera-se os seres humanos nas
suas peculiaridades e suas vulnerabilidades. Assim, nesse
sistema há mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência,
trabalhadores migrantes, pessoas negras etc.

Desse modo, dentro do sistema especial, justamente porque as


convenções estão ali inseridas e cuidam desses grupos
vulneráveis, é muito comum a previsão de ações afirmativas, ou
seja, de medidas temporárias que visem conferir igualdades e
oportunidades aos grupos. Em referência a esse art. 11 da
Convenção Contra a Discriminação para repressão desse tipo de
discriminação, tem-se o objetivo de criar ações afirmativas.
Ainda sobre a proteção do direito das mulheres, há a Convenção
sobre o tráfico de pessoas.

PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO DA ONU CONTRA O CRIME ORGANIZADO


TRANSNACIONAL RELATIVO À PREVENÇÃO, REPRESSÃO E PUNIÇÃO DO TRÁFICO
DE PESSOAS, EM ESPECIAL MULHERES E CRIANÇAS (2000): Artigo 3 – Definições –
Para efeitos do presente Protocolo: a) A expressão “tráfico de pessoas” significa o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,
ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. (...)

O art. 3º desse protocolo trata sobre o tráfico de pessoas,


especialmente mulheres e crianças, e traz o conceito de tráfico
de pessoas. Nesse contexto do art. 3º, o caso típico de tráfico de
pessoas é quando alguém, no Brasil, que recebeu uma proposta
de emprego fora do território nacional e vai para o exterior
pensando que trabalhará em uma lanchonete, em uma empresa,
enfim, e ao chegar ao seu destino tem seus documentos
confiscados e o seu passaporte retido. Dessa maneira, a pessoa
desconhece o idioma do país e passa a ser explorada
sexualmente, na maioria das vezes.

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Ainda em análise desse artigo, temos os tipos de exploração.

(...) A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras


formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas
similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; (...)

Uma das regras mais importantes desse tema é que o conceito


de tráfico de pessoas foi internalizado e tipificado aqui no Brasil
no art. 149-A do Código Penal.

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher
pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade
de: (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016.) (Vigência)

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; (Incluído pela Lei nº 13.344, de


2016.) (Vigência)

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; (Incluído pela Lei nº


13.344, de 2016.) (Vigência)

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016.)
(Vigência)

IV – adoção ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016.) (Vigência)

V – exploração sexual. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016.) (Vigência)

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.344, de
2016.) (Vigência)

Uma questão básica, mas que não se pode deixar de mencionar,


é o consentimento.

Convenção sobre o tráfico de pessoas

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo
de exploração descrito na alínea “a” do presente Artigo será considerado irrelevante se
tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea “a”;

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Nesse caso, o consentimento da vítima é irrelevante, pois essa
relevância do consentimento da vítima, nos casos dos
mecanismos da alínea “a”, tem dois fundamentos, como fraude,
engano, violência, grave ameaça etc. O primeiro é que o
consentimento da vítima, geralmente, nesses casos, está
comprometido; não se pode dar valor a ele porque é viciado
pela violência, fraude, rapto. Secundariamente, porque os
direitos humanos são indisponíveis. Esses são os dois
fundamentos para que o consentimento da vítima seja relevante
nos casos de tráfico. Desta feita, o autor do crime não poderá
alegar que a parte consentiu e por isso não há crime. Nem
mesmo os Estados podem alegar que não puniram porque houve
consentimento da vítima: o Estado que isso fizer violará a
convenção e estará sujeito à responsabilidade internacional.

Por fim:

PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO DA ONU CONTRA O CRIME ORGANIZADO


TRANSNACIONAL RELATIVO À PREVENÇÃO, REPRESSÃO E PUNIÇÃO DO TRÁFICO
DE PESSOAS, EM ESPECIAL MULHERES E CRIANÇAS (2000):

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma


criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não
envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo;

d) O termo “criança” significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

Atenção!

Nesse inciso, criança é qualquer pessoa com idade


inferior a 18 anos de idade. Esse é o mesmo
parâmetro da Convenção da ONU sobre os Direitos
da Criança, in verbis:

Art. 1º

Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser


humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada

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antes.

6. Combate ao racismo

Para se falar em racismo, é preciso lembrar da Convenção


Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial de 1965. O Brasil é parte de todas essas
convenções.

Essa convenção indica ações afirmativas e prevê um comitê com


competência para examinar relatórios, petições estatais e
petições particulares, que estão previstas em uma cláusula
facultativa. O comitê contra a discriminação tem competência
para examinar relatórios estatais, isto é, os Estados têm
compromisso de apresentar periodicamente relatórios
informando as medidas adotadas para cumprir a convenção.

Quanto às petições estatais, o Estado pode apresentar uma


petição ao comitê informando que um outro Estado signatário
está descumprindo as obrigações convencionais. Em relação às
petições particulares, caso o Estado subscreva uma cláusula
facultativa, ou seja, faça uma declaração informando que
reconhece a competência do comitê para receber petições
particulares, os particulares poderão apresentar petições.
Trata-se de uma cláusula facultativa, que possui previsão de que
aquela competência do comitê só poderá ser exercida se o
Estado, além de assinar o tratado, fizer uma declaração
reconhecendo expressamente a competência do comitê para
aquele fim.

Entretanto, apesar de a competência do comitê, para examinar


petições particulares, estar prevista na convenção, o simples
fato de o Estado assinar a Convenção não significa que ele
reconheça a sua competência para examinar as petições
particulares. Para que o comitê possa examiná-las, é necessário
que ele faça uma declaração específica reconhecendo-as. Por

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conseguinte, quando o Estado assina a Convenção Internacional
sobre a Discriminação Racial, ele aceita que o comitê exija e
examine os seus relatórios, examinando petições estatais.

Para que o comitê examine as petições particulares, será


necessária uma declaração específica para esse fim. Isso
significa cláusula facultativa, também chamada Cláusula Raul
Fernandes, pois foi esse brasileiro quem teve a ideia de criar as
cláusulas facultativas no direito internacional. Um dos grandes
problemas é que um Estado, às vezes, não quer assinar um
tratado apenas por causa de uma cláusula e, por conta disso,
Raul Fernandes sugeriu que essa cláusula fosse uma cláusula
facultativa, autorizando que a parte pudesse assinar o tratado,
mas ela somente se comprometeria em relação a ela se
assinasse uma declaração depois. Dessa forma, hoje, nas
convenções de direitos humanos há muitas cláusulas
facultativas, e esse é só um exemplo.

O conceito de discriminação racial está descrito no art. 1º da


mencionada convenção.

Art. 1º Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial” significará qualquer


distinção, exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou
origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de
direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social,
cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública.

À vista disso, o conceito de discriminação racial sempre envolve


usar um desses critérios: raça, cor ou descendência para anular
ou restringir o reconhecimento de um direito da pessoa que
poderia ser exercido em igualdade de condições, restringindo
direitos humanos e liberdades fundamentais.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
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