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Introdução:
2. Nas linhas que se seguem, começarei por expor brevemente o litígio e a base
factual que o desencadeou. De seguida densificarei três questões jurídicas
abordadas pelo tribunal: em primeiro lugar, a questão da caducidade da licença de
loteamento pela falta de declaração de compatibilidade com Plano Regional
posterior; em segundo lugar a questão da obrigação de lotear e os ónus do loteador;
por fim, a questão central do acórdão - a exigência de uma prévia licença de
licenciamento como parâmetro de validade de uma posterior licença de construção.
9. O STA centrou a sua análise na questão de saber se, pelo facto do alvará de
loteamento ter caducado, a posterior emissão de uma licença de construção
enfermaria o vício de nulidade previsto no art. 52º/1 b) do DL 448/91, vindo a
entender que tal não acontecia e declarando a existência do erro de julgamento
alegado pela recorrente.
10. Apesar desta questão não ser central na decisão do caso em concreto, uma vez
que tanto o Tribunal como as partes dão como assente a caducidade da licença de
loteamento nº 7/89, tendo esta sido inclusivamente declarada pela CM de Odemira
numa deliberação de 17 de junho de 1998. Esta nulidade teve origem, como acima
referido, no facto do titular da licença não ter obtido a declaração de conformidade
da sua licença com o Plano Regional de Ordenamento do Território do Litoral
Alentejano (PROTALI), que havia sido aprovado a 27 de agosto de 1993.
11. Esta exigência, tal como acima referido, vinha prevista no art. 1º do DL 351/93,
que prescrevia que licenças de loteamento devidamente tituladas e emitidas em
data anterior à entrada em vigor de Planos Regionais de Ordenamento do Território
(entretanto designados Programas Regionais pelo novo RJIGT) ficavam “sujeitas a
confirmação da respetiva compatibilidade com as regras de uso, ocupação e
transformação do solo” desse mesmo plano. O facto do titular do alvará não ter
requerido a respetiva declaração de conformidade com o PROTALI levou à
caducidade do mesmo. Existirá de facto uma “condição resolutiva implícita” 1, na
medida em que cada titular de uma licença de loteamento está sujeito a vê-la
caducar se entretanto for aprovado um Plano Regional que abranja a sua área e
2 http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_main.php?ficha=8724&pagina=289&nid=3434
3 Ibidem, ponto 6.2
4 Ibidem, ponto 6.1
5 Loteamentos urbanos e dinâmica de normas de planeamento: revisitando o tema a propósito do Parecer da
Procuradoria Geral da República n.º 33/2016, Fernanda Paulo Oliveira, in Direito do Urbanismo, Jurisdição
Aministrativa e Fiscal, CEJ, setembro de 2020
15. Na verdade, como afirma o Ministério Público, este regime prevê duas formas de
extinção de licenças: a caducidade, no caso do particular não pedir a declaração de
conformidade, e uma autêntica revogação administrativa se a declaração de
conformidade for pedida mas recusada.
16. No caso em concreto, a questão foi apenas liminarmente abordada pelo tribunal,
o que é compreensível, uma vez que a própria Câmara havia declarado a sua
caducidade, pois já tinham decorrido os 90 dias concedidos pelo art. 2º/1 do DL para
ser solicitada a declaração de conformidade com o PROTALI e não havia nenhum
justo impedimento, pelo que já não era possível ao operador urbanístico obter a
declaração de conformidade.
20. O seu regime jurídico específico sempre teve por objetivo garantir que a criação
de núcleos de edifícios para a habitação fosse acompanhada das necessárias
infraestruturas e equipamentos coletivos (redes de saneamento, redes viárias,
espaços verdes coletivos, etc.), obstando à criação de “núcleos habitacionais que
6 Entrada “Reparcelamento Urbano” no Lexionário DRE
21. Estas exigência têm por base o facto das operações de loteamento serem, na
sua larga maioria, promovidas por particulares, com intuito de, após as obras de
edificação, vender as frações e obter vantagens económicas através do produtos
das vendas. E por isso se classificam, no entender do prof. João Miranda, como
uma “acção privada de interesse público”9 de âmbito urbanístico. E estas concretas
imposições conciliam-se com a própria instância de fiscalização que é a tramitação
para aprovação do alvará de loteamento pela Câmara Municipal, que antecipa para
esta fase do projeto do loteamento a verificação da sua conformidade com a lei e
com os planos aplicáveis. Adicionalmente, a intervenção da AP não deve ser
entendida como de estrito controlo prévio, mas deve ser olhada como uma autêntica
“forma de conjugação de vontades entre os sujeitos público e privado na
programação do ordenamento de uma zona”10.
22. Relevante para a decisão do acórdão foi o facto de, à altura em que foi aprovado
o alvará de construção, o âmbito da “obrigação de lotear” e da aplicação dos ónus
do loteador ser mais restrito do que prevê o atual RJUE e nesse sentido não
abranger a operação em causa. O Decreto-Lei nº 448/91, apesar de já prever o
regime específico do loteamento e dos ónus do loteador, colocava como critério
fundamental para a aplicação do regime, no entender do tribunal, a realização de
uma operação de fracionamento de um ou vários prédios em divisões autónomas.
Só com o RJUE se passou a colocar a tónica na transformação no solo urbano
provocada pela reconfiguração e autonomização de frações, vindo-se
consequentemente prever no art. 57º/5 a aplicação dos arts. 43º e 44º (ónus do
loteador) a obras com “impactes semelhantes a uma operação de loteamento”. Esta
disposição vinha prevenir exatamente que operações que não correspondessem ao
conceito legal de operação de loteamento, mas cujas implicações no uso do solo
fossem semelhantes, como a construção numa fração autonomizada, se
escapassem aos encargos específicos do regime dos loteamentos urbanos.
24. Apesar da relevância das questões acima referidas, o acórdão centra a sua
análise e a decisão no problema de perceber se o alvará de loteamento era um
pressuposto legal necessário da emissão da licença de construção, pois foi este o
fundamento invocado na sentença recorrida para a declaração de nulidade da
deliberação camarária. Cumpre clarificar os instrumentos de licenciamento
municipal em causa e as suas relações, analisar a fundo os argumentos trazidos
pelas partes na defesa das suas pretensões e pronunciar-me sobre a decisão do
tribunal.
25. Em primeiro lugar cumpre esclarecer que estamos perante diferentes atos
administrativos de licenciamento. O alvará de loteamento concede uma autorização
a operações que “tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais
lotes, destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte
da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento” (art. 2º i) RJUE) e
como já vimos, as operações de loteamento, pelas implicações específicas que têm
no projeto urbano, estão sujeitos a especiais encargos, bem como a trâmites
especiais (em particular a exigência de consulta de entidades interessadas, nos
termos do art. 12º do DL 448/91, que passou a ser um parecer da CCDR nos termos
do art. 42º do RJUE). Por seu lado, o alvará de construção vem conceder
licenciamento a obras de particulares, como de reconstrução, ampliação, reparação
ou demolição de particulares e que não sejam enquadradas numa operação de
loteamento (estas apenas estão sujeitas a comunicação prévia – art. 4º/4 c) RJUE).
Existe, por isso, uma maior simplicidade do procedimento de licenciamento de obras
dos particulares, que se deve ao seu âmbito mais concreto e com menos
implicações a nível da organização do tecido urbano do que as operações de
loteamento. Apesar do RJUE ter concentrado os dois procedimentos num só
diploma, as diferenças que justificavam a divisão em dois diplomas distintos
(Decreto-Lei nº 445/91 para licenciamento de obras de particulares e nº 448/91 para
loteamentos urbanos) subsistem.
27. A Câmara Municipal traz, contudo, vários argumentos contra este entendimento,
defendendo que existência prévia de um alvará de loteamento não é pressuposto da
emissão de um alvará de construção. Refere, em primeiro lugar, que os Decretos-
Lei nº 445/91 e nº 448/91 autonomizavam operações de loteamento do
licenciamento de obras de particular e não previam em qualquer lugar a exigência
de que um deles exista para o outro possa ser válido. A este argumento acresce o
facto das operações de loteamento serem, na sua larga maioria, impulsionadas por
particulares e estarem longe de ser um instrumento imprescindível para o
planeamento urbano a pequena escala, existindo para tal os Planos de Urbanização
e os Planos de Pormenor. São operações específicas pelas quais não é essencial
que qualquer terreno a urbanizar passe. Em segundo lugar a CM invoca que no art.
52º/1 b) do DL 445/91 apenas se apresenta como causa de nulidade a
desconformidade do alvará de construção com o alvará de loteamento e que,
mesmo com a entrada em vigor do RJUE, continua a não ser pressuposto de uma
licença de construção a existência de um alvará de loteamento e apenas a
desconformidade entre estes dois é causa de nulidade (68º a).
28. O Tribunal não se pronuncia diretamente sobre esta questão, não rejeitando
nem aceitando o entendimento de que, em abstrato, a existência prévia de um
alvará de loteamento é condição de validade de posterior licença de construção.
Antes, e a meu ver de forma correta, procura indagar se no caso concreto existia ou
não a obrigação de lotear, ou seja, de sujeitar a obra do particular aos requisitos
específicos do loteamento, acabando por concluir que tal não ocorria, pelas razões
acima expostas. Conclui a sua argumentação referindo que, mesmo que o promotor
pretendesse renovar a licença de loteamento caducada, o resultado seria
semelhante ao que ocorreu na prática. Isto porque o particular podia requerer
apenas uma operação de destaque (5º do Decreto-Lei 448/91), que se limitaria ao
controlo da legalidade e da compatibilidade com o PGU. E ainda porque o facto do
alvará de loteamento ter entrado em vigor e só posteriormente ter caducado, leva a
presumir que os encargos que legalmente são impostos ao loteador se teriam
consolidado na ordem jurídica. Exigir que o particular renovasse a licença de
loteamento seria um formalismo sem qualquer consequência prática relevante,
contrariando o objetivo de evitar a burocratização presente no art. 267º/1 CRP.
CONCLUSÃO