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UMA ANÁLISE ECONÔMICA DO VALOR JUSTO EM DESAPROPRIAÇÕES:

JUSTIÇA, EFICIÊNCIA OU AMBAS?

AN ECONOMIC ANALYSIS OF JUST COMPENSATION IN PUBLIC


EXPROPRIATIONS: JUSTICE, EFFICIENCY OR BOTH?

Antonio José Maristrello Porto1


Paulo Fernando de Mello Franco2

RESUMO
A desapropriação, enquanto forma drástica de intervenção do Estado na propriedade
privada, requer o pagamento de indenização que, por imposição da Constituição – tanto
do Brasil quanto dos demais ordenamentos jurídicos em geral –, deve ser
necessariamente prévia e justa. Todavia, não há certeza a respeito de qual deva ser esse
valor justo a ser pago pelo Estado. O objetivo do paper é, pois, o de lançar luz sobre o
conceito de justa compensação a fim de arrefecer as incertezas existentes.
Estabeleceremos, para tanto, uma zona de certeza negativa a respeito do que não pode
ser considerado como valor justo até que, ao final, consigamos sugerir uma proposta
acerca do que entendemos como justa compensação.
PALAVRAS-CHAVE: Desapropriação; Intervenção do Estado na propriedade privada;
Prévia e justa indenização; Justa compensação; Valor justo.

ABSTRACT
Expropriation, as drastic state intervention in private property, requires, as determined
by the Constitution, prior and fair compensation. The purpose of this paper is to find out
the economic substance and legal scope of the fair value mentioned by the Constitution:
is it the nominal value, market economic value or some new value, not yet theorized,
that corresponds to the aimed just compensation? So for that, the paper will try to point
the fair value through the establishment of a negative sure zone. In other words, to
establish one concept proposed of fair compensation it is necessary, initially, to point
which cannot be taken as synonymous with fairness.
KEYWORDS: Public Expropriation; Takings; Fair and prior compensation; Just
Compensation; Value Fairness.

1. INTRODUÇÃO

1
Doutor em Direito (Doctor of the Science of Law - J.S.D.) pela University of Illinois. Mestre (Master of
Laws - LL.M.) pela University of Illinois. Vice-Diretor da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio.
Professor Adjunto e do Mestrado em Direito da Regulação da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito
Rio. Coordenador do CPDE e do CDMA da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio.
2
Doutorando em Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestre em Direito pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Pós-Graduado em Direito Público pela
UCAM – Centro. Professor convidado dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação da Fundação
Getúlio Vargas – FGV Direito Rio. Pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia – CPD da
Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio.
As desapropriações, como forma de regulação e intervenção do Estado na
propriedade privada, pressupõem, por expressa determinação da Constituição da
República de 1988, indenização prévia e justa. Não há, porém, um rigor metodológico
que forneça certeza a respeito do que é esse valor justo. Como é notório, incertezas
geram, no campo do Direito e da Economia, insegurança e ineficiência indesejadas.
Nosso propósito é, portanto, lançar luz sobre o alcance jurídico e o conteúdo
econômico do valor justo mencionado pela Constituição.
Para tanto, na seção II, analisaremos o debate sobre valor justo em
desapropriações a partir de uma revisão da literatura especializada. Após, na seção III,
cotejaremos a legislação e jurisprudência pátrias. Em seguida, sem a pretensão de
esgotarmos o tema, procuraremos estabelecer, na seção IV, uma zona de certeza
negativa, i.e., para que consigamos propor um conceito de valor justo, avaliaremos,
inicialmente, o que não pode ser tido como sinônimo de justa compensação visando a
verificar a (im)pertinência da adoção dos critérios de valor venal; valor de mercado e;
valor de mercado econômico como justa compensação. Finalmente, na seção V,
concluiremos o artigo com uma proposta de valor justo que, apreciando variáveis não
consideradas pelos critérios anteriores e, ao mesmo tempo, desconsiderando outras que,
a nosso ver, não têm lugar na quantificação da indenização, encontre suporte no
binômio justiça-eficiência.
Seguem os argumentos que orientarão nossa análise das indenizações em
desapropriações.

2. DESAPROPRIAÇÃO E VALOR JUSTO


Antes de iniciarmos o debate acerca do valor justo de indenizações em
desapropriações é importante que digamos efetivamente sobre qual(is)
desapropriação(ões) estamos falando. O esclarecimento se justifica porque, além das
modalidades mais conhecidas previstas no Decreto-Lei 3.365/41, há outros institutos
que, por vezes confundidos, acabam sendo tratados como se desapropriações fossem,
sem de fato serem.
A desapropriação se afigura, em linhas gerais, como modalidade drástica3 de
intervenção do Estado na propriedade privada. Diz-se drástica porque a intervenção do

3
A despeito das críticas que lançaremos ao longo de nosso paper, forçoso reconhecermos que “O
instituto da desapropriação, sem dúvida, gera, até os dias de hoje, inegáveis benefícios para a
coletividade, viabilizando, por exemplo, grandes obras públicas e os cada vez mais imprescindíveis
Estado se dará de modo supressivo, o que significa dizer que o particular – anterior
proprietário – perderá sua propriedade – recebendo, em contrapartida, uma indenização.
De todo modo, a constatação é evidente: os direitos de propriedade não são mais
absolutos como no passado4.
Neste artigo, concentraremos nossos esforços no estudo das desapropriações
mencionadas pelo art. 5º, XXIV, da CRFB, que trata das desapropriações por
necessidade pública, utilidade pública e por interesse social, cujo conteúdo normativo
exige, como dever do Estado desapropriante, justa e prévia indenização em dinheiro a
ser paga em favor do desapropriado5, teor este que se reforça no art. 182 da CRFB6.7

projetos de infraestrutura, sobretudo urbana. Sem essa prerrogativa estatal, seria impensável deixar ao
arbítrio privado o fornecimento, a seu critério, dos mais variados bens de interesse coletivo, necessários
para o desenvolvimento e para o bem-estar da sociedade”. Cf. ACOCELLA, Jéssica. Justa indenização
expropriatória vai além do valor de mercado do bem. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-
dez-05/jessica-acocella-criterios-justa-indenizacao-expropriatoria>. Acesso em: 24.08.16.
4
Para um histórico mais aprofundado acerca do direito de propriedade v. nosso trabalho PORTO, Antonio
José Maristrello; FRANCO, Paulo Fernando de Mello. Uma Análise também Econômica do Direito de
Propriedade. In Direito Privado em Perspectiva: Teoria, Dogmática e Economia. LEAL, F.; PORTO,
Organizador, 1. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2016. v. 1.
5
Art. 5º, CRFB. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIV - a lei estabelecerá o procedimento
para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia
indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
6
Art. 182, CRFB. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos
serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
7
Não estudaremos, pois, as hipóteses de expropriação – previstas, a nosso sentir, no art. 243, CRFB –
que, embora previstas na Constituição de 1988, nada ou pouco têm a ver com o instituto da
desapropriação. Do mesmo modo, afastemos a justa compensação em expropriações decorrentes de
propriedades rurais e urbanas em que houver cultivo ilícito de plantas psicotrópicas ou a exploração de
trabalhadores reduzidos à condição análoga à escravidão, uma vez que, nestas, sequer há indenização a
ser paga ao proprietário. Tampouco investigaremos valores justos em expropriações sociais que, previstas
pelo Novo Código Civil, decorram da posse ininterrupta, de boa-fé, por mais de cinco anos, por
considerável número de pessoas que tenham realizado obras e serviços considerados de interesse social e
econômico relevante – cf. art. 1.228, NCC –, na medida em que de desapropriação não se trata. Também
não falaremos das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária – estas sim,
verdadeiras desapropriações –, que têm como motivação o descumprimento de suas funções sociais da
propriedade rural, na medida em que, por força do art. 184 da CRFB, a indenização comportada por esta
modalidade de indenização, apesar de ser igualmente prévia e justa, se dá mediante títulos da dívida
agrária resgatáveis no prazo de até vinte anos – cf. art. 184, CRFB –, o que nublaria o debate da justeza.
Do mesmo modo, não nos ocuparemos das desapropriações para fins urbanísticos, as quais, conquanto
sejam hipóteses de desapropriação, são indenizadas mediante títulos da dívida pública, com prazo de
resgate de até dez anos – cf. art. 182, CRFB –, o que também comprometeria o foco do nosso trabalho.
Igualmente, não trataremos das desocupações que, a despeito de semelhantes às desapropriações, com
elas não se confundem. Por exemplo, acoplando nosso estudo à realidade em que vivemos, inúmeras
desocupações ocorreram quando da realização de megaeventos em nosso país, os quais deflagram a
remoção de um sem número de indivíduos de determinadas áreas próximas às obras destes espetáculos. A
título de curiosidade, parte da população do Rio de Janeiro, situada em áreas próximas às obras da Copa
do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, que se tornaram atrativas para os investidores privados e
para a realização de grandes obras estruturais, se transformaram em zonas de verdadeiros conflitos
jurídicos pelo direito à habitação. Pode-se observar que, somente na gestão municipal de 2009 a 2013,
Nossa procura por uma definição de valor justo se restringirá ao estudo da
indenização em desapropriações ordinárias, i.e., aquelas que têm como fundamento o
Decreto-Lei 3.365/41 – que trata das desapropriações por utilidade pública e por
necessidade pública – e a Lei n. 4132/62 – que disciplina as desapropriações por
interesse social.
Veremos, nesta ordem, o que nos ensinam a literatura especializada e a
legislação nacional e, paralelamente, analisaremos como a jurisprudência do Brasil
interpreta seus dispositivos.

2.1. Valor Justo em Desapropriações: Uma Amostra da Literatura


Especializada
Encontramos um debate, que julgamos importante, a respeito da definição do
conteúdo econômico e jurídico da justa compensação em desapropriações, no que
prelecionam, dentre outros, Daniel Farber8 e Katrina Wyman9.

2.1.1. Análise Econômica e Justa Compensação


Comecemos por Farber e seu exemplar “Economic Analysis and Just
Compensation”.
O artigo de Farber se divide em duas partes: a primeira é um exame da literatura
econômica sobre desapropriação e; a segunda, um esboço de uma análise econômica
alternativa a respeito da desapropriação.
Primeiramente, discutindo os modelos econômicos de desapropriação à luz da
construção de rodovias e barragens, Farber usa como referência William Fischel e Perry
Shapiro10 para apresentar a perspectiva convencional sobre a indenização
governamental. O argumento utilizado é o da eficiência, no que se refere à falta de
incentivos para que se invista na propriedade privada em um cenário no qual não existe
indenização alguma, já que os investidores teriam medo de que os frutos de seus

foram removidas 67.000 (sessenta e sete mil) pessoas, totalizando mais que o somatório dos períodos da
gestão dos governos de Carlos Lacerda (30.000 pessoas removidas) e de Pereira Passos (20.000 pessoas
removidas), famosos pelas suas políticas de remoção . Cf. AZEVEDO, Lena; FAULHABER, Lucas.
SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. 1.ed. Morula Editorial: Rio de Janeiro, 2015.
8
FARBER, Daniel A. Economic Analysis and Just Compensation. International Review of Law and
Economics. EUA, 1992.
9
WYMAN, Katrina. The Measure of Just Compensation, University of California, Davis Law Review,
41, 2007.
10
Cf. FISCHEL, William A.; SHAPIRO, Perry. Takings, Insurance, and Michelman: Comments on
Economic Interpretations of Just Compensation Law. 17 J. Legal Stud. 269, 1988.
investimentos fossem tomados pelo governo. A conclusão mais comum dos estudos
sobre esse tema é que a desapropriação sem indenização é ineficiente, pois aumenta o
custo de oportunidade de esperar para investir, até quando o investimento é eficiente.
Fischel e Shapiro iniciam o artigo citado por Farber aduzindo que, para a
maioria dos economistas e juristas, a cláusula de justa indenização em desapropriações
– assim como nas demais modalidades de takings estatais que pressuponham
indenizações – conduz à eficiência. Fischel e Shapiro informam que essas constatações
podem ser extraídas da leitura da doutrina especializada na teoria da public choice,
dentre os quais citam William F. Baxter e Lillian R. Altree11, Louis De Alessi12,
Richard Epstein13 e M. Bruce Johnson14. A correlação entre justa compensação e
eficiência se justifica porque a inexistência do dever de indenizar por parte do Estado
reduziria os incentivos para que os proprietários conservassem e aprimorassem a
utilidade de suas propriedades.
Nesse cenário, haveria justificável receio de perda dos investimentos feitos em
seu patrimônio diante da não compensação e o investimento ficariam abaixo do ótimo.
Portanto, a exigência de compensação tem, segundo Fischel e Shapiro, dupla função: a
de limitar o poder do Estado (que teria seu poder de império de algum modo cerceado
pela contracautela da mandatória indenização) e; a de pré-fixar uma garantia mínima de
salvaguarda da propriedade privada15.
Todavia, essa não é a opinião de Shapiro que, em coautoria com Blume e
Rubinfeld16, pontuou que a justa compensação em indenizações por desapropriações
não é meio idôneo para garantir eficiência17. Isto porque, segundo Shapiro, Blume e

11
BAXTER, William F.; ALTREE, Lillian R.. Legal Aspects of Airport Noise, 15 J. Law & Econ. 1,
1972.
12
ALESSI, Louis de. Implications of Property Rights for Government Investment Choices, 59 Am. Econ.
Rev. 13, 1969.
13
EPSTEIN, Richard. Takings: Private Property and the Power of Eminent Domain, 1985.
14
JOHNSON, M. Bruce. Takings and the Private Market in SIEGAN, Bernard H.. Planning without
Prices: Taking Clause as it Relates to Land Use Regulation without Compensation, 1977.
15
“The compensation requirement thus serves the dual purpose of offering a substantial measure of
protection to private entitlements, while disciplining the power of the state, which would otherwise
overexpand unless made to pay for consumes”. Cf. FISCHEL, William A.; SHAPIRO, Perry. Op. Cit..,
1988.
16
BLUME, Lawrence E. Blume; RUBINFELD, Daniel L.; SHAPIRO, Perry. The Taking of Land: When
Should Compensation Be Paid? 99 Q. J. Econ. 71, 1984.
17
Nesse sentido, oportuno estabelecer uma interlocução entre o que propõe Farber e o que assinala o
trabalho de Thomas J. Miceli e Kathleen Segerson denominado “The Economics of Eminent Domain:
Private Property, Public Use, and Just Compensation”. Em termos econômicos, a intervenção estatal é
justificada para promover bens públicos e para regular as externalidades. Muitas vezes, essas intervenções
dependem de interferências na propriedade privada. Miceli e Segerson destacam que essa interferência
pode ser física, ou seja, uma desapropriação direta, ou pode ser indireta, feita por meio de regulações do
governo. Miceli e Segerson começam dizendo que a cláusula constitucional sobre desapropriação tem
Rubinfeld, a compensação pelos takings estatais encoraja os proprietários a investir
excessivamente em sua propriedade (uma vez que, quanto mais valorizadas, maior será
a indenização), o que faz com que eles ignorem o custo de oportunidade de seu
patrimônio versus escolhas públicas possivelmente eficientes. Cria-se, portanto, na
visão de Shapiro, Blume e Rubinfeld, o risco moral de que o proprietário, ciente de que
poderá ser desapropriado e que, uma vez desapropriado, receberá uma indenização
proporcional à valorização de seu bem, invista em seu bem de forma excessiva, acima
do que investiria em um mercado em geral, sem a possibilidade de desapropriação.
A ideia de Shapiro, Blume e Rubinfeld consiste em enxergar a justa
compensação estatal como um seguro. Mais especificamente, o valor justo em uma
indenização serviria como uma medida subsidiária à não contratação de seguros
privados por parte dos proprietários. Explica-se. Para Shapiro, Blume e Rubinfeld, a
justa indenização deveria ser dada àqueles que não tivessem contratado um seguro
privado de sua propriedade (que, em tese, abarcaria o risco da desapropriação) ou como
uma forma de propagação dos riscos a partir de contratos contingentes ou coligados. E,
tendo em vista que, em geral, seguros privados são contratados por proprietários ricos,
Shapiro, Blume e Rubinfeld concluem que o Estado indenizaria primordialmente as
desapropriações de propriedades de proprietários pobres.
Nesse sentido, Farber explica que o argumento de proteção contra
desapropriação é plausível e uma razão para isto é a sua precisão em uma situação
prototípica. Em um país que está tentando conseguir investimentos estrangeiros, tem-se
um alto risco para um duplo comportamento estratégico: primeiramente, por parte do
governo, que faz promessas ambiciosas para convencer o investidor, contudo, depois de
um tempo, confisca a sua propriedade; e, em segundo lugar, por parte do investidor, que
tende a não investir por medo do risco. Farber caracteriza este pano de fundo –
necessidade de proteção do investidor estrangeiro – como a razão subjacente para a
norma da Constituição norte-americana no que tange à indenização justa para
desapropriação. Reconhece, no entanto, que a aplicação desta cláusula é, atualmente,
um pouco diferente, pois os afetados são, agora, os residentes. As situações entre um

dois componentes-chaves: 1) a necessidade de ser para uso público; e 2) a necessidade do pagamento de


indenização justa – que as cortes vêm definindo como o valor de mercado. Isso restringe o modo de
atuação do governo no que tange à desapropriação de propriedade privada. Por vezes, a interferência por
meio de regulação é tão intensa que pode gerar a necessidade de indenização. Por uma perspectiva
econômica, não há diferença entre os dois modelos de intervenção – nos dois casos o governo impõe um
custo para o proprietário para promover um benefício social. Contudo, por uma perspectiva legal, a
questão sobre a necessidade de indenização se difere nos dois casos: é sempre devida nos casos de
desapropriação, mas raramente devida nos casos de regulação.
estrangeiro e um residente são diferentes porque, no primeiro caso, o ganho com a
indenização do investidor é liquido, tendo em vista que este indivíduo não paga os
tributos. No segundo caso, porém, o contribuinte paga altas quantias para financiar a
indenização quando outros indivíduos têm a sua propriedade desapropriada. A
conclusão que se chega é que o estrangeiro não precisa ser avesso ao risco para preferir
uma norma que imponha a indenização, porque esta é financiada pelos residentes;
contudo, para que o residente prefira a existência de uma norma de indenização, ele tem
que ser avesso ao risco, pois Farber considera a quantia paga para a indenização de
outro residente como uma garantia para que, caso a sua propriedade seja desapropriada,
o governo tenha o dever de lhe pagar a indenização. Logo, se o residente não é avesso
ao risco, ele vai preferir não pagar esta quantia, sabendo-se, por exemplo, que a
possibilidade de sofrer desapropriação é mínima. Outra diferença é que, em um cenário
sem indenização, o governo tem altos incentivos para desapropriar o estrangeiro e
baixos incentivos para desapropriar os residentes, já que, ao passo que os primeiros não
têm direito a voto, os segundos são eleitores.
Farber segue o artigo com um exame para determinar se a indenização serve
tanto como: 1) uma forma de seguro para os contribuintes avessos a risco; quanto como
2) um desincentivo para os projetos ineficientes do governo.
Farber analisa a primeira situação segundo o artigo de Blume e Daniel
Rubinfeld, apontando que a explicação anterior não revela o motivo pelo qual o
proprietário deve receber a indenização. No lugar disso, a explicação esclarece que a
indenização deveria acompanhar a demanda de seguros por diferentes grupos de
proprietários de terras, ou seja, já que apenas os contribuintes avessos ao risco se
beneficiam de uma indenização de desapropriação, eles é que deveriam ser os
destinatários desta proteção. O rico deve estar menos disposto a pagar um seguro contra
perder a mesma porção de terra do que um pobre. Pela mesma razão, a indenização
deveria ser menos desejada quando apenas uma parte pequena de uma parcela é tomada
pelo governo. Sendo assim, esta teoria – do seguro – não é suficiente para justificar o
núcleo do domínio eminente, segundo o qual toda desapropriação feita pelo governo
deve ser compensada. Uma questão que se coloca ainda nesta teoria é: por que deve o
governo ser o fornecedor deste seguro e não o setor privado? Ainda segundo o artigo de
Blume e Daniel Rubinfeld, Farber apresenta duas explicações para esta pergunta: a
primeira é o risco moral; a segunda, a seleção adversa. No segundo caso, poderia haver
indivíduos com conhecimentos internos sobre a possibilidade de desapropriação. No
primeiro caso, com uma indenização integral por parte do governo, os agentes
econômicos mudariam os seus comportamentos e o lobby contra a apreensão de
propriedade se reduziria. Lewis Kaplow leciona que o agente seria indiferente em
relação à probabilidade de desapropriação, tendendo a superestimar o investimento na
sua propriedade, o que reflete uma perda para a eficiência econômica. Blume e
Rubinfeld reconhecem esta questão e a solucionam ajustando a indenização, levando-se
em conta o uso economicamente mais eficiente da propriedade, considerando também o
projeto do governo, para eliminar os incentivos de investimentos excessivos. Para
Kaplow, a menos que esse ajuste possa ser feito – o que é tarefa difícil -, a indenização
pode causar risco moral.
Fischel e Shapiro apresentam um contra-argumento à crítica de Kaplow baseado
no custo psicológico e se afastando da análise econômica. As pessoas ficam mais
insatisfeitas quando vêem sua propriedade confiscada do que destruída em um acidente.
Kaplow conclui, então, reconhecendo que a indenização não deve ser rejeitada, contudo,
a teoria do seguro é fraca para explicar a indenização para os proprietários de terras.
Em seguida, Farber analisa a segunda situação – efeitos nos incentivos do
governo. Farber aponta que, segundo Fischel e Shapiro, a indenização impede a
expansão além do desejável de programas de governo. Contudo, deve-se levar em
consideração que, nos casos de projetos economicamente eficientes – em que os
benefícios excedem os custos para a sociedade –, e ignorando os efeitos de seguro, os
contribuintes estariam dispostos a que esses projetos fossem adiante, mesmo sem
indenização. Logo, os efeitos dos incentivos à indenização são apenas desejáveis nas
situações em que os projetos ineficientes são desencorajados. O objetivo é, portanto,
saber se a exigência de indenização provoca um aumento líquido na eficiência
econômica dos projetos do governo.
Farber afirma que, à primeira vista, segundo a teoria das externalidades, pode
parecer óbvio que o fato de o governo pagar todos os custos do projeto - internalizando
os custos - gera eficiência. Nada obstante, o governo não é uma empresa maximizadora
de eficiência.
Farber apresenta a ideia presente no artigo de Saul Levmore18 que defende que
os indivíduos que têm a propriedade desapropriada não são bem representados no
processo político, pois eles são um grupo ad hoc, isto é, eles não têm as vantagens de

18
LEVMORE, Saul. Just Compensation and Just Politics. 22 Conn. L. Rev. 285, 306-07, 1990.
atores políticos de repetição. Entretanto, Farber usa o contra-argumento de que eles
podem não ser agentes políticos, mas são atraentes para estes agentes. Os efeitos da
indenização vão no sentido de deslocar os custos do projeto para outros grupos. Os
políticos dão mais peso aos custos somente se estes grupos têm mais poder político do
que os proprietários de terras, sendo que, como os proprietários têm o benefício de
estarem próximos e concentrados, e os outros grupos têm a desvantagem de estarem
espalhados, por mais que sejam maiores, o primeiro grupo é mais propenso a ter maior
poder político.
Como, com a indenização completa, os indivíduos não têm incentivos para
resistirem à desapropriação, cresce potencialmente o número de projetos ineficientes.
Sendo assim, é compreensível que o fenômeno do – rent-seeking – seria mais
eficazmente contida por uma exigência de não indenização. Isso criaria, segundo o risco
moral, um lobby poderoso contra o governo nos projetos ineficientes, limitando, assim,
esses tipos de projetos.
Esse argumento pode parecer paradoxal. A proibição de indenização transfere os
custos dos contribuintes para uma pequena quantidade de proprietários de terra. Isso
parece explorador e contrário ao argumento de que as minorias precisam ser protegidas
das maiorias. Contudo, como ensina Bruce Ackerman, as minorias às vezes podem ter
poderes desproporcionais se comparadas com as maiorias19. Portanto, a falha dessa
teoria é que ela parece apresentar razões fortes tanto para a proibição da indenização
como para a obrigatoriedade dela.
Farber apresenta, ainda, algumas análises alternativas à desapropriação: em seu
entendimento, a cláusula constitucional de indenização não deve ser aceita ou rejeitada
de princípio, deve-se ser claro quanto a quais são os projetos afetados pela cláusula e
qual a alternativa que está sendo comparada com a indenização obrigatória.
Em suma, Farber constata que a regra de que todos os proprietários que têm suas
terras desapropriadas devem ser compensados tem benefícios eficientes: aumenta a
previsibilidade e diminui a probabilidade de um comportamento estratégico. Além de
possuir questões de equidade. Em um cenário em que exista a indenização por parte do
governo, a vulnerabilidade política de cada grupo não pode contar como variável de
aplicação ou não da indenização.

19
ACKERMAN, Bruce. The new separation of powers. Harvard Law Review, 113:633-729, 2000.
Passemos, agora, ao artigo de Katrina Wyman intitulado “The Measure of Just
Compensation”.

2.1.2. A Medida da Compensação Justa


O argumento central do artigo de Wyman, que é também referência no assunto, é
a constatação de que o debate sobre a indenização resultante da desapropriação é
realizado de modo superficial. A ideia de Wyman se justifica porque, segundo a autora,
a maior parte das propostas de reforma se baseiam no mesmo pressuposto problemático:
as indenizações devem deixar os proprietários subjetivamente indiferentes à
desapropriação. Por outro lado, Wyman defende que, na verdade, os proprietários
devem se sentir objetivamente indiferentes quanto à desapropriação. Por fim, para
fundamentar o argumento, o artigo esboça uma medida objetiva de compensação.
O artigo se desenvolve a partir da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos
de 2005, em Kelo vs. City of New London20 e da nova perspectiva que o caso suscitou
sobre quanto de indenização o governo deveria pagar quando há a desapropriação21.

20
New London, que esteve em declínio econômico por décadas, finalmente passava por um momento de
revitalização, o que propulsou a desapropriação de certas propriedades privadas com a finalidade
específica de impulsionar a economia. Diante disto, os proprietários que tiveram suas terras
desapropriadas se insurgiram contra a medida e argumentaram que expropriações desvinculadas de
finalidades primordialmente públicas violavam a cláusula constitucional sobre desapropriação no que
tange à necessidade de atender à condição de uso público. Nada obstante, a Corte discordou e decidiu que
o desenvolvimento econômico é, sim, um uso público válido. Essa decisão gerou considerável
insegurança, uma vez que, aparentemente, suas propriedades estariam ainda mais vulneráveis ao domínio
eminente. Nos Estados Unidos, as mudanças legislativas ocorridas em nível estadual e o andamento do
próprio caso, na Suprema Corte, fizeram Wyman acreditar que a Suprema Corte deveria rever a fórmula
para a concessão de uma indenização justa.
21
Um contraponto, porém, merece ser posto em discussão. Como pontuam Thomas J. Miceli e Kathleen
Segerson em sua obra“The Economics of Eminent Domain: Private Property, Public Use, and Just
Compensation”, por nós já citado, a questão do requisito de uso público não é, legalmente, consolidada.
Existe uma zona cinzenta, contudo, as cortes têm ido no sentido de defender o direito do governo de usar
o domínio eminente nos casos de projetos de desenvolvimento econômico. Este princípio foi estabelecido
no caso Berman v. Parker (348 U.S. 26, 1954) em que ficou decidido que poderia ocorrer a
desapropriação desde que o desenvolvimento da área toda fosse de interesse público. O tema foi então
revisitado no caso Kelo v. New London (125 S.Ct. 2655, 545 U.S. 469, 2005), em que, como vimos, ficou
decidido que o desenvolvimento planejado se enquadrava em “uso público”. No que se refere ao uso
privado com benefício público, há jurisprudência no sentido de considerá-lo como uso público, porém, os
tribunais não tem universalmente aceito este princípio. A jurisprudência estabeleceu vários princípios
para determinar quando o governo deve pagar indenização por uma regulação que se caracteriza como
desapropriação, dos quais os autores apresentam cinco: a doutrina do uso nocivo, o teste da diminuição de
valor, a existência de expectativa de investment-backed, a existência de reciprocidade de vantagens e a
exceção incômoda. A doutrina do uso nocivo ficou estabelecida em 1887, no caso Mugler v. Kansas (123
U.S. 623, 1887). A questão, neste caso, era sobre a proibição, por meio de lei estadual, da operação de
cervejarias, por ser nocivo à população. A Suprema Corte decidiu que o Estado poderia usar de seu poder
de polícia para evitar atividades prejudiciais à saúde, à moral ou à segurança da comunidade sem a
necessidade de pagar indenização quando a regulação implicasse diminuição do valor da terra. Em 1992,
a Corte mudou a sua posição no caso Pennsylvania Coal Co. v. Mahon (260 U.S. 393, 1922), no qual
ficou estabelecido o “teste de valor de diminuição”. A corte decidiu que uma regulação que “vai muito
Wyman se propôs a fazer uma releitura dos argumentos da Suprema Corte sob a ótica
dos aspectos objetivos e subjetivos presentes no decisum. Argumenta Wyman que a
indenização pautada em critério subjetivo, qual seja, o de deixar a pessoa
subjetivamente no mesmo estado que ela estaria se a desapropriação não tivesse
acontecido, não é executável. Wyman aponta para alguns dos perigos da utilização
desse método: estas preferências podem ser extremamente caras e podem perpetuar
diferenças sociais, no sentido de basear escolhas de políticas públicas em preferências
individuais. Wyman indica, como solução à crítica, a medida objetiva como a ideal. A
medida objetiva é limitada pela seguinte definição: a indenização deve fazer com que o
indivíduo aproveite de coisas que nós, como sociedade, comumente valorizamos, na
mesma medida em que ele aproveitava essas coisas antes da desapropriação.
Wyman afirma que seu artigo contribui para o debate do tema em dois sentidos:
primeiramente, no que se refere à sua crítica quanto à desnecessária moldura criada
sobre o tema – as discussões, majoritariamente, partem do único pressuposto de que a
indenização deve deixar os indivíduos subjetivamente iguais e, em segundo lugar, o
artigo apresenta uma solução diferente para o assunto. Wyman reconhece que ambos os
tipos de medida, tanto subjetiva quanto objetiva, têm imperfeições e que a melhor
escolha deve vir seguida de uma profunda análise do caso concreto.
O paper de Wyman esboça uma visão subjacente à análise da autora acerca de
qual seria a adequada medida de indenização. Para isso, ela começa fazendo uma
analogia entre a desapropriação e o dano à propriedade, uma vez que ambos: 1)

longe” em reduzir o valor de uma propriedade constitui, na verdade, uma desapropriação e, assim, requer
indenização, mesmo quando a regulação visa evitar dano público. Vale destacar que este caso foi um
divisor de águas, pois, ate então, graças a doutrina do uso nocivo, indenização por regulação não iam a
frente. Em 1978, ocorreu mais uma decisão importante para o tema: Penn Central Transportation Co. v.
City of New York (366 N.E.2d 1271, N.Y. 1977; affirmed 438 U.S. 104, 1978). Neste caso, ficou
decidido que a cidade de Nova York tinha o direito de impedir que os proprietários do “Grand Central
Terminal” construíssem um prédio, alegando ser um local histórico, sem a necessidade de pagar
indenização. Além deste ponto, esse caso trouxe outro marco para o tema por meio do voto dissidente,
que foi usado no caso Agins v. Tiburon (157 Cal.Rptr. 373, 1979; affirmed 447 U.S. 255, 1980). Foi
argumentado que um proprietário de terras sujeitas a uma lei de zoneamento deveria compartilhar com
outros proprietários os custos e benefícios do exercício de poder de polícia da cidade, e que a
desapropriação não tem lugar se a proibição se aplica a uma ampla seção transversalmente de terra e,
assim, asseguraria uma reciprocidade de vantagem. Por fim, o último ponto que Thomas e Kathleen
apontam como um marco para a “desapropriação por regulação” é a chamada “exceção incômoda”. Em
1992 a Corte decidiu no caso Lucas v. South Carolina Coastal Council (112 S.Ct. 2886, 505 U.S. 1003,
1992), no qual ficou decidido que a indenização também é devida quando as regulações governamentais
proíbem atividades que não seriam permitidas sob a lei comum de um estado não exigiria compensação,
independentemente do seu impacto sobre o proprietário do terreno.
interferem no direito de propriedade; e 2) têm a justificativa para a imposição de
responsabilidade na dissuasão e na justiça.
Wyamn destaca que o que, em geral, atrela-se a indenização à promoção de
justiça. É dizer, a indenização é, em regra, concatenada como mecanismo de justiça
distributiva. Todavia, todas as teorias de justiça corretiva estão baseadas na ideia de que
a vítima deve estar na mesma posição que estaria caso não tivesse ocorrido a
interferência indesejada. Assim, a situação de justiça antes da interferência não é
questionada e, por conseguinte, a vítima deve ser colocada no mesmo lugar que estaria,
ainda que esse cenário fosse considerado injusto. Apesar disto, é preciso reconhecer que
a noção de justiça corretiva não é capaz de dizer a medida da restauração do dano: pode,
quando muito, afirmar o dever de compensação, mas dificilmente conseguirá quantificar
a quantidade da reparação integral devida. Como reestabelecer o status quo ante
daquele vendedor não desejoso que, ainda que à contragosto, foi compelido a alienar
sua propriedade? Compartilhamos do mesmo entendimento de Wyman e reforçamos
que, a nosso sentir, o valor de mercado e o valor venal não podem ser tidos como justos
justamente por serem incapaz de estabelecer esse reestabelecimento.
Em seguida, Wyman argumenta que a maioria das regras sobre indenização por
desapropriação – e até mesmo as propostas de reforma ventiladas pela literatura – têm
como base a ideia de que o indivíduo deve ser compensado à luz de um parâmetro
subjetivo, ou seja, segundo o valor que ele atribui para a sua perda. Nos EUA, por
exemplo, a quinta emenda – que afirma que o governo deve pagar uma indenização
justa quando ocorre a desapropriação – é interpretada pela Suprema Corte como sendo
relativa àquela indenização capaz de deixar o desapropriado completo, i.e.,
integralmente reparado, noção esta que em geral coincide com o valor justo de mercado.
Tal se dá porque as Cortes reconhecem que é praticamente impossível reparar segundo
um critério subjetivo, pois isto traria incentivos para que o proprietário, tão logo
soubesse que seria desapropriado, se comportasse de modo oportunista e exagerasse no
valor subjetivo da propriedade para que sua indenização aumentasse. Além disso, a
Suprema Corte reconhece que o valor de mercado reflete as escolhas de vários
indivíduos e não apenas de um. Segundo Wyman, essa é uma razão para que o método
do valor justo de mercado não seja igual ao método que a autora chama de objetivo – já
que conta com preferências individuais. É preciso perceber que há perdas que, alheias à
frigidez do valor de mercado, acabam sendo internalizadas por aqueles que forem
desapropriados. Wyman divide estas perdas sem indenização em três categorias: a
primeira é aquela que o valor de mercado não cobre, como os honorários advocatícios; a
segunda se refere às perdas subjetivas, difíceis de serem quantificadas e; por fim, não
propriamente uma perda, mas sim um ganho, tem-se a questão de que a norma nega aos
desapropriados uma parte dos eventuais ganhos gerada pela desapropriação dos seus
bens22.
Nesse cenário, Wyman sugere soluções aos modelos de quantificação de valor
justo então estabelecidos.
Reformas propostas à justa compensação em desapropriações. Wyman
divide as propostas em quatro categorias, todas objetivando deixar o desapropriado
subjetivamente indiferente à desapropriação. A primeira se refere àquelas propostas que
pretendem indenizar o desapropriado na medida das perdas que ele tem que arcar. A
segunda se refere à teoria de que o proprietário deveria receber o valor de seu novo
imóvel se esse for maior do que o valor de mercado. A terceira categoria é aquela que
defende que o proprietário deve receber parte do excedente gerado pela desapropriação.
Wyman cita, a este respeito, Clayton Gillette que sugere que quando uma propriedade
privada é desapropriada para desenvolvimento econômico, a indenização deveria
“reflect not just the current value of the condemned land, but also some percentage of
the proposed project’s expected benefits to the municipality”23. Esta tese está ligada
com a ideia de promover tomadas de decisões eficientes por parte do governo, ou seja, o
governo teria incentivos para dar seguimento apenas aos projetos capazes de gerar
ganho suficiente para cobrir os custos da indenização. Contudo, para Wyman, isso
também pode levar ao bloqueio de projetos eficientes. Por fim, a quarta categoria se
refere à tese de que os proprietários têm que ser indenizados conforme o valor subjetivo
que dão à propriedade. Aqui, cabe destacar, que não se está falando dos sentimentos que
o proprietário tem pela propriedade, que são muito difíceis de serem quantificados, mas
sim de qual valor o proprietário atribui à propriedade, já que se ele atribuísse o valor de
mercado, ele a teria vendido. Para exemplificar a ideia, Wyman cita o paper de
Abraham Bell e Gideon Parchomovsky24, os quais propuseram a seguinte ideia: o
governo deveria anunciar que pretende desapropriar certas propriedades e, assim, os

22
A autora faz menção à normas federais e estaduais que requerem uma indenização maior do que a do
valor de mercado, as quais motivam os governantes a, em muitos casos, voluntariamente, pagar ao
expropriado mais do que o valor de mercado. Quando isso acontece, o que na prática ocorre é que o
governo divide os custos do que excedente ao valor de mercado com o próprio desapropriado.
23
GILLETE, Clayton. Kelo and the Local Political Process, 34 HOFSTRA L. REV. 13, 16, 2005.
24
BELL, Abraham; PARCHOMOVSKY, Gideon. Taking Compensation Private, 59 STAN. L. REV.
871, 890-95, 2007.
proprietários deveriam informar os valores que dão às suas propriedades. Para
incentivar valorações honestas, os proprietários deveriam pagar os impostos de acordo
com a sua autovaloração.
Após, Wyman analisa a medida subjetiva de indenização, dando ênfase para os
pontos negativos. Acerca dos atrativos da medida subjetiva, um primeiro argumento que
pode ser utilizado é que a medida subjetiva respeita a autonomia privada enquanto
importante valor em sociedades liberais. A propriedade privada pode ter o significado
de promover a autonomia individual porque ela dá aos indivíduos uma esfera na qual
eles são livres para seguirem as suas escolhas. Contudo, Wyman aponta que existem
razões para se acreditar que as preferências individuais relacionadas à indenização por
desapropriação nem sempre é produto de escolhas autônomas. O segundo argumento
usado é que esta medida é mais fácil de administrar do que uma medida objetiva. Por
exemplo, implementar uma medida objetiva depende da implementação de um sistema
administrativo ou judicial que está sujeito à aceitação de um conceito de “o que faz uma
pessoa se sentir completa” para formar a base para calcular a indenização. Entretanto,
também existem muitas dificuldades com a medida subjetiva, como já foi citado ao
longo do texto, e a própria Suprema Corte as reconhece, utilizando-se do valor justo de
mercado. Cabe ressaltar, porém, que o próprio valor de mercado também pode ser difícil
de ser obtido, já que, muitas vezes, aquela propriedade é única.
Por outro lado, também é possível enxergar críticas normativas à medida
subjetiva. Wyman elenca três objeções. A primeira é que algumas preferencias
individuais são questionáveis25.
Uma medida de indenização objetiva alternativa. Na medida objetiva, o fato
de o indivíduo estar se sentindo completo depende não dele, mas do julgamento de
outros sobre o que torna uma pessoa completa. O primeiro desafio é definir a métrica
objetiva, i.e., determinar a concepção sobre o que faz uma pessoa completa. Duas

25
Wyman exemplifica com a situação de um indivíduo etnocêntrico que, em um contexto de segregação
racial, pode valorizar mais a sua propriedade por estar em um “bairro de brancos”. Esta seria uma
preferência racista, sendo assim, pagar este indivíduo baseado em sua preferência seria questionável. Não
obstante, problematicamente, o sistema legal já compensa o desapropriado com base em preferências
questionáveis tendo como base o valor de mercado, pois este incorpora esse tipo de preferências. Outra
objeção é que as preferências de umas pessoas podem ser mais caras do que as de outras pessoas.
Compensar por gostos mais caros pode criar um risco moral, isso porque, as preferências mais caras
acabariam sendo subsidiadas. A terceira critica enfatiza que as preferencias são adaptativas. Isto é, parte
da premissa de que as preferências não são inatas e sim produto de circunstâncias. O ponto é que
equalizar a capacidade de satisfazer as preferências quando as preferências são produto de circunstâncias
preocupantes, tais como as desigualdades sociais, reforça e perpetua as circunstâncias indesejáveis. Uma
solução possível seria indenizar os indivíduos por todas as suas perdas, exceto pelas perdas vindas desse
tipo de preferências.
podem ser as respostas. Uma defende que o indivíduo tem que estar na posição de
desfrutar da mesma lista de coisas que desfrutaria se não tivesse ocorrido a
desapropriação. E a outra baseada na teoria da capacidade de Amartya Sen26. Sen iguala
qualidade de vida com aproveitar as capacidades, ou seja, o indivíduo deve poder
desfrutar os mesmos recursos que nós, como sociedade, consideramos valiosos, antes e
depois da desapropriação. O próximo desafio é utilizar essa concepção criada
anteriormente – partindo-se da premissa de que ela é correta - para calcular a
indenização. Pode-se implementar uma medida objetiva de quaisquer das três maneiras
a seguir. Primeiro, poder-se-ia tentar chegar a um pagamento único que todos os
desapropriados receberiam pela tomada de suas propriedades. Apesar de ser de barata
administração, não pode ser o ponto de partida, pois ignora a diferença em relação às
desapropriações. A segunda maneira poderia ser através de uma tabela determinada pelo
legislador. Seria necessário, consequentemente, categorizar as possíveis diferentes
desapropriações, o que não é simples. Wyman defende, então, que o melhor método é o
case-by-case que implicaria: 1) avaliar objetiva e individualmente a extensão do que
cada desapropriado aproveitava antes da desapropriação e pode aproveitar agora; e 2)
pagar a este indivíduo o montante necessário para que ele aproveite as coisas do mesmo
modo depois da desapropriação. O contraponto é que uma medida objetiva depende da
criação de uma concepção geral de boa vida e isso poderia gerar uma considerável
incerteza com consequências negativas como, v.g., o de condicionar, ex ante, nas
decisões individuais de tomadores de decisões.
Sigamos à análise da legislação e jurisprudência brasileiras.

3. VALOR JUSTO DAS DESAPROPRIAÇÕES NA LEGISLAÇÃO E


JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRAS
É preciso, como ponto de partida de nossa análise, identificar que o Decreto-Lei
3.365/41, sucessor do Decreto-lei n. 1.283/38, e a Lei n. 4132/62 remontam27 a
ordenamentos constitucionais anteriores à atual ordem constitucional instaurada em

26
SEN, Amartya. Development as Capability Expansion, Jounal of Development Planning, nº 19, 1989
(encarte especial sobre "Desenvolvimento humano a partir dos anos oitenta"). Tradução Regis Castro
Andrade.
27
Importante que esclareçamos que há, ainda, outras legislações esparsas que complementam e
amplificam o debate positivado acerca da desapropriação, tais como o Decreto-lei nº 271/67; o Decreto-
lei nº 1.075/70; a Lei nº 6.766/79; a Lei n. 4.504/64; a Lei n. 4.593/64; a Lei n. 4.947/66; o Decreto-lei n.
512/69; a Lei nº 8.257/91, regulamentada pelo Decreto nº 577/92; a Lei nº 8.629/93; a Lei Complementar
nº 76/93 e; só para citar estes, a Lei nº 10.257/01, i.e., Estatuto da Cidade. É que, ainda que não falemos
delas, servem estas para comprovar que, nada obstante obsoleto, o plantel legal é riquíssimo.
198828. A exigência constitucional de que se confira valor justo ao expropriado em
desapropriações é fruto de paulatina incorporação normativa29 e, curiosamente,
pendular30.

28
É bem verdade que, pelo fenômeno da recepção, normas anteriores à atual Constituição que sejam com
ela compatíveis são admitidas pelo novo regime constitucional, conferindo-lhes eficácia e fundamento de
validade igualmente novos. No entanto, é preciso verificar se, na prática, o decurso do tempo exige um
maior ou menor esforço hermenêutico para compatibilizar o Decreto-Lei 3.365/41 e a Lei n. 4132/62 às
regras e princípios constitucionais vigentes. Não nos esqueçamos, porém, o contexto autoritário em que se
inserem o Decreto-Lei 3.365/41 e a legislação que antecedeu a Constituição de 1988. Evidentemente,
existem e existirão incongruências com a nova ordem constitucional. Ainda assim, é este o instrumental
legal de que dispomos e, portanto, é ele que deve ser levado em consideração. Podemos citar, por
exemplo, como ilustração de incongruência, a espécie de exceção – ou inconstitucionalidade, a depender
da crença – ao princípio de inafastabilidade de jurisdição presente no Decreto 3.365/41 que, em seu art.
9º, positiva que: Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou
não os casos de utilidade pública. De todo modo, não nos ateremos a esta discussão que não cabe nestas
breves linhas sobre “valor justo”. É dizer, ainda que tenhamos um Decreto Expropriatório sedimentado
em justificativas pautadas em conceitos jurídicos indeterminados – tais como interesses superiores da
coletividade –, nada poderá ser feito, restando, apenas, a discussão acerca da justeza do valor
indenizatório. Igualmente, em havendo tredestinação ilícita, restará ao particular quedar-se inerte e,
quando muito, arguir seu anterior direito real de propriedade degradado como mero direito pessoal. A
primeira adequação que se impõe é aquela que conduz os ditames do Decreto-Lei 3.365/41 e da Lei n.
4132/62 ao princípio da juridicidade. É dizer, quando da tarefa de interpretá-los, deverá o operador do
Direito filtrá-los à luz da Constituição da República e de todo seu arcabouço normativo cuja força vincula
e obriga. Isto significará, de imediato, a obrigatoriedade de que, ainda que o Decreto-Lei e a Lei assim
não prevejam, tenhamos indenizações em desapropriação que, além de prévias, sejam, também, justas, o
que se guiará pela proeminência axiológica dos direitos fundamentais insertos na CRFB de 1988, cf.
BINENBOJM, Gustavo. A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: Um inventário de
Avanços e Retrocessos. In Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, n. 13, p. 23,
mar./abr./mai. 2008, p. 30.
29
Exigia-se, desde a Constituição do Brasil de 1824, indenização prévia à desapropriação. Todavia, a
necessidade de que seu valor fosse justo adveio tão somente com a Constituição de 1934 que, em seu art.
113, dispunha que à indenização decorrente de desapropriação por necessidade ou utilidade pública se
impunha prévia e justa indenização29: Art. 113, Constituição de 1934. A Constituição assegura a
brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 17) É garantido o direito
de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei
determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante
prévia e justa indenização. Ademais, de bom tom ressaltar que tal incorporação constitucional encontrou
esteio em ordenamentos comparados coetâneos. Podemos citar, por exemplo, a Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789 que, em seu item XVII, ao tratar do direito de propriedade, o afirma como
sendo um direito inviolável e sagrado, do qual ninguém pode ser privado, “a não ser em caso de
necessidade pública legalmente constatada e sob a condição de uma justa e prévia indenização”.
30
É que, com o advento da Constituição de 1937, o cenário, todavia, se modificou: “Art. 122,
Constituição de 1937. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 14) o direito de propriedade,
salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu
conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício”. Em pleno Estado
Novo de Getúlio Vargas, nada obstante a indenização decorrente de desapropriação tenha permanecido
prévia, a exigência de que o valor desta indenização fosse “justo” não se manteve: “Destarte, sob o
guante da Carta outorgada de 1937, a justiça da indenização não era preceito constitucional
obrigatório, de sorte que o legislador ordinário podia permitir-se a redação de normas legais como a
inserta no parágrafo 25 da Lei de Desapropriações”. SALLES, José Carlos de Moraes. A
Desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 533-534.
O Decreto-Lei 3.365/41 indicia, ao longo de seus 43 artigos, os critérios que o
direito posto considera como aptos à fixação da prévia e justa indenização que se dará
mediante a intervenção do Poder Judiciário.
Podemos iniciar nossa procura por respostas a partir do art. 14 do Decreto-Lei
3.365/41 que ressalta a necessidade de produção de prova pericial técnica a fim de que
se proceda à avaliação dos bens objeto de desapropriação. Em termos de procedimento,
o juiz indicará, a sua livre escolha, um perito, sendo que as partes, por sua vez, poderão
indicar assistentes técnicos para auxiliar o juízo a avaliar os bens desapropriados31.
É possível que o desapropriado, réu na ação de desapropriação, concorde com o
valor sugerido pelo Estado, hipótese em que a demanda se encerrará32. Em não havendo
acordo, porém, o perito designado pelo juízo apresentará seu lado e, de posse de dele, se
realizará a audiência de instrução e julgamento33.
Em seguida, o art. 24 do Decreto-Lei 3.365/41 indica que, já na audiência de
instrução e julgamento, findo o debate oral, o órgão judicante prolatará sentença fixando
o preço da indenização34. Dito de outro modo, o único propósito que justifica a
realização de audiência de instrução e julgamento é o de especificar o valor de
indenização que se entenda justo. Tanto é assim que o mesmo art. 24 do Decreto-Lei
3.365/41 positiva, em seu parágrafo único, que caso o juiz ainda não tenha descoberto
este valor justo perquirido, poderá designar nova audiência para apura-lo35. O mesmo se
diga em relação ao art. 20 do mesmo Decreto-Lei que, corroborando nossas conclusões,
pontua que a contestação do desapropriado tão somente poderá versar sobre vício do
processo judicial ou impugnação do preço36.
Colaciona o art. 26 do Decreto-Lei 3.365/41 duas importantíssimas informações.
A primeira, que muito interessa à definição do quantum indenizatório, é a de que o valor

31
Art. 14, Decreto-Lei 3.365/41. Ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha,
sempre que possivel, técnico, para proceder à avaliação dos bens. Parágrafo único. O autor e o réu
poderão indicar assistente técnico do perito.
32
Art. 22, Decreto-Lei 3.365/41. Havendo concordância sobre o preço, o juiz o homologará por sentença
no despacho saneador.
33
Art. 23, Decreto-Lei 3.365/41. Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa
quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência
de instrução e julgamento.
34
Art. 24, Decreto-Lei 3.365/41. Na audiência de instrução e julgamento proceder-se-á na conformidade
do Código de Processo Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da
indenização.
35
Art. 24, Decreto-Lei 3.365/41. Na audiência de instrução e julgamento [...] Parágrafo único. Se não se
julgar habilitado a decidir, o juiz designará desde logo outra audiência que se realizará dentro de 10 dias a
fim de publicar a sentença.
36
Art. 20, Decreto-Lei 3.365/41. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou
impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
de indenização terá como parâmetro a data de sua realização, qualquer que seja o
critério adotado como justo. A segunda, de igual relevância, menciona que não se
incluirão37, neste cálculo, direitos de terceiros contra o expropriado38. A fixação da data
da avaliação como marco temporal tem especial destaque no que concerne às
benfeitorias úteis. As benfeitorias necessárias serão indenizadas mesmo após a
efetivação da desapropriação. As benfeitorias úteis, no entanto, somente serão
indenizáveis, se realizadas após a conclusão da desapropriação, mediante autorização do
expropriante39. Dito de outro modo, até a avaliação, serão indenizadas as benfeitorias
necessárias e úteis. Após a avaliação, por outro lado, as benfeitorias úteis somente serão
indenizadas se autorizadas. O art. 27 do referido Decreto-Lei confere maior densidade
normativa ao debate, tendo em vista que delimita os critérios a serem utilizados pelo
juiz para fins de definição do valor de indenização. Será aferida, a fim de formar seu
convencimento, a estimação dos bens para efeitos fiscais; o preço de aquisição e
interesse que deles aufere o proprietário; a sua situação, estado de conservação e
segurança; o valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos; e, finalmente, a
valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu40.
Percebemos, com clareza, duas constatações advindas da leitura do art. 27 do
Decreto-Lei 3.365/41: uma que, em tese, o juiz deve levar em consideração algumas
variáveis de índole notadamente subjetiva, como, por exemplo, o interesse que o
proprietário aufere do bem; e, por outro lado, também deve considerar variáveis de
perfil essencialmente objetivo, como o valor venal dos bens da mesma espécie. Disto
poderíamos indagar: é eficiente – ou justo – ponderar aspectos subjetivos em
indenizações de desapropriação? É justo – ou eficiente – ignorar, como critério de

37
Art. 26, Decreto-Lei 3.365/41. No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se
incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado.
38
Nesse sentido, “no que se refere ao fundo de comércio, a jurisprudência tem entendido que deve ser
incluído no valor da indenização, se o próprio expropriado for o seu proprietário (cf. acórdão do STF in
RDA 140/79 e 150/131); porém, se o fundo de comércio pertencer a terceiro, a este caberá pleitear a
indenização em ação própria, tendo em vista que, conforme determina o artigo 26 do Decreto-lei nº
3.365/41, no valor da indenização não se incluirão os direito de terceiros; por essa indenização responde
o poder expropriante” cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 23ª. ed., São Paulo,
Atlas, 2010, pág. 175.
39
Art. 26, Decreto-Lei 3.365/41. No valor da indenização [...]. § 1º Serão atendidas as benfeitorias
necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante.
40
Art. 27, Decreto-Lei 3.365/41. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu
convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de
aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança;
ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área
remanescente, pertencente ao réu.
julgamento, tais fatores? Ou, por outro lado, é possível encontrarmos um meio-termo
que consiga alocar-se entre os ideais de justiça e, também, de eficiência?
Demais disso, o que mais nos incomoda, porém, é que em momento algum o
Decreto-Lei 3.365/41 pondera a supressão da capacidade de barganha por parte do
proprietário desapropriado. A nosso ver, a ausência de capacidade negocial do
proprietário que, de mãos atadas, se vê forçado a se submeter ao poder de império
estatal deveria ser indenizada. Soma-se a isto que sequer poderá o Poder Judiciário,
porque a ele defeso, decidir se se verificam, ou não, os casos de utilidade ou
necessidade pública que fundamentaram o decreto expropriatório41 e, pensamos, isto de
alguma forma deva fazer parte do cálculo indenizatório. No entanto, conquanto ao
proprietário nada caiba discutir para impedir a consumação da desapropriação
deflagrada, restando-lhe discutir, tão somente, o valor da indenização a que faz jus
receber, tal variável não parece integrar, à luz da legislação, o quantum de indenização.
O cenário jurisprudencial. A definição fornecida pelos magistrados sobre o
que se entende como valor justo é, não raro, bastante sucinta. “O valor a ser pago na
desapropriação deve corresponder real e efetivamente ao do bem expropriado, de
modo a garantir a justa indenização prevista no art. 5º, XXIV, da CF/88”42, pontua a
jurisprudência. Remanesce, ainda assim, a interrogação sobre o que venha a ser este
mencionado valor real.
Há quem diga tratar-se o valor justo das desapropriações do valor venal ou, de
modo descompromissado com a melhor técnica, do valor de mercado do imóvel, como,
por exemplo, restou decidido quando do julgamento, pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, da Apelação nº 0022606-48.2009.8.26.0053. Na ocasião, o TJSP
entendeu que o valor justo seria aquele concernente ao preço de compra e venda do
imóvel expropriando, i.e., segundo a decisão, o efetivo valor venal do imóvel, qual seja,
‘o preço do bem para venda a vista em condições normais de mercado’43 – ou seja,

41
Art. 9º, Decreto-Lei 3.365/41. Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se
se verificam ou não os casos de utilidade pública.
42
Cf. REsp nº 1.395.221-SP (2012/0065383-4), Rel. Min. Eliana Calmon.
43
“No mérito, constata-se que há prova nos autos de que o imóvel objeto da presente ação de
desapropriação fora adquirido pelos expropriados em 23 de janeiro de 2008, sendo o Decreto
Expropriatório nº 54.069, de 27 de fevereiro de 2009. Dessa especial situação fática e jurídica resulta o
fato de que há, no caso específico, dado concreto revelador do preço de mercado do imóvel expropriado,
consistente em negócio jurídico efetivo, relativo ao próprio bem objeto da ação expropriatória. Trata-se
de situação peculiar, especialíssima, e que, no PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO caso dos autos, em que a discussão posta como ponto central do recurso de
apelação é relativa aos critérios a serem considerados em perícia judicial (se os da CAJUFA ou os do
IBAPE), mostra-se superada por dado concreto de maior relevo, qual seja, transação imobiliária
como veremos adiante, seu valor de mercado. O imóvel em questão havia sido
adquirido há pouco tempo, pelo que entendeu o Tribunal que este critério deveria
preponderar, inclusive, sobre os laudos periciais apresentados.
O fato é que não há, em linhas gerais, parâmetros44 que confiram segurança
jurídica ao que se entende por valor justo da indenização. Poderíamos colacionar outras
tantas decisões judiciais para além daquelas aqui apresentadas e, ainda assim, a
conclusão seria a mesma. Por outro lado, também se mostra passível de constatação a
considerável carga argumentativa dos laudos periciais45 oficiais que, na maioria dos
casos, são mantidos como critério da sentença de desapropriação46. A grande questão

recente, referente ao próprio imóvel, efetivada e comprovada em momento anterior ao do Decreto


expropriatório, a demonstrar, com exatidão e sem a necessidade de realização de perícia para esse fim,
qual é o valor a ser considerado pelo Juiz para a fixação do justo valor da indenização” cf. Apelação nº
0022606-48.2009.8.26.0053.
44
Por vezes, porém, há tentativas que, justas ou não, ao menos visam a assegurar que se garanta
segurança jurídica aos expropriados: Apelação nº 0000014-50.1976.8.19.0024, Des(a). Luiz Henrique
Oliveira Marques, Julgamento: 19/04/2017: Apelação Cível. Administrativo e Processual. Ação de
Desapropriação. Petrobrás. Imóvel Localizado em Itaguaí. Sentença de Procedência. Apelo do réu
somente quanto ao valor da indenização. Adoção do método comparativo direto com homogeneização por
fatores, conforme descrito na Norma Brasileira Nbr-14653. Laudo pericial satisfatório e conclusivo.
Observância do critério estabelecido pelo Art. 5°, Inciso XXIV, Da Carta Magna. Perícia realizada nos
autos, que se mostrou de todo esclarecedora, inclusive no que diz respeito aos métodos utilizados para a
avaliação do Lote Expropriado. Correta a valoração do Laudo Pericial realizada pelo Magistrado a quo.
Recurso ao qual se nega provimento.
45
Citemos, por exemplo, endossando a importância conferida pela jurisprudência aos laudos periciais –
cujo perito, por vezes santificado, é chamado de Louvado –, a Apelação nº 0006291-35.2011.8.19.0031,
do TJ/RJ, da lavra do Des(a). Reinaldo Pinto Alberto Filho, julgada em 12/04/2017, assim ementada:
Apelação. Ação de Desapropriação. Imissão provisória na posse. Revelia. Curadoria Especial. Laudo
pericial. Impugnações. R. Sentença de procedência parcial do pedido. Controvérsia limitada ao quantum
indenizatório fixado pelo Magistrado de Primeira Instância. Estreme de dúvida que as impugnações ao
Laudo do Perito Judicial feitas pelo Ente Estatal se limitaram a reproduzir os argumentos e critérios
apresentado quando da propositura da demanda em 2010, sem, contudo, considerar o transcurso temporal,
bem como a variação do mercado imobiliário da região. Critérios de apuração de valores utilizados pelo
Louvado que também não merecem censura, cabendo consignar a inexistência de sua vinculação com o
sistema de cálculos utilizados em hipóteses distintas, ainda que terreno integrante do mesmo loteamento.
Peça técnica atendendo a todos os requisitos legais pertinentes ao tema em lide. Valor apurado que se
afigura em sonância com os preços de mercado. Precedentes. Louvado que é de inteira confiança do Juiz,
devendo o seu trabalho ser prestigiado. Realização de nova perícia apenas em casos extremos, o que não
foi à hipótese dos autos. Negado Provimento.
46
V., por exemplo, a Apelação nº 0036795-46.2013.8.19.0001, Des(a). Cristina Tereza Gaulia,
Julgamento em 18/04/2017: Apelação cível. Remessa Necessária. Desapropriação. Justo valor da
indenização. Prova pericial. Laudo e esclarecimentos apresentados pelo expert suficientes para o
julgamento do mérito. Indenização fixada na sentença correspondente ao valor apurado em acurada
perícia avaliatória. Questionamentos do ente público quanto à área do loteamento devidamente
esclarecidos pelo perito. Juros compensatórios que se destinam a compensar o expropriado pela
desvalorização do imóvel quando houver divergência entre o valor provisório depositado pelo
expropriante e o valor definitivo da área desapropriada fixado na sentença, no caso de imissão provisória
na posse. Inteligência do art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/41. Depósito do preço integral feito antes da
imissão na posse do imóvel. Juros compensatórios que devem ser excluídos da sentença. Custas e taxa
judiciária. Isenção do Município. Parcial provimento do recurso, para afastar a condenação ao pagamento
de juros compensatórios. Reforma parcial da sentença em sede de remessa necessária para excluir a
condenação do expropriante ao pagamento de custas e taxa judiciária.
será, pois, delimitar aos critérios que, para fins de justiça e eficiência, devem pautar suas
conclusões.
Ultrapassado o desenho legal das desapropriações e a breve análise
jurisprudencial que nos muniram de argumentos e variáveis, passaremos a verificar, à
luz da Análise Econômica do Direito, a pertinência da utilização do valor venal e do
valor de mercado econômico como critérios à justeza da prévia indenização em
desapropriação. Ao final, em sendo o caso, confirmaremos um ou outro critério como
aquele que condiga com os parâmetros de eficiência e justiça ou proporemos
alternativas.

4. (IN)APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS EXISTENTES COMO VALOR


JUSTO
Na busca por um valor de indenização justo, é necessária uma tentativa de
análise a respeito da aplicabilidade ou não de valores tais como de mercado e o venal.
No que diz respeito ao valor venal, trata-se de um valor fixo em função da área
da edificação, das características físicas do imóvel, da utilização (residencial ou não) e
do valor do metro quadrado dos imóveis no logradouro. Contudo, eis o que mais nos
aflige, o valor venal não leva em consideração circunstâncias externas relevantes, tanto
objetivas quanto subjetivas, e nem o imóvel que nele encontra-se construído, dado que o
cálculo se dá de acordo com aspectos alheios à essas questões.
É que, destrinchando a equação pela qual se chega ao valor venal de
determinada propriedade (qual seja, Valor Venal = A x VR x I x P x TR), este será
encontrado a partir da multiplicação da área do imóvel, vezes o VR (que quer significar
o Valor Unitário Padrão Residencial, que corresponde ao que predispõe a Planta de
Valores do Município, variável, portanto, de Município para Município), vezes I (que
traduz o Fator Idade do imóvel, a fim de que se afira o tempo transcorrido desde o
exercício seguinte ao da concessão do “habite-se” do imóvel até a data em que se
pretende calcular o valor venal deste bem47), vezes P (que quantifica a localização da
propriedade, i.e., se de frente ou de fundos, se se comunica com a via pública ou se
carece de servidão de passagem porque encravado48), vezes, finalmente, a TR, que é o

47
De modo que, quanto mais velho o imóvel, menor será o valor de I.
48
Pelo que, quão melhor seja a localização da propriedade em discussão, maior será o valor de P.
fator de Tipologia Residencial, o qual varia conforme algumas das peculiaridades do
imóvel49.
Assim, imaginemos a indagação do valor justo de um imóvel que, por exemplo,
possa ser oriundo de uma herança de um parente muito querido ou o fato de não haver
ninguém residindo no local: nada disto será ponderado e tudo isto será desconsiderado
no cálculo do seu valor venal. Essa frieza do valor venal acaba distorcendo50 nosso
valor justo, tanto para mais (situação em que a sociedade, verdadeira responsável por
custear os valores de indenização, mais dinheiro despenderá para indenizar um bem que
valia menos) quanto para menos, hipótese em que o proprietário sairá prejudicado
recebendo menos do que mereceria.
Dessa forma, a adoção do valor venal como elemento de definição da
indenização em desapropriações refletiria, em muitos dos casos, um valor “justo”
consideravelmente menor ou maior do que o quanto o terreno de fato vale e, portanto,
do que um proprietário faz jus a título de reparação. O mesmo se diga em relação a
mansões luxuosas ou terrenos baldios, cujas peculiaridades não integrarão o cômputo do
valor venal. Neste exemplo, estando estes imóveis em terrenos de mesma área e na
mesma localidade, um ao do lado do outro, eles possivelmente terão o mesmo valor
venal, embora sejam propriedades notadamente diferentes e que, nesse sentido, talvez
mereceriam tratamentos também diferentes no momento de calcular o seu devido valor.
O valor venal, como vimos, está presente no já mencionado art. 27 do Decreto
3365/41 que identifica, como critério de indenização, o valor venal dos bens da mesma
espécie com a relevante ressalva de que esta apuração deva se dar de acordo com os
últimos cinco anos, o que, de alguma forma, seria capaz de quantificar e remunerar a

49
O valor do fator TR concernente à áreas residenciais (o cálculo para áreas comerciais é diferente)
variará de acordo com a metragem do imóvel se se tratar de apartamento ou de acordo com a região em
que se encontra a propriedade, caso se trate de casa. Por exemplo, de acordo com o Informativo Valor
Venal referente ao IPTU do exercício de 2017 do Município do Rio de Janeiro, são critérios para valorar
os seguintes: apartamento com área de até 100 m², o valor do TR será de 0,90; apartamento com área
acima de 500 m², o valor do TR será de 1,35; casa localizada na região A, o TR equivale a 0,60 e; se
localizada na orla da região C, o TR será igual a 1,00. A tabela completa referente ao RJ pode ser
consultada:<http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/6658766/4181506/INFORMATIVOVALORVENAL
2017.pdf>. Acesso em 10.01.17.
50
Distorção essa que não passa despercebida pelo Poder Público que, por nítido oportunismo conveniente
(esquecendo que o jogo de palavras correto é o da oportunidade e conveniência), pretende aumentar o
valor dos IPTUS a partir da elevação da base de cálculo do tributo, o que pode gerar uma
supervalorização do, com o perdão da redundância, valor venal dos imóveis, a ponto destes superarem até
mesmo o valor de mercado (que, em geral, é mais alto). A esse respeito, v.
<http://www.estadao.com.br/noticias/geral,valor-venal-pode-superar-mercado,468146>. Acesso em:
10.01.18.
variação da valorização do imóvel. Estima-se, como costumeiramente se aponta51, que o
valor venal corresponda, em geral, a 70% do valor de mercado. Contudo, com o
aquecimento das vendas, o valor de mercado pode acabar ficando até 200% a mais do
que o valor venal. Consequentemente, se o valor venal fosse aquele segundo o qual o
poder público utilizasse como meio de indenização para desapropriar, teríamos um valor
que, independentemente se menor ou maior, seria consideravelmente diferente.
Assim sendo, podemos perceber que o valor venal não deve ser considerado
valor justo para indenizar os desapropriados dado que não pondera diversos fatores que
deveriam ser incluídos no seu cálculo e, pois, acaba ilustrando valores distintos dos que,
de fato, faz jus a propriedade. E, por se tratar de valor frio, se mostra insuficiente o
valor venal para servir de parâmetro para algo tão significativo e supressivo como é a
desapropriação. É preciso pensar que quando um proprietário tem seu terreno
expropriado, ainda que de modo legítimo, pelo Estado por meio da desapropriação, sua
situação, que já é suficientemente complicada, exigirá esforços para que, com o valor de
indenização, seja possível encontrar nova propriedade. Assim, se aquém do esperado, a
situação se agrava e se soma ao fato de que, ao menos na fase inicial do processo, o
proprietário só pode levantar 80% do total depositado pelo poder público ao tomar
posse do imóvel. Nesta hipótese, o valor de indenização pago sequer permitiria que o
expropriado pudesse, como antes fazia, morar. Seria preciso adaptar-se à nova realidade
o que, decerto, imporia renúncias e abdicações forçadas. Seria essa a justiça que se
busca no valor da indenização em desapropriações? Acreditamos que não.
O Poder Judiciário, como vimos, se limita a, no processo de desapropriação,
garantir que o valor da indenização a ser paga seja justo. Neste ponto, ainda que a Lei se
restrinja a requerer a feitura de laudo técnico pericial à luz do art. 23, § 1º do Dec.
3.365, é possível notar que a maior parte das decisões em desapropriação são baseadas
no valor de mercado como critério. Tendo isso em vista, é preciso que definamos tal
valor. O valor de mercado é comumente apontado pela doutrina especializada como
sendo “o resultado expresso de uma estatística feita com dados de vendas de bens

51
“Especialistas ouvidos pelo Estado temem que a revisão da Planta Genérica de Valores Imobiliários
(PGV), subsídio para dimensionar o imposto, poderá tornar os valores venais superiores aos praticados
pelo mercado. Isso significa, explicam, que a Prefeitura poderá avaliar o imóvel por um preço que não
corresponde ao preço de comercialização. ‘A reavaliação da PGV é válida, mas não deve superar 70%
do valor do imóvel’, alerta Márcio Chéde, diretor do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP)”.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,valor-venal-pode-superar-mercado,468146>.
Acesso em: 24.08.16.
similares como são praticadas usualmente ali”52. Para a Associação Brasileira de
Normas Técnicas – ABNT, o valor de mercado corresponde, de acordo com a Norma
NBR 14653-1:2011, a “quantia mais provável pela qual se negociaria voluntariamente
e conscientemente um bem, numa data de referência, dentro das condições do mercado
vigente”53.
Desta forma, ao indicar a quantia da indenização em casos de desapropriação, o
julgador leva em conta, ao se valer do valor de mercado como parâmetro, o valor das
vendas de bens similares praticadas no local. Pressupõe-se, com isto, a comparação com
vendas de bens similares ao desapropriado.
Cabe destacar que em uma compra e venda há, necessariamente, a exigência de
que exista um vendedor e um ou mais compradores que, desejosos, através do processo
de barganha, definam o valor do imóvel. Tal característica, que é fundamental para o
processo de compra e venda, é igualmente necessária à definição do valor de mercado
do bem.
A esse respeito, a análise crítica que precisamos fazer é a de que, como
facilmente se nota, não há, no processo de desapropriação, vendedor voluntário. Isto é,
não há, neste caso, alguém que verdadeiramente queira se desfazer do bem. Ademais,
mesmo que um proprietário queira vender o bem, por ter plena ciência de que perderá
completamente seu poder de barganha, tendo em vista que não há possibilidade de
negociação com o comprador, pode não querer vender para o Poder Público. É que,
além da perda do poder de barganha, nos casos de desapropriação, na maior parte das
vezes o dono do imóvel não quer vendê-lo ou, ao menos, não quer vender pelo valor
imposto pelo Estado tampouco na data em que o Poder Público deseja adquiri-lo. As
principais características exigidas para um processo de compra e venda, a saber, a
possibilidade da barganha e a vontade de se desfazer do bem, não existem no âmbito do
processo expropriatório.
A grande questão que precisa ser raciocinada diz respeito à alocação dos bens
em desapropriações. A alocação àquele que mais valoriza o bem em comento é, como
sabemos, característica determinante de um processo de compra e venda. Por esta razão,
a alocação para o que mais valoriza o bem de conteúdo econômico se relaciona
intimamente com a definição do valor de mercado. Há isto no âmbito da

52
cf. CALDAS, Leonardo Saraiva, O conceito de valor de mercado, 2006, p. 4.
53
Disponível em: <http://dominaiconstrutora.com.br/midia/anexo/norma-referencia-para-avaliacao-
5.pdf>. Acesso em: 08.11.16.
desapropriação? Para que o bem fosse alocado com quem mais o valoriza, seria
necessário que quem está disposto a adquiri-lo pagasse ao vendedor desejoso o
suficiente para que ele não o valorizasse mais tanto quanto anteriormente valorizava.
Entretanto, inexiste, aqui, a reserva de escolha do vendedor, que de desejoso pouco ou
nada tem.
É possível notar que devem ser considerados no preço, para que a venda seja
considerada eficiente e o bem alocado por quem mais o valoriza, certos elementos
externos ao imóvel em si, como, por exemplo, o significado que ele possui para o
vendedor e outras tantas circunstâncias que farão com que o preço aumente ou diminua.
Tais elementos, porém, não fazem parte do cálculo do valor de mercado utilizado como
base para definição da indenização em casos de desapropriação, pelo que nos é dado
pensar até que ponto os juízes deveriam ou não considerar esses elementos externos na
definição do valor da indenização54.
Vê-se que o valor de mercado utilizado pelos juízes para definir o valor da
indenização é atacável por dois motivos principais. Primeiramente porque, para que
consigamos definir o valor de mercado, é necessário que se faça uma comparação com
processos de compra e venda, processos esses que exigem necessariamente um
comprador e um vendedor, ambos com poder de barganha para definir o preço a ser
pago pelo bem. No caso da desapropriação, reiteramos, não existe um vendedor em
potencial, o que culmina no fato de que o dono do imóvel é obrigado a se desfazer dele,

54
Cabível citar, mais uma vez, Miceli e Segerson que, embora concordem que a aquisição física
requer indenização (de um ponto de vista legal), entretanto, questionam-se qual o montante certo a se
pagar essa desapropriação. A “indenização justa” requerida pela cláusula constitucional é interpretada
pelas cortes americanas, endossam os autores, como o valor justo de mercado, o que também é aberto
para interpretações. Por exemplo, o valor justo de mercado deve refletir o aumento decorrente do
conhecimento geral do novo projeto público? A Suprema Corte estadunidense diz que não, e que o
proprietário não deve receber por mais do que a sua perda e que, assim, não pode receber parte do ganho
do tomador. Contudo, Epstein argumenta que sim e afirma que, em alguns casos, o proprietário deve
receber uma parte dos ganhos do tomador, cf. EPSTEIN, Richard. Takings: Private Property and the
Power of Eminent Domain, 1985. Pelo exposto, as conclusões de Thomas J. Miceli e Kathleen Segerson
podem ser sintetizadas na constatação de que, para os autores mencionados, embora a indenização justa
seja definida pela jurisprudência, em geral, como o valor justo de mercado, existem boas razões para
acreditar que isso sub-compensa os proprietários, tendo como perspectiva o que eles teriam aceitado se
fosse uma venda consensual. Enquanto isso pode criar excessivas desapropriações por parte do governo,
uma regra que tem como base o valor do proprietário pode diminuir excessivamente a desapropriações,
dado o problema de holdout. Ademais, o pagamento completo do valor de mercado leva a um problema
de risco moral, segundo o qual os proprietários tendem a investir excessivamente em suas propriedades.
Isso pode ser afastado por um sistema de indenização que inclui compensação igual a zero como um caso
especial. Contudo, a inconsistência desse resultado sem indenização com a exigência constitucional de
indenização justa, bem como a sua injustiça percebida, tem produzido vários contra-argumentos. Estes
incluem: a necessidade de evitar desapropriações excessivas, a necessidade de prevenir o
desenvolvimento prematuro de projetos, os benefícios de seguro de compensação para os proprietários
avessos ao risco e os custos da desmoralização do não pagamento de indenizações.
cabendo-lhe discutir apenas o valor da indenização. Essa obrigação vem acompanhada
do fato de que o valor a ser pago como indenização é definido pelo Estado, retirando
completamente o poder de barganha e negociação do proprietário. Em segundo lugar,
uma compra e venda eficiente pressupõe que, ao final do processo, o bem esteja
realocado com quem o valoriza mais. O valor de mercado simples não exige que sejam
consideradas as circunstâncias externas ao bem que possibilita que o dono o valorize
mais ou menos, não garantindo, portanto, que no final do processo o bem será realocado
a quem mais o valoriza. Desse modo, nota-se que o valor de mercado não é o suficiente,
com vistas a personificar a eficiência pretendida, pelo fato de não contabilizar os
elementos externos ao bem em si que mencionamos. Com isto, ao nos depararmos com
o conceito técnico de valor de mercado, podemos aferir certa contradição na pretensão
de utilizarmos, como método valorativo, parâmetros de situações flagrantemente
distintas, i.e., o ato de compra e venda e a desapropriação e, mais do que isto, a
invocação de um conceito que, pelo que vimos, não se aplicaria ao caso.
Nesse sentido, convém trazer o modelo trazido pelo International Valuation
Standards Council55 que, similarmente ao que propusemos, distingue o valor de
mercado do valor justo, tratando-os como conceitos que, mesmo que possam coincidir,
são notadamente diferentes. A proposta de avaliação dos IVS merece destaque porque
os parâmetros delineados foram adotados pelo Instituto Brasileiro da Avaliações e
Perícias de Engenharia – IBAPE, entidade federativa nacional que se preocupa com a
elevação dos standards de qualidade das avaliações perícias realizadas. É dizer, as
perícias que se realizam no âmbito de desapropriações são ou deveriam ser pautadas
pelas diretrizes propostas pelos IVS. Pelo exposto, por não corresponder às
características da desapropriação, o valor de mercado não parece ser adequado para
servir como indicador da indenização em tais casos.
Qual, então, deveria ser o valor exato cujo cálculo serviria de base para que os
juízes chegassem a um valor justo? Provavelmente a resposta circundaria o instituto da
arbitragem que, a nosso sentir, congrega arbitrabilidade subjetiva e objetiva e, pois,
autoriza sua utilização em desapropriações56.

55
Access in: <https://www.ivsc.org/standards/international-valuation-standards>. Accessed in: 06.11.16.
56
Citemos, por exemplo, sem a pretensão de esgotarmos o tema, o Projeto de Lei n. 504, de 2013 (PL
504/13) que, de autoria do Senador Wilder Morais, visa a alterar o Decreto-Lei n. 3.365/41, que versa
sobre desapropriação por utilidade pública e passaria a versar sobre a desapropriação para reparcelamento
do solo. É importante notar que além de este PL tratar da desapropriação e de modificar este instituto
jurídico, traz no seu bojo uma inovação interessante, o que se nota na inserção do art. 4º-A, no diploma
legal. Este novo dispositivo, em seu caput, prescreve que, a fim de chegar a um acordo sobre forma de
5. CONCLUSÃO
Percebemos que o valor venal, que leva em conta aspectos exclusivamente
matemáticos da construção e, mais especificamente, da área construída, parece ser
consideravelmente injusto. Vimos, paralelamente, que o valor de mercado é igualmente
ineficiente. Em suma, dentre tantos outros motivos, a crítica a estes critérios reside
justamente na constatação de que tanto o valor venal quanto o valor de mercado
desconsideram relevantes particularidades no processo de desapropriação.
É certo que a consideração de qualquer peculiaridade tornaria, no âmbito das
desapropriações, o processo custoso e demorado, além de problemático e ineficiente,
uma vez que aumentaria em muito a dificuldade de se achar o preço que correspondesse
a cada propriedade, aumentando, com isto, os custos de transação. Do mesmo modo,
seria injusta a aplicação desses critérios no sentido em que ninguém estaria satisfeito se
outra pessoa com um imóvel de valor semelhante ao seu recebesse mais do Estado
devido às suas particularidades.
Se, por exemplo, supusermos que o imóvel de determinada pessoa valha mais
devido às circunstâncias emocionais que guarnecem a propriedade, diversas questões
mereceriam levantamento: o que pode caracterizar um afeto pessoal de fato? Ser a
residência familiar há muitos anos? Ter sido deixada como herança por um ente
querido? Como saber se o ente era, de fato, querido? Como decidir a porcentagem de
aumento do valor devido a cada caso particular? Como justificar para os outros
indivíduos que terão suas terras desapropriadas pelo mesmo propósito que eles
receberão menos?
Como apresentado, é claro que a consideração indiscriminada de
particularidades é inviável. Nossa proposta é, pois, a de fomentar o debate para
considerar, no cômputo do valor justo em desapropriações, variável que consiga, de
alguma forma, pautar o adimplemento da tutela reparatória, o que procuramos fazer com
base na perda do poder de barganha sobre a qual tanto falamos. E, repetimos, esta perda
da capacidade de barganha precisará, acreditamos, para fins de justiça e eficiência, ser
remunerada.

desapropriação, poderiam ser usadas a mediação e a arbitragem. Cf. SENADO FEDERAL. ATIVIDADE
LEGISLATIVA. Projeto de Lei do Senado nº 504, de 2013. Disponível em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115595>. Acesso em: 09/jan/2017.
Quando o Estado desapropria uma propriedade, por mais que o antigo
proprietário receba uma quantia em contrapartida, isto não caracteriza uma venda. Isto
porque, na venda, o dono do bem pode decidir o quanto o valoriza, para que, assim,
apenas quem o valorize mais possa comprá-lo, caracterizando uma alocação eficiente.
Na desapropriação, o dono da terra perde esse direito inerente da propriedade: de dispor
dela. Ele não mais dispõe de seu preço, de seu valor para ele; o Estado simplesmente
determina um valor que, a posteriori, será controlado pelo Poder Judiciário.
Acreditamos, assim, que o valor justo propugnado pela Constituição de 1988 precisaria
levar em conta essa perda de poder de barganha. O Estado, na desapropriação, está
agindo como comprador. No entanto, neste caso, não está presente a barganha, elemento
essencial da compra e venda e da realocação eficiente. Por este motivo, acreditamos que
a indenização justa deveria representar esta capacidade suprimida. Ou seja, o valor justo
seria representado pelo valor de mercado + x, onde x refere-se à remuneração pela
perda da capacidade de barganha.
Em conclusão, o valor justo que nos dispusemos a apresentar é aquele que
considera o valor de mercado – quanto a propriedade vale perante a sociedade –
acrescido da indenização decorrente da perda da capacidade de barganha – quanto o
imóvel valeria para seu próprio dono – que se traduziria em valor variável, cuja
definição do x talvez demande a submissão das partes a procedimento arbitral – a
respeito do qual, por escapar ao objeto de estudo do presente paper, será objeto de
análise em outra oportunidade, ocasião em que, com maiores detalhamentos, falaremos
mais, em trabalho específico, a respeito da relação (in)existente entre arbitragem e valor
justo em desapropriações.

6. REFERÊNCIAS

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