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INFORMATIVOS STF/STJ 2021.

Prof. Gabriel Habib

Transcrição das aulas.


Instagram do Habib: @professorgabrielhabib

Olá pessoal, tudo bem?


Vamos, neste vídeo, os informativos do STF e do STJ do mês de fevereiro de 2020.
Em razão do recesso dos Tribunais no fim de ano, não há, em regra, informativos
publicados em janeiro.

Vamos para a tela, o que tivemos em fevereiro, vamos começar pelo STJ.

Informativo 662

Terceira Seção
Art. 97 do Código Penal. Inimputabilidade do réu. Crime punido com pena de reclusão.
Sentença absolutória imprópria. Medida de segurança. Internação em manicômio judiciário.
Substituição por tratamento ambulatorial. Possibilidade.
Na aplicação do art. 97 do Código Penal não deve ser considerada a natureza da pena
privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador
a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável. (...)
A doutrina brasileira majoritariamente tem se manifestado acerca da injustiça da referida
norma, por padronizar a aplicação da sanção penal, impondo ao condenado,
independentemente de sua periculosidade, medida de segurança de internação em hospital
de custódia, em razão de o fato previsto como crime ser punível com reclusão. Nesse
contexto deve prevalecer a jurisprudência da Sexta Turma.
EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por
unanimidade, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019.

Quando a gente estuda informativos, não adianta ler o julgado só. Em primeiro lugar,
temos que contextualizar o tema daquele informativo.

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E qual é, aqui, a contextualização: medida de segurança aplicada ao inimputável.
A gente sabe que existem algumas diferenças entre pena e medida de segurança.
Ambas são espécies de sanção penal.
Então, sanção penal é gênero, que abrange duas espécies: pena e medida de
segurança.
E existem diferenças. A pena destina-se aos imputáveis, a medida de segurança,
destina-se aos inimputáveis.
A pena tem por base a culpabilidade do agente. A medida de segurança tem por
base a periculosidade do agente.
A pena tem prazo máximo de duração, a medida de segurança, pela lei (Código
Penal), não tem prazo máximo de duração. É claro que a doutrina, jurisprudência e súmula
corrigem isso. Mas pela lei, não teria prazo máximo.
Bom, e existem 3 espécies de pena:
1. Pena Privativa de Liberdade (PPL)
2. Pena Restritiva de Direito (PRD)
3. Multa
De outro giro, a medida de segurança tem 2 espécies, quais sejam:
1. Detentiva (internação)
2. Restritiva (tratamento ambulatorial)

Aí, você pergunta assim: “Gabriel, em qual ponto disso tudo o informativo jogou luz?”.
Aqui: na fixação da medida de segurança – internação ou tratamento ambulatorial. É
cirurgicamente nesse ponto que veio o julgado.
A pergunta é, afinal de contas, quando o juiz aplica internação e quando aplica
tratamento ambulatorial.
A resposta à essa pergunta vem no artigo 97, CP. Abra o seu Código Penal, porque
estou abrindo o meu aqui. Fala assim:
Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua
internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for
punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento
ambulatorial.

O critério distintivo, aqui, pela lei, é a espécie de pena privativa de liberdade. Se a


pena privativa de liberdade cominada ao crime for de reclusão, a medida de segurança será

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uma internação. De outro giro, se o crime for apenado com detenção, a medida de
segurança será um tratamento ambulatorial.
Isso, pela lei. Mas a questão é a seguinte: será que não deveríamos avaliar no caso
concreto a real necessidade daquele inimputável?
Todos sabemos que a internação deve ser evitada ao máximo, porque a chance de
recuperação e cessação da periculosidade, com a internação, é remota.
Então, ela acaba sendo muito danosa à pessoa. Há um esforço por parte dos juízes,
hoje, de se sempre dar preferência ao tratamento ambulatorial. Mas será que basta a
espécie de pena privativa de liberdade?
Veio o STJ e concordou com a doutrina. A doutrina já dizia: pera aí, o critério não
tem que ser reclusão ou detenção. O critério tem que ser a real necessidade do inimputável.
Não é só a letra fria da lei que vai dizer se interna ou se aplica um tratamento ambulatorial.
Ou seja, o STJ abandonou o critério da letra fria da lei e olhou para as condições do
inimputável. A perícia vai dizer se é recomendável a internação ou tratamento ambulatorial.
Essa crítica, já era da doutrina de não aplicar o art. 97 e sim a condição real do inimputável,
de acordo com as circunstâncias, com a sua periculosidade e necessidade individual.

Vamos para o próximo julgado:

Sexta Turma
Posse de drogas para consumo pessoal. Art. 28, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Reincidência
específica. Revisão do entendimento da Sexta Turma.
A reincidência de que trata o § 4º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 é a específica.
(...) embora não conste da letra da lei, forçoso concluir que a reincidência de que trata o §
4º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 é a específica. Com efeito, a melhor exegese, segundo
a interpretação topográfica, essencial à hermenêutica, é de que os parágrafos não são
unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem. (...) Desse
modo, condenação anterior por crime de roubo não impede a aplicação das penas do art.
28, II e III, da Lei n. 11.343/2006, com a limitação de 5 meses de que dispõe o § 3º do
referido dispositivo legal.
REsp 1.771.304-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 10/12/2019, DJe 12/12/2019.

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Qual foi a questão, aqui, julgada? Vamos lá, a gente sabe que o art. 28 da Lei de
Drogas (já vou até abrindo aqui a lei de drogas) trata do crime de porte de droga para uso.
Desde que essa lei teve seu advento, não cabe mais pena de prisão para o usuário.
“Ah, Habib, em hipótese alguma pode prender?” – Em hipótese alguma pode
prender. Não tem ‘se’. Em hipótese nenhuma é cabível prisão do usuário.
Deixou de ser crime? Claro que não. Art. 28, abra tua lei. Olha lá. Qual vem antes
dele? Óbvio, o 27, que inaugura o capítulo III.
Para a gente pensar, raciocinar, para te mostrar, muitas vezes, o óbvio, você tem
que estar com a lei aberta.
Então o artigo 28 está aqui: “Dos crimes e das penas”, continua sendo crime, sim.
Só não há pena de prisão. É a chamada despenalização. Descarcerização.
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou
trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento à programa ou curso
educativo.

Essas são as penas. “Ah, Gabriel, então, inciso I é uma mera advertência?”, o juiz
adverte, está aplicada a pena. Mas veja que interessante, nos incisos II e III temos penas
que são cumpridas por um tempo.
E, de acordo com o art. 28, §3º: “As penas previstas nos incisos II e III do caput
deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses”. É no máximo por 5
meses, pode ser 1 mês, 2 meses, 40 ou 50 dias...
E aí o parágrafo seguinte fala que no caso de reincidência esse prazo de 5 meses
dobra para 10 meses: “Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do
caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.”
Então, ele foi detido em flagrante – deter em flagrante pode – foi para a delegacia,
e foi condenado. Recebeu essa pena do art. 28, II. Cumpriu, ok. Depois, ele reincidiu e foi
detido de novo, em flagrante, por uso de drogas. É reincidente. Qual é a consequência? A
pena vai dobrar para o prazo máximo de 10 meses. É o que está escrito na lei.

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Aí, eu te pergunto: se ele tem uma condenação por furto, roubo, injúria, ameaça e
depois ele é condenado pelo uso de drogas, ele é reincidente? É. Ele tinha uma condenação
por crime anterior com trânsito em julgado, depois dentro daquele período de 5 anos,
praticou uso de drogas e foi condenado. É reincidente? Sim. Qual vai ser a pena? “Ah,
Gabriel, se é reincidente, 10 meses...”. 28, §4º, correto? Isso chegou ao STJ.
Essa reincidência do artigo 28, §4° é específica do crime de uso de drogas?
Qual é a consequência? Acompanha o raciocínio – se dissermos que é específica, o
prazo da segunda condenação só dobrará para 10 meses se os dois crimes forem de uso
de drogas. Se dissermos que não é específica, que é genérica, basta a prática de qualquer
crime anterior e agora de uso de drogas, que a pena será o prazo máximo de 10 meses.
Entenderam a discussão?
O STJ entendeu que a reincidência de que trata o artigo 28, §4º é específica. Ou
seja, só incidirá se a condenação com trânsito em julgado for de uso de drogas e o segundo
for, igualmente, de uso de drogas.

Vamos para o próximo julgado, portanto.

Informativo 663

Terceira Seção
Estelionato. Depósito em favor de conta bancária de terceiro. Competência. Divergência na
Terceira Seção. Juízo do local da agência beneficiária do depósito. Competente.
Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o
depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em
favor do juízo no qual se situa a conta favorecida. (...)
Em razão da oscilação do entendimento jurisprudencial da própria Terceira Seção, a
matéria foi novamente apreciada pelo colegiado. (...)
Assim, se o crime só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente
ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito,
quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário da fraude.
CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por
unanimidade, julgado em 11/12/2019, DJe 19/12/2019.

Foi um conflito de competência.

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Então, vejam, qual é a questão aqui: eu pratico um estelionato, estou no Rio de
Janeiro e faço um depósito para a sua conta, em Pernambuco, só que eu pratico um
depósito fraudulento. A sua conta está vinculada ao banco, na sua agência, em
Pernambuco – Recife.
De quem vai ser a competência? Juízo criminal do Rio de Janeiro ou de Pernambuco,
comarca de Recife. Essa foi a discussão – de quem seria a competência no caso de
estelionato, mediante depósito de dinheiro?
Disse o STJ: Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida,
auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá
ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
Ou seja, a conta destinatária. Portanto, nesse caso, a competência criminal para
julgar esse estelionato, será da comarca de Recife.

Vamos então, prosperar agora para o próximo julgado, ainda nesse mesmo informativo 663:

Sexta Turma
Art. 5º da Lei n. 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo). Atos preparatórios de terrorismo.
Motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e
religião. Necessidade.
A tipificação da conduta descrita no art. 5º da Lei Antiterrorismo (atos preparatórios de
terrorismo) exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º do mesmo diploma legal. (...)
O tipo penal não traz elementos acidentais, desprezíveis, dispensáveis. Isso posto, a
adequação típica de conduta como terrorismo demanda que esteja configurada a elementar
relativa à motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia e religião, sob pena de não se perfazer a relação de tipicidade. (...)
HC 537.118-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/12/2019, DJe 11/12/2019.

Aqui se julgou, pela sexta turma, uma questão da Lei Antiterrorismo. Já deixa aberta
esta lei: 13.260/2016, me acompanha que eu vou abrir a minha aqui também.
A questão aqui foi se a conduta praticada configura ou não o crime de terrorismo. E
por quê? O artigo 5º da Lei Antiterrorismo trata de atoa preparatórios de terrorismo, e a
redação é a seguinte:

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Art. 5º. Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito
inequívoco de consumar tal delito.

O art. 5º, que a gente leu agora, já traz um especial fim de agir. “Propósito inequívoco
de (...)”.
Só que se você reparar bem, o artigo 2º da Lei Antiterrorismo traz dois especiais fins
de agir. Fala assim:
Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais
indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de
xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e
religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror
social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a
paz pública ou a incolumidade pública.

Primeiro especial fim de agir: “por razões de (...)”. Segundo especial fim de
agir: “com a finalidade de (...)”

Tem que ler a lei comigo. Eu estou lendo aqui. “Ah, mas eu já li Gabriel”. Está falando
isso para mim? Eu tenho 18 anos de aula de penal, já li um milhão de vezes, e estou lendo
de novo. Então, você tá estudando, quer aprender e não quer ler? Alguém está errado: você
ou eu. Acho que é você.

Então, o que vemos aqui no artigo 2º – um duplo especial fim de agir:


1º) Por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião;
2º) Com a finalidade de provocar terror social ou generalizado.

Então, qualquer conduta de terrorismo prevista nesta lei TEM QUE estar imbuída
desse duplo especial fim de agir.
Ausente o especial fim de agir, a conduta é atípica.

O que o STJ disse? Qualquer crime da lei, se o agente não tiver o especial fim de
agir, o crime não se configura. Se o tipo penal traz o especial fim de agir, o agente tem que
estar imbuído dele quando o pratica.

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Vamos prosperar para o próximo julgado.

Ainda do STJ:

Informativo 664

Corte Especial
Peculato-desvio. Desconto de valores dos contracheques dos servidores para quitação de
empréstimos consignados. Não repasse à instituição financeira. Demonstração do proveito
próprio ou alheio. Desnecessidade.
O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para
quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica
peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou
alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.
(...) tratando-se de aplicação de dinheiro particular e tendo o administrador público traído,
evidentemente, a confiança que lhe fora depositada, ao dar destinação diversa à ajustada,
não é requisito para a configuração do crime a demonstração do proveito próprio ou alheio.
Mesmo que necessário fosse, sendo o dinheiro de servidores, ou seja, particular, o proveito
exsurge do fato em si.
O peculato-desvio é crime formal que se consuma no instante em que o funcionário público
dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto. A obtenção do proveito próprio ou alheio
não é requisito para a consumação do crime, sendo suficiente a mera vontade de realizar
o núcleo do tipo.
Desse modo, configura peculato-desvio a retenção dos valores descontados da folha de
pagamento dos servidores públicos que recebiam seus vencimentos já com os descontos
dos valores de retenção a título de empréstimo consignado, mas, por ordem de
administrador, os repasses às instituições financeiras credoras não eram realizados.
APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João
Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em
06/11/2019, DJe 04/02/2020

Corte especial – ou seja, os 33 Ministros juntos.

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Bom, o crime de peculato tem várias modalidades:
- Apropriação (art. 312, caput, 1ª parte)
- Desvio (art. 312, caput, 2ª parte)
- Furto (art. 312, §1º)
- Culposo (art. 312, §2º)
- Estelionato (art. 313)

O que se julgou nesse informativo: uma questão ligada ao peculato-desvio. Por quê?
O que o agente público fazia? – desconta valores da folha de pagamento dos servidores
públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira.
Veja: eu sou o coordenador de despesas, chefe do departamento financeiro de um
órgão público. Vários funcionários tem empréstimo consignado que desconta no
contracheque. Então você é servidor público e tem empréstimo consignado, eu,
coordenador de despesas e administrador de despesas daquele órgão público, providencio
o desconto daquele valor da parcela no seu contracheque.
O que eu tenho que fazer? O valor que eu descontei do teu contracheque é para
pagar o empréstimo, então tenho que repassar ao banco. O que eu faço? Não repasso ao
banco. Desvio, e dou àquele valor, destinação diversa.
Eu desconto de você um valor que teria que repassar para o banco e não repasso.
Então, eu tenho a posse – não física – daquele valor? Sim. E dou destinação diversa? Sim.
Disse o STJ: isso configura peculato-desvio.
Não preciso provar que o administrador obteve proveito próprio ou de alguém, basta
provar que ele não repassou o valor descontado ao banco/instituição financeira.

Com esse julgado a gente termina os informativos de fevereiro do STJ.


Vamos agora aos informativos do Supremo Tribunal Federal.

Supremo Tribunal Federal


Informativo 964

Plenário
Lei 8.137/1990, art. 2º, II: não recolhimento de ICMS declarado e tipicidade – 2

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O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o
ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da
Lei 8.137/1990.
Com essa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, negou
provimento ao recurso ordinário em habeas corpus e revogou a liminar anteriormente
concedida.
Na situação dos autos, sócios e administradores de uma empresa declararam operações
de venda ao Fisco, mas deixaram de recolher o ICMS (Imposto sobre Operações relativas
à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e
Intermunicipal e de Comunicação) relativamente a diversos períodos. Por três vezes, a
empresa aderiu a programas de parcelamentos da Fazenda estadual, mas não adimpliu as
parcelas. Os ora recorrentes foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 2º, II,
da Lei 8.137/1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as
relações de consumo, e dá outras providências. Na primeira instância, o juízo os absolveu
sumariamente por considerar a conduta atípica. Em sede de apelação, o tribunal de justiça
local afastou a tese da atipicidade e determinou o regular prosseguimento do processo. (...)
Explicitou que o sujeito ativo do crime é o sujeito passivo da obrigação, que, na hipótese do
ICMS próprio, é o comerciante. (...)
RHC 163334/SC, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 18.12.2019.

Vamos fazer o que agora? Isso! Abrir a lei 8.137/1990. É uma lei que eu trabalho
muito. Minha especialidade.
Art. 2°. Constitui crime da mesma natureza:
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de
contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de
sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos;
Então, o comerciante desconta o valor de ICMS do consumidor e não repassa ao
fisco.
Quando você vai comprar um telefone, um mouse, camisa ou sapato, ali, o lojista já
embutiu o ICMS, quem paga é o consumidor final. Então, a gente paga um valor de ICMS,
que é destacado na nota, aquele valor que ele descontou do consumidor, tem que ser
repassado ao fisco.

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Vamos então, prosperar...

Informativo 965

Primeira Turma
Prescrição penal e natureza constitucional
A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental para dar provimento a
recurso extraordinário e persecução penal, à luz do devido processo legal. (...) afastar o
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. (...)
O colegiado reafirmou entendimento de que o acórdão, mesmo o confirmatório da
condenação, interrompe o curso da prescrição. Ademais, reputou constitucional a matéria
atinente ao poder do Estado na
RE 1241683 AgR/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Alexandre de Moraes, julgamento em 4.2.2020.

Questão ligada a prescrição. E aqui, preciso parar para explicar isto para vocês: linha
do tempo – a gente sabe que o prazo prescricional, como regra, começa a partir da
consumação do crime.
Esse prazo é interrompido no recebimento da denúncia – art. 117, CP, e se é
interrompido, começa a contar do zero de novo.
Esse prazo também é interrompido no momento da publicação da sentença
condenatória – art. 117, IV.
E também esse prazo, em grau de recurso, é interrompido com a publicação do
acórdão condenatório – art. 117, IV.
O que temos que fazer agora? Ir lá para o artigo 117, IV, do Código Penal.
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:
IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios
recorríveis;

O que entendia o STF e o STJ? Se o acórdão for meramente confirmatório não gera
nenhuma inovação, não interrompia o prazo (ex: sentença, roubo: 6 anos de reclusão.
Defesa apelou. Disse o tribunal: conheço do recurso, porém, nego-lhe provimento,
mantendo a sentença em seus exatos termos).

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“Ah, Gabriel, mas quando é que não seria confirmatório?”. Ué, a sentença absolveu,
e o acórdão condenou. Não confirmou.
Só que o STF e depois também o STJ mudaram de posição e aplicaram como está
a letra da lei.
Olha a importância de ler a lei.
Ora, se a lei fala: pela publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis.
A lei não fala se é confirmatório ou não. Ambos interrompem. A lei não faz distinção.
Conclusão: ainda que esse acórdão seja meramente confirmatório, vai interromper
a prescrição.
Agora você pode ler que você vai entender o julgado.

Vamos prosperar para o próximo julgado:

Colaboração premiada e exercício do direito de defesa – 2


A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, deu provimento a agravo regimental para
julgar parcialmente procedente reclamação a fim de assegurar ao delatado o acesso às
declarações prestadas por colaboradores que o incriminem, já documentadas e que não se
refiram à diligência em andamento que possa ser prejudicada. (...)
Em seguida, registrou que o terceiro delatado por corréu, em termo de colaboração
premiada, tem direito de ter acesso aos trechos nos quais citado, com fundamento no
Enunciado 14 da Súmula Vinculante. À luz do referido verbete, o acesso deve ser
franqueado caso estejam presentes dois requisitos. Um, positivo: o ato de colaboração deve
apontar a responsabilidade criminal do requerente (Inq 3.983). Outro, negativo: o ato de
colaboração não deve referir-se à diligência em andamento (Rcl 24.116).
Isso porque a leitura do § 2º do art. 7° da Lei 12.850/2013 determina que, antes mesmo da
retirada do sigilo, será assegurado ao defensor, no interesse do representado, amplo
acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em
andamento.
Com efeito, a jurisprudência da Segunda Turma garante o acesso a todos os elementos de
prova documentados nos autos dos acordos de colaboração, incluídas as gravações
audiovisuais dos atos de colaboração de corréus, com o escopo de confrontá-los, e não
para impugnar os termos dos acordos propriamente ditos (Rcl 21.258 AgR)

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Rcl 30742 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
4.2.2020
O que o STF disse, aqui? Ex: 5 réus. 1 deles delatou outras pessoas. Quando ele
delata, o conteúdo da delação dele e o que depois se busca de prova [a delação premiada
é um meio de obtenção de prova, tem que ser corroborada], o A delatou e imputou crimes
à Be C, para que B e C se defendam plenamente e amplamente, e exerçam contraditório,
por óbvio, só tem como se defender se souberem o que o A falou deles.
Então, tirando as diligencias a serem feitas, que podem ser prejudicadas, o delatado
tem que ter acesso ao que o delator falou, se não, ele não consegue exercer a ampla defesa
e o contraditório.
As palavras do delator e as provas produzidas, passam a fazer parte da acusação.
Então os réus tem que ter acesso a isso.

Vamos prosperar...

Informativo 966

Primeira Turma

Paciente reincidente e absolvição pelo princípio da insignificância


A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para
absolver, com base no princípio da insignificância, paciente, que possui antecedentes
criminais por crimes patrimoniais, da acusação de furto de um carrinho de mão avaliado em
R$ 20,00 (vinte reais). (...)
RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min.
Alexandre de Moraes, julgamento em 11.2.2020.

Julgado muito interessante. Mudança de paradigma: a gente sempre aprendeu e


estudou que não se aplicava insignificância para o reincidente, e o Supremo aplicou aqui,
mesmo reincidente.
Acho que o Ministro olhou e falou assim: “tudo bem que o cara é reincidente, mas
pera aí, um carrinho de 20 reais? Não vou prender esse cara por isso...”. Me parece que o
Ministro olhou para o valor do bem...

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“Ah, Habib, então agora o STF mudou de posição...”. Vocês gostam de fazer essas
coisas... Quando eu era aluno, eu era igualzinho vocês. Não é isso.
Nesse caso concreto, pelo valor do bem, o Ministro aplicou a insignificância.
Proporcionalidade.

Vamos prosperar...
Informativo 967

Primeira Turma
Ações penais em andamento e causa de diminuição da pena
A Primeira Turma deferiu habeas corpus para determinar a aplicação da causa de
diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, a paciente condenada
pelo crime de tráfico de drogas, não obstante a existência de outra ação penal, pela prática
do mesmo delito, ainda não transitada em julgado.
O colegiado entendeu, com base no decidido no julgamento do RE 591.054, submetido à
sistemática de repercussão geral (Tema 129), que a existência de inquéritos policiais e
processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus
antecedentes para fins de dosimetria da pena, de modo que o fato de a paciente ser ré em
outra ação penal, ainda em curso, não constitui fundamento idôneo para afastar a aplicação
da causa de diminuição da pena.
HC 173806/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
18.2.2020.

O ponto aqui é o tráfico privilegiado. A gente sabe que o artigo 33, §4º traz o tráfico
privilegiado, porque a pena é diminuída de 1/6 a 2/3, desde que o agente reúna 4 requisitos:
O que faremos agora? Vamos lá para o artigo 33, §4º da Lei de Drogas!

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,


adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar,
entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

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§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as
penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada
a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas, nem integre organização criminosa.

1º requisito – primário;
2º requisito – bons antecedentes;
3º requisito – não se dedicar às atividades criminosas;
4º requisito – não integrar organização criminosa.

Olha o que disse o STF: “não obstante a existência de outra ação penal, pela prática
do mesmo delito, ainda não transitada em julgado.” Ou seja, se não transitou em julgado,
ele é reincidente? Não. Então é primário.
“Ah, mas são maus antecedentes...” Tem súmula do STJ falando que ações penais
em curso não configuram maus antecedentes.
Portanto o agente tem bons antecedentes e tem direito ao privilégio.

Com isso a gente encerra, aqui, a análise dos informativos do mês de fevereiro do
STF e STJ.

Um abraço.
Até o “mês que vem”.

Olá pessoal!
Vamos aos informativos do STF e do STJ de março de 2020.

Muito bem, o que temos aqui em março de 2020... Vamos começar, como sempre,
pelos informativos do STJ:

Informativo 665

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Quinta Turma
Furto qualificado. Trancamento da ação penal. Atipicidade material da conduta. Ausência
de lesividade do fato imputado. Princípio da insignificância. Reconhecimento. Possibilidade.
A despeito da presença de qualificadora no crime de furto possa, à primeira vista, impedir
o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias
pode demonstrar a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do
princípio da insignificância.
(...) Muito embora esteja presente uma circunstância qualificadora — o concurso de
agentes — os demais elementos descritos nos autos permitem concluir que, neste caso, a
conduta perpetrada não apresenta grau de lesividade suficiente para atrair a incidência da
norma penal, considerando a natureza dos bens subtraídos (gêneros alimentícios) e seu
valor reduzido.
HC 553.872-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma,
por unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 17/02/2020.

Esse julgado, atenção, foi uma mudança de paradigma do STF e do STJ. O julgado
é do STJ, mas o paradigma é do STF e do STJ.
Você viu nos informativos de fevereiro que o Supremo aplicou a insignificância à um
reincidente.
O STJ deu uma inovada. Então mudou a jurisprudência? Vamos lá, depende. Vamos
aguardar as confirmações.
A gente sempre aprendeu que o furto qualificado tem uma maior gravidade. Porque
é qualificado pelo rompimento de obstáculo, emprego de chave falsa, concurso de pessoas,
fraude, escalada, destreza... Então, por ser mais grave, não se aplica o princípio da
insignificância. Isso é fato. Eu ensino isso, fazendo menção ao STF e STJ, há muitos anos.
Não é? Maior gravidade, não tem insignificância, ainda que ínfimo o valor da coisa.
Só que, aqui, o STJ mudou de paradigma, por quê? Aplicou o princípio da
insignificância no furto qualificado.
Bom, entendeu, aqui, o STJ, que ainda que haja a presença da qualificadora, não
impedirá o reconhecimento do princípio da insignificância. Não adianta dizer que só porque
é qualificado, não se aplica a insignificância. Não é matemática: furto simples = aplica a
insignificância; qualificado = não aplica.
Sempre foi assim. Mas falou o Min. Reynaldo Soares da Fonseca: ‘vamos analisar a
situação fática com todo seu conjunto’. Então não é só dizer: “Ah, é qualificadora...”. ele

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falou com outras palavras: realmente, à primeira vista, impedir o reconhecimento da
atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias pode demonstrar a
ausência de lesividade do fato imputado.
Não disse, aqui, o valor dos gêneros alimentícios furtados, mas a análise foi conjunta.
Então abre-se, aqui, um precedente. Um espaço para uma possível mudança
jurisprudencial de se reconhecer a insignificância no furto qualificado.

Vamos seguir, então, para o próximo julgado desse mesmo informativo.

Sexta Turma
Qualificadora. Meio cruel. Dolo eventual. Compatibilidade.
A qualificadora do meio cruel é compatível com o dolo eventual.
(...) não há falar em incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do meio cruel
(art. 121, § 2º, III, do CP). O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade
de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, tais quais
aqueles descritos no tipo penal relativo à mencionada qualificadora.
REsp 1.829.601-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 04/02/2020, DJe 12/02/2020.

Simples, não é?
O dolo indireto é justamente o dolo eventual. Tá bem? É uma modalidade de dolo
indireto.
Ou seja, o inciso III traz os meios qualificadores. Quais são os meios? Emprego de
veneno, fogo, asfixia, etc.
Nada impede que se empregue uma tortura, explosivo, fogo, assumindo o risco de
matar a vítima. É possível? Você pode dizer: “é, Gabriel, é possível.”, o sujeito taca fogo na
vítima, ou emprega veneno insidiosamente na vítima, e, com isso, assume o risco de matá-
la, tudo bem, dolo eventual por assumir o risco + qualificadora.
O agente asfixia a vítima, até um ponto tal que ele fala “caramba, ela pode morrer!
Mas se morrer também, dane-se” e continua asfixiando a vítima. Ele está empregando a
qualificadora de asfixia? Sim. Ele não quer matar diretamente, mas, naquele momento, ele
passa a assumir como provável ocorrer a morte. Passa a assumir o risco de morte da vítima.
Então, para o STJ é possível e compatível meio cruel e dolo eventual no homicídio.

17
Tá bem? Ainda no STJ, março de 2020:

Informativo 666

Quinta Turma
Peculato-desvio. Governador de Estado. Fomento econômico de candidatura. Desvio de
dinheiro público. Empresas estatais.
Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por
Governador de Estado com o patrimônio de empresas estatais.
Na configuração do peculato-desvio, previsto no art. 312, caput, segunda parte, e § 1º, do
Código Penal, de acordo com a doutrina, a posse "deve ser entendida em sentido amplo,
compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta (disponibilidade jurídica
sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens, requisições ou
mandados)". (...)
O Governador exercia plena ingerência nas empresas do estado, mediante imposição da
autoridade de seu cargo sobre os respectivos dirigentes, e a autonomia gerencial própria
das entidades da administração indireta não representava óbice ao acesso e ao controle
fático das disponibilidades financeiras das estatais.
REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 11/02/2020, DJe 21/02/2020
Estou lendo o julgado para encaixar minha fala – o Governador do estado exerce
uma ingerência nas empresas estatais, ou seja, para se reeleger, ele usa empresas estatais
a seu favor. Pode? Não pode. Claro que não pode. Por quê? Porque isso vai gerar uma
quebra na igualdade de condições entre os candidatos. Ele está no poder, ele é o
Governador, ele tem poder e influência sobre as empresas estatais e usa isso na sua
campanha, para se reeleger...
O que o STJ disse? Isso configura peculato-desvio. Porque se ele tem ingerência
nas empresas estatais, ele acaba usando o dinheiro das empresas estatais a seu favor, e
não é para isso.
Ou seja, ele dá ao dinheiro público destinação diversa. Ele usa a máquina estatal
com todo fôlego econômico de uma empresa estatal, que é grande, porque é dinheiro
público (estou falando de milhões, dezenas de milhões...), para sua candidatura.
Então, ele tem a posse daquele valor. Não direta, mas uma posse indireta. E usa a
seu favor, dá destinação diversa da prevista em lei e isso configura peculato-desvio.

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Um julgado simples, mas olha como é importante e acontece na prova. Fique atento
nas provas, isso pode muito bem vir numa prova que envolva direito econômico, lei de
responsabilidade fiscal, direito penal... Numa segunda fase, pode muito bem vir isso aqui:
“disserte sobre as consequências econômicas, administrativas e penais...”, olha aí, tem
improbidade, crime, um monte de coisa que você pode falar.

Vamos prosperar para o próximo julgado, ainda no informativo 666 do STJ:

Sexta Turma
Arts. 241-A e 241-B da Lei n. 8.069/1990. Consunção automática. Inocorrência.
Necessidade de análise das peculiaridades de cada caso.
Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e
compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil.
(...) Via de regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e
compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil. Deveras, o cometimento de um
dos crimes não perpassa, necessariamente, pela prática do outro, mas é possível a
absorção, a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas
guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.
O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos. Se
evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem
relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso
material.
REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 17/02/2020.

O que vamos fazer agora? Vamos abrir o ECA. Esta lei: 8.069/1990, nos artigos 241-
A e 241-B.
Abra lá comigo.
O art. 241-A, fala assim:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir,
publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de
sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro

19
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente (...)
Art. 241-B:
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio,
fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena
de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente (...)

Então, qual foi a tese que chegou ao STJ – o agente disponibiliza e armazena: tem
consunção? O armazenamento do 241-B absorve o disponibilizar do 241-A?
O STJ – automaticamente não.
O 241-A não é um meio necessário [também chamado de crime de ação de
passagem] para o 241-B.
Até pode ser que em algum caso concreto tenha uma consunção e fique absorvido.
Mas não é uma absorção automática não. Não é sempre que o art. 241-B absorve o art.
241-A.
Olha aí o julgado, cuidado para não sair como um desavisado: “então para o STJ
não tem consunção nunca!”. Não seja um desavisado. Disse o Ministro aqui: não há
consunção automática. Até é possível, sim, a depender de casa caso concreto.
Aí, tu me perguntarias assim: “mas, Habib, se não há consunção automática, qual é
a consequência?”. R: concurso de crimes.
Percebeu? Aqui, geralmente, são condutas diversas. Exemplo: compartilha, depois
armazena. Concurso material – em que as penas se somam.

Bom, vamos prosperar para o próximo julgado, que também versou sobre crime do ECA.

Sexta Turma
Art. 241-A da Lei n. 8.069/1990. Grande interesse por material pornográfico. Exasperação
da pena-base. Conduta social ou personalidade. Inviabilidade.
O grande interesse por material que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente é ínsito ao crime descrito no art. 241-A da Lei n.
8.069/1990, não sendo justificável a exasperação da pena-base a título de conduta social
ou personalidade.

20
(...) o dado inerente ao tipo penal não justifica a exasperação da pena-base, a título de
conduta social ou personalidade. O grande interesse por material que contenha cena de
sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente é ínsito ao crime descrito
no art. 241-A da Lei n. 8.069/1999. O referido dado já foi sopesado pelo legislador para
criminalizar a conduta e estabelecer severa sanção penal, com o objetivo, justamente, de
proteger a dignidade das crianças e dos adolescentes, pondo-os a salvo de formas
desviadas de satisfação sexual.
REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 17/02/2020.

Vamos fazer o que? “Ah, Habib, de novo? A gente acabou de ler!”. Sim! Mas vamos
ler de novo.
O art. 241-A, fala assim:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir,
publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de
sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente (...)

Bom, o agente ofereceu, disponibilizou, transmitiu, publicou , demonstrando grande


interesse por esse material: fotografia ou vídeo que contenha cena pornográfica envolvendo
criança ou adolescente.
O que o juiz fez: “tendo em vista o grande interesse do agente por esse material,
aumento a pena-base, com fundamento no art. 59 do Código Penal”.
Está correto? Dosimetria de pena, está correto? Vem comigo, vamos ler o tipo de
novo. Acompanha os verbos. O agente não tem interesse por esse material?
Esse interesse por material pornográfico infantojuvenil já é ínsito ao tipo penal. Isso
já foi considerado pelo legislador como elemento do tipo.
Então, se já é um elemento ínsito ao tipo penal não pode servir também num segundo
momento, para aumentar a pena base, porque isso configuraria bis in idem.
É igual dizer, no roubo: “aumento a pena base porque o agente usou grave ameaça”.
Pera aí, já é elemento do tipo. Não pode tipificar e aumentar a pena-base, é bis in idem.
Ou, “aumento a pena do peculato, porque o bem era público”, já é elemento do tipo. Ou
dizer: “aumento a pena do furto, porque a coisa era alheia”, isso já é elemento do tipo. Ou,

21
no estelionato: “aumento a pena, porque a vantagem era indevida”, já é elemento do tipo,
vantagem indevida em prejuízo alheio.
A mesma coisa, aqui.

Com isso a gente fecha os informativos do STJ de março. Vamos agora, aos
informativos de março de 2020 do Supremo Tribunal Federal.

Em março, no Supremo Tribunal Federal, nós tivemos tão somente um julgado. Isso
acontece, as vezes não tem nenhum julgado do STF. O STJ tem muito mais julgados, pois
envolvem questões infraconstitucionais. Mas as vezes o STF tem 1, 2... Ou nenhum.

Informativo 969
Primeira Turma
Discurso de parlamentar e crime contra honra
A Primeira Turma recebeu queixa-crime formulada contra parlamentar pela prática de crime
de difamação e injúria. De acordo com a inicial, o parlamentar-querelado, em discurso
proferido no Plenário da Câmara dos Deputados e em reunião da Comissão de Constituição
e Justiça e da Cidadania da mesma Casa, teria desferido ofensas verbais a artistas, ao
afirmar, dentre outras imputações, que eles teriam “assaltado” os cofres públicos ao
angariar recursos oriundos da Lei Rouanet (Lei 8.313/1991). A Turma salientou que o fato
de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não
afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as
ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet. Afirmou que a inviolabilidade
material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o
exercício das funções parlamentares. (...).
PET 7174/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 10.3.2020.

A questão versava sobre inviolabilidade material, ou seja, imunidade material do


parlamentar. Onde ela está? Artigo 53 da Constituição. Já sabe né? Vamos abrir. Todo
mundo – você vai gostar de ler a lei, se você ler com “olhos de ver”, querendo fazer a coisa
ter sentido, se for só “passar os olhos”, vai continuar sendo chato.
Artigo 53, cabeça. Para quem não sabe, até hoje, caput em latim, significa: cabeça.

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Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente,
por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e
Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Para que incida a imunidade parlamentar, exige-se, aqui, o nexo funcional. Ou seja,
não basta que o agente esteja na casa legislativa, é necessário que tenha relação com a
função de parlamentar.
Aqui, o Supremo entendeu que não teria e recebeu a queixa-crime formulada contra
ele, por difamação e injúria. Que são crimes contra a honra de ação penal de iniciativa
privada.

E com isso a gente encerra os informativos de março de 2020.


Um abraço.
Até o próximo mês.

Olá pessoal,
Vamos ver agora os informativos do mês de abril de 2020 do STF e do STJ.

Vamos para nossa tela, começando pelo STJ:

Informativo 667
Quinta Turma
Poluição ambiental qualificada. Artigos 54 § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I,
da Lei n. 9.605/1998. Envio e armazenamento de resíduos tóxicos. Providências para
reparação do dano causado. Não efetivação. Natureza permanente da conduta. Não
cessação da atividade. Impossibilidade de aferição da prescrição.
As condutas delituosas previstas nos artigos 54, § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c
58, I, da Lei n. 9.605/1998, que se resumem na ação de causar poluição ambiental que

23
provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências
estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução
nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema, são de natureza
permanente, para fins de aferição da prescrição. (...)
AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta
Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 13/03/2020.

Em primeiro lugar, uma questão ligada à crime ambiental. Como vocês podem notar
temos, aqui, a imputação de vários crimes ambientais. Entretanto, o plano de fundo do
julgado não versou sobre isso.
“Gabriel, qual é o plano de fundo desse julgado que fala de vários crimes?”
Foi prescrição e crime permanente.

Quer ver? Olha que interessante, qual era a discussão: os crimes prescreveram ou
não prescreveram? Aí o STJ falou o seguinte – olha, esses crimes aí, são crimes
permanentes.
E crimes permanentes são aqueles em que...? Talvez você saiba a decoreba:
“aquele em que a consumação se protrai no tempo”. É uma decoreba infantil, mas você tem
que entender o que é isso. Não ajuda em nada essa decoreba, se não entender.
O que é protrair? Você já foi ao dicionário ver o que significa a palavra protrair? Ou
decorou a frase ‘é aquele que a consumação se protrai no tempo’... Agora fala para mim,
10 minutos sobre isso. Talvez você não fale, mas decorou a frase bonitinha.
Enfim, isso está correto. Vem lá de Nelson Hungria. Mas, entenda, crime permanente
é aquele em que, realmente, a consumação se alonga, se arrasta no tempo.
Lembra do iter criminis? Cogitação, preparação, execução e consumação. a 4ª fase
do iter, é a que se alonga e se arrasta no tempo... Ou seja, a consumação permanece,
alongando-se no tempo.
“Mas, Gabriel, até quando?”. Bom, a maior característica de um crime permanente
não é só essa: consumação se protrai, se alonga, se arrasta no tempo... Não. A grande
característica também é: o agente faz nascer e faz cessar a permanência.
Vou repetir: o agente faz nascer e faz cessar a permanência. Ou seja, ele controla a
permanência.

24
Imagine o artigo de extorsão mediante sequestro do Código Penal: eu sequestro
você, quando eu privo a sua liberdade, a consumação não está ocorrendo, e alongando-se
no tempo? Quando eu quiser fazer cessar a consumação, eu coloco você em liberdade.
Então, o agente controla a permanência – faz ela nascer, e faz ela cessar.

E qual foi a grande questão aqui? O que está na lei. Disse o STJ que esses crimes
todos configuram crime permanente: (...) ‘as condutas delituosas previstas nos artigos 54,
§ 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/1998, que se resumem na
ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente,
em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão
em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao
ecossistema, são de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição. (...)’

“Agora, Gabriel, qual é a importância do crime ser permanente?”. Vamos lá. A


consumação ocorre aqui. Se a prescrição começasse aqui, o agente manteria a
permanência até a prescrição ocorrer. E o agente ia controlar a permanência e a prescrição.
Quando prescrevesse, ele ia fazer a permanência cessar.
Então, para evitar que o agente manipule o jus puniendi estatal, o prazo prescricional,
o que se entendeu, por parte, o legislador? Bom, se o agente controla a permanência,
vamos colocar o seguinte na lei: se o crime for permanente, quando ele fizer a permanência
cessar, começa a contar o prazo prescricional.
Por que, se não, o prazo prescricional estaria correndo durante a manutenção da
permanência da consumação, ao bel prazer e ao controle do agente.
É um julgado simples, só para dizer que esses crimes são permanentes e por isso a
prescrição, só tem termo inicial após a cessão da permanência.

Vamos para o próximo julgado então. Ainda no informativo 667:

Sexta Turma
Crime de responsabilidade dos prefeitos. Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967.
Funcionário fantasma. Pagamento de remuneração. Serviços não prestados. Atipicidade
da conduta.

25
O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou
desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967.
Nos termos do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, constitui crime de
responsabilidade dos prefeitos apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em
proveito próprio ou alheio. Ocorre que pagar ao servidor público não constitui desvio ou
apropriação da renda pública, tratando-se, pois, de obrigação legal. Ademais, a forma de
provimento, direcionada ou não, em fraude ou não, é questão diversa, passível inclusive de
sanções administrativas ou civis, mas não de sanção penal. (...)
De outro lado, a não prestação de serviços por servidor tampouco configura o crime
discutido, também sendo passível de responsabilização funcional e até demissão.
Nesse contexto, verifica-se que a conduta em análise não se subsume à norma em questão.
Dessa forma, o pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública,
previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, pois a remuneração é devida,
ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito.
AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma,
por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 09/03/2020.

Crime de responsabilidade dos Prefeitos. Funcionário fantasma. Artigo 1º, inciso I,


do Decreto-Lei n. 201/1967 – vamos abrir esse decreto (se você se enrolar para achar esse
decreto-lei, dá o pause no vídeo, abre o decreto-lei e depois você volta e dê o play de
novo...)
“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal,
sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do
pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito
próprio ou alheio;”

Então, é uma apropriação indébita ou um desvio de bens ou rendas públicas. Qual


foi o caso, aqui? Olha que interessante: pagamento de remuneração à funcionário
fantasma – disse o STJ que não configura apropriação ou desvio de verba pública.
E por quê, não configura? “Pagar ao servidor público não constitui desvio ou
apropriação da renda pública, tratando-se, pois, de obrigação legal. Ademais, a forma de
provimento, direcionada ou não, em fraude ou não, é questão diversa, passível inclusive de

26
sanções administrativas ou civis, mas não de sanção penal. Nesse contexto, verifica-se que
a conduta em análise não se subsume à norma em questão.”
O que é um funcionário fantasma?
Exemplo: eu sou parlamentar, tenho um cargo executivo, tenho um cargo em
comissão, que eu nomeio você. Irmão. Irmã. Você nem aparece lá. A gente finge que você
trabalha... Eu te contrato, te nomeio e você nem pisa lá. No fim do mês, o dinheiro está na
tua conta. Isso é funcionário fantasma. Porque fantasma? Por que ninguém vê.
Então, é esse crime aqui? O STJ disse que não. Porque a pessoa existe. Pagar a
pessoa é uma obrigação legal. Se ela trabalha, ou não trabalha, é uma questão
administrativa. Pode gerar demissão, cessação do vínculo... Agora, crime não é. Porque o
agente não se apropria do dinheiro para ele, e nem desvia ele paga o funcionário que nem
vai lá. Por isso, é fantasma... Olha lá, até no julgado puseram fantasma. Ele não se apropria,
nem desvia. Ele paga àquela pessoa, só que ela não vai.
Isso é uma questão a ser resolvida no âmbito administrativo. Mas esse crime de
responsabilidade não configura.

Vamos para o próximo julgado do STJ. Agora no informativo 668:

Quinta Turma
Porte de arma branca. Contravenção penal. Art. 19 do Decreto-Lei n. 3.688/1941.Conduta
típica.
O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais.
(...) Desse modo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação
da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-lei
n. 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima
ou da legalidade.
RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 26/03/2020.

Bom, o que aconteceu, amigos, isso daqui deve ser analisado de acordo com a
alteração do artigo 157 do código penal, que você deve estar por dentro... Vai no meu canal
do youtube que tem vídeo sobre isso.

27
Olha o que se entendeu aqui. Vamos tratar deste julgado primeiro (depois voltamos
naquele). Aliás, vou tratar em conjunto:

Quinta Turma
Roubo. Dosimetria. Arma Branca. Novatio legis in mellius. Lei n. 13.654/2018.
Aplicabilidade ao fato delituoso em análise. Instrumento de crime utilizado para a valoração
da pena como circunstância judicial. Pena-base acima do mínimo legal. Possibilidade.
Nos casos em que se aplica a Lei n. 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de
arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora.
Após a revogação do inciso I do artigo 157 do CP pela Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018,
o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante,
a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo,
porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora.
(...)
HC 556.629-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 03/03/2020, DJe 23/03/2020.

Qual foi o ponto aqui a ser discutido – artigo 157, §2º, I, aumento da pena se roubo
era praticado com emprego de arma, isso englobava qualquer arma (de fogo, branca, etc...).
O que aconteceu? Esse §2º, inciso I, foi revogado em 2018 pela Lei 13.654/18. Essa mesma
lei criou o §2º-A, I, com a seguinte redação: “se a violência ou grave ameaça é exercida
com emprego de arma de fogo”. Aqui está o ‘X’ da questão – antes era qualquer arma,
agora, só arma de fogo.
Quer dizer que em relação à arma branca, estamos diante de uma novatio legis in
mellius, que, portanto, retroage. Se agora só arma de fogo aumenta pena, arma branca não
aumenta mais – nova lei mais benéfica.
Todos os condenados por roubo com arma branca deveriam ter retirado esse
aumento de pena, a partir dessa lei de 2018 só aumenta a pena se for arma de fogo. Arma
branca não mais, e por ser mais benéfica, isso retroage.
Quando isso aconteceu, qual foi a grande pergunta: “Ah, Gabriel e agora? E se for
arma branca?” – Quem roubar com arma branca, vai ser 157, caput. Ninguém falou que é
fato atípico.

28
Aí eu falei: “duas coisas podem acontecer – 1ª) será 157, caput + a punição do crime
de porte de arma branca como crime autônomo, artigo 19 da lei de contravenções penais
(que está em vigor), ou; 2ª) 157, caput, e o juiz pode aumentar a pena-base pelo emprego
da arma branca (é mais reprovável, aumenta a pena), com fundamento nas circunstâncias
do crime do artigo 59.
Em termos de pena, o ideal era a 2ª opção, porque contravenção a chance de gerar
alguma consequência criminal é pequena, por ser contravenção. Ou seja, falei que poderia
aplicar tanto na forma 1, como na forma 2, como roubo simples.
E aí, vem o STJ e fala a mesma coisa da opção 2. Que eu já falei quando saiu a lei
em 2018, olha o STJ: “Roubo. Dosimetria. Arma Branca. Novatio legis in mellius. Lei n.
13.654/2018. Aplicabilidade ao fato delituoso em análise. Instrumento de crime utilizado
para a valoração da pena como circunstância judicial. Pena-base acima do mínimo legal.
Possibilidade.
Nos casos em que se aplica a Lei n. 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de
arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora.
Após a revogação do inciso I do artigo 157 do CP pela Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018,
o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante,
a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo,
porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora.
(...)”

Ou seja, o que diz o STJ – é possível a 2ª opção, como falei para vocês. É roubo
simples, mas aumenta a pena-base do roubo simples, pelo emprego da arma branca. Não
é mais majorante, mas pode implicar em aumento de pena, na pena-base.
E a 1ª opção? É possível? É. Eu teria concurso de crimes. Roubo + Contravenção
Penal, de porte de arma branca. E o STJ disse também, naquele julgado anterior, olha lá:
“Porte de arma branca. Contravenção penal. Art. 19 do Decreto-Lei n. 3.688/1941.Conduta
típica.
O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais.
(...) Desse modo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação
da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do Decreto-lei
n. 3.688/1941, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima
ou da legalidade.”

29
Então, quer dizer, os julgados se complementam. Então a conduta é típica, não há
que se falar em violação da intervenção mínima ou da legalidade.

Vamos prosperar, agora, para o próximo julgado:

Quinta Turma
Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Perda do controle do carro.
Atropelamento na calçada. Causa especial de aumento de pena. Art. 302, § 1º, II, da Lei n.
9.503/1997.
A causa de aumento prevista no art. 302, § 1°, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige
que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local.
(...) a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o
ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir
o pedestre em lugar presumidamente seguro.
AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe
23/03/2020.

Muita atenção – o Código de Trânsito Brasileiro só traz o homicídio culposo.


Só existe homicídio culposo no CTB. “Só culposo, Gabriel?” SÓ. E sempre culposo.
Então, se eu estiver dirigindo meu carro, passa na minha frente o meu desafeto, eu acelero,
atropelo e mato com dolo, ainda que esteja dirigindo veículo automotor, é homicídio doloso,
tipifica no Código Penal. E não no CTB.
Só que o 302 do CTB, que é o crime de homicídio culposo no trânsito, tem um
aumento de pena no §1º, inciso II, que diz: se o crime é praticado na calçada ou na faixa
de pedestre.
Qual é a discussão – (vamos lá para lei, abra lá...). “Praticá-lo em faixa de pedestre
ou na calçada”, para que essa causa de aumento/majorante incida é necessário que o carro
esteja trafegando na calçada (calçada não é lugar de carro, né?)? Ou basta que o homicídio
tenha ocorrido na calçada? Exemplo: o cara perde a direção, subiu na calçada, atropelou
alguém, e matou.
Olha para majorante. Olha para a lei. Você acha que o legislador quis exigir que o
carro na calçada? Não faz sentido, né. Calçada e faixa de pedestre, é local de pedestre,

30
então o motorista que pratica homicídio culposo ali, não é mais grave? É, por isso aumenta
a pena. Mas não é preciso que o agente esteja dirigindo o carro na calçada. Basta que ele
suba na calçada, eventualmente, ao fazer a manobra, uma ultrapassagem, perde a
direção... Tá bem?
E foi o que disse, aqui, o STJ. Olhe lá: “a causa de aumento prevista no art. 302, §
1°, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando na calçada,
sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local. (...) pois vem atingir o pedestre em lugar
presumidamente seguro.”
Julgado simples.

Bom, vamos então prosperar... Próximo informativo:

Quinta Turma
Suspensão condicional do processo. Prática da conduta descrita no art. 28 da Lei n.
11.343/2006. Analogia com a prática de contravenção penal. Causa facultativa de
revogação do benefício. Aplicação do artigo 89, § 4º, da Lei n. 9.099/1995.
Proporcionalidade.
O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no
curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação facultativa da
suspensão condicional do processo.
(...) vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art.
28 da Lei n. 11.343/2006 não configura reincidência e, assim não pode obstar, por si só, a
concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º
do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de
direitos.
Mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto
no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional
do processo (art. 89, § 3º, da Lei n. 9.099/1995), enquanto que o processamento por
contravenção penal (que tem efeitos primários mais deletérios) ocasione a revogação
facultativa (art. 89, § 4º, da Lei n. 9.099/1995).
Assim, é mais razoável que o fato da prática do crime previsto no artigo 28 da Lei n.
11.343/2006 seja analisado como causa facultativa de revogação do benefício da
suspensão condicional do processo, cabendo ao magistrado proceder nos termos do § 4º

31
do artigo 89 da Lei n. 9.099/2006 ou extinguir a punibilidade (art. 89, § 5º, da Lei n.
9.099/1995), a partir da análise do cumprimento das obrigações impostas.
REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 26/03/2020.

Suspensão condicional do processo – da lei 9.099/95, também chamado de sursis


processual, é uma das medidas despenalizadoras trazidas pela lei. São 4:
1) Composição dos danos civis;
2) Transação penal;
3) Representação na lesão leve e culposa;
4) Suspensão condicional do processo.

Vamos lá para a lei. Abra aí. Seu estudo vai mudar comigo. Vem comigo, que vou
mudar seu estudo, você vai evoluir sem decoreba, sem musiquinha, sem dicas e macetes.
É estudo, é para quem quer estudar. Abriu a lei 9.099/95? Vamos ao artigo 89:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou
inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público,
ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por
dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado
ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais
requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77
do Código Penal ).”

Só que, como todo instituto benéfico, ela tem causas de revogação. Obrigatórias e
facultativas. Vamos lá, olha o §3º. Olha a importância de ler a lei, o verbo já vai denotar se
é causa de revogação obrigatória ou facultativa.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário
vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo
justificado, a reparação do dano.

Se será revogada é causa obrigatória de revogação.


Olha o §4º:

32
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser
processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir
qualquer outra condição imposta.

Se poderá ser revogada é causa facultativa de revogação, o juiz vai decidir.

Bom, olha que interessante. O que se entendeu aqui, no STJ, olha o 89 §3º de novo,
e a questão é: no curso do prazo o agente foi processado pelo crime de uso de drogas, a
rigor, se for processado por outro crime, a revogação é obrigatória. Contudo, o STJ
entendeu que a revogação, aqui, é facultativa.
Ou seja, de acordo com o §4º se for processado por contravenção, a revogação é
facultativa. E contravenção é punida com pena de prisão. Então, se for processado pelo
crime de uso de drogas, que nem pena de prisão tem, é desproporcional.
Então, entendeu-se, aqui, no STJ, que, se está cumprindo o período de prova (de 2
a 4 anos) se ele for processado pelo crime de uso de drogas, a revogação é facultativa, e
não obrigatória.
Tudo bem? Cuidado com isso em prova.

Fechamos, aqui, os informativos do STJ.

Vamos agora aos informativos do Supremo Tribunal Federal:

No STF, temos aqui, o informativo 973.

Primeira Turma
Lei de Drogas: causa de diminuição de pena e ações penais em andamento
Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei
de Drogas) com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior.
Com esse entendimento, a Primeira Turma deferiu a ordem em habeas corpus para que o
juízo implemente a aludida causa de diminuição.
O colegiado salientou que, na dosimetria, situações processuais sem o trânsito em julgado
foram consideradas como maus antecedentes.
HC 166385/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.4.2020.

33
Qual foi o tema aqui do julgado? Tráfico de drogas, o que costuma chegar muito é a
questão do privilégio. Trafico privilegiado.

Bom, o que chegou lá: aplico ou não aplico o privilégio do 33, §4º? O agente tem
condenação anterior, mas não transitou em julgado – não cabe afastar o privilegio com
base em condenações não alcançadas pela preclusão maior, ou seja, trânsito em julgado.
Ação penais em curso, sem trânsito em julgado, não podem ser consideradas como
maus antecedentes. Por isso esse julgado veio nesse sentido: se não transitou em julgado,
não é reincidente, também não são maus antecedentes. Então, satisfaz os requisitos do
artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, para incidir a redução de pena pelo tráfico privilegiado.
Um julgado simples, mas que toca num ponto muito sensível, que é a redução da
pena pelo trafico privilegiado.
É a mesma coisa que dizer: se não transitou em julgado, não é reincidente, então o
requisito 1 está satisfeito, e também não pode ser maus antecedentes, requisito 2, está
cumprido.
Aí, vem os outros requisitos – se ficar comprovado que ele não se dedica a atividades
criminosas e não integra uma organização criminosa, ele tem direito ao privilégio.

Vamos prosperar no Supremo Tribunal Federal:

Segunda Turma

Princípio da insignificância: reincidência e furto cometido no período noturno


(...) Na espécie, trata-se de furto de R$ 4,15 em moedas, uma garrafa pequena de
refrigerante, duas garrafas de 600 ml de cerveja e uma de 1 litro de pinga, tudo avaliado
em R$ 29,15. Nas outras instâncias, o princípio da insignificância não foi aplicado em razão
da reincidência do paciente e do fato de o furto ter sido cometido no período noturno.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator) e foi mantida integralmente a decisão
agravada, que reconheceu a atipicidade da conduta em razão da insignificância. O ministro
levou em conta que o princípio da insignificância atua
como verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade. Considerou equivocado afastar-
lhe a incidência tão somente pelo fato de o recorrido possuir antecedentes criminais.

34
Reputou mais coerente a linha de entendimento segundo a qual, para a aplicação do
princípio da bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias objetivas em que se deu a
prática delituosa e não os atributos inerentes ao agente. Reincidência ou maus
antecedentes não impedem, por si sós, a aplicação do postulado da insignificância. (...).
HC 181389 AgR/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
14.4.2020.

O agente é reincidente e o furto foi praticado durante repouso noturno, que tem o
aumento do art. 155, §1º. Então tenho duas coisas pesando contra o réu: 1º) ele é
reincidente, que, como regra, afasta a insignificância; 2º) repouso noturno é uma causa de
aumento de pena, que traz uma maior gravidade – repouso noturno, todos dormindo,
vigilância menor, é mais grave também.
Pelas duas gravidades, uma de cunho subjetivo, que é a reincidência, e outra de
cunho objetivo, que é durante o repouso noturno, ele não faria jus ao princípio da
insignificância. Mas, aqui, o relator Min. Gilmar Mendes, olhou não só para isso, olhou
também para a questão do valor dos bens.
“Furto de R$ 4,15 em moedas, uma garrafa pequena de refrigerante, duas garrafas
de 600 ml de cerveja e uma de 1 litro de pinga, tudo avaliado em R$ 29,15”, o que o Ministro
falou? - Considerou equivocado afastar-lhe a incidência tão somente pelo fato de o recorrido
possuir antecedentes criminais. Reputou mais coerente a linha de entendimento segundo
a qual, para a aplicação do princípio da bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias
objetivas em que se deu a prática delituosa e não os atributos inerentes ao agente.
“Mas poxa, 29 reais, não vou olhar só para a reincidência, vou olhar também para o
valor, para o dano, para a subtração, para o desfalque patrimonial causado na vítima. Vou
aplicar a insignificância”.
Então notem, vocês, que o Supremo e o STJ vêm dando uma maior amplitude, um
maior espectro ao princípio da insignificância. Fique atento a isso em prova.

Amigos, eu encerro, aqui, a análise dos informativos do mês de abril do STF e STJ.

Um abraço.

35
Até os informativos do “mês que vem”.

Olá pessoal! Vamos trabalhar com os informativos do STF e do STJ de maio de


2020.
Foi um mês que vieram poucos julgados. Vamos vê-los e destacar os pontos
relevantes.

Em maio de 2020 tivemos o informativo do STJ nº 669.

E o primeiro julgado foi este aqui, da 6ª Turma:

Dosimetria da pena. Registros criminais anteriores nominados de conduta social. Atecnia.


Correção. Maus antecendentes. Dado desabonador. Não afastamento. Exasperamento da
pena.
Demonstrada mera falta de técnica na sentença, o habeas corpus pode ser deferido para
nominar de forma correta os registros pretéritos da paciente, doravante chamados de maus
antecedentes, e não de conduta social, sem afastar, todavia, o dado desabonador que,
concretamente, existe nos autos e justifica diferenciada individualização da pena.
A Terceira Seção pacificou o entendimento de que: "Eventuais condenações criminais do
réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem
ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se
admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do
agente" (EREsp n. 1.688.077/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 3ª S., DJe
28/8/2019, destaquei). ...
No caso, a paciente possuía outras cinco condenações definitivas por idêntico crime, não
valoradas como reincidência nem fracionadas para análise negativa de mais de uma
circunstância judicial. As instâncias ordinárias, contudo, classificaram os antecedentes
erroneamente, como conduta social negativa.
O vício do ato apontado como coator se refere, tão somente, ao incorreto título conferido à
vetorial do art. 59 do CP. Uma vez reconhecida a atecnia do Tribunal a quo, mas verificado
que, de fato, a ré ostenta várias condenações irrecorríveis – o que demanda mais rigorosa
repressão penal, para prevenção e repressão de sua conduta reiterada –, o correto é

36
conceder a ordem para corrigir a denominação errada da circunstância judicial negativa
(...).
HC 501.144-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 17/03/2020.
Dosimetria da pena é sempre um tema complexo.
Bom, o artigo 59 do Código Penal, traz 8 elementos: ‘culpabilidade, antecedentes,
conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do
crime, comportamento da vítima’. E aí, é muito comum se confundirem os elementos.
Agora quando a circunstância existe e só muda o nome, o STJ disse que é uma mera
atecnia.
Se a circunstância existe e o juiz só nomeia de forma equivocada, isso é uma mera
atecnia, em ordem de Habeas Corpus isso pode ser até resolvido.
Isso não tem que ser retirado da pena. Mantem-se na pena o aumento do 59, porém,
corrige-se, apenas, o nomen da circunstância judicial.
Então, nesse caso, no HC, não foi um erro de se considerar um aumento que não
existe. O aumento existe. É o nomen iuris que está errado. O HC pode mudar para nomen
iuris correto. ‘Ora, não é má conduta social, e sim maus antecedentes...’. Mas se existem
os elementos que caracterizam os maus antecedentes, o aumento da pena não deve ser
retirado, deve ser mantido.

Bom, próximo julgado:

Informativo 670, do STJ

Quinta Turma
Prescrição da pretensão executória. Início da contagem do prazo. Impossibilidade.
Cumprimento de pena decorrente de condenação imposta em outro processo. Inteligência
do artigo 116 do Código Penal.
O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou em
prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória.
De acordo com o parágrafo único, do artigo 116, do Código Penal, "depois de passada em
julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o
condenado está preso por outro motivo". Ao interpretar o referido dispositivo legal, esta

37
Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que o cumprimento de pena imposta
em outro processo, ainda que em regime aberto ou em prisão domiciliar, impede o curso
da prescrição executória.
Assim, não há que se falar em fluência do prazo prescricional, o que impede o
reconhecimento da extinção de sua punibilidade. (...)
AgRg no RHC 123.523-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, por
unanimidade, julgado em 13/04/2020, DJe 20/04/2020

O que julgou aqui? Pretensão da pretensão executória – início da contagem do


prazo.
O cumprimento de pena imposta em outro processo, ainda que em regime aberto ou
em prisão domiciliar, impede o curso da prescrição executória. Ou seja, e acordo com o
P.U do artigo 116 do código: "depois de passada em julgado a sentença condenatória, a
prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo".
Independentemente de ser regime fechado, semiaberto, aberto ou domiciliar, não há
que se falar em fluência do prazo prescricional.

Não falei que em maio foram poucos julgados? Esse foi o do STJ, vamos agora ao do STF.

Informativo 978
Segunda Turma

Colaboração premiada: acesso a documentos e exercício do contraditório e da ampla


defesa
A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para
permitir o acesso dos requerentes ao conteúdo de colaboração premiada realizada por
executivos da empresa Odebrecht, no âmbito da “Operação Lava Jato”, em que foram
citados. Determinou-se que o acesso deve abranger somente documentos em que os
agravantes são de fato mencionados (requisito positivo), excluídos os atos investigativos e
diligências que ainda se encontram em andamento e não foram consubstanciados e
relatados no inquérito ou na ação penal em trâmite (requisito negativo). (...).
Pet 7494 AgR/DF, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 19.5.2020

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Uma questão que nós já falamos. Ou seja, é aquilo que o Supremo já falou: o
delatado tem que ter acesso ao conteúdo da delação.
Se nós dois somos réus e eu delatei você e identifiquei quais provas confirmariam
os termos da minha delação, o que eu falei de você e que foi corroborado com as provas,
passa a fazer parte do acervo acusatório.
É como se eu fosse uma testemunha da acusação – ‘COMO SE FOSSE’. Então
para que você que está me assistindo, me ouvindo e me vendo, exerça sua plena defesa e
contraditória, você tem que ter acesso a isso. Para poder defender-se da acusação.
O que o delatado disser, não passa a fazer parte do acervo acusatório? Se ele não
tiver acesso, não pode exercer o contraditório e ampla defesa.
“Ah, Gabriel, então o réu colaborador muda de qualificação e passa a ser
testemunha?”. De novo: é como se fosse testemunha da acusação.
E aí, vai fazer a colaboração: “a fulana recebeu propina do Governador, pode ver
que tem uma conta na Suíça... Tenho uma gravação no meu WhatsApp... Tava todo mundo
lá, na piscina, e combinamos o esquema na sauna... Eu tenho essa conversa na casa de
Veraneio, do Governador, estava eu, ele, fulano e ciclano.”
Isso não incrimina o delatado? Então ele tem que ter acesso para se defender-se.
Faz sentido para você?

Amigos esse é o último julgado do STF. Como falei, eram poucos e vimos todos.

Um abraço.
Até o mês que vem.

Olá pessoal! Vamos ver, nesta aula, com os informativos do STF e do STJ de junho
de 2020.

No mês de junho tivemos algumas notícias muito importantes nos informativos do


STF e do STJ.
Vamos lá, começando, como de costume, pelos informativos do STJ.

Informativo 671

39
Quinta Turma
Multa. Natureza de sanção penal. Extinção da punibilidade. Pagamento. Necessidade.
Adequação ao entendimento do STF. ADI n. 3.150/DF.
Em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, o inadimplemento da pena
de multa obsta a extinção da punibilidade do apenado. (...) Em recente julgado, a Sexta
Turma deste Superior Tribunal de Justiça já alterou o entendimento sobre a matéria,
acompanhando a Corte Suprema. (...) Assim, não se pode mais declarar a extinção da
punibilidade pelo cumprimento integral da pena privativa de liberdade quando pendente o
pagamento da multa criminal.
AgRg no REsp 1.850.903-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe
30/04/2020.

Mas a pergunta é: pode ter extinta a punibilidade se não pagar a pena de multa? “Ah,
mas ele cumpriu a prisão, Gabriel”. Sim, só que a multa é uma outra espécie de pena, igual
a pena privativa de liberdade.
Igual em que sentido? As duas tem natureza jurídica de pena.
Então, será que se ele cumprir só uma das penas, extingue a punibilidade? Ou ainda
que não pague a pena de multa, pode, ainda assim, ficar devendo e ter declarada extinta a
punibilidade?
“Ah, mas Gabriel, não escreve como dívida ativa?”. Sim.
Mas extingue a punibilidade ou não? O STJ decidiu isso nesse informativo.
Olha que interessante, o inadimplemento da pena de multa obsta a extinção da
punibilidade do apenado. Ou seja, o STJ, na 6ª Turma, alterou o entendimento sobre a
matéria, acompanhando o Supremo Tribunal Federal.
Então, é aquilo que falei para vocês, a multa é uma sanção penal. Embora o artigo
51 do CP, diga que vira dívida de valor, etc. E tal. É uma outra espécie de sanção penal
que se aplica ao condenado.
Então, enquanto não cumprir integralmente as penas que foram aplicadas à ele,
não pode ter declarada extinta a punibilidade.
Vai inscrever na dívida ativa. Será cobrado. Execução. Etc. E tal. Com a alteração
do Pacote Anticrime do artigo 51 do Código Penal, vai ser execução na VEP, atribuição do

40
Ministério Público. E, ainda que isso ocorra, o agente não terá declarada extinta sua
punibilidade.

Bom, no STJ, no mesmo informativo, próximo julgado:

Quinta Turma
Violência doméstica e familiar contra mulher. Delito praticado por neto contra avó. Situação
de vulnerabilidade. Lei n. 11.340/2006. Aplicabilidade.
Constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei Maria da Penha no caso de
violência do neto praticada contra a avó. (...)
Com efeito, se, no âmbito da unidade doméstica, a vítima encontrar-se em situação de
vulnerabilidade decorrente de vínculo familiar, configura-se o contexto descrito no artigo 5º
da Lei n. 11.340/2006.
AgRg no AREsp 1.626.825-GO, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma,
por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 13/05/2020.

A grande pergunta é: qual é o âmbito [hoje muito alargado, e é bom que seja assim]
da violência doméstica contra a mulher?
Marido x mulher, namorado x namorada, noivo x noiva, neto x avó, filha x mãe? Sim?
Não?
Olha o que disse o STJ: ‘constatada situação de vulnerabilidade, aplica-se a Lei
Maria da Penha no caso de violência do neto praticada contra a avó. (...)’.
Muito bem destacou o julgado: a vulnerabilidade da vítima.
O neto causa lesão corporal na avó – isso configura ou não violência doméstica
contra a mulher? E aí, configura ou não violência doméstica contra a mulher? É claro que
sim. Porque a avó está em situação de vulnerabilidade. Já há casos entre neta e avó, filha
contra a mãe...
E, aqui, o STJ mais uma vez destacou. Então, repito, não tem que ficar decorando:
olha para a vítima – ela está em situação de vulnerabilidade? Se estiver, será violência
doméstica.
Cuidado com isso na sua prova!

Vamos prosperar...

41
Sexta Turma
Tráfico de drogas. Dependências ou imediações de igrejas. Causa de aumento de pena.
Art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006. Não incidência
Não incide a causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei n.
11.343/2006 em caso de tráfico de drogas cometido nas dependências ou nas imediações
de igreja. (...)
Ademais, no Direito Penal incriminador não se admite a analogia in malam partem, não se
deve inserir no rol das majorantes o fato de o agente haver cometido o delito nas
dependências ou nas imediações de igreja.
HC 528.851-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020

Uma questão ligada à tráfico de drogas, a questão versão sobre causa de aumento
de pena de tráfico de drogas. Abra aí, por favor, a Lei de Drogas, no artigo 40, III:

“Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são


aumentadas de um sexto a dois terços, se:
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de
estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de
entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou
beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se
realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços
de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de
unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;”

A pergunta é: você leu aqui no inciso III proximidade ou imediações de igrejas? “Ah,
mas é grave”. Concordo. Mas ainda que haja uma tal gravidade, como realmente há, temos
que trabalhar com o princípio da legalidade.
Será – pergunto a vocês – que eu posso aumentar a pena porque o tráfico foi
praticado nas imediações de igreja?
Bom, o raciocínio é um só: se não está previsto aqui, a resposta é não. A resposta,
evidentemente, é não. Aumentar a pena pelo local onde o tráfico é praticado sem que haja

42
previsão legal, é nítida analogia in mallam partem. Concordam comigo? Faz sentido para
você?
Se não tem previsão na lei, viola o nulla poena sine lege. Foi exatamente isso que
disse o STJ.
Então, aqui, vejam que é um julgado que versa sobre o que? Dosimetria de pena?
Causa de aumento de pena? Até que sim. Mas o pano de fundo é: quando fala que a
analogia in mallam partem é vedada, qual é o pano de fundo? É o princípio da legalidade,
nullum crimen nulla poena sine lege.
É evidente: toda vez que você fizer analogia in mallam partem, você está ferindo de
morte o princípio da legalidade.

Vamos, então, prosperar agora para o próximo julgado:

Sexta Turma
Posse de arma de fogo de uso permitido. Registro vencido. Irregularidade administrativa.
Porte ilegal de arma de fogo. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Tipicidade.
Inaplicabilidade do entendimento firmado no julgamento da Ação Penal n. 686/AP.
Caracteriza ilícito penal o porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) ou de
arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10. 826/2003) com registro de cautela vencido.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n.
686/AP, que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não
caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão
do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha,
Corte Especial, DJe de 29/10/2015).
Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso
permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma
de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de
fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a
reprovabilidade mais intensa.
AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro,
Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe
08/05/2020.

43
O STJ tem entendimento que posse de arma de fogo de uso permitido – artigo 12 no
Estatuto do Desarmamento – se o agente está com o registro da arma vencido não
configura crime. É uma mera irregularidade administrativa.
O que a lei busca evitar, reprimir e punir, é o agente manter uma arma de fogo em
casa sem o registro de forma clandestina, as vezes sem saber manusear, usar o aparelho,
a arma fogo.
Agora, pensa comigo. Comigo, não, com o STJ. Quando ele tem uma arma de fogo
registrada, está registrada, ele teve a cautela, teve o cuidado, a coragem e correção de
registrar em seu nome, mas o registro venceu e ele nem lembra. Acontece...
A pessoa que registra a arma em seu nome, mas o registro venceu, tem intenção de
manter aquela arma em casa clandestinamente? Não. É só uma irregularidade
administrativa, razão pela qual não configura o crime do artigo 12.
Aí vem a questão, isso se aplica para o porte de arma de fogo? Artigos 14 e 16. STJ
– ‘Não. Esse entendimento só é aplicado para posse’.
Em outras palavras: o entendimento do STJ, de ser mera irregularidade
administrativa é restrito ao delito de posse: artigo 12, não se aplica aos crimes de porte:
artigos 14 e 16.

Muito cuidado com isso em prova! Na prova, vem: ‘posse, porte, porte, posse’, aí você está
nervoso, ansioso, correndo contra o tempo, está escrito ‘porte’ e você lê ‘posse’, leia palavra
por palavra da questão da prova.

Vamos prosperar para o próximo julgado.

Informativo 672, do STJ


Terceira Seção
Falsidade ideológica. Crime instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no tempo.
Prescrição da pretensão punitiva. Termo inicial. Consumação do delito.
Na falsidade ideológica, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão
punitiva é o momento da consumação do delito e não o da eventual reiteração de seus
efeitos.
A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem se protrair no
tempo. A despeito dos efeitos que possam, ou não, gerar, ela se consuma no momento em
que é praticada a conduta.

44
Diante desse contexto, o termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão
punitiva é o momento da consumação do delito e não o da eventual reiteração de seus
efeitos. (...)
RvCr 5.233-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira
Seção, por unanimidade, julgado em 13/05/2020, DJe
25/05/2020.

Na verdade, na verdade o pano de fundo, aqui, era prescrição. O agente praticou


crime de falsidade ideológica, art. 299 do Código Penal.
E a pergunta é: quando esse crime se consuma?
Mas o que está por trás dessa pergunta não é só a consumação, é a prescrição.
Porque se dissermos que é crime instantâneo, eu aplico o artigo 111, I, do Código Penal, a
prescrição começa a correr a partir da consumação.
Mas, se dissermos que esse crime não é instantâneo, que é permanente, se a
consumação está se alongando no tempo... Esse foi o pano de fundo desse julgado. Olha
lá.
“O termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão
punitiva é o momento da consumação do delito e não o da eventual
reiteração de seus efeitos.”
Ou seja, o crime é formal e instantâneo, quando o agente conclui a falsidade, ali se
consumou. E evidentemente, naturalmente, ali, começa a contar o prazo de prescrição.
“Ah, mas aquele documento que teve seu conteúdo falsificado, produz efeito por 10
anos...”. Tudo bem, vai prescrever o crime provavelmente. Porque a consumação ocorreu
lá atrás e o prazo de prescrição começou lá atrás.
O STJ veio e colocou uma pá de cal nessa discussão. Não, pera aí, o art. 299 é
instantâneo e formal.
Então o termo inicial da prescrição é o da consumação do delito e não o da eventual
reiteração de seus efeitos. Essa reiteração de efeitos não transforma o artigo 299 em crime
permanente. Ok?
O que se diga, é o correto. Não tem porque dizer que a prescrição começaria lá na
frente. Regra geral – consumação. Se o crime é formal, basta a prática da conduta.
Consumou: começa a contar a prescrição.

45
Vamos prosperar...

Quinta Turma
Médico em hospital público. Registro de ponto e imediata saída. Não cumprimento da carga
horária. Estelionato qualificado. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Não se admite
a incidência do princípio da insignificância na prática de estelionato qualificado por médico
que, no desempenho de cargo público, registra o ponto e se retira do hospital.
Cinge-se a controvérsia a saber acerca da possibilidade do trancamento de ação penal pelo
reconhecimento de crime bagatelar no caso de médico que, no desempenho de seu cargo
público, teria registrado seu ponto e se retirado do local, sem cumprir sua carga horária. A
jurisprudência desta Corte Superior de Justiça não tem admitido, nos casos de prática de
estelionato qualificado, a incidência do princípio da insignificância, inspirado na
fragmentariedade do Direito Penal, em razão do prejuízo aos cofres públicos, por identificar
maior reprovabilidade da conduta delitiva. (...).
AgRg no HC 548.869-RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma,
por unanimidade, julgado em 12/05/2020, DJe 25/05/2020

O que malandramente fazia o médico? Registrava o ponto e ia embora. Isso


acontece. Infelizmente. O que cara dizia “opa, estou aqui” e ia embora...
Qual é a controvérsia? Era a seguinte: o médico, num cargo público, registra seu
ponto e retira-se do local sem cumprir a carga horária.
“Ah, Habib, mas pô cara, ele assinou e tinha que cumprir 4 horas por dia e ficou só
3 horas. 1h por dia durante 1 mês... É grave?”
Claro que é. As vezes por 1 minuto uma vida não é salva. Imagina por 1 hora?
“Ah, mas ele está no cargo há 25 anos. 1 mês que ele faça isso, é insignificante?”
STJ – Não! Não é não.
Vejam – estelionato qualificado: não se aplica a insignificância. O STJ olhou para a
questão financeira. Se ele estava sendo remunerado para trabalhar 40h por semana e
trabalha só 30h... Há prejuízo? Há.
Mas o prejuízo maior, aqui, é justamente o que falei para vocês, na minha visão. Não
sou Ministro do STJ e nunca o serei, mas é minha visão. Vejam: o hospital é um local de
pessoas que precisam de atendimento, tem vidas ali, correndo risco... É muito grave. Então
não se aplica a insignificância também por isso.

46
Vamos seguir para o próximo julgado:

Quinta Turma
Prescrição da pretensão punitiva. Acórdão confirmatório da condenação. Interrupção do
prazo. Ocorrência.
O acórdão confirmatório da condenação é causa interruptiva da prescrição. (...)
AgRg no AREsp 1.668.298-SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma,
por unanimidade, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020.

O STJ mudou de posição junto com o STF. Vamos entender isso aqui: a sentença
condenatória interrompe a prescrição. não interrompe?
Linha do tempo:
- Recebimento da denúncia: interrompe a prescrição (art. 117, I);
- Sentença condenatória recorrível: interrompe a prescrição (art. 117, IV);
- Acórdão condenatório recorrível: interrompe a prescrição (art. 117, IV).

Imaginemos que a sentença foi condenatória e o Tribunal disse: conheço do recurso,


porém nego-lhe provimento.
Se negou provimento ao recurso, o Tribunal fez o que? Manteve aquela sentença
em seus termos. Aquele acórdão, é um acórdão condenatório? É. Porque existe uma coisa,
amigos, chamada: efeito substitutivo do acórdão. Então, independentemente do que
aconteça, o acórdão sempre substitui a sentença.
“Então, Gabriel, é como se a sentença do juiz não valesse de nada?”. Eu não queria
falar com esses termos, porque a sentença de um juiz vale muito, é muito valorosa. Agora,
o acórdão passa a substituir a sentença. Tanto é que, vai para o Tribunal, que julga, quando
baixa para a Vara, o que o juiz fala? ‘Cumpra-se minha sentença’? Não. Ele fala: cumpra-
se o V. Acórdão. (Venerando Acórdão).
Então aquele acórdão que manteve a sentença é um acórdão condenatório? É,
porque ele manteve a sentença. Mas como ele manteve a sentença, ele é condenatório e
confirmatório.

47
O STF e o STJ entendiam o seguinte: o acórdão condenatório, mas meramente
confirmatório não interrompe a prescrição porque ele não inova na situação jurídica dos
autos. Ele apenas mantém a sentença que já existe.
Entretanto, recentemente, isso confirma o que vou falar agora, o STF e também,
aqui, o STJ, mudaram de posição para entenderem que sim – em qualquer hipótese o
acórdão condenatório, ainda que confirmatório, interrompe, sim, a prescrição.
A sentença condenou. A defesa apelou. O Ministério Público também apelou. Disse
o Tribunal: conheço dos recursos, nego provimento a eles. Acabou, teve a sentença? Sim.
In totum? Sim. Aquele acórdão é condenatório e é confirmatório e consequentemente vai
interromper o prazo prescricional.

Cuidado, mudança de entendimento sempre cai em prova!

Vamos prosperar para o próximo:

Sexta Turma
Injúria racial. Artigo 140, § 3º, do Código Penal. Conversa telefônica. Conhecimento
acidental da vítima. Ofensa à honra subjetiva. Ausência de dolo específico. Atipicidade da
conduta.
A ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao conhecimento da vítima afasta o
dolo específico do delito de injúria, tornando a conduta atípica.
O cerne da questão diz respeito ao momento da consumação e ao dolo específico exigido
no tipo do art. 140, § 3º, do Código Penal.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assenta que o momento da consumação
do delito de injúria acontece quando a vítima toma conhecimento da ofensa.
Ademais, o tipo penal em questão exige que a ofensa seja dirigida ao ofendido com a
intenção de menosprezá-lo, ofendendo-lhe a honra subjetiva.
No caso, as palavras injuriosas foram proferidas por meio telefônico, não sendo previsível
que a vítima estivesse ouvindo o teor da conversa pela extensão telefônica.
Como a injúria se consuma com a ofensa à honra subjetiva de alguém, não há falar em dolo
específico no caso em que a vítima não era o interlocutor na conversa telefônica e,
acidentalmente, tomou conhecimento do seu teor.

48
REsp 1.765.673-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por
unanimidade, julgado em 26/05/2020, DJe 29/05/2020.

O que aconteceu aqui? O crime de injúria viola a honra subjetiva, só se consuma


quando a vítima toma conhecimento.
Aqui, o que acontece, a ausência de previsibilidade de que a ofensa chegue ao
conhecimento da vítima, afasta o dolo específico.
Eu estou no celular com você. Você põe no viva voz. Quem tá do seu lado? Bruno
Zampier. Eu falo para você: “Zampier, aquilo lá é um pilantra, vagabundo, imbecil”. É injúria?
Mas se eu falo para você no viva voz e ele está ouvindo, eu falei para ele? Eu quis ofender
a honra dele? Eu agi com animus injuriandi. Eu falei para você. É uma fofoca? É. Mas eu
falei para você, só que ele estava ouvindo. Eu não tinha previsibilidade de que ele estava
ouvindo. Falta a mim o elemento subjetivo específico.
O que o STJ chama de dolo específico, na verdade é o especial fim de agir. Conduta
atípica.

Vamos prosperar. Agora Supremo Tribunal Federal.

Em junho de 2020, nós tivemos quais julgados e decisões relevantes:

Informativo 980
Primeira Turma
Roubo forjado e classificação jurídica
A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de
condenado pela prática do crime de roubo em concurso de agentes. No caso, o paciente,
funcionário de uma empresa, tinha a atribuição de movimentar quantias em dinheiro. O
corréu, mediante grave ameaça, simulando portar arma de fogo, exigiu a entrega dos
valores que estavam em seu poder e no de outra pessoa, na ocasião, e o paciente, fingindo
ser vítima, previamente ajustado com o suposto assaltante, entregou a quantia. (...)
Ademais, o enquadramento dos fatos no tipo penal alusivo ao roubo mostrou-se adequado.
Trata-se de crime complexo, cuja estrutura típica exige a realização da subtração
patrimonial mediante violência ou grave ameaça à pessoa.

49
O fato de o assalto envolver situação forjada entre o paciente e o corréu não viabiliza a
ocorrência de estelionato, pois a caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção
do agente de realizar o mal prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da
coisa alheia móvel seja revestida de aptidão a causar fundado temor ao ofendido. Nesse
sentido, a ameaça praticada pela simulação do porte de arma de fogo constitui meio idôneo
a aterrorizar.
Por sua vez, a circunstância de não ter o paciente feito grave ameaça contra a vítima não
é relevante, porquanto a vinculação subjetiva com o corréu, a configurar o concurso de
agentes, legitima sejam os fatos, em relação a ambos os acusados, enquadrados no tipo
de penal de roubo, observado o art. 29 do Código Penal (CP) (...)
HC 147584/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020.

Isso aqui foi uma ordem de habeas corpus.


Vamos entender isso: eu e você somos amigos. Aí você se encontra com o amigo
que está com o telefone de última geração, dinheiro, relógio, parece uma árvore de natal.
Eu falo: “eu vou simular que eu estou com uma arma, vou simular um assalto, e vou roubar
você e seu amigo. Você se faz de vítima, ele não vai saber de nada”. É um roubo forjado.
Aí eu vou lá: “aê, tô armado aqui, não me obriga a atirar não. Perdeu, perdeu! Passa tudo,
passa tudo! E você? Agora você!”. Você está mancomunado comigo, para iludir o seu amigo
e fazer parecer um roubo de verdade.
E aí? Ele foi condenado por roubo em concurso de agentes. Defesa: “não, peraí, isso
foi um mal entendido...”. Vamos ver o que disse o STJ: O fato de o assalto envolver situação
forjada entre o paciente e o corréu não viabiliza a ocorrência de estelionato, pois a
caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção do agente de realizar o mal
prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da coisa alheia móvel seja
revestida de aptidão a causar fundado temor ao ofendido.
Isso é roubo porque aquela pessoa se sentiu ameaçada. Foi suficiente para gerar o
temor na vítima.

Olha que bela questão de prova. Imagina isso numa prova objetiva... Uma galera vai dizer
que é estelionato.

Vamos prosperar.
Informativo 982

50
Primeira Turma

Comprovação da reincidência – Inexistência de forma específica


A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que
indeferiu a ordem de habeas corpus impetrado em face de acórdão do Superior Tribunal de
Justiça.
Nas razões do agravo regimental, a defesa insistiu na existência de ilegalidade no
reconhecimento da reincidência em desfavor da paciente. Alegou que a reincidência foi
reconhecida com base em informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos de
tribunais — documentação precária e, portanto, sem aptidão para comprovar o trânsito em
julgado de condenações anteriores.
O colegiado considerou que, conforme jurisprudência da Corte, para fins de comprovação
da reincidência, é necessária documentação hábil que traduza o cometimento de novo
crime depois de transitar em julgado a sentença condenatória por crime anterior, mas não
se exige, contudo, forma específica para a comprovação [Código Penal (CP), art. 63] (...).
HC 162548 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em
16.6.2020.

A pergunta, aqui, amigos: como se comprova a reincidência? Existe um documento


cabal?
Disse o Supremo: para fins de comprovação da reincidência, é necessária
documentação hábil que traduza o cometimento de novo crime depois de transitar em
julgado a sentença condenatória por crime anterior, mas não se exige, contudo, forma
específica para a comprovação.
Algum documento hábil que traga credibilidade. Tem que provar que tem uma
sentença condenatória transitada em julgado, mas não se exige forma específica, amarrada
e engessada. Basta que seja um meio idôneo.

Amigos, STF e STJ no mês de junho – esses foram os julgados.

Um abraço.
Até a próxima.

51
Olá pessoal! Vamos trabalhar, nesta aula, com os informativos do STF e do STJ de
julho de 2020.
Confesso que houve poucos julgados... Julho... Recesso, tal, aquela coisa toda...
Tudo anda mais devagar.

Primeiro julgado: informativo do STJ – 673

Terceira Seção
Transporte de folhas de coca adquiridas na Bolívia. Planta proscrita que pode originar
substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Enquadramento no tipo do § 1º, I, do art. 33
da Lei n. 11.343/2006. Competência da Justiça Federal.
A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de
competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o
transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
Questiona-se, nos autos, se o transporte de folhas de coca amolda-se melhor ao tráfico
internacional de entorpecentes (art. 33 c/c 40, I e VII, da Lei n. 11.343/2006) ou ao uso de
droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/2006), cuja resposta permite definir
se a competência para o julgamento da ação é da Justiça Federal, ou do Juizado Especial
criminal estadual.
Não se questiona, portanto, a origem transnacional do entorpecente. A definição da
competência depende, assim, na hipótese em exame, da tipificação da conduta como
tráfico ou como posse de droga para consumo próprio. (...)
Ocorre que a folha de coca ("erythroxylum coca lam") é classificada no Anexo I – Lista E –
da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre
substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas
que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Seja dizer, ela não é, em
si, considerada droga. Com isso em mente, a conduta do investigado não se enquadra
no caput do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
Tampouco se amoldaria ao delito equiparado descrito no parágrafo 1º do art. 28, uma vez
que o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que
transportava, já que admitiu tê-las comprado de uma índia do Acre.

52
Assim sendo, por mais que sua intenção confessada fosse a de consumir as folhas de coca,
mascando-as, fazendo chás ou preparando bolos em rituais indígenas de sua crença
religiosa, não se trataria de consumo de drogas e a conduta não se amolda ao tipo do art.
28 da Lei n. 11.3434/2006.
Por sua vez, o caput do art. 33 criminaliza, entre outras condutas, a de transportar drogas.
Mas, como se viu anteriormente, a folha de coca não é droga. Porém pode ser classificada
como matéria-prima ou insumo para sua fabricação.
Nesse sentido, a conduta se amoldaria ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n.
11.343/2006 se, e apenas se, ficar demonstrado, ao final do inquérito ou da ação penal que
o intuito do investigado era o de, com as folhas de coca, preparar drogas.
Desse modo, a conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a
definição de a competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que
criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
CC 172.464-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira
Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 16/06/2020.

Você que estuda direito comigo, estuda de forma correta, abra a lei de drogas no
artigo 33, §1º, I e vamos lê-lo juntos, a um só tempo, mentalmente.

“§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:


I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende,
expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta,
traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico
destinado à preparação de drogas.”

Não era cocaína. Mas era folha de coca – e a folha de coca é matéria-prima, insumo
ou produto químico destinado a preparação. Coma folha de coca você produz algumas
drogas, então é isso aqui.
Então, como veio da Bolívia configura tráfico transnacional: competência da Justiça
Federal.

53
Vejam, essa conduta melhor se amolda ao artigo 33, §1º, I, que é a ‘matéria-prima’,
tá? Qual era o questionamento – se esse transporte de folha de coca seria tráfico ou porte
para uso. O que disse o STJ? A meu ver, corretamente.
Não é droga. A folha de coca (esse nome estranho: "erythroxylum coca lam") está
no Anexo I da portaria da Anvisa, não é? Então não pode configurar crime do artigo 28,
tampouco 28, §1º.
Ou seja, na verdade, o 33, caput também não é. A tipificação correta é o 33, §1º, I,
não tem nada a ver com porte/posse de droga para uso pessoal, tá? Configura, sim, tráfico
transnacional, mas não é droga, é matéria prima. Tá lá no 33, §1º, I.
Eu poderia apostar muita coisa que isso vai cair nas próximas provas para confundir
todo mundo. Todo mundo diz: “ah, é droga! 33, caput!”. Não, não, não. É matéria-prima: 33,
§1º, I. Cuidado com isso!

Informativo 674 do STJ.


Atenção, estelionato.

Quinta Turma
Crime de estelionato. Regra do § 5º do art. 171 do Código Penal acrescentada pela Lei n.
13.964/2019 (Pacote Anticrime). Representação. Condição de procedibilidade. Aplicação
retroativa a processos em curso. Inviabilidade.
A retroatividade da representação no crime de estelionato não alcança aqueles processos
cuja denúncia já foi oferecida.
(...) Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de
incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução
penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de
aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. ...
Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos
processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e
acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no
crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do
contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra,
transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não
procedibilidade.

54
HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 18/06/2020
A pergunta, amigos, é a seguinte: isso retroage?
O agente foi vítima de estelionato. Ele vai à delegacia, faz a representação. Lavra o
R.O, que é uma representação. Ou, faz uma notícia-crime, na delegacia ou no Ministério
Público. Ok.
Mas e os processos que estão em curso? Aqueles processos por estelionato que já
há uma denúncia recebida. Está na fase instrutória. Tem que interromper o processo?
Intimar a vítima para que ela ofereça representação?
Essa é a questão. Ou seja, o §5º retroage para alcançar o processo que já existe e
está em curso, de um fato praticado antes do seu advento?
E aí? Querendo ou não, é norma mais benéfica para o réu. Porque? Por que se não
oferecer representação, naquele prazo de 6 meses opera-se a decadência. E a decadência
é causa de extinção da punibilidade.
Norma mais benéfica tem que retroagir? Sempre. Sempre. O problema aqui, foi o
seguinte: quando a lei 9.099/95 teve seu advento, foi a mesma questão nas medidas
despenalizadoras. Mas na lei 9.099 tinha um artigo específico: “nos casos em que se passa
a exigir representação, intima-se a vítima para que no prazo de 30 dias ofereça
representação”. Tinha uma norma trazendo o intervalo de 30 dias para intimar a vítima a
oferecer. Se oferecesse, prosseguia. Se não oferecesse, decaia.
O Pacote Anticrime não trouxe uma norma semelhante. Então será que não é para
retroagir? Ou podemos pegar, por empréstimo, esse espírito da lei 9.099 e fixar um prazo
de 30 dias (60 ou 90 50... ou 30 como diz a lei 9.099)? Para intimar a vítima no estelionato,
pode ser pegado por empréstimo? Esse foi o ponto que chegou ao STJ.

Art. 91, da lei 9.099/95: Nos casos em que esta Lei passa a exigir
representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou
seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta
dias, sob pena de decadência.

Por que não pegar essa regra e aplicar ao Pacote Anticrime? Tem que retroagir,
porque se é mais benéfico, é princípio constitucional, toda norma penal mais benéfica
sempre retroage.

55
“Ah, mas a norma é mista”. Tudo bem, se ela é mista, mais um motivo, tem a parte
processual e a parte penal, e, por óbvio a parte penal vai retroagir.
Mas o STJ entendeu que não. 5ª Turma do STJ diz: “A retroatividade da
representação no crime de estelionato não alcança aqueles processos cuja denúncia já foi
oferecida.”
Eu acho isso daqui um escândalo jurídico. Porque é negar vigência e normatividade,
sobretudo, ao princípio constitucional.
A lei não fez previsão dos 30 dias, mas também não disse que não retroagiria. E
mesmo que dissesse... Se a Constituição diz que retroage, tem que retroagir e ponto.
Bom, a norma tem caráter híbrido e por isso deveria retroagir. Depois de dizer que
tudo isso é verdade, coloca uma conjunção adversativa: ‘CONTUDO’, além do silêncio do
legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que
seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia),
de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se
restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia
conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação
em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade.

O que eu acho de muita atecnia, mesmo. Não importa. Se não há previsão


específica, também não há previsão vedando... Então isso é uma questão de princípio
constitucional: tem que retroagir.
Mas fica um alerta: a 6ª Turma do STJ, informativo posterior a esse, que virá em
breve, entendeu que retroage sim.

Bom, do STJ, de julho, foram esses julgados. Do STF não houve informativo.

Um abraço.
Até a próxima.

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