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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Plataforma: ANP Cidadã


Evento: Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil
Livro: Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas
Impresso por: BRUNO ALEXANDRE ANDRADE BRITO ROCHA
Data: domingo, 20 dezembro 2020, 21:08

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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Sumário
Apresentação da Unidade 2
O que significa tráfico de pessoas?
Especificidades do Protocolo de Palermo
Um panorama sobre a ocorrência do tráfico de pessoas no mundo
O que significa contrabando de migrantes? Quais são as diferenças entre o contrabando de migrantes e o tráfico de pessoas?
Sobre a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/2016)
Vamos conhecer as diferentes modalidades de tráfico de pessoas reconhecidas no Brasil?
Tráfico de pessoas para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo
Tráfico de pessoas para fins de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo
Tráfico de pessoas para fins de submissão a qualquer tipo de servidão
Tráfico de pessoas para fins de adoção ilegal
Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
Conclusão e referências

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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Apresentação da Unidade 2

Sejam bem-vindas e bem-vindos à segunda unidade do curso Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil.

Na primeira unidade, introduzimos temas transversais e de significativa importância para a compreensão do tráfico de pessoas:
apresentamos conceitos essenciais ao campo das migrações internacionais, trouxemos considerações sobre a legislação nacional e
internacional e a conjuntura atual no âmbito da mobilidade humana e finalizamos com uma reflexão sobre o impacto das políticas
migratórias restritivas para as pessoas migrantes em situação de vulnerabilidade.

Nesta segunda unidade do curso, abordaremos o conceito de tráfico de pessoas, suas modalidades, a legislação interna e internacional
referente ao tema – incluindo especialmente o Protocolo de Palermo e a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/16) –,
exemplos de alguns crimes que são correlatos, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o III Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a conjuntura de ocorrência do tráfico de pessoas, o conceito de contrabando de migrantes e as
diferenças entre estes dois últimos.

Ao final desta unidade, a expectativa é que você esteja apto a identificar e diferenciar os conceitos de tráfico de pessoas e contrabando de
migrantes e esteja familiarizado com a legislação nacional e internacional relacionada ao tema e com o panorama sobre a ocorrência do
tráfico de pessoas no mundo contemporâneo.

Ao longo desta unidade serão apresentadas sugestões de artigos, vídeos, sites, publicações para complementar o conteúdo apresentado no
curso. A ideia é aprofundar as discussões e trazer exemplos concretos.

Procure explorar e conhecer o material indicado! Ele pode tornar mais rico o processo de aprendizado e merece uma atenção
especial.

Vamos começar!

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O que significa tráfico de pessoas?


Concluímos a primeira unidade do curso observando que a coexistência entre a condição de vulnerabilidade de muitas pessoas que
migram e as políticas migratórias restritivas podem resultar em violações de direitos e o incentivo a práticas criminosas como o
contrabando de migrantes e o tráfico de pessoas. [1]

Mas, afinal, o que significa tráfico de pessoas? E contrabando de migrantes?

Começaremos pelo primeiro.

Para entender o conceito de tráfico de pessoas, é importante conhecer o conteúdo do Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de
Mulheres e Crianças (Organização das Nações Unidas, 2000), também conhecido como Protocolo de Palermo.

A elaboração do protocolo – que entrou em vigor no ano de 2003 e conta atualmente com 175 Estados Partes[2] – partiu da percepção da
inexistência de um instrumento universal que se destinasse a prevenir, reprimir e punir o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças.

Ainda que esteja inserido nos debates de combate ao crime organizado transnacional, o Protocolo de Palermo se destaca por ser um
importante mecanismo de proteção aos direitos humanos, com previsão de medidas de prevenção e reparação às vítimas. É um marco
legislativo internacional na regulamentação do tráfico de pessoas, tendo como fundamento a promoção da dignidade, liberdade e
autodeterminação das vítimas.[3]

O conceito de tráfico de pessoas é apresentado logo seu artigo 3º:

“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração
incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.[4]

Para melhor compreender essa definição, é importante destacar três elementos que constituem e nos permitem identificar o tráfico de
pessoas:

1. O ato (aquilo que se faz);


2. O meio (como se faz);
3. A finalidade de exploração (o motivo pelo qual se faz).

O infográfico a seguir traz a definição de tráfico de pessoas adotada pelo Protocolo de Palermo, apresentando seus três elementos
constitutivos:[5]

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Para a configuração do crime de tráfico de pessoas, é necessário portanto haver pelo menos um dos atos e um dos meios mencionados
no Protocolo e a finalidade de exploração.

Sobre os atos, é importante destacar que são diversos os métodos de recrutamento de vítimas. Este pode ser realizado por pessoas
próximas como familiares e amigos, recrutadores individuais, anúncios em mídias, agências de recrutamento que oferecem propostas no país
ou no exterior de trabalho em diferentes áreas – dentre elas trabalho doméstico, agricultura, construção civil, bares e restaurantes –, de
estudos, de viagens, entre outras.[6]

As vítimas são transportadas para locais distantes do seu local de origem, seja no mesmo país ou atravessando fronteiras internacionais.
Isso facilita o controle por parte dos traficantes, uma vez que estas são separadas da sua comunidade, família e amigos.[7]

Leia a notícia sobre sete jovens brasileiras fãs de K-pop recrutadas em redes sociais por meio de promessa de carreira artística e
forçadas a se prostituírem na Coreia do Sul. Os traficantes pagaram as passagens, as vítimas tiveram seus passaportes confiscados e
foram vendidas a uma casa de prostituição.

[1]BARALDI, Camila; VENTURA, Deisy. Políticas Migratórias e Tráfico de Pessoas: Quando a Árvore Esconde a Floresta. p. 371-396. In: Brasil. Secretaria Nacional de Justiça. Tráfico de pessoas: uma abordagem para os
direitos humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2013. p. 381.

[2]Cf. Organização das Nações Unidas. Coleção de tratados. Disponível em: <https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=IND&mtdsg_no=XVIII-12-a&chapter=18&clang=_en>. Acesso em 18 nov. 2019.

[3]SANTARÉM, Vivian Netto Machado. Tráfico de pessoas: uma análise da lei 13.344/2016 sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista da Defensoria Pública da União, Brasília, DF, n.11, p. 33-49, jan/dez. 2018.p. 38.

[4]Cf. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, artigo 3º, a.

[5]Reprodução do infográfico apresentado em: International Centre for Migration Policy Development (ICMPD). Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Brasília, Ministério da Justiça,
Secretaria Nacional de Justiça, 2012. p. 47 – adaptado de UNODC (2010). Manual sobre la lucha contra la trata de personas para profesionales de la justicia penal.

[6]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD). Migration Training Manual. Module 4: Trafficking in Human Beings (Thb). Austria, 2017. p. 16.

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[7]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2017, op. cit., p.19.

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Especificidades do Protocolo de Palermo


Observamos que o Protocolo de Palermo considera em sua definição o tráfico interno de pessoas (dentro de um mesmo país) e o tráfico
internacional de pessoas (atravessa fronteiras internacionais)[8], e que a condição de vulnerabilidade de muitas pessoas pode favorecer a
execução do crime, mesmo sem cruzar fronteiras entre países e enfrentar políticas migratórias restritivas.

Nesse sentido, veja a notícia sobre uma mulher indígena de 20 anos integrante da Aldeia Santa Rosa, no Amazonas, resgatada em
São José dos Campos, São Paulo. Ela era mantida em um apartamento, prestando serviços de faxina e cuidando de um bebê e uma
idosa sem remuneração e contato com a sua família.

Sobre o consentimento da vítima, cabe destacar que a capacidade da pessoa adulta de decidir de forma autônoma sobre sua vida é
respeitada.[9] Há, no entanto, uma proteção em razão da deturpação da vontade livre e informada pelos meios já mencionados (ameaça, uso
da força, fraude, engano, abuso de situação de vulnerabilidade etc.).

Em muitos casos, há o engano por meio da omissão das reais condições. Por exemplo:

A vítima é informada sobre a possibilidade de trabalhar de forma irregular, mas não sobre a exploração em condições análogas à de
escravo;
A vítima é informada sobre a extração de órgãos do seu corpo, mas não sobre as condições precárias em que esta será realizada e as
potenciais consequências para a sua saúde.[10]

É importante ter em mente que, de acordo com o Protocolo de Palermo, o consentimento da vítima é considerado irrelevante estando
presentes os três elementos que configuram o tráfico de pessoas.[11] Ou seja, nessas situações, mesmo que a vítima tenha dado o seu
consentimento, este será desconsiderado.

Nas situações em que estejam envolvidas pessoas menores de dezoito anos, sendo verificados o ato e a finalidade de exploração, não há
necessidade de comprovação do terceiro elemento – o meio – para a caracterização do tráfico de pessoas.[12]

Isso porque, entendendo a idade como uma causa de vulnerabilidade, as crianças e adolescentes – todas as pessoas com menos de 18
[13]
anos – devem ser destinatárias de uma especial tutela em consideração ao seu desenvolvimento evolutivo.

Sobre a finalidade de exploração, o protocolo não apresenta uma definição do termo “exploração” e também não enumera de forma
exaustiva as finalidades de exploração que podem configurar o crime de tráfico de pessoas.[14] O que permite entender, por exemplo, o
casamento forçado[15] e a mendicância forçada[16] como pertencentes a esse terceiro elemento do crime (a finalidade de exploração). E basta
que se comprove a intenção manifesta de explorar a pessoa para que se configure o tráfico de pessoas, ou seja, não é preciso que a
exploração seja concretizada.[17]

Introduzido o conceito de tráfico de pessoas, cabendo indicar que o Protocolo de Palermo foi promulgado no Brasil por meio do Decreto
n.º 5.017, de 12 de março de 2004, passaremos a apresentar um panorama sobre a ocorrência do tráfico de pessoas no mundo.

ATENÇÃO: É importante ter em mente os diversos conceitos introduzidos pelo Protocolo de Palermo porque, mais adiante, iremos
verificar se o legislador brasileiro os incluiu em sua integralidade no texto do marco normativo nacional, qual seja, a Lei n º 13.344/2016.

Antes de passar para o próximo tópico, deixamos uma questão para reflexão.

Na primeira unidade do curso, observamos que a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Migrantes e dos Membros das suas Famílias conta atualmente com somente 55 Estados partes. Você se lembra? Nesta segunda
unidade, indicamos que o Protocolo de Palermo conta atualmente com 175 Estados partes. É possível observar, portanto, uma
significativa diferença na adesão dos Estados aos dois documentos. Qual será a razão para um maior interesse em prevenir,
reprimir e punir o tráfico de pessoas e um menor interesse dos Estados em assumir o compromisso de garantir a proteção
de direitos de trabalhadores migrantes?

[8]PISCITELLI, Adriana. Sujeição ou subversão: migrantes brasileiras na indústria do sexo na Espanha. História e Perspectivas, Uberlândia (35): 13-55, Jul.Dez.2006. p. 17.

[9]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2017, op. cit., p. 16.

[10]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2017, op. cit., p.8.

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[11]Cf. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, artigo 3º, b.

[12]Cf. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, artigo 3º, c.

[13]Cf. Regras de Brasília Sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade. Brasília, 2008, regra 5.

[14]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), op. cit., p. 48.

[15]No Guia Prático do Grupo de Trabalho de Assistência às Vítimas de Tráfico de Pessoas da Defensoria Pública da União, é mencionado o matrimônio servil, descrito como “em que há exploração de trabalho e/ou sexual de
um cônjuge por outro, implicando situações de escravidão, isolamento, controle, violência física, sexual e reprodutiva”. In: Defensoria Pública da União. Guia Prático do Grupo de Trabalho de Assistência às Vítimas de Tráfico
de Pessoas da Defensoria Pública da União, 2019. p. 6.

[16] O mesmo guia traz a mendicância como “vítima é obrigada a pedir esmola para o lucro do traficante, que organiza o negócio e exerce o controle sobre essas pessoas”. In: Defensoria Pública da União, 2019, op. cit., p. 6.

[17]International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 48.

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Um panorama sobre a ocorrência do tráfico de pessoas no mundo


O tráfico de pessoas é uma modalidade de crime organizado que se apoia em uma rede articulada que gera lucros significativos – segundo
estimativas da Organização das Nações Unidas, há o faturamento de pelo menos 32 bilhões de dólares por ano[1] – e que envolve diferentes
atores, entre eles redes de transporte, prestadores de serviços jurídicos, fornecedores de documentos falsos e lavadores de dinheiro.[2]

É uma forma grave de violação dos direitos humanos, por meio da qual uma pessoa é submetida ao estatuto de mercadoria.

Sobre este assunto, leia a reportagem “As cinco atividades do crime organizado que rendem mais dinheiro no mundo”.

O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas[3] apresenta dados que indicam que, apesar de ser significativa a presença de redes
transnacionais de tráfico – e que por essa razão devem ser combatidas a partir da cooperação internacional –, é importante destacar que a
maior parte das vítimas é identificada em seus países de cidadania. Ou seja, o tráfico interno de pessoas envolve um expressivo número de
vítimas e merece uma atenção especial por parte da justiça criminal dos Estados.

Figura 1[4]

As maiores vítimas de tráfico de pessoas no mundo são do sexo feminino e maiores de 18 anos (49%). Somando o número de mulheres
e meninas (menores de 18 anos), chegamos a mais de 70% das vítimas de tráfico de pessoas em âmbito mundial. Na América do Sul, a cifra
é maior: mais de 80% das vítimas são do gênero feminino.

Figura 2[5] Figura 3[6]

Levando em consideração que não existe um único padrão ao tratar de diferentes regiões no mundo, em termos gerais, é possível observar
que dentre as modalidades de tráfico de pessoas, a que se destaca com um maior número de identificação de vítimas é o tráfico para fins de
exploração sexual, seguido do tráfico para fins de trabalho forçado.

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Figura 4[7]

Há vítimas identificadas, embora em porcentagem reduzida (aproximadamente 2%), que foram traficadas para formas mistas de
exploração, ou seja, são vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho forçado, por exemplo.

Na América do Sul, a maior parte das vítimas identificadas foi traficada para fins de exploração sexual (quase 60%). Logo em seguida
está o tráfico para fins de trabalho forçado. A adoção ilegal e mendicância forçada são outras formas de exploração identificadas na região.

Figura 5[8]

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Figura 6[9]

É possível notar que o perfil das vítimas se modifica a depender da modalidade de tráfico de pessoas. Por exemplo, mais de 80% das
mulheres identificadas como vítimas foram traficadas para fins de exploração sexual e mais de 80% dos homens identificados como vítimas
foram traficados para fins de trabalho forçado.

Figura 7[10]

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Figura 8[11]

Um dado levantado no relatório e interessante a ser destacado é que a maior parte dos traficantes condenados eram cidadãos do país onde
ocorreu a condenação. Os traficantes estrangeiros representavam cerca de um terço dos condenados e, em grande parte, eram cidadãos de
países da mesma região do país de condenação. Na América do Sul, a maioria dos investigados ou presos pelo crime eram homens.

No Brasil, uma pesquisa do ano de 2003 – com análise de 36 processos judiciais e inquéritos policiais nos Estados do Ceará, Goiás, Rio
de Janeiro e São Paulo – indicou que os homens eram maioria entre os traficantes, mas havia uma presença significativa de mulheres (43,7%
[12]
dos indiciados por tráfico), especialmente no recrutamento de vítimas.

Antes de passar para o próximo tema – o conceito de contrabando de migrantes e suas diferenças em relação ao tráfico de pessoas –, cabe
observar que neste tópico trabalhamos com os dados existentes, porém é importante esclarecer que o tráfico de pessoas é um crime
subnotificado. [13]

[1]Organização das Nações Unidas. Tráfico de pessoas fatura pelo menos 32 bilhões de dólares por ano, alerta ONU. 16 maio 2013. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/trafico-de-pessoas-fatura-pelo-menos-32-bilhoes-
de-dolares-por-ano-alerta-onu/>. Acesso em 23 nov. 2019.

[2] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 43-44

[3]A partir deste ponto, utilizaremos o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas como base para as informações deste tópico “Um panorama sobre a ocorrência do tráfico de pessoas no mundo”. Cf. Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, 2018.

[4]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 42.

[5]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 10.

[6]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 49.

[7]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 29.

[8]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 11.

[9]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 30.

[10]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 28.

[11]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, 2018, op. cit., 28.

[12]DIAS, Claudia Sérvulo da Cunha (Coord.). Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2005. p. 23.

[13] De acordo com o Relatório, estudos realizados na Holanda indicam que as cifras de vítimas presumidas podem ser de quatro a cinco vezes maiores que as vítimas identificadas. In: Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime, 2018, op. cit., 34.

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O que significa contrabando de migrantes? Quais são as diferenças entre o contrabando


de migrantes e o tráfico de pessoas?
Assim como o tráfico de pessoas, o contrabando de migrantes é considerado um crime que envolve o deslocamento de pessoas.[1]

Para entender o conceito de contrabando de migrantes, é importante retomar a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional e conhecer o conteúdo complementar do Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea,
promulgado no Brasil por meio do Decreto n.º 5.016, de 12 de março de 2004.

De acordo com este protocolo, o contrabando de migrantes se dá por meio da promoção da entrada ilegal[2] de uma pessoa em um Estado
parte do qual esta não seja nacional ou residente permanente, com a finalidade de obter, de forma direta ou indireta, um benefício financeiro
ou outro benefício material. [3]

É possível observar, a partir dessa definição, dois elementos que constituem e nos permitem identificar o contrabando de migrantes:

1. O ato (aquilo que se faz): promoção da entrada indocumentada em país do qual a pessoa não seja nacional ou residente permanente;
2. A finalidade (o motivo pelo qual se faz): obter, de forma direta ou indireta, benefício financeiro ou outro benefício material.

No contrabando de migrantes, a pessoa que migra o faz de forma consciente e voluntária, ainda que por vias perigosas, por meio de
um acordo com terceiro para o transporte até o destino desejado em troca de um benefício econômico ou outro benefício material. Em geral,
não há ameaça, uso da força, fraude ou engano.[4] Contudo, há que se ter em conta que, mesmo no contrabando de migrantes, a relação
inicial pode estar viciada devido à condição de vulnerabilidade em que o migrante se encontra ou mesmo à assimetria de condições entre ele
e o contrabandista, situações que afetam significativamente o poder e a liberdade de escolha.

Diferente do tráfico de pessoas, o contrabando não tem como essência a violação dos direitos humanos. Há, sim, uma infração da
legislação migratória e o ingresso indocumentado em um Estado[5] e, no que diz respeito à responsabilidade penal, os migrantes não estarão
sujeitos a processos criminais nos termos do protocolo.[6]

O contrabando se conclui com o ingresso do migrante no Estado de destino; já o tráfico de pessoas inclui a exploração da vítima por parte
dos traficantes com o fim de obter benefício ou lucro mesmo depois de chegar ao destino.[7]

Leia esta matéria e conheça a história de uma argentina, vítima de tráfico de pessoas, resgatada na Bolívia depois de 32 anos.

É importante observar, entretanto, que o contrabando é diferente da migração indocumentada, tendo em vista que no primeiro há a
mediação do serviço de um terceiro em troca de um benefício material.[8]

Você se lembra do conceito de migração indocumentada apresentado na primeira unidade do curso?

Existem pontos de contato entre os crimes de tráfico de pessoas e contrabando de migrantes. Há situações em que migrantes pagam
terceiros para conseguir chegar e ingressar em determinados países e acabam recrutados ou vendidos por redes de tráfico de pessoas.[9]

Muitas vítimas percebem tardiamente que foram enganadas ou são coagidas ou forçadas a aceitar uma situação de exploração, tendo, por
exemplo, que trabalhar por salários irrisórios para restituírem o transporte utilizado.[10]

No entanto, existem também importantes diferenças entre o contrabando de migrantes e do tráfico de pessoas.

E quais são essas diferenças entre os dois crimes?

A tabela a seguir nos ajuda a responder a pergunta, apresentando uma análise comparativa entre os dois crimes:[11]

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Por fim, cabe indicar que o contrabando de migrantes passou a ser crime no Brasil a partir de 2017 com o crime de promoção de
migração ilegal, nos termos do artigo 232-A do Código Penal brasileiro:

"Promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de
brasileiro em país estrangeiro:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§1º Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do
território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

§2º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se:

I - o crime é cometido com violência; ou

II - a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.

§3º A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas."

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Apresentados o conceito de contrabando de migrantes e as diferenças entre este crime e o tráfico de pessoas, passaremos a tratar da Lei de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/2016).

Antes de seguir para o próximo tópico, gostaríamos de retomar a notícia do caminhão encontrado com 39 migrantes mortos no
Reino Unido. Você se lembra de que mencionamos esse caso na primeira unidade do curso?

Leia a reportagem Do Vietnã ao Reino Unido: 158.000 reais por um longo trajeto de exploração, que aborda os altos custos do
contrabando de migrantes que podem alcançar 36 mil euros, valores exorbitantes que fazem com que muitas pessoas assumam
dívidas e façam trajetos até o país de destino que podem durar anos, utilizando diferentes meios de transporte – caminhões, carros,
andando em parte do caminho –, passando por diferentes países e, muitas vezes, pagando a dívida com trabalhos ao longo do
trajeto.

Trazendo a questão para a realidade brasileira, leia a reportagem PF de SP deflagra operação contra quadrilha de contrabando
de migrantes para os Estados Unidos e assista ao vídeo Na mão dos coiotes: A saga dos haitianos traficados ao Brasil:

<https://www.youtube.com/watch?v=KQLVQkBZMvQ&feature=youtu.be>

[1] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 52.

[2]A entrada ilegal é conceituada como “a passagem de fronteiras sem preencher os requisitos necessários para a entrada legal no Estado de acolhimento”. Cf. Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre,
Marítima e Aérea, artigo 3º, b.

[3]Cf. Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, artigo 3º, a.

[4] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 53.

[5] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 53-54.

[6]Cf. Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, artigo 5º.

[7]Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/index.html>. Acesso em 20 nov. 2019.

[8] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 53-54.

[9] International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), op. cit., p. 54.

[10]Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de justiça penal. Organização das Nações Unidas: Nova Iorque, 2009. p. 16-17.

[11] Adaptação do infográfico apresentado em: International Centre for Migration Policy Development (ICMPD), 2012, op. cit., p. 54.

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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Sobre a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/2016)


Observando a trajetória do crime de tráfico de pessoas na legislação brasileira, é possível perceber que o ano de 2016 foi um marco em
termos legislativos para seu enfrentamento no Brasil.

Vamos conhecer esse histórico?

Com a promulgação no Brasil da Lei n.º 13.344/2016, o país passa a ter, pela primeira vez, uma lei específica que dispõe sobre o
enfrentamento ao tráfico de pessoas, tratando da prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e das medidas de atenção
às vítimas.

Houve, portanto, a adequação da legislação interna aos princípios e diretrizes estabelecidos pelo Protocolo de Palermo – compromisso
internacional assumido pelo Brasil desde sua internalização em 2004 – e também pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas estabelecida em 2006 (e que será tema do próximo tópico da unidade).[1]

Dentre os princípios estabelecidos na lei e que devem reger o enfrentamento ao tráfico de pessoas, estão o respeito à dignidade da
pessoa humana, a promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos, a não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual,
origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status, a
atenção integral às vítimas diretas e indiretas e a proteção integral da criança e do adolescente.[2]

É possível notar que o texto legal manifesta especial atenção à proteção e acolhimento da vítima, pautando a atuação de enfrentamento ao
crime em três eixos fundamentais: prevenção, repressão e proteção às vítimas. Há, ainda, um destaque à cooperação internacional e ao
trabalho em rede.[3]

A partir do advento da Lei n.º 13.344/2016, o crime de tráfico de pessoas passa a ser tipificado no Brasil, por meio da inserção do
seguinte artigo no Código Penal:

"Tráfico de Pessoas

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência,
coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV - adoção ilegal; ou

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V - exploração sexual.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de
autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.

§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa."

Para além da ampliação das formas de exploração reconhecidas no Brasil e, portanto, das modalidades de tráfico de pessoas, chama a
atenção uma falha técnica do legislador ao estabelecer a aplicação do aumento de pena somente nas situações de retirada de vítimas do país
para o exterior.[4] Não foi adotado, portanto, o mesmo tratamento para situações de tráfico internacional em que há a promoção da entrada de
vítima no Brasil.[5]

[1]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 43; 48.

[2]Cf. artigo 2º da Lei n.º 13.344/2016.

[3]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 48.

[4]Cf. artigo 149-A, §1º, IV da Lei 13.344/2016.

[5]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 43.

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Vamos conhecer as diferentes modalidades de tráfico de pessoas reconhecidas no Brasil?


Traçando paralelos entre a previsão do crime na legislação nacional e no Protocolo de Palermo, é possível notar algumas diferenças.

Cabe mencionar que, no que diz respeito ao ato (aquilo que se faz), a Lei n.º 13.344/2016 traz uma previsão mais ampla que o Protocolo
de Palermo sobre condutas que podem configurar o tráfico de pessoas: agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou
acolher pessoa.

Não é necessária a prática das oito condutas. Basta, por exemplo, que o agente alicie uma pessoa para que a ação se configure.

Por ser composto por condutas plurais, comumente o tráfico de pessoas é praticado por diferentes sujeitos em cooperação e que integram
organizações criminosas. Por essa razão, o legislador entendeu importante reduzir a pena nas situações em que o agente for primário e que
pratique a conduta isoladamente, sem integrar organização criminosa.[6]

No que diz respeito aos meios (como se faz), a Lei 13.344/2016 traz um rol mais limitado do que o Protocolo de Palermo, mencionando a
grave ameaça, violência, fraude, coação ou abuso.[7] Diferente do Protocolo de Palermo que menciona o “abuso à situação de
vulnerabilidade”, a legislação brasileira não incluiu a palavra vulnerabilidade, fazendo menção apenas ao termo “abuso”.

Você se lembra que trabalhamos o tema da vulnerabilidade na Unidade 1 e que observamos que a condição de vulnerabilidade no
país de origem muitas vezes é o que motiva o deslocamento de diferentes pessoas?

Nesse sentido, sob o contexto brasileiro – marcado pela desigualdade econômica e social e, como decorrência, pela existência expressiva
de grupos e/ou indivíduos em situação de vulnerabilidade –, o aplicador da lei pode interpretar o termo “abuso” de forma a incluir as
situações de vulnerabilidade, contemplando assim a proteção à vítima em situação de vulnerabilidade presente no Protocolo de Palermo.

O abuso, portanto, pode se apresentar nas situações em que o agente se aproveita do seu poder, em uma relação hierárquica, ou da posição
de vulnerabilidade da vítima, em razão de dificuldade financeira ou familiar – a título de exemplos –, para forçar o seu consentimento. No
caso da coação, esta pode ser física, moral ou psicológica. A fraude pode se manifestar, por exemplo, por meio de promessas de emprego ou
contratos de trabalho enganosos para alcançar o consentimento da vítima.[8]

Sobre a questão do consentimento, diferente do Protocolo de Palermo que afirma que este é considerado irrelevante estando presentes os
três elementos que configuram o tráfico de pessoas, a Lei 13.344/2016 nada menciona sobre o tema.

Essa falta de previsão gera apreensão em razão do possível enfraquecimento da repressão ao crime, uma vez que o consentimento da
vítima pode ser sustentando como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, e da perpetuação de processos de revitimização.[9]

No que diz respeito à finalidade de exploração (o motivo pelo qual se faz), o Protocolo de Palermo apresenta um conceito mais amplo,
incluindo, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

Diferente desse rol aberto estabelecido pelo Protocolo de Palermo, que permite o reconhecimento de outras formas de exploração não
explicitadas em sua redação, o Código Penal brasileiro apresenta uma lista taxativa de finalidades de exploração, resultando em uma
restrição da configuração do crime de tráfico somente às situações de:

1. Remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo;


2. Submissão a trabalho em condições análogas à de escravo;
3. Submissão a qualquer tipo de servidão;
4. Adoção ilegal;
5. Exploração sexual.

Optou-se, portanto, por limitar as modalidades de exploração.

No entanto, o conceito do termo “servidão” não está disposto na Lei nº 13.344/2016, o que permite ao aplicador da lei lançar mão de uma
interpretação mais abrangente dessa modalidade de tráfico de pessoas. Alguns casos de tráfico que não poderiam ser tipificados nas demais
modalidades lograriam ser, eventualmente, compreendidos como “submissão a qualquer tipo de servidão”. Esta seria a situação, por
exemplo, de uma pessoa, servilmente, forçada à mendicância.
Considerando os desafios expostos, o conceito de tráfico de pessoas estabelecido no novo marco legal nacional carece de maior debate
nos tribunais. Há jurisprudência com o entendimento do rol taxativo de modalidades de exploração do tráfico, bem como decisões[10] que
reconhecem vítimas de tráfico diante do evidente “abuso de situação de vulnerabilidade” – conceito não mencionado na legislação nacional,
mas assegurado no Protocolo de Palermo.
O caso das pessoas exploradas como mulas no tráfico de drogas, por exemplo, é emblemático ao discutir possíveis abusos de situação de
vulnerabilidade. Essas pessoas, grande parte das vezes, acabam desprotegidas pela nossa legislação.

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Sobre o tema das mulheres que transportam drogas, conhecidas como “mulas do tráfico”, veja o vídeo Mulheres “Mulas”:
Vítimas do Tráfico e da Lei. Veja também a reportagem sobre o vídeo.

<https://www.youtube.com/watch?v=Tu8nWgc4F8Q >

Conheça o caso da sul-africana Nduduzo Godensia Dlamini, artista que hoje luta para não ser expulsa do Brasil

“Eu caí em uma armação. Acreditei em alguém que não devia. Acabei indo para a prisão, acusada de tráfico de drogas”.

Tratando das diferentes modalidades de tráfico de pessoas reconhecidas no Brasil, é importante apresentar breves considerações sobre
cada uma delas e observar que todas as modalidades são previstas no âmbito interno e internacional.

[6]Ministério da Justiça; Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (UNODC); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Relatório nacional sobre o tráfico de pessoas: dados 2014 a 2016.
Brasília, dezembro de 2017. p. 14-15.

[7]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 43-44.

[8]Ministério da Justiça; Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (UNODC); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2017, op. cit., p. 14.

[9]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 44-45.

[10] Processo 0503321-21.2017.4.02.5101 (2017.51.01.503321-0) - 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Sentença absolutória no caso de pessoa acusada de tráfico de drogas que foi reconhecida como vítima de tráfico
de pessoas.

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Tráfico de pessoas para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo


O agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento de pessoa mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso com a finalidade de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo é a conduta típica dessa
modalidade do crime de tráfico de pessoas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que células, tecidos e órgãos para transplante devem ser doados sem qualquer
retribuição pecuniária, rejeitando as hipóteses de compra ou oferta dos mesmos. Há uma preocupação em prevenir o abuso da situação de
vulnerabilidade das pessoas, sejam elas fornecedoras ou receptoras, e preservar o caráter humanitário da conduta, afastando a possibilidade
de que uma necessidade humana acabe por se converter em comércio.[1]

No Brasil, de acordo com a nossa legislação, é permitida “a disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou
post mortem, para fins de transplante e tratamento”.[2]

Nesse sentido, o Estado brasileiro adota uma postura que tem como fundamento o bem-estar social e a necessidade do beneficiário direto
– com o re-estabelecimento da sua saúde – e que está em consonância com a recomendação da OMS. Para evitar a comercialização, a
disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano deve ser promovida por autoridades de saúde competentes, respeitando os
parâmetros de segurança e o princípio da transparência.[3]

Para conhecer um pouco da realidade brasileira, assista ao vídeo:

< https://www.youtube.com/watch?v=p-TDgLEwWaI>

[1] ICMPD. Guia SOP, 2020. p. 23. apud OMS. WHO guiding principles on human cell, tissue and organ transplantation. Disponível em:
<https://www.who.int/transplantation/Guiding_PrinciplesTransplantation_WHA63.22en.pdf>. Acesso em: 1º out. 2019.

[2]Cf. artigo 1º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

[3] ICMPD. Guia SOP, 2020. p. 23.

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Tráfico de pessoas para fins de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo


O agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento de pessoa mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo é a conduta típica
dessa modalidade do crime de tráfico de pessoas.

Sobre o tráfico de pessoas para fins de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo, é importante conhecer o conteúdo do
artigo 149 do Código Penal, que trata do crime de redução a condição análoga à de escravo:

"Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim
de retê-lo no local de trabalho.

§2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem."

Assim, para que se configure o trabalho em condições análogas à de escravo, os seguintes critérios deverão estar presentes na conduta
(não necessariamente todos ao mesmo tempo):

Trabalhos forçados ou jornada exaustiva;


Condições degradantes de trabalho;
Restrição de locomoção em razão de dívida com empregador.

Do que foi apresentado, percebe-se que existem dois tipos penais que se assemelham: o artigo 149 (submeter alguém à condição de
trabalho escravo) e o artigo 149-A, II (tráfico de pessoas com a finalidade de submetê-las a trabalhos em condições análogas à de escravo).
Contudo, trata-se de situações distintas, uma vez que, para a caracterização do crime de tráfico de pessoas, é necessária a presença de três
elementos: uma ação, um meio e uma finalidade.

A redução à condição análoga à de escravo de que trata o artigo 149 é, portanto, uma das finalidades de exploração que, de forma isolada,
não se mostrará capaz de tipificar a conduta do tráfico. Cabe lembrar que, para a configuração do tráfico de pessoas, não se faz necessária a
execução da finalidade pretendida. Ou seja, é possível que ocorra o crime do tráfico para submissão a trabalho em condições análoga à de
escravo sem que essa última conduta tenha sido efetivamente praticada, mas apenas intencionada.

Sobre crimes correlatos ao crime de tráfico de pessoas, é importante apresentar os artigos do Código Penal que tratam dos crimes de
aliciamento para o fim de emigração e de aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional:

"Aliciamento para o fim de emigração

Artigo 206 - Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Artigo 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa.

§1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional,
mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de
origem.

§2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de
deficiência física ou mental."

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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas
Assista ao vídeo TV Brasil sobre tráfico de pessoas e a condição de trabalho análoga à de escravo:

<https://www.youtube.com/watch?v=P-RtFuG4BSM>

Leia a reportagem sobre o resgate de vítimas de tráfico internacional de pessoas submetidas à exploração laboral e cárcere privado
em uma oficina de costura na cidade de São Paulo e a reportagem de garimpeiros e cozinheiras que viviam em situação análoga à
de escravos na Floresta Nacional do Amana, no Pará. Isolados e endividados, os trabalhadores enfrentavam regras rígidas. De
acordo com uma das vítimas “Ali todo mundo tem livre arbítrio, ninguém é obrigado a nada. Mas a situação não te deixa outra
opção [...] É assim. Tu não é obrigada a pagar pra falar com a família, mas a outra opção é andar 30 quilômetros embaixo do sol. Só
de ida”.

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Tráfico de pessoas para fins de submissão a qualquer tipo de servidão


A servidão pode ser considerada uma forma ampla de exploração, que abarcará distintos atos, serviços e trabalhos realizados de
maneira forçada. Em seu escopo, outras formas de exploração não elencadas na Lei nº 13.344/2016 poderão ser contempladas e
caracterizadas como tráfico de pessoas com fins de servidão, como a mendicância forçada, casamento servil, exploração de meninos para o
futebol e as mulas do tráfico de drogas (vimos esse debate anteriormente como um dos principais desafios da Lei nº 13.344/2016).

É interessante diferenciar a servidão da escravidão, visto que ambas se referem a situações de dominação e exploração da pessoa pela
pessoa. Assim, pode-se dizer que a escravidão se relaciona com a ideia de propriedade, enquanto servidão transmite a noção de dependência
e submissão da vontade da pessoa por meio da violência ou ameaça.[1]

Sobre a questão da servidão, leia a reportagem 100 anos de servidão que aborda a situação de extrativistas que trabalham para
pagar dívidas ao patrão no Amazonas e denuncia a existência de famílias que permanecem há três gerações nessa situação, sendo
obrigadas a trabalhar no corte da piaçaba, palha utilizada na confecção de vassouras. Estão presas “a um modo de exploração em
que o trabalho se confunde com pagamento de dívida”.

[1]OIM. Manual para la detección del delito de trata de personas orientado a las autoridades migratorias. Costa Rica. 2011. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/sitios/Observaciones/11/Anexo15.pdf. Acesso em: fev.
2020.

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Tráfico de pessoas para fins de adoção ilegal


O agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento de pessoa mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de adoção ilegal é a conduta típica dessa modalidade do crime de tráfico de
pessoas.

O Código Penal, em seu artigo 242, tipifica como crime os seguintes atos: simular uma gravidez, atribuindo parto alheio como próprio;
registrar como filho natural uma criança alheia; ocultar recém-nascido; e, por último, a ação de trocar um recém-nascido por outro.

Conheça a história de Charlotte Cohen, que chegou a encontrar um comprovante de pagamento que seus pais adotivos tinham
feito, uma transferência no valor de 69 mil francos, para a possível dona de um orfanato no Brasil. Nas palavras de Charlotte: “Fui
traficada quando era bebê [...] foi horrível ver que eu tinha sido comprada".

Sobre o caso da Charlotte, vale a pena lembrar que a principal ferramenta jurídica de proteção da infância no país, o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), aponta como crime o ato de “prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou
recompensa”[1] . Nessa conduta, a criança torna-se objeto de uma transação mercadológica, o que converge essa tipologia para o tráfico de
pessoas.

Em parte dos casos, a prática criminosa é realizada com o consentimento dos pais consanguíneos, mediante promessa de recompensa. Por
mais que os pais sejam os representantes legais da criança ou adolescente, esse consentimento é inválido, ao se considerar que não foi
praticado respeitando o interesse superior da criança. Ademais, tanto a legislação interna quanto o Protocolo de Palermo ressaltam a
irrelevância do consentimento em situações que envolvam criança e adolescente.

[1] Cf. artigo 238, Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual


O agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento de pessoa mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração sexual, é a conduta típica dessa modalidade do crime de tráfico
de pessoas.

No direito internacional, não há uma definição rigorosa sobre exploração sexual relacionada a adultos. O termo é encontrado apenas
quando relacionado à infância, ao se referir a práticas de exploração sexual de crianças como “o incentivo ou a coação para que uma criança
se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; a exploração da
criança em espetáculos ou materiais pornográficos [1]

De acordo com o entendimento internacional atual, não é adequado o termo “prostituição infantil”, mas sim “exploração sexual
infantil”. Isso porque uma criança não se prostitui, ela é explorada sexualmente.

Em linhas gerais, a exploração se refere à extração de uma vantagem ou benefício econômico de outrem, no marco de uma relação
desigual de poder. No caso da exploração sexual, esse benefício se dá por meio do uso do corpo da pessoa como objeto sexual. Assim, é
possível entender como exploração sexual a prostituição forçada, servidão sexual, produção de material pornográfico sem o
consentimento da pessoa, entre outros.

Para fins de definição do crime e/ou identificação de vítima explorada sexualmente, é importante analisar as condições impostas à pessoa
na realização dessa finalidade exploratória, tais como: quantidade de relações sexuais praticadas diariamente, condições de higiene e
salubridade do ambiente, meios de proteção à saúde e profilaxia das pessoas envolvidas no ato sexual, etc. Quando uma pessoa é explorada
sexualmente, raramente critérios mínimos de proteção e respeito à pessoa são observados, diferentemente daquelas pessoas que livremente
optam pela prostituição e podem determinar as condições de seu trabalho.

Assista ao documentário da Pastoral da Mulher Marginalizada sobre tráfico de pessoas para fins de exploração sexual!

<https://www.youtube.com/watch?v=1kEXs9PTTvI>

Apresentada a Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/2016), as modalidades previstas na legislação brasileira e
exemplos de alguns crimes que são correlatos ao tráfico de pessoas – como a redução a condição análoga à de escravo e o aliciamento para o
fim de emigração –, passaremos ao último tópico da unidade, que trata da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

[1]Cf. artigo 34, Convenção sobre os Direitos das Crianças.

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Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas


Como já mencionamos, o Protocolo de Palermo foi internalizado no Brasil em 2004. Dois anos depois, e por meio do Decreto
Presidencial nº 5.948/2006, é aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instituído o Grupo de Trabalho
Interministerial para a elaboração da proposta do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

A Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas pode ser considerada um marco em termos de política pública e proteção dos
direitos humanos no Brasil. Ela adota o conceito de tráfico de pessoas presente no Protocolo de Palermo e declara que o consentimento da
vítima é irrelevante[1] para a configuração do crime.[2]

A partir da Política de Enfrentamento são estabelecidos princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de
atenção às vítimas.[3]

Dentre os princípios que orientam a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, podemos destacar:

Respeito à dignidade da pessoa humana;


Não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação
profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status;
Proteção e assistência integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em processos
judiciais;
Proteção integral da criança e do adolescente.[4]

E dentre as diretrizes, ressaltamos:

Fortalecimento do pacto federativo, por meio da atuação conjunta e articulada de todas as esferas de governo na prevenção e
repressão ao tráfico de pessoas, bem como no atendimento e reinserção social das vítimas;
Fomento à cooperação internacional bilateral ou multilateral;
Articulação com organizações não governamentais nacionais e internacionais;
Estruturação de rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, envolvendo todas as esferas de governo e organizações da
sociedade civil.[5]

Sobre esse último ponto, a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é formada pela articulação de diferentes setores da sociedade
civil organizada, institutos de pesquisa, organizações internacionais e distintos poderes e níveis do governo brasileiro.[6]

Sendo o Brasil um país que adota um modelo descentralizado de governança da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas, é importante mencionar a atuação dos órgãos responsáveis por concretizá-la nos estados e municípios:

Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETPs): dentre outras competências, são responsáveis pela articulação e
planejamento das ações de enfrentamento no âmbito estadual e pelo fomento, planejamento, implementação, acompanhamento e
avaliação de políticas e planos municipais e estaduais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.[7] Há NETPs em diferentes regiões do
Brasil, verifique o mais perto de você.
Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHMs): têm por principal função prestar serviço de recepção a
brasileiros não admitidos ou deportados nos pontos de entrada.[8] Há PAAHMs em diferentes regiões do Brasil.
Comitês Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: são instâncias de participação e diálogo entre o poder público e a
sociedade civil, trazendo contribuições para elaboração de políticas públicas. Há Comitês em diferentes regiões do Brasil.

A partir de 2013 é instituído o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONATRAP), com competência para, dentre
outras ações, propor estratégias para a gestão e a implementação das ações da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e
dos planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas e fomentar e fortalecer a expansão da Rede de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas.[9]

Sobre os planos nacionais, entre 2008 e 2010, esteve vigente o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, entre 2013 e
2016, o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e a partir de 2018 até 2022 se encontra vigente o III Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, aprovado por meio do Decreto n.º 9.440/2018.

O III Plano apresenta metas destinadas à prevenção e à repressão ao tráfico de pessoas, responsabilização dos autores e atenção às vítimas
distribuídas em seis eixos temáticos – gestão da política; gestão da informação; capacitação; responsabilização; assistência à vítima;
prevenção e conscientização pública.[10]

Tais metas devem ser implementadas a partir de ações articuladas nas esferas federal, estadual, distrital e municipal e com a colaboração
de organizações da sociedade civil e de organismos internacionais.[11]

Confira as metas do III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ou na “Coletânea de instrumentos de
enfrentamento ao tráfico de pessoas” (você pode encontrá-la na biblioteca do curso)!

https://ead.dpf.gov.br/anpcidada/mod/book/tool/print/index.php?id=10157 26/29
20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas
Por fim, a aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas trouxe um fortalecimento e a inclusão do tema do
tráfico de pessoas de forma definitiva na agenda do Poder Executivo Federal do Brasil. Um grande desafio para a sua execução era a falta de
uma legislação específica sobre o tema.[12]

Com a promulgação da Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/2016), houve, portanto, um avanço significativo no
cenário brasileiro, especialmente no campo da proteção às vítimas. Nela há a previsão de uma política de assistência à vítima, que inclui
assistência jurídica, social, trabalho e emprego, saúde, acolhimento e abrigo provisório, prevenção à revitimização da pessoa e atendimento
humanizado.[13]

[1]Cf. artigo 2º, §7º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto nº 5.948/2006.

[2]SANTARÉM, 2018, op. cit., p. 35; 41.

[3]Cf. artigo 1º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto nº 5.948/2006.

[4]Cf. artigo 3º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto nº 5.948/2006.

[5]Cf. artigo 4º da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto nº 5.948/2006.

[6]Cf. <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/redes-de-enfrentamento>. Acesso em 2 dez. 2019.

[7]As atribuições dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foram definidas pela Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009. Cf. Portaria n.º 31, de 20 de agosto de 2009.

[8]As atribuições dos Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante foram definidas pela Portaria nº 31, de 20 de agosto de 2009. Cf. Portaria n.º 31, de 20 de agosto de 2009.

[9]O CONATRAP foi instituído pelo Decreto nº 7.901, de 04 de fevereiro de 2013, sendo reformulado pelo Decreto nº 9.833, de 12 de junho de 2019, em razão da normativa que estabeleceu novas diretrizes, regras e
limitações para colegiados da administração pública federal (Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019).

[10]Cf. artigos 3º e 4º do Decreto n.º 9.440/2018.

[11]Cf. artigo 4º do Decreto n.º 9.440/2018.

[12]SILVA, Renata Braz; ALMEIDA, Marina Bernardes de (Org.). Coletânea de instrumentos de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2018. p. 12; 15.

[13]SILVA; ALMEIDA, 2018, op. cit., p. 12; 15.

https://ead.dpf.gov.br/anpcidada/mod/book/tool/print/index.php?id=10157 27/29
20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

Conclusão e referências

Chegamos ao final da Unidade 2!

Ao longo desta segunda unidade, apresentamos o conceito de tráfico de pessoas, suas modalidades, a conjuntura atual da ocorrência deste
crime, a legislação interna e internacional referente ao tema – incluindo especialmente o Protocolo de Palermo e a Lei de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas (Lei n.º 13.344/16) –, o conceito de contrabando de migrantes e as diferenças entre este e o tráfico de pessoas, assim
como exemplos de alguns crimes que são correlatos, e finalizamos com considerações introdutórias sobre a Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e o III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Disponibilizamos na biblioteca virtual a mais recente publicação do ICMPD em matéria de assistência e proteção às vítimas de
tráfico de pessoas. Esse material foi elaborado a partir de discussões com as redes nas cinco regiões do país. Confira o Guia
Assistência e Referenciamento de Vítimas de Tráfico de Pessoas: atualizado de acordo com a Lei nº 13.344/16 (ICMPD,
2020).

Acesse para se aprofundar no tema!

A próxima etapa é a realização da atividade avaliativa sobre os temas que abordamos na Unidade 2.

Nos vemos em breve na Unidade 3. Até lá!

Referências bibliográficas

BARALDI, Camila; VENTURA, Deisy. Políticas Migratórias e Tráfico de Pessoas: Quando a Árvore Esconde a Floresta. p. 371-396. In: Brasil. Secretaria Nacional de
Justiça. Tráfico de pessoas: uma abordagem para os direitos humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2013.

Conferência Judicial Ibero-Americana. Regras de Brasília Sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade. Brasília, 2008.

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20/12/2020 Unidade 2 – Sobre o Tráfico de Pessoas

https://ead.dpf.gov.br/anpcidada/mod/book/tool/print/index.php?id=10157 29/29

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