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18 ' a ORIGEM DO CAPITAL

CAPÍTULO II

do-se em uín círculo mais estreito, ou apre­


sentando um caráter menos pronunciado, ou A E X P R O P R IA Ç Ã O DA P O P U L A Ç Ã O P R IM IT IV A

seguindo^uma ordem de síicessão diferente3.

N a Inglaterra» a servidão tinha desapare­


cido de fato, nos fins do século XIV. , A imen­
sa maioria da população1 compunha-se, então,
e mais inteiramente ainda, no século XV, de
camponeses livres, cultivando suas próprias
terras, quaisquer que fossem os títulos feu­
dais com os quais protegiam os seus direitos
de posse. Nos grandes domínios senhoriais, o
antigo balio ( bailiff), servo também ele, tinha
dado lugar ao rendeiro independente. Os as­
salariados rurais eram, em parte, camponeses
que durante os tempos de folga se alugavam
a serviço dos grandes proprietários, em parte,
uma classe particular e pouco numerosa de
diaristas. Estes mesmos também eram, em cer­
ta medida, cultivadores por conta própria, pois,
3 N a Itália, onde o capitalismo se desenvolveu mais cedo do além dqs salários, se lhes concediam campos
que em qualquer outra parte, o feudalismo desapareceu igualmente
mais cedo. Ó servo foi ai, pois, emancipado de fato antes do tem­ de quatro acres, com as casinhas correspon­
po necessário para se assegurar dos antigos direitos de prescrição dentes; de mais, eles participavam, concomi-
sobre ás terras que possuía. Uma boa parte destes proletários livres
e leves como o ar, afluiu às cidades, legadas na maior parte pelo
Império Romano, e que os senhores feudais tinham escolhido como
lugar de residência. Quando as grandes mudanças, sobrevindas pelos 1 Até o fim do século X VII, mais de 80% do povo inglês
fins do século X V no mercado universal, despojaram a Itália seten­ era ainda agricultores. V. Macaulay: The Hislory of England, Lon­
trional de sua supremacia cOfnçrcial e determinaram o declínio de dres, 1858, vol. I, pág. 413. Eu cito aqui Macaulay porque na sua
suas manufaturas, produziu-se um movimento em sentido contrário. qualidade de falsificador sistemático, ele talha e recorta, segundo
Os Operários das cidades foram expulsos em massa para os campos, sua fantasia, as fatos deste gênero.
onde, desde essa época, a pequena cultura, executada à maneira de ■
jardinagem, tomou um impulso sem precedentes. 19
A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO, PRIMITIVA 21
20 A ORIGEM DO CAPITAL

sua pequena cultura, oferece, pois, em muitos


tantemente com os camponeses propriamente
pontos de vista, uma imagem mais fiel da ida­
ditos, no usufruto dos bens comunais, onde
de média européia do que nossos livros de
eles faliam pastar seu gado e se proviam de
história imbuídos de preconceitos burgueses.
árvores, lenha, turfa etc., para o aquecimento.
É muito cômodo ser “liberal” à custa da
Notareinos de passagem que o próprio
Idade Média.
servo era não somente possuidor, tributário,
é certo, das parcelas atinentes à sua casa, m as. ’ Se bem que a conquista norinanda tivesse
também co-possuidor dos bens comunais. Por constituído toda a Inglaterra em baronatos
exemplo, quando Mirabeau publicou seu livro gigantescos — dos quais um só dentre eles
De la Monarchie Prussiene, a servidão existia abrangeu mais de novecentos senhorios anglo-
ainda na maior parte das províncias prussia­ _ saxões — o solo estava, todavia, semeado de
nas, entre outras na Silésia. Entretanto, os pequenas propriedades rurais, interrompidas
servos possuíam aí bens comunais. Não se aqui e ali por grandes domínios senhoriais.
pôde ainda, diz ele, “persuadir os silesianos à Desde que a servidão desapareceu e que no
partilha das comunas, ao passo que na Nova século XV a prosperidade das cidades tomou
Marca não há mais aldeia onde esta partilha um grande impulso, o povo inglês atingiu esse
não se tenha executado com maior êxito.”2 estado de abundância tão eloqüèntemente pin­
tado pelo Chanceler Fortescue, em suas Lou-
O trago mais característico da produção
des Legum Angliae. Mas ésta riqueza do po­
feudal em todos os países da Europa ociden­
vo excluía a riqueza capitalista.
tal, é a partilha do solo entre o maior núme-
ro possível de semi-servos. O senhor feudal À revolução que ia lançar os primeiros
era como qualquer outro soberano; seu poder fundamentos do regime capitalista teve seu
dependia mais do número dos seus súditos que ^prelúdio no último terço do século. XY e no
do conteúdo da sua bolsa, isto é. dependia do começo do século XYI. Nessa época o licencia­
número de camponeses estabelecidos em seus mento da numerosa criadagem senhorial — da
domínios. O Japão, com sua organização pu- qual Sir James Stewart disse muito a pro­
raménte feudal da pronriedade territorial e pósito que ela “estorvava a torre e a casa”
— lançou de improviso, no mercado de traba­
2' Mirabeau: D e la Monarchie Prussiene, Londres, 2778, t. II, lho, uma massa de proletários sem lar nem
págs. 125-126.
22 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 23

pão. Se bem que o poder real, saído ele pró­ (pie as habitavam, que o país alimentou mui­
prio do desenvolvimento burguês, fosse, em to menos gente, que muitas cidades decaem, se
sua tendência para a soberania absoluta, leva­ bem que algumas de recente fundação pros­
do a ativar este licenciamento por medidas vio­ peram . . . A propósito das cidades e das al­
lentas, não foi, todavia, a única causa. Em deias destruídas para fazer parques de car­
guerra aberta com a realeza e o Parlamento, os neiros e onde não se via mais nada de pé, sal­
grandes senhores criaram um proletariado vo os castelos senhoriais, teríamos muito que
muito mais considerável, usurpando os bens. falar.”3
comunais dos camponeses e expulsando-os do
solo que estes possuíam com o mesmo direito As lamúrias destes velhos cronistas, sem­
que seus senhores. O que, na Inglaterra, deu pre exageradas, descrevem, todavia, de um
sobretudo lugar a estes atos de violência, foi modo exato, a impressão produzida sobre os
a expansão das manufaturas de lã em Flan- contemporâneos pela revolução sobrevinda na
dres e a alta dos preços de lã que daí resul­ ordem econômica da sociedade. Comparem-sé
tou. A longa Guerra das Duas Rosas tendo os escritos do Chanceler Fortescue com os do
devorado a antiga nobreza, a nova, filha de Chanceler Thomas Morus e far-se-á uma idéia
sua época, considerava o dinheiro como o su­ do abismo que separa o século XV do século
premo poder. Transformar as terras de cul­ XVI. “Na Inglaterra, a classe trabalhadora,
tivo em pastos, tal foi o seu grito de guerra. diz mui acertadamente Thorton, foi precipita­
da, sem transição, da sua idade de ouro para
Na Description of Englaml Prefixed to
Holinshed'S Chronicles, Harrison conta comò a sua idade de ferro.”
a expropriação dos camponeses desolou o país. E sta subversão atemorizou o Parlamen­
“Mas que importa a nossos grandes usurpa­ to. Este não tinha ainda atingido este alto
dores! ( W hat care our great incroachers!) grau de civilização em que a riqueza nacional
As casas dos camponeses e as quintas dos tra­
balhadores foram violentamente arrasadas ou 3 A edição original das Crônicas de Holinshed foi publicada
em 1557, em dois volumes. É um livro raro; o exemplar que se
condenadas a cair em ruínas. Se se quiser encontra no Museu Britânico é defeituoso. Seu título é: The First
compulsar os antigos inventários de cada man­ Volume of the Chronicles of England, Scotland and Ireland etc. Faith­
fully Gathered and Sel Forth, by Raphael Holinshed. At. London, im-
são senhorial, ver-se-á que inúmeras casas prented for John Harrison. Mesmo título para: The Last Volume.
A segunda edição, em trê s'volumes, aumentada e continuada até 1586,
desapareceram com os pequenos cultivadores. foi publicada por J. Hooker; etc. em 1587.
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( We&lth of ihe N ation), isto é, o enriqueci­ rlque V II, onde é dito, entre outras coisas,
mento dos capitalistas, o empobrecimento e a (pie “muitas propriedades e grandes rebanhos
exploração descarada da massa do povo, pas­ de gado, sobretudo de carneiros, acumulam-se
sa pela últim a thule4 da sabedoria do Estado. em poucas mãos, do que resulta que as rendas
“Por está ép^ca (1489), diz Bacon em sua H is­ das terras aumentam, ao passo que as do culti­
tória de Henrique V II, jas_jqueixas a propósi- vo decaem, que casas e igrejas são demolidas
to da transformação das terras aráveis em e enormes massas de povo se encontram na
pastagens, que não exigem senão a vigilância Impossibilidade de prover o próprio sustento
de alguns pastores, se tomani de mais e mais e o de suas fam ílias.”
numerosas, e as granjas arrendadas vitalicia-
A lei ordena, por conseguinte, a recons­
mente, a longo termo, ou por ano, e das quais
tr u ç ã o das casas das granjas demolidas, fixa
viviam em grande parte os yeomem, foram ane­
a proporção entre as terras de cultivo e as de
xadas às terras senhoriais. Daí resultou um
pastagem etc. Uma lei de 1533 constata que
declínio da população, seguido da decadência
certos proprietários possuem 24 000 carneiros,
de muitas vilas e igrejas, e de uma diminui­
impõe-lhes para lim ite a cifra de 20Q0.5
ção dos dízimos etc.. . . Os remédios aplica­
dos a esta funesta situação testemunham uma As queixas do povo, assim como as leis
sabedoria admirável da parte do Eei e do promulgadas desde Henrique V II durante cen­
Parlamento. Eles tomaram medidas contra to e cinquenta anos contra a expropriação dos
esta usurpação despovoadora das terras comu­ camponeses e pequenos arrendatários, ficaram
nais (depopulating enclosures) e contra a ex­ igualmente sem efeito. Bacon, em seus Es-
tensão dos campos de pastagens despovoados says, Civil and Moral„ (sect. 20), revelou in­
(depopulating pastu re), que a seguia de per­ conscientemente o segredo de sua ineficácia.
to. Uma lei de Henrique V II, 1849, c. 19, proi­ “A lei de Henrique V II, diz ele, foi profunda
biu a demolição de toda casa de camponês a e admirável no sentido de criar fazendas e ca­
que correspondessem pelo menos vinte acres sas rurais de um tamanho normal determina­
de terra. Esta proibição é renovada em uma do, isto é, que assegurassem aos cultivadores
lei do vigésimo quinto ano do reinado de Hen- uma porção de terra suficiente para propor-

4 Nome que os gregos e os romanos davam às terras mais ao 5 Thomas Morus, em sua Utopia, fala do «estranho país "onde
Norte. (Nota do Direfor' da Coleção.) os carneiros comem os homens."
26 A ORIGEM DO CAPITAL A HXPROPRIAÇÃO da população p r im it iv a 27

cionar aos indivíduos o gozo de um decente na no domínio senhorial do mesmo nome, sem
bem-estar e de condição não servil e para man- livr anexado à perpetuidade quatro acres de
teg o arado em mãos de proprietários e não terra; em 1683, sob Charles I, nomeia-se uma
de mercenários (“to Tieep the plough in the Comissão real para pôr em execução as anti­
hand o fth e owners and not hirelings”) ,6 O sis­ gas leis, espeeialmente as que se referem aos
tema de pmdtiçio capitalista precisava, _ao quatro acres de terra. Cromwell também proi­
contrário, da condição .servil das massas, sua biu edificar, em quatro milhas ao redor de
transformação em mercadoria e a conversão Londres, qualquer casa que não fosse dotada
de-sens meios de trabalho em capital. de um terreno de quatro acres, pelo menos.
Nesta época de transição, a legislação tra­ Nos fins da primeira metade do século X V III,
tou também de conservar os quatro acres de havia ainda queixas quando a cabana do ope­
terra junto à choupana do assalariado agrí­ rário agrícola não tinha, anexo, um ou dois
cola, proibindo-o de admitir sublocatários. Em acres de terra. Hoje, este sente-se muito fe­
1G27, sob Jacques I, Eoger Crocker de Front- liz quando tem uma pequena horta ou quando
mil é condenado por ter construído uma caba­ pode arrendar, a uma distância considerável,
iim terreno de alguns metros quadrados. “De­
is Bacon faz ressaltar como a existência de um camponês livre tentores de terras e arrendatários, diz o dr.
e remediado é a condição de uma boa infantaria:' "Era de transcen­ Ilimter, ajudam-se mutuamente. Alguns acres,
dental importância, diz ele, para o poderio e a força vital do reino,
ter fazendas bastante consideráveis para manter em bem-estar homens anexados às suas cabanas, fariam demasiada-
robustos e hábeis e para fixar uma grande parte do solo como
posse da yeomanry ou de gente de uma condição intermediária entre
mente independente o trabalhador.”7
os nobres, os caseiros e os moços lavradores, é com efeito a opi­
nião geral dos caudilhos guerreiros, os mais competentes.. . que a A Reforma e a confiscação dos bens da
força principal de um exército reside na infantaria, isto é, soldados -
que marcham a pé. Entretanto, para formar uma boa infantaria são Igreja, eonseqüência daquela, vieram dar um
necessários homens que não tenham sido educados numa condição novo e terrível impulso à expropriação violen­
servil ou aviltante, mas na liberdade e com certo bem-estar. Se,
pois, um Estado brilha sobretudo por causa de seus gentis-homens ta do povo no século XVI. A Igreja Católica
e formosos senhores, enquanto os cultivadores e lavradores continuam
simples jornaleiros e meços lavradores, ou caseiros, isto é, mendigos era, nessa época, proprietária feudal da maior
domiciliados, será possível ter uma boa cavalaria, nunca, porém, cor­
pos sólidos de infantaria. É o que se vê na França, na Itália e em •
outros países, onde não há mais que nobres e camponeses mise­ 7 D r. Hunter, 1. c. pág. 134: "A quantidade de terreno destinado
ráveis. . . e a tal ponto que estes países são obrigados a empregar (pelas antigas leis) seria hoje considerada demasiado grande para
nos seus batalhões de infantaria bandos de mercenários suíços e ou­ trabalhadores e tenderia, antes, a convertê-los em pequenos arrenda­
tros. D aí vem que eles tenham muitos habitantes e poucos solda­ tários.'' (Georges Roberts: The Social History of the People of the
dos.” (T he Reign of Henri V II, etc. Verbatim Reprint from Kennets Southern Conties of England in Past Centuries, Londres, 1856, págs.
England, ed. 1719, Londres, 1870, pág. 308.) 184 e 185.)
28 A ORIGEM DO CAPITAL
A KXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 29

parte cio solo inglês. A. supressão cios clau-


b e splrito*’ basta um só exemplo. Foi ainda
tros ete.? lançou seus habitantes noprojetaria-
no tempo de E lisabeth: alguns proprietários
tio. \ Os bens do próprio clero caíram nas gar­
de terras e alguns ricos arrendatários do sul
ras dos favoritos reais e foram vendidos a
du Inglaterra reuniram-se em conciliábulo pa­
preços ridículos aburgueses e a arrendatários
ra aprofundar a lei sobre os pobres, recente-
especuladores, que começaram por expulsar
mente promulgada. Depois resumiram os re­
os antigos colonos hereditários. O direito de
sultados de seus estudos comuns num escrito
propriedade dos camponeses pobres sobre uma
contendo dez questões arrazoadas, que subme­
parte dos dízimos dos eclesiásticos foi tacita­
teram em seguida ao parecer de um célebre
mente confiscado.8 “Pcmper iibique jacet”T
Jurisconsulto da época, O Sargento Snigge, ele­
exclamava a Rainha Elisabeth, depois de ter
vado a categoria de juiz no reinado de James
percorrido a Inglaterra. No quadragésimo
1. Eis aqui um extrato do escrito: ^
terceiro ano do seu reinado viram-se por fim
forçados a reconhecer o pauperismo como ins­ “Questão nona: Alguns ricos arrenda tá-'
tituição nacional e a estabelecer o imposto dos rios da paróquia projetaram um plano eficien-
pobres. Os autores dessa lei tiveram vergo­ te, por meio do qual se pode evitar toda sor­
nha de explicar os seus motivos e a publica­ te de perturbação na execução da lei. Propõem
ram sem nenhum preâmbulo, contrariamente a edificação de uma prisão na paróquia. A
ao tradicional costume.9 Sob Charles I, o Par­ lodo pobre que não se queira deixar encerrar
lamento declarou perpétua essa lei e ela não na prisão, negar-se-á assistência. Far-se-á
foi modificada senão em 1834. Então, o que se saber, em seguida, nos arredores que, se al­
havia concedido originariamente aos pobres, guma pessoa deseja alugar os pobres desta
como indenização pela expropriação sofrida,, paróquia, deverá remeter, no prazo fixo
converteu-se nurji castigo. de antemão, propostas seladas indicando o pre­
ço mais baixo pelo qual quer adquiri-los. Os
O protestantismo é essencialmente uma autores deste plano supõem que nos condados
religião burguesa. Para fazer ressaltar sèu vizinhos existem pessoas que não têm nenhuma
vontade de trabalhar e que não têm fortuna
8 "O direito do pobre a participar dos dízimos é estabelecido'
no teor dos antigos estatutos.” (Tuckett, 1. c., vol. II, págs. 804 e 80?.) nem crédito para comprar, seja uma fazenda,
9 W illiam Cobbet: A History o f the Protestam Reformation,-. um barco etc., a fim de poderem viver sem tra­
parágrafo 471. ' balhar (“so as to live without labour”). Essàs
30 A ORIGEM DO CAPITAL A iXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 31

pessoas estariam inteiramente dispostas a fa­ Estas consequências imediatas da Kefor-


zer propostas muito vantajosas à paróquia. iiiii. não foram, entretanto, as mais importan­
Se. por isto ou por aquilo algum dos pobres tes, A propriedade da Igreja era o baluarte sa-
venha a morrer, estando a serviço do contra­ gi-udo no sistema tradicional da propriedade
tador,-a culpa .recairá sobre si próprio, pois territorial. Levada de assalto a primeira, a se­
a paróquia terá cumprido todos os seus deve­ gunda ficava indefesa.11.
res para com esses pobres. Não obstante, re- Nos últimos anos do século X V II, a Yeo­
ceraipos que a lei de que se trata não permita manry, classe de camponeses independentes,
medidas prudentes deste gênero (“prudential (n Proud Peasantry, de Shakespeare), era
measures”) . Mas, convém que saibais que os it ilida mais numerosa que a dos arrendatários.
demais freeholders (proprietários de terras) Ela constitui a força principal da república
deste condado e dos vizinhos se unirão a nós inglesa. Seus hábitos e costumes formavam,
para compelir os seus representantes na Câ­ conforme confessa o próprio Macaulay, o con­
mara dos Comuns a promulgar uma lei que traste mais surpreendente com os dos fidalgo-
permita aprisionar os pobres e obrigá-los a tos contemporâneos. Nemrods grotescos, gros­
trabalhar, a fim de que todo indivíduo que re­ seiros, ébrios, e com seus lacaios os curas da
sista ao seu aprisionamento perca o direito de aldeia, roivos solícitos das “servas favoritas”
assistência. Esperamos que isto impedirá que dos gentis-homens do campo. Em 1750, a yeo­
as pessoas no estado de miséria necessitem ser manry tinha desaparecido12.
socorridas {“w ill preveni per sons in distress
from wanting ralief”).10
l í t $J(^oko.
enganava-se num só ponto: não foi a abofiçao da servidão, mas a
abolição do direito ao solo, que ela concedia aos cultivadores, que
os fez proletários, e, em último termo, pobres. N a França, onde
a expropriação se realizou de outro modo, a ordenação de Moulins
10 R. Blakey: The History of Political Liter ature from the cm 1571 e o edito de 1656 correspondem às leis dos pobres na
Earliest Times, Londres, 1855, vol. II, págs. 83 e 84. N a Escócia Inglaterra.
a abolição da servidão efetuou-se alguns séculos mais tarde do que
11 O sr. M. Rogers, antigo professor de Economia Política na
na. Inglaterra. Ainda em 1698, Fletcher de Salhon fez à Câmara dos
Universidade de Oxford, Cadeira de Ortodoxia Protestante, afirma
Comuns da Escócia, esta declaração: "Calcula-se que na Escócia o nú­
no prefácio de sua História da Agricultura que "o pauperismo inglês
mero de mendigos não é inferior a 200 000. O único remédio que
eu, republicano de princípios, reconheço para esta situação é p res­
tabelecimento do antigo estado de servidão e escravizar a todos, os 12 A Letter to Sir T . C. Banbury. Brt.: On the High Prices
que estão incapacitados de prover o próprio sustento.” Do mesmo of Provisions, by a Suffolk Gentleman, Ipswich, 1795, pág. 4. O
modo, Eden, 1. c., vol. I, cap. I: "O pauperismo data do dia em que advogado fanático do sistema • dos grandes arrendamentos, o autor
o operário agrícola foi libertado.. .Os manulatureiros e o comércio do Inquiry Into the Connection, of Large Farms etc. (Londres,
são osvèrdadeiros pais que geraTám o pauperismo nacional.” Eden;’ 1773), diz ele mesmo (pág. 133): "Estou profundamente aflito pelo
do mesmo modo que o nosso escocês "republicano por princípio”, desaparecimento da nossa yeomanry, desta classe de homens que, na
32 A ORIGEM DO CAPITAL A HXPROPRi a ç ã o da populaçãô p r im it iv a 33

Deixando de parte as influências pura- Orunge13, fabricantes de dinheiro, grandes


mente econômicas que preparavam a expro­ detentores de terras e capitalistas de baixa
priação dos cultivadores, não nos ocuparemos condição. Inauguraram a nova era com uma
aqui senão das alavancas aplicadas para dar delapidação verdadeiramente colossal do te­
impulso à sua marcha. souro público. Os domínios do Estado, rouba­
dos até essa data com moderação, dentro dos
Sob a restauração dos Stuarts, os pro­ limites da decência, foram então extorqui­
prietários de terras conseguiram levar a cabo dos à viva força do rei adventício como com­
legalmente uma usurpação, realizada em se­ pensações devidas aos seus antigos cúmplices,
guida no continente sem o menor rodeio par­ ou1vendidos a preços irrisórios, ou enfim, sem
lamentar. Eles aboliram a constituição feudal formalidade alguma, anexados a propriedades
do solo, isto é, aliviaram-no das servidões que ^privadas14. Tudo isso se fez a descoberto, com
o gravavam, indenizando o Estado pelos im­ ruído, descaradamente, desprezando-se mesmo
postos a cobrar sobre os camponeses e ao res­ a h aparências legais.
to do povo; reivindicaram a título de proprie­
E sta apropriação fraudulenta do domínio
dade privada, no sentido moderno, bens que
público e a pilhagem dos bens eclesiásticos,
não possuíam senão em virtude de títulos feu­
excetuando aqueles que a revolução republi­
dais, e coroaram \ a obra outorgando aos tra- cana pôs em circulação, eis aí a base sobre que
halhadores rurais estas leis de domicílio legal repousa o poderio dominador da atual oligar-
( laws of settlem ent) que os convertia em de­
pendência da paróquia, do mesmo modo que o 13 A moral privada deste herói burguês pode ser apreciada no
famoso edito do tártaro Boris Godunof fez dos seguinte extrato: "As grandes concessões de terras feitas na Irlanda
a Lady Orkney, em 1695, são um público testemunho da afeição do
camponeses russos escravos da gleba. Rei e da influência da d a m a ... Os bons e leais serviços de Lady
Orkney parecem ter sido "foeda labiorum ministeiia.” (Veja-se
a Slovane Manuscript Collection no Museu Britânico, nfi 4224. O
A gloriosa revolução (glorius revolution) manuscito é intitulado: Thre Character and Behaviour of King W il­
levou ao poder, em Gilherme III, Príncipe de liam, Sunderland, etc., as Represented in Original Letters to the Du­
ke of Shrewsbury from Somers, Halifax, Oxford, Secretary Vernon”
etc. Ele está cheio de fatos curiosos.) ’

realidade, têm mantido a independência de nossa nação; estou en­ 14 A alienação ilegal dos bens da Coroa, seja por venda, seja
tristecido vendo atualmente suas terras nas mãos-dos lordes monopoli­ por doação, constitui um capítulo escandaloso da história da In­
zadores e de pequenos arrendatários, tendo seus arrendamentos çm glaterra. . . uma fraude gigantesca feita contra a nação (gigantic fraud
tais. condições que são pouco mais que vassados, sempre prontos a on the nation). F. W . Newman: Lectures on Political Economy, Lon­
dres, 1851, págs. 129 e 130.
acudir ao primeiro chamado para praticar algo de mau,’’ "■
34 A ORIGEM DO CAPITAL A KXPKOPRIAÇÃO da população p r im it iv a 35

quia inglesa15. Os burgueses capitalistas fa­ tu unos pelo Parlamento. Mas, no século
voreciam a operação com o fim de fazer da XVII — vede o progresso! — a própria lei
terra um artigo de comércio, de aumentar as mo torna instrumento de espoliação, o que, por
suas reservas de proletários do campo, de am­ outro lado, não impediu que os grandes ar­
pliar a agricultura em grande escala etc. rendatários recorressem a outros recursos par-
De resto, ar nova aristocracia latifundiá­ tlciilares, por assim dizer, extralegais16.
ria era a aliada natural da nová bancocracia, A forma parlamentar do roubo cometido
da alta finança, recentemente nascida, e das xoIire as comunas é de “ leis sobre o fecha­
grandes manufaturas, então fatores do siste­ mento das terras comunais” (B ilis for inclo-
ma protecíbèista. A burguesia inglesa agia de Hures of commons). São, na realidade, decre­
conformidade com os seus próprios interesses, tos por meio dos quais os proprietários de ter-
do mesmo modo que a burguesia sueca, a fim rns se presenteavam a si mesmos com os bens
de ajudar os reis a retomar por medidas vio­ comunais, decretos de expropriação do povo.
lentas as terras da coroa, usurpadas pela Mm um arrazoado de advogado astuto, Sir F.
aristocracia. , M. Eden procura apresentar a propriedade co-
A propriedade comunal, inteiramente dis­ munal como propriedade privada dos latifun­
tinta da propriedade pública, de que acaba­ diários modernos que substituíram os senho­
mos de falar, era uma velha instituição ger­ res feudais; entretanto refuta-se a si mesmo
mânica, conservada em vigor no seio da so­ pedindo ao Parlamento que vote um estatu­
ciedade feudal. Vimos que as violentas usur­ to geral sancionando de uma vez para sem­
pações das comunas, quase sempre seguidas pre o fechamento das terras comunais. E não
da conversão das terras aráveis em terras de contente de ter assim confessado ser preciso
pastagens, começaram no último terço do sé­ um golpe de Estado parlamentar para lega­
culo XV e se prolongaram para além do XVI. lizar a transferência dos bens comunais aos
Mas, estes atos de rapina então não consti­
tuíam senão atentados individuais, combati­ 16 Os arrendatários proibiram os caseiros de manter, salvo eles
próprios, qualquer criatura viva, gado, aves etc. sob o pretexto que
dos em vão, é certo, durante cento e cinqüen- de outro modo eles poderiam roubar as granjas, "Se quiserdes que
os caseiros trabalhem, diziam eles, conservai.os na pobreza. O fato
real é que os arrendatários se arrogam assim todo o direito sobre as
15 Leia-se, por exemplo, o folheto de Edmund Burke sobre terras comunais e delas fazem o que bem lhes parece.” A Política!
a casa ducal de Bedford, cujo rebento é Lord John Russel: The Tom- Inquiry luto the Consequentes of Enclosing Waste Lands, Londres,
til of Liberalism. 1785, pág. 75.
36 A ORIGEM DO CAPITAL A ÍXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 37

latifundiários, consuma a sua derrota insis­ na literatura econômica dessa época. É bas­
tindo, por alívio de consciência, sobre a inde­ tante extrair algumas passagens do material
nização devida aos. pobres cultivadores17. Se Imenso que nos foi deixado sobre este assun­
não houvesse expropriados, não haveria evi­ to, para fazer ressaltar a situação de então.
dentemente ninguém a indenizar.
“Em um grande número de paróquias de
Ao mesmo tempo que a classe independen­ IIertfordshire, escreve uma pena indignada,
te dos yeomen era suplantada pela dos tenants vinte e quatro fazendas, abrangendo cada uma,
at will, pequenos arrendatários, cujo arrenda­ em média, 50 a 150 acres, foram reunidas em
mento podia ser rescindido cada ano — raça três.”2® “No Northamptonshire e no Lincolns-^
tímida, s é v il, à mercê do capricho senhorial hlre o fechamento dos terrenos comunais foi
— o roubo sistemático das terras comunais, realizado em grande escala; a maior parte dos
junto à pilhagem dos domínios do Estado, con­ domínios resultantes dessa operação foi trans­
tribuía para engrossar as grandes fazendas, formada em pastagens, a ponto de que onde
chamadas no século X V II “fazendas de ca­ untes se cultivavam 1500 acres de terras não
pitai”18 ou “fazendas de comércio"19 e para se cultivou, então, mais do que 5 0 . . . Ruínas
transformar a população dos campos em pro­ de vivendas, granjas, estábulos etc., eis aí os
letariado “disponível” para a indústria. únicos vestígios que ficaram dos antigos ha­
bitantes. Em muitos lugares, centenas de mo­
Todavia, o século X V III não compreen­
radias e de famílias ficaram reduzidas a oi­
deu tão bem como o X IX a identidade destes
to ou dez. Na maior parte das paróquias, on­
dois termos riqueza nacional, pobreza, do po­
de o fechamento dos campos não- datava se­
vo. Daí a polêmica virulenta sobre o fecha­
não dos últimos quinze ou vinte anos, não há
mento das terras comunais que se encontra
senão um pequeno número de proprietários,
comparando com os que cultivavam a terra
17 Eden, 1. c. Prefácio. As leis sobre o fechamento das
terras comunais não sé faziam senão em parte, de sorte que, baseada (piando os campos não estavam fechados. Não
na petição de certos latifundiários, a Câmara dos Comuns votou um .
bill sancionando o fechamento em determinado lugar.
é raro ver quatro ou cinco ricos criadores
18 Capital-farms: Tw o Letters on the Flour Trade and the usurparem domínios há pouco tempo fechados
Dearness of Corn, by a Person in Business, Londres, 1757, págs. 19-20
19 Merchant-farms'. A n Inquiry Into the Present High Prices'
of Provisions, Londres, 1767, pág. 2, nota. Este excelente escrito.' 20 Thomas W right: A Short Address to the Public on the
tem por autor o Rev. Nathaniel Forster. Monopoly o f Large Farms, 1779, pág. 23.
38 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO da população p r im it iv a 39

que se encontravam antes nas mãos de vinte pequenos proprietários e colonos, que vivem,
ou trinta pequenos arrendatários e de muitos eles e suas famíliafs^Tl^prõõ^oTíãrierra, das
pequenos proprietários e aldeões. Todos es­ ovelhas, aves, suínos etc., que levam a pastar
tes e suas famílias foram expulsos de suas nas terras comunais), serão transformados
p o sse s com muitas outras fam ílias. ocupadas em pessoas forçadas a ganhar o sustento tra­
e mantidas por eles.”*21. As terras de que se balhando para outrem e a ir comprar no mer­
apossaram os proprietários limítrofes sob o cado os meios de subsistência. Realizar-se-á
pretexto de fechamento, üão eram somente ter­ mais trabalho, quem sabe. • • talvez põrque ha-
ras baldias, mafrtambém as de cultivo em co­ verá mais violência._. . _ As cidades e as ma-
mum, ou pagando uma renda determinada à co­ mi faturas crescerão porque nelas se lançou
muna. “Falo aqui do fechamento de terras mais gente à procura de ocupação. É neste
e campos lá cultivados. Mesmo os escritores Henüdo que à concentração das fazendas se ope­
que defendem o fechamento estão de acordo ra espontaneamente e vem se processando des­
que, neste caso, reduzem o cultivo, fazendo su­ de anos neste reino23. Em suma, é assim que
bir o preço das subsistências e conduzem ao ele resume o efeito geral dos fechamentos: a
despovo amento. . . E, mesmo quando não se ní tu ação das classes inferiores do povo piorou
trate senão de terras incultas, a operação (do sob todos os aspectos; os pequenos arrendatá­
fechamento), tal como se pratica hoje, arreba­ rios e proprietários foram reduzidos à situa­
ta ao pobre uma parte de seus meios de vida ção de jornaleiros e mercenários, e ao mesmo
e acelera o desenvolvimento das fazendas que tempo, nestas condições, lhes é mais difícil ga­
são já demasiado grandes.”22 nhar o sustento.”24
“Quanto a terra, diz o dr. Price, vai nas
mãos de um reduzido número de grandes ar­ 23 L. C., pág. 147.
24 L. c., pág. 159. Lembra os conflitos da antiga Roma. "Os
rendatários : os pequenos arrendatários (que ricos tinham-se apoderado da maior parte das terras indivisas. As
designa em outro lugar como outros tantos circunstâncias de então davam-lhes confiança de que elas não lhes
seriam retomadas, e eles se apropriaram das parcelas vizinhas que
pertenciam aos pobres, em parte comprando-as com o consentimento
destes, em parte à força, de modo que em lugar de campos isola­
21 Rev. Addington: Inquiry Into the Reasons for or Against dos não cultivassem senão vastos domínios. N o cultivo da terra
Enclosing Open Fields, Londres, 1772, págs. 37 e 43, passim. e na criação de gado empregaram escravos porque os homens livres
22 Dr. R. Price, 1. c., vol. II pág. 155. Ler Forster, Addington podiam ser tirados do trabalho pelo recrutamento, em caso de guerra.
Kent, Price e James Anderson, e compare-se com o miserável charla­ A posse dos escravos era tanto mais aproveitável quanto estes, devido
tanismo do sicofanta Mac Culloch em seu catálogo: The Literature serem dispensados do serviço militar, estavam também em condições
of Political Economy, Londres, 1845. . de se multiplicar tranqüilamente e tinham de fato numerosa prole.
40 A ORIGEM DO CAPITAL A RXRROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 41

Efetivamente, a usurpação das terras co­ Mcm parte), não pode senão desejar? Se se
munais e a revolução agrícola que se lhe se­ emprega muna só fazenda seus trabalhos com­
guiu, fizeram-se sentir tão duramente sobre binados, o produto será mais considerável:
os trabalhadores do campo que, segundo o formar-se-á um excedente de produto para
mesmo Eden de 1765 a 1780,- seus salários co­ UH manufaturas, que, verdadeiras minas de
meçaram a cair abaixo do mínimo possível e ouro do nosso país, aumentarão proporcional­
foi necessário çompletá-lo mediante socorros mente à quantidade de trigo fornecido.”25
oficiais. “Seus^alários, diz, eram insuficien­
Quanto à serenidade de espírito, ao estoi-
tes para cobrir \ s necessidades mais premen­
eismo imperturbável, com que o economista em­
tes da' vida.”
enta a profanação mais despudorada do “di-
Ouçamos, entretanto, por momentos, a
4 'eito sagrado da propriedade” e os atentados
um apologista dos inclosures, adversário do dr.
mais escandalosos contra as pessoas, desde que
Price : “Não se terá absolutamente razão
em concluir que o país se despovoa pelo fato nj udam a fortalecer o modo de produção ca­
de não se ver mais tanta gente empregar nos pitalista, pode-se julgar pelo exemplo de Sir
campos o seu tempo e esforço. Se há menos F. M. Eden, tory el filantropo. Os atos de ra­
nos campos, há mais nas cid ad es... Se de­ pina, as atrocidades, os sofrimentos que, des­
pois da conversão dos pequenos camponeses de o último terço do século XY até fins do
em jornaleiros, obrigados a trabalhar para XV III, formam o cortejo da expropriação vio­
outrem, se realiza mais trabalho, não é isso lenta dos cultivadores, o levam simplesmen­
uma vantagem que a nação (da qual os su­ te a está reconfortante conclusão: “Devia-se
praditos “convertidos” naturalmente não fa- estabelecer uma justa proporção (due pro-
portion) entre as terras de plantio e as ter­
Foi deste m odo'que os poderosos chamaram a si toda a riqueza, e ras pastoris. Durante todo o século X IV e a
todo o país formigava de escravos. Os ítalos, ao contrário, se tor­ maior parte do XV, havia ainda dois, três e
naram de dia para dia menos numerosos, dizimados que foram pela
pobreza, pelos impostos e pelo. serviço militar. Nessas condições,
chegado o tempo de paz, eles se achavam condenados a uma com-;
pleta inatividade, porque os ricos estavam de posse do solo e, para o 25 A n Inquiry In to the Connection Between the Present Prives
cultivo, em lugar de homens livres, empregavam escravos." Appien: of Provisions etc., págs 124 e 129. Una escritor contemporâneo cons­
A s Guerras Civis Romanas I, 7. Esta passagem refere-se à época tata os mesmos fatos, mas com uma tendência oposta: "Os traba­
que precede a Lei Licinia. . O s e rv iç o militar, que tanto acelerou lhadores são expulsos de suas cabanas e obrigados a ir para a cidade
a ruína dos plebeus romanos, foi também o meio principal de que- á procura de emprego, e, então, obtém-se um lucro líquido maior
se serviu Carlos Magno para reduzir à condição de servos os li-' e por conseguinte o capital aumenta." (T he Perilr of the Nation,
vres camponeses da Alemanha. 2* ed., Londres, 1843, pág. 14.)
42 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 43

até quatro acres de terras de cultura contra dos até esta data, deram resultado e, agora,
um acre de terras de pastagens. Nos meados na Inglaterra, onde não há mais camponeses
do século XVI, essa proporção foi modifica­ a suprimir, se faz arrancar, como vimos an­
da : houve primeiro três acres de terras para teriormente, até as cabanas dos assalariados
pastagens contra dois de terras cultiváveis, agrícolas, cuja presença macula o solo que
depois dois daquela contra um desta, até che­ eles cultivam. Entretanto o clearing of States,
gar, por fim, à justa proporção de três acres que vamos examinar, tem por próprio teatro
de terras de pastos contra um só acre a comarca predileta dos novelistas modernos,
de plantio.” os Highlands da Escócia.
Xo século X IX , nem mesmo a lembrança Ali a operação distingue-se pelo seu cará­
do laço que ligava o cultivador ao solo comu­ ter sistemático, pela imensa escala em que se
nal existia mais. O povo dos campos, por executa — na Irlanda, ordinariamente, um
exemplo, jamais obteve um ceitil de indeniza­ grande latifundiário ordena a destruição de
ção pelos 3 511770 acres de terras que lhe fo­ várias aldeias de uma só vez; mas na alta
ram arrebatados de 1801 a 1831, e que os gran­ Escócia trata-se de superfícies tão extensas
des latifundiários se outorgaram mutuamen­ que chegaram a ultrapassar um principado
te pelas leis sobre o fechamento. alemão — e pela forma particular da proprie­
O iiltimo procedimento de um alcance his­ dade esbulhada.
tórico, que se empregou para expropriar aos O povo dos Highlands compunha-se de
cultivadores, se chama clearing of States, li­ clãs, cada um dos quais possuía como proprie­
teralmente: “roçada dos bens de raiz”. No dade o solo em que estava estabelecido. O re­
sentido inglês não significa uma operação téc­ presentante do clã, seu chefe, ou “grande ho­
nica de agronomia; é o conjunto de atos de mem”, não era mais que o proprietário titu­
violência por meio dos quais se desembaraça lar desse solo, do mesmo modo que a Rainha
dos cultivadores e de suas moradias, quando da Inglaterra é proprietária titular do terri­
eles se encontram sobre os bens de raiz des­ tório nacional inglês. Quando o Governo In­
tinados a passar ao regime da grande cultura glês chegou a suprimir definitivamente as
ou ao estado pastoril. É bem por isto que guerras intestinas destes “grandes homens” e
todos os métodos de expropriação, considera­ suas incursões contínuas às planuras limítro-
44 A ORIGEM DO CAPITAL A e x p r o p r ia ç ã o da população p r im it iv a 45

fes da baixa Escócia, eles não abandonaram mesmo valor de uma província fértil. Há cer­
seu'velho-ofício de bandoleiros; mudaram so­ tas terras, como certos conventos de monges
mente de forma. Pela sua própria autorida­ mendicantes, onde quanto mais bocas há que
de. converteram seu direito de propriedade ti­ alimentar melhor vivem28.”
tular em direito de propriedade privada, e,
achando que os membros do clã, cujo sangue j^ULando se começou, no último terço do
não precisavam mais derramar em incursões, século X Y III, a expulsar os celtas cíe suas
criavam obstáculos aos seus projetos de enri­ terras, proibiu-se-lhes ao mesmo tempo a emi­
quecimento, resolveram expulsá-los à viva for­ gração, para o estrangeiro, a fim de obrigá-
ça. “Um rei da Inglaterra poderia igualmente los, deste modo, a afluir a Gíasgow e a outras
pretender ter o direito de atirar seus súditos cidades fabris29.
ao mar”, diz o Professor Newman26,. Em suas Observations swr la Bichesse des
Podemos seguir as primeiras fases desta Nations, de Adam Smith, publicadas em 1814,
revolução, que começa depois do último levan­ David Buchanan nos dá uma idéia dos pro­
te do Pretendente, nas obras de James An- gressos feitos pelo clearing of States. Nos
derson27 e de James Stuart. Este nos infor­ Highlanãs (terras altas), diz, o proprietário
ma que, na sua época, no último terço do sé­ territorial, sem consideração para Com os co­
culo X Y III, a alta Escócia representava, ain­ lonos hereditários (ele aplica erroneamente
da em pequena proporção, um quadro da Eu­ esta denominação à gente do clã, que possuía
ropa de há 400 anos. “A renda (assim cha­ conjuntamente o solo), oferece a terra ao que
ma impropriamente o tributo pago ao chefe melhor pagava, o qual, se é inovador (impro-
do clã) destas terras é muito pequena em re­ ver) nada lhe é mais urgente do que introdu­
lação à sua extensão; apesar disso, se a con­ zir o novo sistema. O solo antes semeado de
siderais relativamente ao número de bocas que pequenos núcleos de camponeses estava muito
alimenta a fazenda, verificareis que uma ter­ povoado em proporção ao seu rendimento. O
ra, nas montanhas da Escócia, alimenta qui­ novo sistema de cultivo aperfeiçoado e de
çá duas vezes mais gente do que uma terra do
28 L, c., cap., XVI.
29 Em 1860, indivíduos violentamente expropriados foram envia­
26 F. W . Newmann, 1. c., pág. 132. dos ao Canadá com falsas promessas. Alguns fugiram para as mon­
27 James Anderson: Observations on the Means of Exciting a ' tanhas e para as ilhas vizinhas. Perseguidos pela polícia chegaram
.Spirit of National Industry, etc. Edimburgo, 1777. a lutar com ela e conseguiram fugir.
46 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPRÔI’RIAÇÂO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 47

maiores rendimentos permite obter o máximo ministração resolveu apelar para os grandes
de produto líquido com o menor gasto possí­ meios e transformar em campos de pastagens
vel e com este fim desembaraçar-se dos colo­ todo o condado, cuja população, graças à ex­
nos tornados sucessivamente inúteis. Os ex­ periências análogas, apesar de feitas em pe­
pulsos do solo natal irão procurar sua subsis­ quena escala, se encontrava reduzida a quin­
tência nas cidades manufatureiras etc30. ze mil almas. Desde 1814 a 1820, estas 15 mil
Georges Ensor diz em seu livro publica­ pessoas, formando aproximadamente três mil
do em 1818: “Os grandes da Escócia expro* famílias, foram sistematicamente expulsas. (As
priam famílias como se extirpassem a má er­ aldeias foram destruídas e queimadas e seus
va; procedem para com as aldeias e seus ha­ tampos transformados em campos de ..pasta­
bitantes como os índios, ébrios de vingança, gens. Õs soldados ingleses, enviados para pres­
tratam as feras em suas guaridas. Um bo- tar ajuda, tiveram que pelejar com os indíge­
mem é vendido por um velo de ovelha, por uma nas. Uríia velha mulher, que se negava a aban­
perna de carneiro ou por menos ainda... donar a sua choça, pereceu entre as chamas.
Quando da invasão da China setentrional, o Assim foi como a nobre dama se apropriou de
Grande Conselho dos Mongóis discutiu se não 701000 acres de terras que pertenciam ao clã
seria conveniente exterminar a todos os habi­ (tribo) desde tempos imemoriais.
tantes do país e convertê-lo num vasto campo Uma parte dos espoliados foi expulsa de­
de pastagem. Numerosos grandes latifundiá­ finitivam ente; à outra concederam perto de
rios da Escócia puseram em execução em seu seis mil acres de terras à beira-mar, terras até
próprio país e contra seus próprios compatrio­ então incultas e que jamais tinham produzido
tas aquele desígnio31*.” coisa alguma. A Duquesa levou a sua gran­
Mas, a todo senhor toda honra. A ini­ deza de alma a ponto de arrendá-las pela mó­
ciativa mais mongólica provém da Duquesa dica quantia de 2 shilings e 6 pences por acre
de Sutherland. Esta mulher, amparada por aos membros do clã, que, durante séculos, ti­
boas mãos, logo que assumiu as rédeas da ad- nham derramado seu sangue a serviço dos Su­
therland. O terreno assim conquistado foi di­
30 David Buchanan: Observations sur la 'Richesse des Nations. vidido em 29 grandes fazendas de carneiros,
A. Smith: Wealth of Nations, Edimburgo, 1814. stabelecendó-se em cada uma delas uma fa-
31 Georges Ensor: A n Inqutry Into the Population of Nations,
Londres, 1815, págs. 215 e 216. úlia, composta quase sempre de moços de la-
48 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 49

voura, ingleses. Em 1825, os 15 000 proscri­ Enfim opera-se uma posterior metamor­
tos tinham deixado lugar a 131000 carneiros. fose. Uma porção de terras convertidas em
Os que tinham sido expulsos para o litoral de­ campos de pastagens vai ser transformada em
dicaram-se à pesca e chegaram a ser, segundo reservas de caça.
a expressão de um escritor inglês, verdadeiros Sabe-se que a Inglaterra não tem muitos
anfíbios, vivendo metade do tempo em terra bosques, propriamente ditos. A caça criada
e metade na água, e com tudo isso não viviam^ nos parques dos grandes senhores não é senão
senão metade32. • 1 uma espécie de animais domésticos e consti­
Entretanto estava escrito que os bravos tucionais, gordos como os magistrados de
celtas deviam expiar mais severamente ainda Londres.
a sua idolatria romântica e montanhesa pelos A Escócia é, pois, forçosamente, o último
“grandes homens” do clã. O cheiro de seu pes­ asilo da nobre paixão da caça.
cado veio provocar cócegas nas narinas des­ “Nas terras altas (Highlands), diz Eo-
ses grandes homens, que farejaram lucros a bert Somers, os bosques destinados à caça
realizar, e que não tardaram a arrendar as (deer forests), se têm estendido bastante34.
costas do mar aos grandes comerciantes de Do lado de Gaick, tendes a nova floresta de
pescado de Londres. Os celtas foram expulsos Glenfeshie, e do outro lado o novo bosque de
pela segunda vez33. Ardverikie. Na mesma linha encontrareis o
Blãck-Mount, imenso despovoado de nova cria­
32 Quando a senhora Beecher Stowe, autora da A Cabana do ção. De Este a Oeste, desde os arredores de
Pai Tomás, foi recebida em Londres, com uma verdadeira magnifi-
ciência, pela atual duquesa de Sutherland, feliz nesta ocasião de ex­ Aberdeen até os rochedos de Oban, há agora
plodir o seu ódio contra a república americana e de ostentar a sua
simpatia pelos escravos negros — o que ela soube prúdentemente
uma larga faixa de bosques ao passo que em
afastar mais tarde, no tempo da guerra do Sul, quando todo cora­ outras partes dos Highlands se encontram as
ção de nobre batia na Inglaterra pelos escravagistas — tomei a li­
berdade de relatar no N ew York Tribune a história dos escravos novas florestas do Lord Archaig, de Glengar-
sutherlandeses. Este pequeno esboço (reproduzido em parte por
Carey, nas suas Slave Trade, Londres, 1855, pág. 202 e 203) foi ry, de Glenomoriston etc. A conversão de suas
reimpresso por um diário escocês e motivou uma agradável polêmica terras em campos de pastagens expulsou os
entre este e os bajuladores dos Sutherlands.
33 Encontram-se detalhes interessantes sobre este comércio de
peixes no diário de M. David Urquhart, New Series. Nassau W . 34 Convém notar qüe os deer forests, da alta Escócia, não têm
Sênior, na sua obra póstuma já citada, assinala a execução dos cel­ árvores. Depois de terem afastado os carneiros das montanhas, subs­
tas, no Sutherlandshire, como uma das mais bem feitas roçadas (clea- tituíram-nos por gamos e veados e chámou-se a isso uma deer forest.
rings) que registra a memória humana. Assim, nem sequer houve cultura florestal!
50 A ORIGEM DO CAPITAL A e x p r o p r ia ç ã o da população p r im it iv a 51

celtas para terras menos férteis; íi sxia .misé­ cada vez mais livre, ao passo que os homens
ria se torna mais acabrunhada des.de. que a foram reduzidos a um círculo cada vez mais
caça começa a substituir as ovelhas. estreito. . . (O povo viu arrebatadas, umas após
Este gênero de florestas improvisadas e outras, todas as suas liberdades. Limpar o
o povo, não podem de nenhuma maneira exis­ solo de seus indígenas como se extirpam as
tirem juntos; é preciso que um dos dois ceda o árvores e as maldades nas comarcas da Amé­
lugar ao outro. Que se deixe aumjentar^a ci­ rica e da Austrália, era um princípio assen­
fra e a extensão dos parques de caça no pró­ tado, uma necessidade agronófica para os
ximo quarto de século, como se praticou no grandes possuidores de terras, e a operação
último, e não se encontrará mais um só celta segue a sua marcha tranqüila e regular­
em sua terra natal. Esta devastação artificial mente36.
das terras altas (H ighlands), por um lado, é O livro de M. Kobert Somers, do qual aca­
um negócio da moda que lisongeia o orgulho bamos de citar alguns trechos, apareceu pri­
aristocrático dos grandes detentores de terras meiramente nas colunas do Times em forma
e a sua paixão pela caça, mas, além disso, eles de cartas sobre a fome que os celtas, sucum­
se dedicam à criação da caça com um fim ex­ bindo diante da concorrência da caça, tive­
clusivamente mercantil. Não há dúvida que, ram de padecer em 1847. Disso, os cultos eco­
frequentemente, uma extensão de país monta­ nomistas ingleses tiraram a sábia conclusão
nhoso produz muito menos como cultivo do de que havia aí celtas demais, o que fazia
que como parque de caça. O afeiçoado à ca­ com que eles limitassem seus meios de subsis­
ça não põe geralmente outro limite em suas tência.
ofertas senão o tamanho de sua b o l s a . . . 35.
As terras altas (H ighlands) da Escócia so­ Vinte anos depois este estado de coisas
freram males tão cruéis como os infligidos à havia piorado, como o constata, entre outros,
Inglaterra pela política dos réis normandos. o Professor Leone Levi, em um discurso pro­
Os animais das montanhas tiveram o campo nunciado em abril de 1866 na Sociedade das
Artes. “Despovoar o país, diz ele, e conver­
35 E a bolsa do amador inglês é grande! Não são somente os
ter as terras aráveis em pastagens, foi em
membros da aristocracia que alugam estes campos de caça, mas tam­
bém o primeiro novo rico adventício se crê um M. Callum More
quando pode insinuar-nos que tem seu lodge nas terras da alta Es­ 36 Robert Somers: Letters from the Highlands, or the Famine
cócia. of 1847, Londres, 1848, pags. 12-28, passim.
52 A ORIGEM DO CAPITAL
A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 53

primeiro lugar o meio cômodo de obter ren­


“Os instintos feudais expandem-sé'hoje
das sem fazer g a sto s ... Em breve, a substi­
livremente como nos tempos em que o conquis­
tuição dãs pastagens por deer forests tornou-
tador nòrmano destruía trinta e seis aldeias
se um acontecimento ordinário nos Highlands.
para criar a Floresta Nova (New F orest) . . .
O gamo expulsou daí o carneiro, como este
jüois milhões de acres, compreendendo as^ ter­
havia outrora expulso o homem, Pártindo dos
ras mais férteis da Escócia, são inteiramente
domínios do Conde de Dalhouisie, em Forfar-
7 f ^devastados. A forragem natural de Glen Tilt
shire, pode-se subir até John 0*Groats sem
passava por uma das mais suculentas do Con­
nunca deixar as pretensas florestas. A rapo­
dado de P erth; a deer forest de Ben Aulden
sa, o gato montês, a marta, a doninha e a le­
era o melhor campo natural nas vastas espes­
bre dos Alpes aí se naturalizaram de há mui­
suras de Badenoeh; uma parte da floresta de
to ; o coelho, o esquilo e o rato do mato encon­
Black-Mòunt era a melhor pastagem dá Escó­
traram recentemente o caminho. Enormes dis­ cia para os carneiros de lã preta. O solo, sa­
tritos, que figuravam nas estatísticas da Es­ crificado deste m odoao prazer^,da^caça, esten-
cócia como prados de uma fertilidade e exten­ de-se por uma superfície muito maior que o
são excepcionais, são agora rigorosamente ex­ Condado de Perth. A perda, em fontes de pro­
cluídos de toda a espécie de cultura e melho­ dução, que esta devastação artificial causou
ramentos, e consagrados aos prazeres de um ao país, pode-se apreciar pelo fato de que o
punhado de caçadores, e isto só durante al­ solo da floresta de Ben Aulden, capaz de nu­
guns meses do ano.” trir quinze mil carneiros, não forma senão
Pelos fins do ano de 1866, uma folha es­ 1/30 do território de caça escocês. Todo es­
cocesa, em suas notícias do dia, chamava a te terreno se tornou im produtivo,..
atenção para o fato seguinte: “Uma das me­ Poiíer-se-ia igualmente tê-lo feito desapa­
lhores fazendas de carneiros de Sutherlands- recer submerso pelo Mar do Norte. É preciso
hire, pela qual, ao expirar o arrendamento cor­ que o braço da lei intervenha para pôr termo
rente, fòra recentemente oferecida uma ren­ a estas solidões e a estes desertos improvisa­
da de 1200 libras esterlinas, vai ser conver­ dos.” Todavia, este mesmo Economist de Lon­
tida em deer forest.” O Economist de Lon­ dres publica também alegações em favor des­
dres, de 2 de junho de 1866, escreveu por es­ ta “fabricação” de desertos. Aí se prova, com
sa ocasião: auxílio de cálculos rigorosos, que a renda li-
54 A ORKEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 55

quida dos grandes detentores de terras tem liiagem dos terrenos comunais^ a transforma-
aumentado, e, portanto, a riqueza nacional dos gão usurpadora e terrorista da propriedade
Highlands 37. feudal e mesmo a patriarcal, em propriedàde
Os despojos dos bens da Igreja, a aliena­ privada moddrnâya guerrãás cabanas, foram
ção fraudulenta dos domínios do Estado, a pi- os“processos idílicos da acumulação primiti­
va. Conquistaram a terra para a agricultura
37 N a Alemánha, sobretudo depois da Guerra dos Trinta Anos,
íoi que os proprietários nobres puseram-se a expropriai»,seus cam­ capitalista, incorporaram o solo ao capital e
poneses à força. Este processo, que provocou mais de uma revolta
(das quais uma das últimas rebentou ainda em 1790, na Saxônia entregaram à indústria das cidades os braços
Eleitoral), infestava principalmente a Alemanha oriental. N a maior dóceis de um proletariado sem lar nem pão.
parte das províncias da Prússia propriamente dita, Frederico II foi o
primeiro a proteger os camponeses contra estas empresas. Depois da
conquista da Silésia. ele obrigou os proprietários de terras a estabele­
cer as choças e as granjas que eles tinham demolido e a fornecer
aos camponeses gado e utensílios agrícolas. Ele tinha necessidade
de soldados para seu exército e de contribuintes para seu tesouro.
De resto, é preciso não supor que os camponeses levavam uma vida
agradável sob o seu regime, mescla de despotismo militar, de buro­
cracia, de feudalismo e de exação financeira. Leia-se, por exemplo,
a seguinte passagem tirada de seu admirador, o grande Mirabeau:
"O linho, diz ele, constitui uma das grandes riquezas do cultivador
no norte da Alemanha. Infelizmente para a espécie humana, isto
é apenas um recurso contra a miséria e não um meio de bem-estar. Os
impostos diretos, os encargos, as servidões de todo gênero esmagam o
cultivador alemão, que paga ainda impostos indiretos em tudo o que
compra.. . e, para cúmulo da ruína, ele não se atreve a vender seus
produtos onde e como quer; ele não ousa comprar aquilo de que
tem necessidade aos comerciantes que lhe poderiam vender mais ba­
rato. Todas estas coisas o arruinam insensivelmente e ele se encon­
tra em condições de não poder pagar os impostos diretos com seus
vencimentos sem recorrer ao trabalho da fiação; esta lhe oferece um
recurso, ocupando utilmente sua mulher, seus filhos, seus serventes
e a si próprio; mas que penosa vida levam, mesmo ajudados por
este recurso!
No verão, ele deita-se às nove e levanta-se às duas, para con­
cluir os seus trabalhos; no inverno, deveria recuperar as forças com
um maior repouso, mas faltar-lhe-ia o trigo para o pão e as se­
mentes se ele consumisse os produtos que precisava vender para pa­
gar os impostos. É preciso, pois, fiar, para suprir esta f a lta ..,;
e é necessário fazê-lo com maior assiduidade. Assim é que, no
inverno, o camponês deita-se à meia-noite ou à uma hora e levanta-
se às cinco ou às seis, ou então deita-se às nove para levantar-se
às duas; e isto todos os dias de sua vida, com exceção dos do­
mingos. Este excesso de vigília e de trabalho gasta a natureza hu­
mana e daí provém que os homens e as mulheres envelhecem muito
mais cedo nos campos do que nas cidades.” (Mirabeau, 1. c., t. III,
pág. 212 e seguintes.)

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