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CURSO DE DIREITO

Discplina: Direito Penal III

Fichamento: Perfil dos Principais Atores Envolvidos no Trabalho Escravo Rural no Brasil

Organização Internacional do Trabalho. Perfil dos Principais Atores Envolvidos no


Trabalho Escravo Rural no Brasil. Brasília: OIT, 2011. p. 14-42.

Ao partir do Brasil Colônia, passar pela abolição da escravatura, analisar a expansão


da fronteira agrícola na Amazônia, e chegar aos dias atuais, é inescusável a percepção do
trabalho escravo como uma constante na força de trabalho do país.

Em sua recente obra, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz apresenta a escravidão


como um dos pilares do autoritarismo brasileiro, bem como os seus impactos e persistência
nos dias atuais. Já Laurentino Gomes inaugura em 2019 uma nova trilogia de
livros-reportagem que narra a história do país na perspectiva do trabalho escravo. As
estantes de destaque nas livrarias permanecem cheias de obras que abordam a temática,
apresentando a importância do debate, do estudo, e de uma devida conscientização que
ainda não aconteceu.

No entanto, o texto em comento não é um livro de história a analisar apenas


aspectos constitutivos da atualidade: é uma análise de fatos recentes de uma situação que
ocorre ainda hoje nas diversas regiões do país.

1. Introdução: Panorama Histórico da Escravidão Contemporânea no Brasil

Para compreender o atual panorama da escravidão rural contemporânea, deve-se


primeiramente pontuar a precarização das condições de vida do trabalhador. Conforme
destacado pelo texto, especialmente na região de fronteira agrícola amazônica são
identificáveis os elementos responsáveis por tal sistema, que se inicia em um contexto de
baixa escolaridade e de ausência de alternativas para aquele que tem como qualificação
única a sua força de trabalho. Diante disso, surgem as propostas de trabalho em locais
remotos e, assim que chegam, os trabalhadores são submetidos ao sistema de dívidas das
fazendas, que os obriga a permanecer e retira sua autonomia financeira, tornando
praticamente impossível a saída de tal situação.

A pesquisa da Organização Internacional do Trabalho pretende, portanto, traçar o


perfil dos atores envolvidos na escravidão rural contemporânea de forma qualitativa, a fim
de possibilitar o encaminhamento de políticas públicas de repressão e prevenção contra o
trabalho análogo ao escravo. Como metodologia, adotou a percepção de que “apesar das
diferenças, trabalhadores, gatos e empregadores fazem parte de um mesmo processo
social” (p. 19).
O método de abordagem na pesquisa de campo dos trabalhadores e gatos ocorreu
por meio das operações dos Grupos Especiais de Fiscalização Móveis. Nas regiões de
maior incidência do trabalho análogo ao de escravo no Brasil, foram realizadas entrevistas
diversas com tais personagens. É necessário compreender a forma de operação dos grupos
de fiscalização, a fim de encontrar melhor entendimento para a pesquisa e a forma como
foram conduzidas as entrevistas.

Motivadas por denúncias, em algumas vezes quando as operações dos grupos


chegam às fazendas, já não encontram mais os trabalhadores em situação de trabalho
análogo ao escravo. Por vezes, após análise mais aprofundada da denúncia, algumas
situações não podem ser enquadradas no conceito de trabalho análogo à escravidão.
Ainda, foram utilizados os dados presentes no banco de dados do MTE, baseado no
CAGED.

Ao passo que as entrevistas dos trabalhadores resgatados foram de maior facilidade


para os pesquisadores, "foram muitas as dificuldades enfrentadas para conseguir
entrevistar os empregadores. A primeira foi o acesso a eles: obter os telefones e
convencê-los a dar entrevista. A grande maioria deles não queria falar. Recusam e relutam
em serem identificados, reconhecidos e lembrados como infratores. De 66 proprietários
contatados, conseguiu-se entrevistar apenas 12. Entre os empregadores que aceitaram dar
entrevista, vários concordaram apenas após um longo processo de convencimento." (p. 24).

2. Conceituando a Escravidão Contemporânea

A conceituação legal da escravidão contemporânea no Brasil funda-se em duas


construções: a definição de trabalho forçado da Organização Internacional do Trabalho, e o
artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Além disso, para melhor entendimento, foram
utilizados na pesquisa "as percepções dos trabalhadores, gatos e empregadores sobre o
trabalho escravo no Brasil." (p. 27).

Primeiramente, a Organização Internacional do Trabalho define o trabalho forçado


ou obrigatório como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de
sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente”1 (p. 27). Ainda, na
convenção de n. 105, estabeleceu-se que "o trabalho forçado jamais pode ser utilizado para
fins de desenvolvimento econômico ou como instrumento de educação política, de
discriminação, disciplinamento através do trabalho ou como punição por participar de
greve." (p. 28). Como fator determinante, utiliza-se a restrição da liberdade do trabalhador
para definitivo enquadramento ou não da situação como análoga à escravidão.

A pesquisa traça um paralelo com a realidade brasileira e, ao constatar "apreensão


de documentos, presença de guardas armados com comportamentos ameaçadores,
isolamento geográfico que impede a fuga e dívidas ilegalmente impostas" (p. 28), torna-se
inescusável a percepção do trabalho forçado.

1
Convenção nº 29 da OIT (1930) sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório.
Já o artigo 149 do Código Penal Brasileiro "utiliza a expressão “redução a condição
análoga à de escravo” para definir o crime no país." (p. 28) e elenca situações diversas.
Ressalta-se que, presente uma dessas situações, está configurada a prática do delito.

Para os trabalhadores entrevistados, a definição de trabalho escravo se relaciona à


elementos específicos; como maus tratos, humilhação, ausência de carteira assinada, e etc.
O gráfico apresentado pela pesquisa (p. 30) esquematiza tais informações e explicita quais
fatos relacionam-se de forma mais constante ao conceito de trabalho escravo no imaginário
popular. "Além disso, o estudo procurou conhecer quais seriam, para esses trabalhadores,
os limites das situações de exploração nas relações de trabalho considerados suportáveis."
(p. 30).

Entre as diversas frases dos trabalhadores a fim de definir o trabalho escravo,


pode-se citar algumas: "Receber grito direto, ser tratado que nem cachorro. Se o peão senta
um instante chega gritando, maltratando, arrogante. Tratar das pessoas como quem trata de
um bicho." (p. 32); "Não dá tempo de folga, nem para beber água. Explorar o trabalhador. O
trabalhador fazer o que ele não pode, o máximo que o corpo pede." (p. 33).

Para os "gatos" e empregadores, o entendimento sobre o trabalho escravo é muito


semelhante ao dos trabalhadores. "Além disso, com exceção de um empregador, todos
negaram a presença de trabalhadores escravos em suas fazendas. O proprietário que
reconheceu sua parcela de culpa afirmou que: “fomos negligentes”. Ele se posicionou
favorável ao combate ao trabalho escravo e defendeu uma melhor definição das leis." (p.
38).

3. A Dívida Que Escraviza


A privação da liberdade por meio das falsas dívidas é, para além de um fator
meramente econômico, uma amarra psicológica que submete os trabalhadores. Muitos,
mesmo não entendendo a origem de suas dívidas, sentem-se obrigados com o empregador
por conta das mesmas – cerca de 52% deles: "Tem que pagar porque honestidade é acima
de tudo. Uma das coisas mais feias que acho é não cumprir quando deve. Tem que
trabalhar pra poder pagar. Se sair não tem como pagar. (p. 39)"

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