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CAPÍTULO II
pão. Se bem que o poder real, saído ele pró (pie as habitavam, que o país alimentou mui
prio do desenvolvimento burguês, fosse, em to menos gente, que muitas cidades decaem, se
sua tendência para a soberania absoluta, leva bem que algumas de recente fundação pros
do a ativar este licenciamento por medidas vio peram . . . A propósito das cidades e das al
lentas, não foi, todavia, a única causa. Em deias destruídas para fazer parques de car
guerra aberta com a realeza e o Parlamento, os neiros e onde não se via mais nada de pé, sal
grandes senhores criaram um proletariado vo os castelos senhoriais, teríamos muito que
muito mais considerável, usurpando os bens. falar.”3
comunais dos camponeses e expulsando-os do
solo que estes possuíam com o mesmo direito As lamúrias destes velhos cronistas, sem
que seus senhores. O que, na Inglaterra, deu pre exageradas, descrevem, todavia, de um
sobretudo lugar a estes atos de violência, foi modo exato, a impressão produzida sobre os
a expansão das manufaturas de lã em Flan- contemporâneos pela revolução sobrevinda na
dres e a alta dos preços de lã que daí resul ordem econômica da sociedade. Comparem-sé
tou. A longa Guerra das Duas Rosas tendo os escritos do Chanceler Fortescue com os do
devorado a antiga nobreza, a nova, filha de Chanceler Thomas Morus e far-se-á uma idéia
sua época, considerava o dinheiro como o su do abismo que separa o século XV do século
premo poder. Transformar as terras de cul XVI. “Na Inglaterra, a classe trabalhadora,
tivo em pastos, tal foi o seu grito de guerra. diz mui acertadamente Thorton, foi precipita
da, sem transição, da sua idade de ouro para
Na Description of Englaml Prefixed to
Holinshed'S Chronicles, Harrison conta comò a sua idade de ferro.”
a expropriação dos camponeses desolou o país. E sta subversão atemorizou o Parlamen
“Mas que importa a nossos grandes usurpa to. Este não tinha ainda atingido este alto
dores! ( W hat care our great incroachers!) grau de civilização em que a riqueza nacional
As casas dos camponeses e as quintas dos tra
balhadores foram violentamente arrasadas ou 3 A edição original das Crônicas de Holinshed foi publicada
em 1557, em dois volumes. É um livro raro; o exemplar que se
condenadas a cair em ruínas. Se se quiser encontra no Museu Britânico é defeituoso. Seu título é: The First
compulsar os antigos inventários de cada man Volume of the Chronicles of England, Scotland and Ireland etc. Faith
fully Gathered and Sel Forth, by Raphael Holinshed. At. London, im-
são senhorial, ver-se-á que inúmeras casas prented for John Harrison. Mesmo título para: The Last Volume.
A segunda edição, em trê s'volumes, aumentada e continuada até 1586,
desapareceram com os pequenos cultivadores. foi publicada por J. Hooker; etc. em 1587.
24 A ORIGEM DO CAPITAL A IXPROERIAÇÃO DÁ POPULAÇÃO PRIMITIVA 25
( We<h of ihe N ation), isto é, o enriqueci rlque V II, onde é dito, entre outras coisas,
mento dos capitalistas, o empobrecimento e a (pie “muitas propriedades e grandes rebanhos
exploração descarada da massa do povo, pas de gado, sobretudo de carneiros, acumulam-se
sa pela últim a thule4 da sabedoria do Estado. em poucas mãos, do que resulta que as rendas
“Por está ép^ca (1489), diz Bacon em sua H is das terras aumentam, ao passo que as do culti
tória de Henrique V II, jas_jqueixas a propósi- vo decaem, que casas e igrejas são demolidas
to da transformação das terras aráveis em e enormes massas de povo se encontram na
pastagens, que não exigem senão a vigilância Impossibilidade de prover o próprio sustento
de alguns pastores, se tomani de mais e mais e o de suas fam ílias.”
numerosas, e as granjas arrendadas vitalicia-
A lei ordena, por conseguinte, a recons
mente, a longo termo, ou por ano, e das quais
tr u ç ã o das casas das granjas demolidas, fixa
viviam em grande parte os yeomem, foram ane
a proporção entre as terras de cultivo e as de
xadas às terras senhoriais. Daí resultou um
pastagem etc. Uma lei de 1533 constata que
declínio da população, seguido da decadência
certos proprietários possuem 24 000 carneiros,
de muitas vilas e igrejas, e de uma diminui
impõe-lhes para lim ite a cifra de 20Q0.5
ção dos dízimos etc.. . . Os remédios aplica
dos a esta funesta situação testemunham uma As queixas do povo, assim como as leis
sabedoria admirável da parte do Eei e do promulgadas desde Henrique V II durante cen
Parlamento. Eles tomaram medidas contra to e cinquenta anos contra a expropriação dos
esta usurpação despovoadora das terras comu camponeses e pequenos arrendatários, ficaram
nais (depopulating enclosures) e contra a ex igualmente sem efeito. Bacon, em seus Es-
tensão dos campos de pastagens despovoados says, Civil and Moral„ (sect. 20), revelou in
(depopulating pastu re), que a seguia de per conscientemente o segredo de sua ineficácia.
to. Uma lei de Henrique V II, 1849, c. 19, proi “A lei de Henrique V II, diz ele, foi profunda
biu a demolição de toda casa de camponês a e admirável no sentido de criar fazendas e ca
que correspondessem pelo menos vinte acres sas rurais de um tamanho normal determina
de terra. Esta proibição é renovada em uma do, isto é, que assegurassem aos cultivadores
lei do vigésimo quinto ano do reinado de Hen- uma porção de terra suficiente para propor-
4 Nome que os gregos e os romanos davam às terras mais ao 5 Thomas Morus, em sua Utopia, fala do «estranho país "onde
Norte. (Nota do Direfor' da Coleção.) os carneiros comem os homens."
26 A ORIGEM DO CAPITAL A HXPROPRIAÇÃO da população p r im it iv a 27
cionar aos indivíduos o gozo de um decente na no domínio senhorial do mesmo nome, sem
bem-estar e de condição não servil e para man- livr anexado à perpetuidade quatro acres de
teg o arado em mãos de proprietários e não terra; em 1683, sob Charles I, nomeia-se uma
de mercenários (“to Tieep the plough in the Comissão real para pôr em execução as anti
hand o fth e owners and not hirelings”) ,6 O sis gas leis, espeeialmente as que se referem aos
tema de pmdtiçio capitalista precisava, _ao quatro acres de terra. Cromwell também proi
contrário, da condição .servil das massas, sua biu edificar, em quatro milhas ao redor de
transformação em mercadoria e a conversão Londres, qualquer casa que não fosse dotada
de-sens meios de trabalho em capital. de um terreno de quatro acres, pelo menos.
Nesta época de transição, a legislação tra Nos fins da primeira metade do século X V III,
tou também de conservar os quatro acres de havia ainda queixas quando a cabana do ope
terra junto à choupana do assalariado agrí rário agrícola não tinha, anexo, um ou dois
cola, proibindo-o de admitir sublocatários. Em acres de terra. Hoje, este sente-se muito fe
1G27, sob Jacques I, Eoger Crocker de Front- liz quando tem uma pequena horta ou quando
mil é condenado por ter construído uma caba pode arrendar, a uma distância considerável,
iim terreno de alguns metros quadrados. “De
is Bacon faz ressaltar como a existência de um camponês livre tentores de terras e arrendatários, diz o dr.
e remediado é a condição de uma boa infantaria:' "Era de transcen Ilimter, ajudam-se mutuamente. Alguns acres,
dental importância, diz ele, para o poderio e a força vital do reino,
ter fazendas bastante consideráveis para manter em bem-estar homens anexados às suas cabanas, fariam demasiada-
robustos e hábeis e para fixar uma grande parte do solo como
posse da yeomanry ou de gente de uma condição intermediária entre
mente independente o trabalhador.”7
os nobres, os caseiros e os moços lavradores, é com efeito a opi
nião geral dos caudilhos guerreiros, os mais competentes.. . que a A Reforma e a confiscação dos bens da
força principal de um exército reside na infantaria, isto é, soldados -
que marcham a pé. Entretanto, para formar uma boa infantaria são Igreja, eonseqüência daquela, vieram dar um
necessários homens que não tenham sido educados numa condição novo e terrível impulso à expropriação violen
servil ou aviltante, mas na liberdade e com certo bem-estar. Se,
pois, um Estado brilha sobretudo por causa de seus gentis-homens ta do povo no século XVI. A Igreja Católica
e formosos senhores, enquanto os cultivadores e lavradores continuam
simples jornaleiros e meços lavradores, ou caseiros, isto é, mendigos era, nessa época, proprietária feudal da maior
domiciliados, será possível ter uma boa cavalaria, nunca, porém, cor
pos sólidos de infantaria. É o que se vê na França, na Itália e em •
outros países, onde não há mais que nobres e camponeses mise 7 D r. Hunter, 1. c. pág. 134: "A quantidade de terreno destinado
ráveis. . . e a tal ponto que estes países são obrigados a empregar (pelas antigas leis) seria hoje considerada demasiado grande para
nos seus batalhões de infantaria bandos de mercenários suíços e ou trabalhadores e tenderia, antes, a convertê-los em pequenos arrenda
tros. D aí vem que eles tenham muitos habitantes e poucos solda tários.'' (Georges Roberts: The Social History of the People of the
dos.” (T he Reign of Henri V II, etc. Verbatim Reprint from Kennets Southern Conties of England in Past Centuries, Londres, 1856, págs.
England, ed. 1719, Londres, 1870, pág. 308.) 184 e 185.)
28 A ORIGEM DO CAPITAL
A KXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 29
realidade, têm mantido a independência de nossa nação; estou en 14 A alienação ilegal dos bens da Coroa, seja por venda, seja
tristecido vendo atualmente suas terras nas mãos-dos lordes monopoli por doação, constitui um capítulo escandaloso da história da In
zadores e de pequenos arrendatários, tendo seus arrendamentos çm glaterra. . . uma fraude gigantesca feita contra a nação (gigantic fraud
tais. condições que são pouco mais que vassados, sempre prontos a on the nation). F. W . Newman: Lectures on Political Economy, Lon
dres, 1851, págs. 129 e 130.
acudir ao primeiro chamado para praticar algo de mau,’’ "■
34 A ORIGEM DO CAPITAL A KXPKOPRIAÇÃO da população p r im it iv a 35
quia inglesa15. Os burgueses capitalistas fa tu unos pelo Parlamento. Mas, no século
voreciam a operação com o fim de fazer da XVII — vede o progresso! — a própria lei
terra um artigo de comércio, de aumentar as mo torna instrumento de espoliação, o que, por
suas reservas de proletários do campo, de am outro lado, não impediu que os grandes ar
pliar a agricultura em grande escala etc. rendatários recorressem a outros recursos par-
De resto, ar nova aristocracia latifundiá tlciilares, por assim dizer, extralegais16.
ria era a aliada natural da nová bancocracia, A forma parlamentar do roubo cometido
da alta finança, recentemente nascida, e das xoIire as comunas é de “ leis sobre o fecha
grandes manufaturas, então fatores do siste mento das terras comunais” (B ilis for inclo-
ma protecíbèista. A burguesia inglesa agia de Hures of commons). São, na realidade, decre
conformidade com os seus próprios interesses, tos por meio dos quais os proprietários de ter-
do mesmo modo que a burguesia sueca, a fim rns se presenteavam a si mesmos com os bens
de ajudar os reis a retomar por medidas vio comunais, decretos de expropriação do povo.
lentas as terras da coroa, usurpadas pela Mm um arrazoado de advogado astuto, Sir F.
aristocracia. , M. Eden procura apresentar a propriedade co-
A propriedade comunal, inteiramente dis munal como propriedade privada dos latifun
tinta da propriedade pública, de que acaba diários modernos que substituíram os senho
mos de falar, era uma velha instituição ger res feudais; entretanto refuta-se a si mesmo
mânica, conservada em vigor no seio da so pedindo ao Parlamento que vote um estatu
ciedade feudal. Vimos que as violentas usur to geral sancionando de uma vez para sem
pações das comunas, quase sempre seguidas pre o fechamento das terras comunais. E não
da conversão das terras aráveis em terras de contente de ter assim confessado ser preciso
pastagens, começaram no último terço do sé um golpe de Estado parlamentar para lega
culo XV e se prolongaram para além do XVI. lizar a transferência dos bens comunais aos
Mas, estes atos de rapina então não consti
tuíam senão atentados individuais, combati 16 Os arrendatários proibiram os caseiros de manter, salvo eles
próprios, qualquer criatura viva, gado, aves etc. sob o pretexto que
dos em vão, é certo, durante cento e cinqüen- de outro modo eles poderiam roubar as granjas, "Se quiserdes que
os caseiros trabalhem, diziam eles, conservai.os na pobreza. O fato
real é que os arrendatários se arrogam assim todo o direito sobre as
15 Leia-se, por exemplo, o folheto de Edmund Burke sobre terras comunais e delas fazem o que bem lhes parece.” A Política!
a casa ducal de Bedford, cujo rebento é Lord John Russel: The Tom- Inquiry luto the Consequentes of Enclosing Waste Lands, Londres,
til of Liberalism. 1785, pág. 75.
36 A ORIGEM DO CAPITAL A ÍXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 37
latifundiários, consuma a sua derrota insis na literatura econômica dessa época. É bas
tindo, por alívio de consciência, sobre a inde tante extrair algumas passagens do material
nização devida aos. pobres cultivadores17. Se Imenso que nos foi deixado sobre este assun
não houvesse expropriados, não haveria evi to, para fazer ressaltar a situação de então.
dentemente ninguém a indenizar.
“Em um grande número de paróquias de
Ao mesmo tempo que a classe independen IIertfordshire, escreve uma pena indignada,
te dos yeomen era suplantada pela dos tenants vinte e quatro fazendas, abrangendo cada uma,
at will, pequenos arrendatários, cujo arrenda em média, 50 a 150 acres, foram reunidas em
mento podia ser rescindido cada ano — raça três.”2® “No Northamptonshire e no Lincolns-^
tímida, s é v il, à mercê do capricho senhorial hlre o fechamento dos terrenos comunais foi
— o roubo sistemático das terras comunais, realizado em grande escala; a maior parte dos
junto à pilhagem dos domínios do Estado, con domínios resultantes dessa operação foi trans
tribuía para engrossar as grandes fazendas, formada em pastagens, a ponto de que onde
chamadas no século X V II “fazendas de ca untes se cultivavam 1500 acres de terras não
pitai”18 ou “fazendas de comércio"19 e para se cultivou, então, mais do que 5 0 . . . Ruínas
transformar a população dos campos em pro de vivendas, granjas, estábulos etc., eis aí os
letariado “disponível” para a indústria. únicos vestígios que ficaram dos antigos ha
bitantes. Em muitos lugares, centenas de mo
Todavia, o século X V III não compreen
radias e de famílias ficaram reduzidas a oi
deu tão bem como o X IX a identidade destes
to ou dez. Na maior parte das paróquias, on
dois termos riqueza nacional, pobreza, do po
de o fechamento dos campos não- datava se
vo. Daí a polêmica virulenta sobre o fecha
não dos últimos quinze ou vinte anos, não há
mento das terras comunais que se encontra
senão um pequeno número de proprietários,
comparando com os que cultivavam a terra
17 Eden, 1. c. Prefácio. As leis sobre o fechamento das
terras comunais não sé faziam senão em parte, de sorte que, baseada (piando os campos não estavam fechados. Não
na petição de certos latifundiários, a Câmara dos Comuns votou um .
bill sancionando o fechamento em determinado lugar.
é raro ver quatro ou cinco ricos criadores
18 Capital-farms: Tw o Letters on the Flour Trade and the usurparem domínios há pouco tempo fechados
Dearness of Corn, by a Person in Business, Londres, 1757, págs. 19-20
19 Merchant-farms'. A n Inquiry Into the Present High Prices'
of Provisions, Londres, 1767, pág. 2, nota. Este excelente escrito.' 20 Thomas W right: A Short Address to the Public on the
tem por autor o Rev. Nathaniel Forster. Monopoly o f Large Farms, 1779, pág. 23.
38 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO da população p r im it iv a 39
que se encontravam antes nas mãos de vinte pequenos proprietários e colonos, que vivem,
ou trinta pequenos arrendatários e de muitos eles e suas famíliafs^Tl^prõõ^oTíãrierra, das
pequenos proprietários e aldeões. Todos es ovelhas, aves, suínos etc., que levam a pastar
tes e suas famílias foram expulsos de suas nas terras comunais), serão transformados
p o sse s com muitas outras fam ílias. ocupadas em pessoas forçadas a ganhar o sustento tra
e mantidas por eles.”*21. As terras de que se balhando para outrem e a ir comprar no mer
apossaram os proprietários limítrofes sob o cado os meios de subsistência. Realizar-se-á
pretexto de fechamento, üão eram somente ter mais trabalho, quem sabe. • • talvez põrque ha-
ras baldias, mafrtambém as de cultivo em co verá mais violência._. . _ As cidades e as ma-
mum, ou pagando uma renda determinada à co mi faturas crescerão porque nelas se lançou
muna. “Falo aqui do fechamento de terras mais gente à procura de ocupação. É neste
e campos lá cultivados. Mesmo os escritores Henüdo que à concentração das fazendas se ope
que defendem o fechamento estão de acordo ra espontaneamente e vem se processando des
que, neste caso, reduzem o cultivo, fazendo su de anos neste reino23. Em suma, é assim que
bir o preço das subsistências e conduzem ao ele resume o efeito geral dos fechamentos: a
despovo amento. . . E, mesmo quando não se ní tu ação das classes inferiores do povo piorou
trate senão de terras incultas, a operação (do sob todos os aspectos; os pequenos arrendatá
fechamento), tal como se pratica hoje, arreba rios e proprietários foram reduzidos à situa
ta ao pobre uma parte de seus meios de vida ção de jornaleiros e mercenários, e ao mesmo
e acelera o desenvolvimento das fazendas que tempo, nestas condições, lhes é mais difícil ga
são já demasiado grandes.”22 nhar o sustento.”24
“Quanto a terra, diz o dr. Price, vai nas
mãos de um reduzido número de grandes ar 23 L. C., pág. 147.
24 L. c., pág. 159. Lembra os conflitos da antiga Roma. "Os
rendatários : os pequenos arrendatários (que ricos tinham-se apoderado da maior parte das terras indivisas. As
designa em outro lugar como outros tantos circunstâncias de então davam-lhes confiança de que elas não lhes
seriam retomadas, e eles se apropriaram das parcelas vizinhas que
pertenciam aos pobres, em parte comprando-as com o consentimento
destes, em parte à força, de modo que em lugar de campos isola
21 Rev. Addington: Inquiry Into the Reasons for or Against dos não cultivassem senão vastos domínios. N o cultivo da terra
Enclosing Open Fields, Londres, 1772, págs. 37 e 43, passim. e na criação de gado empregaram escravos porque os homens livres
22 Dr. R. Price, 1. c., vol. II pág. 155. Ler Forster, Addington podiam ser tirados do trabalho pelo recrutamento, em caso de guerra.
Kent, Price e James Anderson, e compare-se com o miserável charla A posse dos escravos era tanto mais aproveitável quanto estes, devido
tanismo do sicofanta Mac Culloch em seu catálogo: The Literature serem dispensados do serviço militar, estavam também em condições
of Political Economy, Londres, 1845. . de se multiplicar tranqüilamente e tinham de fato numerosa prole.
40 A ORIGEM DO CAPITAL A RXRROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 41
Efetivamente, a usurpação das terras co Mcm parte), não pode senão desejar? Se se
munais e a revolução agrícola que se lhe se emprega muna só fazenda seus trabalhos com
guiu, fizeram-se sentir tão duramente sobre binados, o produto será mais considerável:
os trabalhadores do campo que, segundo o formar-se-á um excedente de produto para
mesmo Eden de 1765 a 1780,- seus salários co UH manufaturas, que, verdadeiras minas de
meçaram a cair abaixo do mínimo possível e ouro do nosso país, aumentarão proporcional
foi necessário çompletá-lo mediante socorros mente à quantidade de trigo fornecido.”25
oficiais. “Seus^alários, diz, eram insuficien
Quanto à serenidade de espírito, ao estoi-
tes para cobrir \ s necessidades mais premen
eismo imperturbável, com que o economista em
tes da' vida.”
enta a profanação mais despudorada do “di-
Ouçamos, entretanto, por momentos, a
4 'eito sagrado da propriedade” e os atentados
um apologista dos inclosures, adversário do dr.
mais escandalosos contra as pessoas, desde que
Price : “Não se terá absolutamente razão
em concluir que o país se despovoa pelo fato nj udam a fortalecer o modo de produção ca
de não se ver mais tanta gente empregar nos pitalista, pode-se julgar pelo exemplo de Sir
campos o seu tempo e esforço. Se há menos F. M. Eden, tory el filantropo. Os atos de ra
nos campos, há mais nas cid ad es... Se de pina, as atrocidades, os sofrimentos que, des
pois da conversão dos pequenos camponeses de o último terço do século XY até fins do
em jornaleiros, obrigados a trabalhar para XV III, formam o cortejo da expropriação vio
outrem, se realiza mais trabalho, não é isso lenta dos cultivadores, o levam simplesmen
uma vantagem que a nação (da qual os su te a está reconfortante conclusão: “Devia-se
praditos “convertidos” naturalmente não fa- estabelecer uma justa proporção (due pro-
portion) entre as terras de plantio e as ter
Foi deste m odo'que os poderosos chamaram a si toda a riqueza, e ras pastoris. Durante todo o século X IV e a
todo o país formigava de escravos. Os ítalos, ao contrário, se tor maior parte do XV, havia ainda dois, três e
naram de dia para dia menos numerosos, dizimados que foram pela
pobreza, pelos impostos e pelo. serviço militar. Nessas condições,
chegado o tempo de paz, eles se achavam condenados a uma com-;
pleta inatividade, porque os ricos estavam de posse do solo e, para o 25 A n Inquiry In to the Connection Between the Present Prives
cultivo, em lugar de homens livres, empregavam escravos." Appien: of Provisions etc., págs 124 e 129. Una escritor contemporâneo cons
A s Guerras Civis Romanas I, 7. Esta passagem refere-se à época tata os mesmos fatos, mas com uma tendência oposta: "Os traba
que precede a Lei Licinia. . O s e rv iç o militar, que tanto acelerou lhadores são expulsos de suas cabanas e obrigados a ir para a cidade
a ruína dos plebeus romanos, foi também o meio principal de que- á procura de emprego, e, então, obtém-se um lucro líquido maior
se serviu Carlos Magno para reduzir à condição de servos os li-' e por conseguinte o capital aumenta." (T he Perilr of the Nation,
vres camponeses da Alemanha. 2* ed., Londres, 1843, pág. 14.)
42 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 43
até quatro acres de terras de cultura contra dos até esta data, deram resultado e, agora,
um acre de terras de pastagens. Nos meados na Inglaterra, onde não há mais camponeses
do século XVI, essa proporção foi modifica a suprimir, se faz arrancar, como vimos an
da : houve primeiro três acres de terras para teriormente, até as cabanas dos assalariados
pastagens contra dois de terras cultiváveis, agrícolas, cuja presença macula o solo que
depois dois daquela contra um desta, até che eles cultivam. Entretanto o clearing of States,
gar, por fim, à justa proporção de três acres que vamos examinar, tem por próprio teatro
de terras de pastos contra um só acre a comarca predileta dos novelistas modernos,
de plantio.” os Highlands da Escócia.
Xo século X IX , nem mesmo a lembrança Ali a operação distingue-se pelo seu cará
do laço que ligava o cultivador ao solo comu ter sistemático, pela imensa escala em que se
nal existia mais. O povo dos campos, por executa — na Irlanda, ordinariamente, um
exemplo, jamais obteve um ceitil de indeniza grande latifundiário ordena a destruição de
ção pelos 3 511770 acres de terras que lhe fo várias aldeias de uma só vez; mas na alta
ram arrebatados de 1801 a 1831, e que os gran Escócia trata-se de superfícies tão extensas
des latifundiários se outorgaram mutuamen que chegaram a ultrapassar um principado
te pelas leis sobre o fechamento. alemão — e pela forma particular da proprie
O iiltimo procedimento de um alcance his dade esbulhada.
tórico, que se empregou para expropriar aos O povo dos Highlands compunha-se de
cultivadores, se chama clearing of States, li clãs, cada um dos quais possuía como proprie
teralmente: “roçada dos bens de raiz”. No dade o solo em que estava estabelecido. O re
sentido inglês não significa uma operação téc presentante do clã, seu chefe, ou “grande ho
nica de agronomia; é o conjunto de atos de mem”, não era mais que o proprietário titu
violência por meio dos quais se desembaraça lar desse solo, do mesmo modo que a Rainha
dos cultivadores e de suas moradias, quando da Inglaterra é proprietária titular do terri
eles se encontram sobre os bens de raiz des tório nacional inglês. Quando o Governo In
tinados a passar ao regime da grande cultura glês chegou a suprimir definitivamente as
ou ao estado pastoril. É bem por isto que guerras intestinas destes “grandes homens” e
todos os métodos de expropriação, considera suas incursões contínuas às planuras limítro-
44 A ORIGEM DO CAPITAL A e x p r o p r ia ç ã o da população p r im it iv a 45
fes da baixa Escócia, eles não abandonaram mesmo valor de uma província fértil. Há cer
seu'velho-ofício de bandoleiros; mudaram so tas terras, como certos conventos de monges
mente de forma. Pela sua própria autorida mendicantes, onde quanto mais bocas há que
de. converteram seu direito de propriedade ti alimentar melhor vivem28.”
tular em direito de propriedade privada, e,
achando que os membros do clã, cujo sangue j^ULando se começou, no último terço do
não precisavam mais derramar em incursões, século X Y III, a expulsar os celtas cíe suas
criavam obstáculos aos seus projetos de enri terras, proibiu-se-lhes ao mesmo tempo a emi
quecimento, resolveram expulsá-los à viva for gração, para o estrangeiro, a fim de obrigá-
ça. “Um rei da Inglaterra poderia igualmente los, deste modo, a afluir a Gíasgow e a outras
pretender ter o direito de atirar seus súditos cidades fabris29.
ao mar”, diz o Professor Newman26,. Em suas Observations swr la Bichesse des
Podemos seguir as primeiras fases desta Nations, de Adam Smith, publicadas em 1814,
revolução, que começa depois do último levan David Buchanan nos dá uma idéia dos pro
te do Pretendente, nas obras de James An- gressos feitos pelo clearing of States. Nos
derson27 e de James Stuart. Este nos infor Highlanãs (terras altas), diz, o proprietário
ma que, na sua época, no último terço do sé territorial, sem consideração para Com os co
culo X Y III, a alta Escócia representava, ain lonos hereditários (ele aplica erroneamente
da em pequena proporção, um quadro da Eu esta denominação à gente do clã, que possuía
ropa de há 400 anos. “A renda (assim cha conjuntamente o solo), oferece a terra ao que
ma impropriamente o tributo pago ao chefe melhor pagava, o qual, se é inovador (impro-
do clã) destas terras é muito pequena em re ver) nada lhe é mais urgente do que introdu
lação à sua extensão; apesar disso, se a con zir o novo sistema. O solo antes semeado de
siderais relativamente ao número de bocas que pequenos núcleos de camponeses estava muito
alimenta a fazenda, verificareis que uma ter povoado em proporção ao seu rendimento. O
ra, nas montanhas da Escócia, alimenta qui novo sistema de cultivo aperfeiçoado e de
çá duas vezes mais gente do que uma terra do
28 L, c., cap., XVI.
29 Em 1860, indivíduos violentamente expropriados foram envia
26 F. W . Newmann, 1. c., pág. 132. dos ao Canadá com falsas promessas. Alguns fugiram para as mon
27 James Anderson: Observations on the Means of Exciting a ' tanhas e para as ilhas vizinhas. Perseguidos pela polícia chegaram
.Spirit of National Industry, etc. Edimburgo, 1777. a lutar com ela e conseguiram fugir.
46 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPRÔI’RIAÇÂO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 47
maiores rendimentos permite obter o máximo ministração resolveu apelar para os grandes
de produto líquido com o menor gasto possí meios e transformar em campos de pastagens
vel e com este fim desembaraçar-se dos colo todo o condado, cuja população, graças à ex
nos tornados sucessivamente inúteis. Os ex periências análogas, apesar de feitas em pe
pulsos do solo natal irão procurar sua subsis quena escala, se encontrava reduzida a quin
tência nas cidades manufatureiras etc30. ze mil almas. Desde 1814 a 1820, estas 15 mil
Georges Ensor diz em seu livro publica pessoas, formando aproximadamente três mil
do em 1818: “Os grandes da Escócia expro* famílias, foram sistematicamente expulsas. (As
priam famílias como se extirpassem a má er aldeias foram destruídas e queimadas e seus
va; procedem para com as aldeias e seus ha tampos transformados em campos de ..pasta
bitantes como os índios, ébrios de vingança, gens. Õs soldados ingleses, enviados para pres
tratam as feras em suas guaridas. Um bo- tar ajuda, tiveram que pelejar com os indíge
mem é vendido por um velo de ovelha, por uma nas. Uríia velha mulher, que se negava a aban
perna de carneiro ou por menos ainda... donar a sua choça, pereceu entre as chamas.
Quando da invasão da China setentrional, o Assim foi como a nobre dama se apropriou de
Grande Conselho dos Mongóis discutiu se não 701000 acres de terras que pertenciam ao clã
seria conveniente exterminar a todos os habi (tribo) desde tempos imemoriais.
tantes do país e convertê-lo num vasto campo Uma parte dos espoliados foi expulsa de
de pastagem. Numerosos grandes latifundiá finitivam ente; à outra concederam perto de
rios da Escócia puseram em execução em seu seis mil acres de terras à beira-mar, terras até
próprio país e contra seus próprios compatrio então incultas e que jamais tinham produzido
tas aquele desígnio31*.” coisa alguma. A Duquesa levou a sua gran
Mas, a todo senhor toda honra. A ini deza de alma a ponto de arrendá-las pela mó
ciativa mais mongólica provém da Duquesa dica quantia de 2 shilings e 6 pences por acre
de Sutherland. Esta mulher, amparada por aos membros do clã, que, durante séculos, ti
boas mãos, logo que assumiu as rédeas da ad- nham derramado seu sangue a serviço dos Su
therland. O terreno assim conquistado foi di
30 David Buchanan: Observations sur la 'Richesse des Nations. vidido em 29 grandes fazendas de carneiros,
A. Smith: Wealth of Nations, Edimburgo, 1814. stabelecendó-se em cada uma delas uma fa-
31 Georges Ensor: A n Inqutry Into the Population of Nations,
Londres, 1815, págs. 215 e 216. úlia, composta quase sempre de moços de la-
48 A ORIGEM DO CAPITAL A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 49
voura, ingleses. Em 1825, os 15 000 proscri Enfim opera-se uma posterior metamor
tos tinham deixado lugar a 131000 carneiros. fose. Uma porção de terras convertidas em
Os que tinham sido expulsos para o litoral de campos de pastagens vai ser transformada em
dicaram-se à pesca e chegaram a ser, segundo reservas de caça.
a expressão de um escritor inglês, verdadeiros Sabe-se que a Inglaterra não tem muitos
anfíbios, vivendo metade do tempo em terra bosques, propriamente ditos. A caça criada
e metade na água, e com tudo isso não viviam^ nos parques dos grandes senhores não é senão
senão metade32. • 1 uma espécie de animais domésticos e consti
Entretanto estava escrito que os bravos tucionais, gordos como os magistrados de
celtas deviam expiar mais severamente ainda Londres.
a sua idolatria romântica e montanhesa pelos A Escócia é, pois, forçosamente, o último
“grandes homens” do clã. O cheiro de seu pes asilo da nobre paixão da caça.
cado veio provocar cócegas nas narinas des “Nas terras altas (Highlands), diz Eo-
ses grandes homens, que farejaram lucros a bert Somers, os bosques destinados à caça
realizar, e que não tardaram a arrendar as (deer forests), se têm estendido bastante34.
costas do mar aos grandes comerciantes de Do lado de Gaick, tendes a nova floresta de
pescado de Londres. Os celtas foram expulsos Glenfeshie, e do outro lado o novo bosque de
pela segunda vez33. Ardverikie. Na mesma linha encontrareis o
Blãck-Mount, imenso despovoado de nova cria
32 Quando a senhora Beecher Stowe, autora da A Cabana do ção. De Este a Oeste, desde os arredores de
Pai Tomás, foi recebida em Londres, com uma verdadeira magnifi-
ciência, pela atual duquesa de Sutherland, feliz nesta ocasião de ex Aberdeen até os rochedos de Oban, há agora
plodir o seu ódio contra a república americana e de ostentar a sua
simpatia pelos escravos negros — o que ela soube prúdentemente
uma larga faixa de bosques ao passo que em
afastar mais tarde, no tempo da guerra do Sul, quando todo cora outras partes dos Highlands se encontram as
ção de nobre batia na Inglaterra pelos escravagistas — tomei a li
berdade de relatar no N ew York Tribune a história dos escravos novas florestas do Lord Archaig, de Glengar-
sutherlandeses. Este pequeno esboço (reproduzido em parte por
Carey, nas suas Slave Trade, Londres, 1855, pág. 202 e 203) foi ry, de Glenomoriston etc. A conversão de suas
reimpresso por um diário escocês e motivou uma agradável polêmica terras em campos de pastagens expulsou os
entre este e os bajuladores dos Sutherlands.
33 Encontram-se detalhes interessantes sobre este comércio de
peixes no diário de M. David Urquhart, New Series. Nassau W . 34 Convém notar qüe os deer forests, da alta Escócia, não têm
Sênior, na sua obra póstuma já citada, assinala a execução dos cel árvores. Depois de terem afastado os carneiros das montanhas, subs
tas, no Sutherlandshire, como uma das mais bem feitas roçadas (clea- tituíram-nos por gamos e veados e chámou-se a isso uma deer forest.
rings) que registra a memória humana. Assim, nem sequer houve cultura florestal!
50 A ORIGEM DO CAPITAL A e x p r o p r ia ç ã o da população p r im it iv a 51
celtas para terras menos férteis; íi sxia .misé cada vez mais livre, ao passo que os homens
ria se torna mais acabrunhada des.de. que a foram reduzidos a um círculo cada vez mais
caça começa a substituir as ovelhas. estreito. . . (O povo viu arrebatadas, umas após
Este gênero de florestas improvisadas e outras, todas as suas liberdades. Limpar o
o povo, não podem de nenhuma maneira exis solo de seus indígenas como se extirpam as
tirem juntos; é preciso que um dos dois ceda o árvores e as maldades nas comarcas da Amé
lugar ao outro. Que se deixe aumjentar^a ci rica e da Austrália, era um princípio assen
fra e a extensão dos parques de caça no pró tado, uma necessidade agronófica para os
ximo quarto de século, como se praticou no grandes possuidores de terras, e a operação
último, e não se encontrará mais um só celta segue a sua marcha tranqüila e regular
em sua terra natal. Esta devastação artificial mente36.
das terras altas (H ighlands), por um lado, é O livro de M. Kobert Somers, do qual aca
um negócio da moda que lisongeia o orgulho bamos de citar alguns trechos, apareceu pri
aristocrático dos grandes detentores de terras meiramente nas colunas do Times em forma
e a sua paixão pela caça, mas, além disso, eles de cartas sobre a fome que os celtas, sucum
se dedicam à criação da caça com um fim ex bindo diante da concorrência da caça, tive
clusivamente mercantil. Não há dúvida que, ram de padecer em 1847. Disso, os cultos eco
frequentemente, uma extensão de país monta nomistas ingleses tiraram a sábia conclusão
nhoso produz muito menos como cultivo do de que havia aí celtas demais, o que fazia
que como parque de caça. O afeiçoado à ca com que eles limitassem seus meios de subsis
ça não põe geralmente outro limite em suas tência.
ofertas senão o tamanho de sua b o l s a . . . 35.
As terras altas (H ighlands) da Escócia so Vinte anos depois este estado de coisas
freram males tão cruéis como os infligidos à havia piorado, como o constata, entre outros,
Inglaterra pela política dos réis normandos. o Professor Leone Levi, em um discurso pro
Os animais das montanhas tiveram o campo nunciado em abril de 1866 na Sociedade das
Artes. “Despovoar o país, diz ele, e conver
35 E a bolsa do amador inglês é grande! Não são somente os
ter as terras aráveis em pastagens, foi em
membros da aristocracia que alugam estes campos de caça, mas tam
bém o primeiro novo rico adventício se crê um M. Callum More
quando pode insinuar-nos que tem seu lodge nas terras da alta Es 36 Robert Somers: Letters from the Highlands, or the Famine
cócia. of 1847, Londres, 1848, pags. 12-28, passim.
52 A ORIGEM DO CAPITAL
A EXPROPRIAÇÃO DA POPULAÇÃO PRIMITIVA 53
quida dos grandes detentores de terras tem liiagem dos terrenos comunais^ a transforma-
aumentado, e, portanto, a riqueza nacional dos gão usurpadora e terrorista da propriedade
Highlands 37. feudal e mesmo a patriarcal, em propriedàde
Os despojos dos bens da Igreja, a aliena privada moddrnâya guerrãás cabanas, foram
ção fraudulenta dos domínios do Estado, a pi- os“processos idílicos da acumulação primiti
va. Conquistaram a terra para a agricultura
37 N a Alemánha, sobretudo depois da Guerra dos Trinta Anos,
íoi que os proprietários nobres puseram-se a expropriai»,seus cam capitalista, incorporaram o solo ao capital e
poneses à força. Este processo, que provocou mais de uma revolta
(das quais uma das últimas rebentou ainda em 1790, na Saxônia entregaram à indústria das cidades os braços
Eleitoral), infestava principalmente a Alemanha oriental. N a maior dóceis de um proletariado sem lar nem pão.
parte das províncias da Prússia propriamente dita, Frederico II foi o
primeiro a proteger os camponeses contra estas empresas. Depois da
conquista da Silésia. ele obrigou os proprietários de terras a estabele
cer as choças e as granjas que eles tinham demolido e a fornecer
aos camponeses gado e utensílios agrícolas. Ele tinha necessidade
de soldados para seu exército e de contribuintes para seu tesouro.
De resto, é preciso não supor que os camponeses levavam uma vida
agradável sob o seu regime, mescla de despotismo militar, de buro
cracia, de feudalismo e de exação financeira. Leia-se, por exemplo,
a seguinte passagem tirada de seu admirador, o grande Mirabeau:
"O linho, diz ele, constitui uma das grandes riquezas do cultivador
no norte da Alemanha. Infelizmente para a espécie humana, isto
é apenas um recurso contra a miséria e não um meio de bem-estar. Os
impostos diretos, os encargos, as servidões de todo gênero esmagam o
cultivador alemão, que paga ainda impostos indiretos em tudo o que
compra.. . e, para cúmulo da ruína, ele não se atreve a vender seus
produtos onde e como quer; ele não ousa comprar aquilo de que
tem necessidade aos comerciantes que lhe poderiam vender mais ba
rato. Todas estas coisas o arruinam insensivelmente e ele se encon
tra em condições de não poder pagar os impostos diretos com seus
vencimentos sem recorrer ao trabalho da fiação; esta lhe oferece um
recurso, ocupando utilmente sua mulher, seus filhos, seus serventes
e a si próprio; mas que penosa vida levam, mesmo ajudados por
este recurso!
No verão, ele deita-se às nove e levanta-se às duas, para con
cluir os seus trabalhos; no inverno, deveria recuperar as forças com
um maior repouso, mas faltar-lhe-ia o trigo para o pão e as se
mentes se ele consumisse os produtos que precisava vender para pa
gar os impostos. É preciso, pois, fiar, para suprir esta f a lta ..,;
e é necessário fazê-lo com maior assiduidade. Assim é que, no
inverno, o camponês deita-se à meia-noite ou à uma hora e levanta-
se às cinco ou às seis, ou então deita-se às nove para levantar-se
às duas; e isto todos os dias de sua vida, com exceção dos do
mingos. Este excesso de vigília e de trabalho gasta a natureza hu
mana e daí provém que os homens e as mulheres envelhecem muito
mais cedo nos campos do que nas cidades.” (Mirabeau, 1. c., t. III,
pág. 212 e seguintes.)