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Da Doação

4.1 – Disposições Gerais

“Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,


transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra". Essa
norma dá o conceito legal de doação. Trata-se de um contrato, vez que é
necessário o acordo de vontades entre doador e donatário visando à
transferência da coisa. A motivação do contrato de doação é a liberalidade do
doador, sendo assim, qualquer motivo que não seja a vontade livre de agraciar
o donatário tornará o contrato nulo, vez que a motivação é da sua essência.
Por fim, haverá a transferência de alguma coisa de um patrimônio a outro.
Importante deixar claro que não possui a doação o poder de, per si, transferir o
domínio sobre a coisa. O que há, é que ela é o ato causal para a transferência
do domínio, que se operará com a tradição, seja ela real, ficta, ou formal.

Pode ser que o doador estipule prazo para o donatário declarar se aceita ou
não a doação. Nesse caso, entender-se-á que a doação estará perfeita quando
esse prazo decorrer em branco, ou seja, sem manifestação do donatário que o
conhecia, mas para tanto será necessário que a doação seja pura, quer dizer,
sem encargo. Essa regra evidencia o caráter contratual da doação.

“A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o


caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a
gravada, no excedente ao valor dos serviços ou ao encargo imposto". Esse
artigo reafirma o caráter gratuito da doação, vez que a liberalidade será a sua
motivação ainda que feita em contemplação do merecimento. Quer isto dizer
que, apesar do merecimento do donatário, a transferência da coisa se dará em
razão de liberalidade, pois não há obrigação jurídica de doar. Também as
doações remuneratórias e as gravadas com encargo não perderão o caráter de
liberalidade naquilo que sobejar ao valor dos serviços e do encargo. Isso
decorre do fato de que apesar de haver ou ter havido uma contrapartida por
parte do donatário, o valor da doação excede a essa contrapartida e que o
doador não é juridicamente obrigado a doar, o faz porque quer e não por
obrigação.

O artigo 541 do Código Civil enuncia que “a doação far-se-á por escritura


pública ou instrumento particular". Essa norma demonstra o caráter formal
do contrato de doação, que somente será válido se estiver escrito. O
instrumento particular será permitido todas as vezes em que a transferência da
coisa não requeira escritura pública, dessa forma a doação de bens imóveis de
valor superior à taxa legal (30 salários mínimos) deverá ser sempre por
escritura pública. A doação verbal somente será válida quando se tratar de
coisas de pequeno valor e em ato contínuo se seguir a tradição. Importante
verificar que não há um tabelamento legal daquilo que seria baixo valor, deverá
o intérprete ponderar as condições econômicas do doador para verificar se
para ele a doação é de pequena monta. Essas doações verbais com tradição
imediata são chamadas de doações reais.

Também o nascituro pode ser donatário, apesar de ainda não possuir


personalidade civil. Para resolver o problema que surge em razão da
necessidade de consentimento do donatário, o Código Civil no artigo 542 dá a
resposta de que o representante legal poderá consentir, dessa forma estará
presente o acordo de vontades e será respeitado o caráter contratual da
doação. A doação poderá existir ainda que o donatário não tenha capacidade
de direito, vez que pelo artigo 2º do Código Civil estão assegurados os direitos
do nascituro desde a concepção, mesmo não havendo ainda personalidade
civil.

“Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que


se trate de doação pura". A doutrina oscilou sobre o que se poderia inferir
dessa hipótese legal, se haveria a perda do caráter contratual da doação ou se
seria um contrato sem consentimento. Afora essas posições extremadas, se
pode entender que se trata de hipótese de consentimento ficto, vez que o
regime da incapacidade civil tem sua razão de ser na proteção dos interesses
dos incapazes, não podendo ser empecilho a que haja uma liberalidade em seu
favor. Nesse caso, pensar de outra forma faria com que a incapacidade civil em
vez de proteger o incapaz o atrapalhasse.

Contrariamente ao disposto nos contratos de compra e venda, e de permuta, a


doação de ascendente a descendente, ou de um cônjuge ao outro, não será
anulável se não houver o consentimento dos demais descendentes, isso ocorre
porque será considerada adiantamento de herança. Dessa forma, aberta a
sucessão, os bens doados retornarão para colação, assim como dispõe o
artigo 2002 do Código Civil. E tendo os bens retornado para a colação e,
conseqüentemente, cálculo do quinhão que caberá a cada herdeiro, fica
afastada a possibilidade de fraude, razão pela qual não se requer a anuência
dos descendentes e do cônjuge.

A doação feita em forma de subvenção periódica extinguir-se-á com a morte do


doador, pois se trata de contrato no qual a liberalidade é intrínseca, e como não
há modo de se obrigar os herdeiros a continuarem as doações, o natural é que
elas se extingam. Pode ser, no entanto, que o doador resolva, em disposição
de última vontade, que as doações persistirão, nesse caso os herdeiros
deverão continuar a doar, desde que as forças da herança assim o permitam.
Isso ocorre em razão de que a relatividade dos contratos impede que os
herdeiros sejam compelidos a usar o seu patrimônio pessoal para fazer
doações que não foram por eles determinadas.

“A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e


determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um
deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode
ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento
não se realizar". Essa hipótese legal visa incentivar o casamento, promovendo
o interesse dos nubentes em contrair matrimônio, já que veda a impugnação
por falta de aceitação e dispõe que a doação só não terá eficácia se o
casamento não se realizar.

O doador, em sua liberalidade, pode dispor que os bens revertam ao seu


patrimônio caso o donatário faleça antes dele. Essa cláusula de reversão só
prevalecerá em favor do próprio doador, caso esteja em favor de terceiro ela
será ineficaz.

“É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente


para a subsistência do doador". Esse é o artigo 548 do Código Civil, que tem
por finalidade impedir que a pessoa, em liberalidade, disponha de todo o seu
patrimônio de modo que fique sem o suficiente para a sua manutenção,
necessitando a partir disso da caridade alheia ou da assistência social para
prover a própria existência. É interesse do estado promover a solidariedade e a
generosidade, todavia deve se ter em conta que somente pode haver
liberalidade onde houver a garantia de um patrimônio mínimo para os dias
vindouros. 

Também será nula a doação que exceder a parte disponível do patrimônio do


doador. O doador que possua herdeiros necessários somente poderá doar
metade de seu patrimônio, os outros 50% serão reservados para a legítima dos
herdeiros, sendo que o cômputo dessa proporção far-se-á no momento da
liberalidade. Como o artigo 549 do Código Civil manda que a análise da
proporção do bem doado em relação ao patrimônio do doador seja feita no
momento da liberalidade, ficam perfeitas as doações que respeitem essa regra,
mesmo que no momento da abertura da sucessão o doador esteja em pior
sorte financeira.

Ainda protegendo as relações familiares, o Código Civil torna anulável a


doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice. Poderão requerer a anulação da
doação o cônjuge lesado e os seus herdeiros necessários, até o prazo
decadencial de dois anos após a dissolução da sociedade conjugal.

Saindo da seara de proteção à família, o Código Civil prescreve que a doação


feita em comum a mais de uma pessoa será distribuída em partes iguais entre
os donatários. Pode ser, no entanto, que o doador expressamente diga que se
fará de forma diversa, o que fica ressalvado. Já o parágrafo único do artigo 551
dispõe que sendo marido e mulher os donatários, o cônjuge que sobreviver ao
outro terá a doação em sua totalidade. Sendo assim, a coisa doada não passa
aos herdeiros do cônjuge morto, mas acresce ao cônjuge que sobreviveu.

“O doador não é obrigado a pagar juros moratórios, nem é sujeito às


conseqüências da evicção ou do vício redibitório. Nas doações para casamento
com certa e determinada pessoa, o doador ficará sujeito à evicção, salvo
convenção em contrário". Esse é o texto do artigo 552 do Código Civil, que em
sua primeira parte enuncia que o doador não responderá pelos juros
moratórios, nem pela evicção ou vício redibitório. É fácil perceber a razão
desse afastamento de responsabilidade, vez que a doação é um contrato
gratuito, ou seja, que gera diminuição do patrimônio do doador sem
contrapartida do donatário. O próprio fato de ser a doação uma liberalidade
afasta a responsabilidade do doador, vez que não pode ser onerado em razão
de um ato gracioso. A segunda parte do artigo, entretanto, dispõe que o doador
estará obrigado a responder pela evicção caso a doação seja feita em razão de
casamento com certa e determinada pessoa, a razão dessa exceção à regra
geral está no fato de que o doador ao doar estimula o matrimônio e causa uma
expectativa legítima nos nubentes, de forma que eles estariam desassistidos
caso o doador não fosse responsável pelos vícios jurídicos da coisa. Como se
trata de uma hipótese excepcional, nada mais justo que se excepcionar a regra
geral.

Em se tratando de doação gravada com encargo, o Código Civil dispõe que o


donatário deverá cumpri-lo caso seja a benefício do doador, de terceiro ou do
interesse geral. A faculdade de exigir o cumprimento do encargo cabe ao
doador, que ponderará sobre os benefícios e desvantagens dessa atitude. O
Ministério Público poderá exigir o cumprimento do encargo, mas somente no
caso de ele ter sido imposto em favor do interesse geral e se o doador já tiver
morrido. Até que o doador faleça, no entanto, a legitimatio ad causam será
somente sua.

Por fim o Código Civil estabelece que “a doação a entidade futura caducará se,
em dois anos, esta não estiver constituída regularmente". O que se infere da
norma em questão é que o próprio direito perecerá, já que se trata de hipótese
de decadência legal. Outro fato é que se requer que a constituição esteja
conforme ao direito, vez que se usa a expressão: “constituída regularmente",
dessa forma sociedades de fato não serão beneficiadas, pois não estão em
regularidade de constituição.

4.2 – Da Revogação da Doação

O doador, mesmo após ter feito a doação, poderá retomar a coisa nas
hipóteses de inexecução do encargo e de ingratidão do donatário. No caso de
ingratidão do donatário, o Código Civil veda que o doador antecipadamente
renuncie ao seu direito de revogar a doação. A razão de ser dessa norma é
que as hipóteses de ingratidão por serem de extrema gravidade fazem com
que a revogação seja de interesse de toda a sociedade, e não somente do
doador. Outro ponto é que no momento da doação as partes estão tomadas de
euforia, razão pela qual seria temerário permitir que o doador renunciasse ao
seu direito de revogação, vez que nesse momento seus sentimentos são
ternos.

As doações poderão ser revogadas por ingratidão nos seguintes casos: I – se o


donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio
doloso contra ele; II – se cometeu contra ele ofensa física; III – se o injuriou
gravemente ou o caluniou; IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os
alimentos de que este necessitava. Pode se observar que são hipóteses de
manifesta gravidade, nas quais estão em jogo bens jurídicos elevados do
doador. Também se pode notar que o doador seria reflexamente atingido
quando as ações do donatário se voltassem para o seu cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão. Por isso que o artigo 558 do Código Civil estende ao
doador a faculdade de revogar a doação quando o ofendido for uma dessas
pessoas. Esse artigo usa a expressão: “descendente, ainda que adotivo", para
dizer que os descendentes em razão da adoção estão abarcados pela norma.
Acredito que se trata de expressão infeliz, vez que a descendência não
comporta adjetivação, ou seja, em razão da adoção ou do vínculo biológico, os
descendentes terão o mesmo valor.
“A revogação por qualquer desses motivos deverá ser pleiteada dentro de um
ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que a
autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor". Por esse dispositivo legal se
percebe que a revogação somente caducará quando decorrer um ano de o
doador ter tomado conhecimento do fato e de que fora o donatário o seu autor,
por isso, enquanto o doador desconhecer a autoria não correrá o prazo
decadencial. Esse direito de revogar a doação cabe somente ao doador, não
podendo ser transferido a outrem, ainda que sucessor daquele. Mas caso
a ação de revogação da doação já tenha sido proposta, será possível que os
sucessores do doador prossigam com o feito.

Quando se elencou as hipóteses de revogação da doação se disse que o


homicídio doloso contra o doador é uma de suas causas, também se disse que
o único legitimado a propor a ação é o próprio doador. Isso pode parecer uma
grande incoerência, pois se o doador fora morto, como revogaria a doação?
Para responder a essa indagação é que o artigo 561 do Código Civil dispõe
que nessa hipótese a ação caberá aos herdeiros, a não ser que antes da morte
tenha o doador perdoado o donatário. Importante ter em consideração que
esse perdão deve ser inequívoco, mas pode ser materializado em qualquer
meio que esteja a disposição do moribundo.

Quando a doação for onerosa, o doador poderá revogá-la na hipótese de estar


o donatário em mora com o seu encargo. Pode ser que a mora seja ex re, ou
seja, o encargo deveria ter sido cumprido em data previamente avençada, o
que não causa nenhuma dificuldade, pois chegado o dia do cumprimento e
tendo a obrigação não sido cumprida, poderá o doador revogá-la. Pode ser,
também, que se trate de mora ex persona, hipótese na qual o doador deverá
notificar judicialmente o donatário para que cumpra o seu encargo, e não tendo
este cumprido a sua obrigação no prazo razoável que lhe fora dado, poderá ser
revogada a doação.

Mesmo que seja revogada a doação, há que se ter em mente que ficam
assegurados os direitos de terceiros de boa-fé. Quanto aos frutos, os colhidos
até a citação válida serão do donatário. Após esse marco processual eles
deverão ser restituídos ao doador. Pode ser, porém, que o donatário não
consiga restituí-los em espécie, nesse caso deverá indenizar o doador pelo
meio termo de seu valor. No que se refere à coisa, ela deverá ser restituída em
espécie, mas sendo isso impossível deverá haver a indenização do doador.

Não poderão ser revogadas por ingratidão as doações puramente


remuneratórias, as oneradas com encargo já cumprido, as que se fizerem em
cumprimento de obrigação natural e as feitas para determinado casamento.
Essas são hipóteses nas quais não há uma liberalidade pura (doações
remuneratórias e em cumprimento de obrigação natural), ou já foi cumprido o
encargo, o que exaure a possibilidade de revogação por sua inexecução.
Quanto à doação feita para determinado casamento, o artigo 546 do Código
Civil enuncia que ela somente ficará sem efeito no caso de o casamento não se
realizar, sendo assim fica afastada a possibilidade de revogação.

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