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CÂMPUS SUL – SEDE: MORRINHOS

Docente: Gustavo Vettorato


Discente: Richard Moura
Curso: Direito

CAUSAS DE NULIDADE E ANULABILIDADE DAS DOAÇÕES

I – Doação Universal.

Considera-se doação universal aquela que tem por objeto todos os


bens do doador, ou ainda, aquela em que, caso o doador, mesmo não dis-
pondo de todos os bens, se desfaça de significativa parcela de seu patrimô-
nio, de modo a comprometer o mínimo necessário a sua sobrevivência, é o
que consta do art. 548, do Código Civil, in verbis:

CC, Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de par-
te, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Contudo, a doação universal que constitua direito real de usufruto ao


doador, não figura-se nula, pois nesta, a sobrevivência do doador encontra-
se amparada. Na mesma esteira, relevante parte da doutrina entende que a
doação universal não será nula quando o doador ainda tenha rendimentos
razoáveis parar lhe garantir a sobrevivência.

Diante disso, observa-se que a matéria disciplinada no art. 548, visa


garantir a dignidade do doador, impedindo que o mesmo caia em mendicân-
cia por uma ato inconsequente de doação sem reserva de bens. Mostra-se
referido artigo a aplicação da teoria do patrimônio mínimo. Posto isso, veja a
ementa da decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

STJ RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO UNIVERSAL. ART.


1.175 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ART. 548 DO CÓ-
DIGO CIVIL EM VIGOR). APLICAÇÃO EM ACORDO REALIZADO
POR OCASIÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. PRECEITO ÉTICO.
POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

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1. A proibição inserta no art. 1.175 do Código Civil de 1916 (art.
548 do Código Civil em vigor) destina-se a impedir que o autor da
liberalidade reduza-se a situação de pobreza, em razão da doação.
Caráter social do preceito em testilha.

2. A vedação à doação universal realiza a mediação concretizadora


do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1°,
III, da Constituição Federal). Recursos financeiros suficientes para
que as necessidades elementares da pessoa humana sejam atendi-
das.

3. Acordos realizados nas separações judiciais são transações de al-


ta complexidade, tendo em vista a gama de interesses sensíveis a
serem ajustados. Disponibilidade patrimonial para compor ajustes
sobre questões intrincadas. Condescendência econômica de uma
das partes. Limitação. Não se podem solucionar problemas de or-
dem familiar a qualquer custo, máxime, quando o preço a ser pago
reflete-se na dignidade da pessoa humana.

4. Incide o preceito ético do art. 1.175 do Código de 1916 (art. 548


do Código Civil em vigor) em acordo realizado, em virtude de sepa-
ração judicial.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(STJ, REsp, Nº 285.421/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina)

II – Doação Inoficiosa.

A doação inoficiosa é aquela que excede o limite da legítima, que correspon-


de a 50% do patrimônio do disponente reservado por lei aos herdeiros neces-
sários. É o que nos diz o art. 549, do Código Civil:

CC, Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à
de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em tes-
tamento.

Destaca-se que a doação será nula na parte que exceder a legítima, e


não em sua totalidade, desta feita, incidindo-se a inoficiosidade, proceder-se-
á a redução do negócio jurídico até o quantum necessário, ou seja, até que o
ato de liberalidade seja de até 50% do patrimônio do donatoris.

Contudo, haveria uma forma de burlar o sistema da doação inoficiosa,


que seria promovendo doações sucessivas de até a metade do patrimônio do
doador, por esta razão, entende-se que a inoficiosidade deve levar em consi-
deração, entre o lapso das doações, o momento em que o doador possuía
maior patrimônio, é o que nos diz o professor Carlos Elias em seu exemplo,
senão veja:

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“Se hoje o doador tem um patrimônio de R$ 100.000,00 e ele doa
R$ 50.000,00 a um mendigo, essa doação é válida. Não poderá ele,
amanhã, doar mais nada, pois a sua parte disponível já foi doada.
Todavia, se, no próximo ano, ele ganhar na loteria e catapultar o
seu patrimônio para 10 milhões de reais, entendemos que a sua
parte disponível passou a ser de 5 milhões: como ele já doou R$
50.000,00 no ano passado e considerando que esse valor atualizado
monetariamente corresponda a R$ 51.000,00, entendemos que o
doador poderá dispor ainda de R$ 4.949.000,00.”

Destarte, veja a ementa da decisão do Tribunal de Justiça de Minas


Gerais:

TJ-MG EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE


FAMÍLIA/SUCESSÓRIO - DOAÇÃO INOFICIOSA
- REDUÇÃO DA LIBERALIDADE À PARTE DISPONÍVEL DO PATRI-
MÔNIO DO DOADOR/TESTADOR - DESCENDENTE NÃO ALCAN-
ÇADO PELA LIBERALIDADE - PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE
OS FILHOS - QUESTÕES ATINENTES À COLAÇÃO QUE NÃO IN-
TEFEREM NO PLANO DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO -
RECURSO DESPROVIDO.

1 - A nulidade decorrente da doação inoficiosa deve ser limitada à


parcela da liberalidade que desgarra do patrimônio disponível do
doador. Na parte que preserva a legítima, a doação deverá seguir
válida e eficaz.

2 - O princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º, da Cons-


tituição Federal), não implica na nulidade da doação realizada pelo
ascendente em benefício de apenas alguns dos seus descendentes.
Liberalidade que deve ser compreendida como adiantamento de he-
rança. Dever de colação pelo donatário, quando for aberta a suces-
são, que objetiva o nivelamento dos quinhões hereditários.

3 - A dispensa da colação exige, além da observância da legítima, a


manifestação expressa de vontade do doador neste sentido; debate
que não inquina o plano de validade da doação.

(TJ-MG, Apelação Cível, Nº 1.0000.23.233919-2/001 5001028-


57.2019.8.13.0116 (1), Rel. Des. Francisco Ricardo Sales Costa)

III – Doação de Cônjuge Adúltero.

É ilegítima a doação de bens por parte do cônjuge adúltero em favor de


seu cúmplice. Materializando-se tal doação, a mesma poderá ser anulada
pelo outro cônjuge, decaindo desse direito no prazo de 2 anos após fim da
sociedade conjugal. Vide art. 550, do Código Civil:

CC, Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser
anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até
dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

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No que tange a anulação por parte dos herdeiros necessários, doutrina
majoritária nos informa que esta só pode ser intentada pelos herdeiros su-
pramencionados após o falecimento do cônjuge que sofrera o adultério.

Veja a ementa jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

STJ DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ANULAÇÃO DE


DOAÇÃO DE BENS DO CÔNJUGE ADÚLTERO AO
CÚMPLICE. PRAZO DECADENCIAL DE 2 (DOIS) ANOS. A LEGITI-
MIDADE DO HERDEIRO NECESSÁRIO PARA VINDICAR A ANULA-
ÇÃO EXSURGE APENAS NO CASO DO FALECIMENTO DO CÔN-
JUGE LESADO. EM TODO CASO, HÁ LEGITIMIDADE AUTÔNOMA
DO HERDEIRO NECESSÁRIO DO CÔNJUGE QUE PROCEDE À
DOAÇÃO DE BENS PARA VINDICAR A ANULAÇÃO QUANTO À
PARTE QUE EXCEDER A DE QUE O DOADOR, NO MOMENTO DA
LIBERALIDADE, PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO (DOAÇÃO
INOFICIOSA). TRANSMISSÃO DE IMÓVEL COM UTILIZAÇÃO DE
PROCURAÇÃO, EM QUE PESE A PRÉVIA REVOGAÇÃO DO MAN-
DATO. NULIDADE DE PLENO DIREITO, QUE NÃO SE SUBMETE A
PRAZO DECADENCIAL PARA O SEU RECONHECIMENTO.

1. O art. 550 do CC/2012 estabelece que a doação do cônjuge adúl-


tero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por
seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a
sociedade conjugal. Com efeito, a lei prevê prazo decadencial para
exercício do direito potestativo para anulação da doação, a contar
do término do casamento, isto é, pela morte de um dos cônjuges ou
pelo divórcio.

2. Ademais, no tocante ao pleito de anulação da doação do cônjuge


adúltero, por dizer respeito à meação da lesada (genitora do autor),
coautora da ação, fica patente que o filho não tem legitimação para
este pedido específico - o que só poderia cogitar se tivesse havido o
prévio falecimento de sua mãe -, hipótese em que, a teor do art.
1.177 do CC/1916 [similar ao art. 550 do CC/2002], estaria legiti-
mado como herdeiro necessário.

3. No entanto, o caso é peculiar, pois é vindicada pelos autores


anulação de doação praticada pelo cônjuge alegadamente infiel, já
falecido por ocasião do ajuizamento da ação, sendo certo que cons-
ta da causa de pedir e do pedido a anulação de escrituras para que
os bens imóveis doados passem a constar do acervo hereditário, em
proveito do inventário. Com efeito, em vista do disposto no art.
1.176 do CC/1916 [similar ao art. 549 do CC/2002], que estabelece
ser nula a doação quanto à parte que exceder a de que o doador, no
momento da liberalidade poderia dispor em testamento, e como o
feito foi julgado antecipadamente, sem ter sido instruído, se limi-
tando as instâncias ordinárias a enfrentar a tese acerca da deca-
dência para anulação da doação à apontada cúmplice, é prematuro
cogitar em reconhecimento da ilegitimidade ativa do autor.

4. A transmissão de imóvel efetuada com utilização de procuração,


em que pese a prévia revogação do mandato, por não se tratar de
vício de consentimento, mas na sua ausência absoluta, não se

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submete à decadência, constituindo nulidade de pleno direito a
atingir todos aqueles que não agiram de boa-fé.

5. Recurso especial provido.

(STJ, REsp, Nº 1192243 / SP 2010/0077460-9, Rel. Min. Luis Feli-


pe Salomão)

É mister ressaltar que o Código Civil também veda o testamento ao


concubino, porém a penalidade aplicada a este ato é a NULIDADE, enquanto
no caso da doação a pena aplicada é ANULABILIDADE.

IV – Doação Que Reduz à Insolvência.

A doação que reduz o doador à insolvência constitui fraude contra cre-


dores, podendo assim ser anulada pelos credores do doador. É o que dispõe
o Código Civil na parte geral, em seu art. 158, ipsis litteris:

CC, Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remis-


são de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles re-
duzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados
pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

A anulação do negócio jurídico que configure fraude a execução deve-


rá ser intentada mediante ação pauliana, no prazo decadencial de 4 anos, a
contar da data da celebração no negócio jurídico.

Atente a ementa da decisão do excelso Superior Tribunal de Justiça:

STJ CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


EMBARGOS DE TERCEIROS. DOAÇÃO DE DEVEDOR
INSOLVENTE EM FAVOR DO PRÓPRIO FILHO. FRAUDE À EXE-
CUÇÃO CONFIGURADA.

1. Considera-se em fraude de execução a doação de imóvel ao des-


cendente quando, ao tempo da doação, corria contra os devedores
demanda capaz de reduzi-los à insolvência.

2. A jurisprudência do STJ reconhece a importante proteção aos


terceiros que adquirem de boa fé bem imóvel sem saber de ação
executiva movida em face do alienante em estado de insolvência.

3. Entretanto, essa proteção não se justifica quando o doador pro-


cura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a
doação gratuita de seus bens para seu descendente, com objetivo
de fraudar a execução já em curso.

4. Modificar o entendimento do acórdão recorrido no sentido de que


a doação se efetivou de forma irregular, por meio de prática de ato
de alienação em fraude à execução, demandaria o reexame de fatos
e provas, o que é vedado pela Súmula 7/STJ.

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5. Recurso especial conhecido e não provido.

(STJ, REsp, Nº 1.600.111 / SP 2016/0118666-2, Rel. Min. Nancy


Andrighi)

V – Doação Que Não Revestir a Forma Legal.

Essa hipótese de nulidade não está prevista expressamente no Código


Civil, mas pode ser retirada da interpretação contrária do art. 541 e seu pa-
rágrafo. Senão veja o texto do dispositivo:

CC, Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento


particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre


bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

Extrai-se do caput diploma legal, mediante interpretação contrária


que, a doação de imóveis não pode ser feita verbalmente, deve ser feita por
escritura pública (se superior a 30 salários mínimos, vide art. 108, CC), ou por
instrumento particular. Caso tal regra não seja observada, a doação será nu-
la.

Já do parágrafo único, pode-se entender que será nula a doação verbal


de bens móveis que constituam médio a grande valor, devendo estes serem
doados mediante instrumento particular ou até mesmo escritura pública.

Veja a ementa do julgado da Colenda Câmara Recursal do Tribunal de


Justiça do Rio Grande do Sul:

TJ-RS APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE DOAÇÃO.


VÍCIO DE FORMA. NULIDADE ABSOLUTA.
PRESCRIÇAO. INOCORRÊNCIA.

1. A doação de meação composta por bem imóvel realizada sem ob-


servância da forma legal não convalida com o tempo e não é susce-
tível de prescrição (art. 134, ii; e art. 145, iii do cc/1916). prescri-
ção afastada.

2. Para além da inobservância da forma legal da doação, a partilha


amigável na qual a cláusula de doação foi feita foi anulada por sen-
tença já transitada em julgada. desse modo, não há como subsistir,
contra a vontade da doadora, a cláusula de doação para fins de no-
va partilha. pedido procedente. deram provimento ao apelo.

(TJ-RS, Apelação Cível, Nº 50000460820178210143, Oitava Câma-


ra Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julga-
do em: 06-07-2023)

Por estar assim, visto e revisto, dou por encerrado o trabalho.

É O NECESSÁRIO.

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