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Queixa-Crime

Introdução: no Exame de Ordem, você atuará como acusador em duas hipó teses: como
assistente de acusaçã o para o oferecimento de algum recurso (aconteceu somente uma vez
desde a unificaçã o) ou como advogado da vítima de um crime de açã o penal privada
(propriamente dita ou personalíssima) ou na hipó tese de açã o penal privada subsidiá ria da
pú blica (CPP, art. 29). A queixa-crime é de fá cil identificaçã o. O problema descreverá um
crime – provavelmente contra a honra – e deixará bem claro que o examinando deve atuar
em favor da vítima. Portanto, é impossível confundi-la com outra peça. Acredito que a
maior dificuldade da peça seja a correta tipificaçã o da conduta descrita no enunciado. Isso
porque é comum o examinando nã o observar alguma causa de aumento ou qualificadora,
ou deixar de apontar todos os delitos praticados pelo querelado. Além da pontuaçã o
perdida pela tipificaçã o errada, o equívoco pode fazer com que o examinando também erre
a competência – por exemplo, nos crimes contra a honra, a incidência de causa de aumento
pode fazer com que a pena em abstrato ultrapasse dois anos, afastando, portanto, a
competência do JECrim. Para que isso nã o aconteça, sempre leia as disposiçõ es gerais
aplicadas aos delitos – geralmente, estã o localizadas no final do capítulo do respectivo
crime.
Previsão legal: artigos 30 e 41 do CPP e art. 100, § 2º, do CP.
Cabimento: nos crimes de açã o penal ou na açã o penal privada subsidiá ria da pú blica.
Teses: como é peça de acusaçã o, a tese está restrita a demonstrar a prá tica do delito.
Também é importante demonstrar que a queixa-crime deve ser recebida, nos termos do
art. 395 do CPP.
Endereçamento: em regra, ao juízo criminal, devendo ser observadas as disposiçõ es do
CPP e da CF a respeito da competência (art. 69 do CPP e 109 da CF).
Prazo: decadencial de seis meses, contados do dia em que o ofendido descobre a autoria do
crime (CP, art. 103).
Como identificar: o enunciado descreverá um crime e deixará bem claro que nã o houve o
oferecimento de petiçã o inicial e que você é o advogado do ofendido.
Pontos relevantes:
a) o artigo 44 do CPP afirma expressamente que a queixa “poderá se dar por procurador
com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante
e a mençã o do fato criminoso”. Nã o esqueça de fazer mençã o expressa ao dispositivo, pois
pode ser que a FGV decida pedi-lo;
b) geralmente, a FGV nã o pontua o tó pico “dos fatos”. Por isso, nas demais peças, nã o é algo
que mereça muita atençã o, bastando que o examinando resuma o enunciado. Contudo,
como a queixa-crime é petiçã o inicial, é interessante a descriçã o completa da conduta
praticada pelo querelado;
c) se houver pluralidade de crimes, nã o deixe de observar as regras atinentes ao concurso
de crimes (CP, arts. 69/71);
d) se o enunciado mencionar testemunhas, nã o deixe de arrolá -las ao final da peça.
Peça prática:
Problema (XV Exame de Ordem): Enrico, engenheiro de uma renomada empresa da
construçã o civil, possui um perfil em uma das redes sociais existentes na Internet e o utiliza
diariamente para entrar em contato com seus amigos, parentes e colegas de trabalho.
Enrico utiliza constantemente as ferramentas da Internet para contatos profissionais e
lazer, como o fazem milhares de pessoas no mundo contemporâ neo. No dia 19/04/2014,
sá bado, Enrico comemora aniversá rio e planeja, para a ocasiã o, uma reuniã o à noite com
parentes e amigos para festejar a data em uma famosa churrascaria da cidade de Niteró i, no
estado do Rio de Janeiro. Na manhã de seu aniversá rio, resolveu, entã o, enviar o convite
por meio da rede social, publicando postagem alusiva à comemoraçã o em seu perfil
pessoal, para todos os seus contatos. Helena, vizinha e ex-namorada de Enrico, que também
possui perfil na referida rede social e está adicionada nos contatos de seu ex, soube, assim,
da festa e do motivo da comemoraçã o. Entã o, de seu computador pessoal, instalado em sua
residência, um prédio na praia de Icaraí, em Niteró i, publicou na rede social uma
mensagem no perfil pessoal de Enrico. Naquele momento, Helena, com o intuito de ofender
o ex-namorado, publicou o seguinte comentá rio: “nã o sei o motivo da comemoraçã o, já que
Enrico nã o passa de um idiota, bêbado, irresponsá vel e sem vergonha!”, e, com o propó sito
de prejudicar Enrico perante seus colegas de trabalho e denegrir sua reputaçã o
acrescentou, ainda, “ele trabalha todo dia embriagado! No dia 10 do mês passado, ele
cambaleava bêbado pelas ruas do Rio, inclusive, estava tã o bêbado no horá rio do
expediente que a empresa em que trabalha teve que chamar uma ambulâ ncia para socorrê-
lo!”. Imediatamente, Enrico, que estava em seu apartamento e conectado à rede social por
meio de seu tablet, recebeu a mensagem e visualizou a publicaçã o com os comentá rios
ofensivos de Helena em seu perfil pessoal. Enrico, mortificado, nã o sabia o que dizer aos
amigos, em especial a Carlos, Miguel e Ramirez, que estavam ao seu lado naquele instante.
Muito envergonhado, Enrico tentou disfarçar o constrangimento sofrido, mas perdeu todo
o seu entusiasmo, e a festa comemorativa deixou de ser realizada. No dia seguinte, Enrico
procurou a Delegacia de Polícia Especializada em Repressã o aos Crimes de Informá tica e
narrou os fatos à autoridade policial, entregando o conteú do impresso da mensagem
ofensiva e a pá gina da rede social na Internet onde ela poderia ser visualizada. Passados
cinco meses da data dos fatos, Enrico procurou seu escritó rio de advocacia e narrou os
fatos acima. Você, na qualidade de advogado de Enrico, deve assisti-lo. Informa-se que a
cidade de Niteró i, no Estado do Rio de Janeiro, possui Varas Criminais e Juizados Especiais
Criminais. Com base somente nas informaçõ es de que dispõ e e nas que podem ser inferidas
pelo caso concreto acima, redija a peça cabível, excluindo a possibilidade de impetraçã o de
habeas corpus, sustentando, para tanto, as teses jurídicas pertinentes. A peça deve
abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à
pretensã o.
Peça:
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal de Niterói,
Observaçõ es:
a) o uso do “doutor”: nã o faz a menor diferença. Sinceramente, nã o gosto da expressã o
“senhor doutor”. Acho esquisita! Mas, se você gosta, use! Nã o perca tempo memorizando
essas regrinhas, pois nã o pesam em nada na nota. É questã o de estilo de redaçã o, e cada um
tem o seu. Ademais, nã o é preciso grafar em letra maiú scula;
b) nã o invente informaçõ es! Se o problema nã o fizer mençã o à comarca, nã o enderece ao
juiz de sua cidade. A FGV poderá considerar identificaçã o da prova e anulará a sua peça.
Quando nã o souber algo, faça um traço, como no exemplo acima, ou use reticências (o
edital pede que use reticências. Por isso, pode ser a melhor escolha, embora acredite que
nã o influenciará na nota o uso de traço).
c) o endereçamento à autoridade competente é pontuado. Sobre o assunto, estude
competência em uma boa doutrina. Por ora, marque em seu “vade mecum” os arts. 109 da
CF, que trata sobre a competência da Justiça Federal, e 69 do CPP, que regula o tema;
d) o espaço entre o endereçamento e a qualificaçã o: antigamente, quando o processo nã o
era digital, deixava-se esse espaço para que o juiz pudesse decidir nele. Com a virtualizaçã o,
nã o há mais ló gica em pular linhas. Por isso, nã o haverá prejuízo em sua nota se nã o o fizer
– e nem poderia, afinal, nã o é uma peça de verdade, e nenhum juiz “despachará ” nela. No
entanto, é inegá vel que a estética da peça fica melhor ao se deixar o espaço. Na segunda vez
em que passei na OAB – refiz a prova há algum tempo, para “sentir” a prova da FGV -, pulei
cinco linhas porque gosto do efeito visual. Mas, como já comentei, nã o influencia em nada
em na nota. Caso você decida pelo espaço, nã o salte mais do que cinco linhas, pois poderá
faltar espaço para a elaboraçã o do restante da peça;
e) o XV Exame de Ordem trouxe um ponto interessante: como o crime se deu pela Internet,
muitos imaginaram que a competência seria da Justiça Federal. Pela simples leitura do art.
109 da CF, é possível constatar que se trata de crime de competência da Justiça Estadual.
Contudo, a FGV, ao comentar o gabarito, fez mençã o aos julgados sobre o assunto – e, de
fato, há muitos julgados do STJ sobre o tema. Por isso, friso o que sempre falo em sala de
aula: é essencial que o aluno acompanhe os informativos dos Tribunais Superiores. Uma
boa forma de estudá -los é pelo site Dizer o Direito: www.dizerodireito.com.br;
f) a peça foi endereçada ao JECrim em razã o de a pena em abstrato nã o ter ultrapassado os
dois anos (Lei 9.099/95, art. 61).
ENRICO, engenheiro, estado civil, naturalidade, residente e domiciliado no endereço …, em
Niterói, Rio de Janeiro, vem, por seu advogado (procuração com poderes especiais anexada,
nos termos do art. 44 do CPP), oferecer QUEIXA-CRIME, com fundamento nos artigos 30 e 41
do CPP, e 100, § 2º, do CP, contra
HELENA, profissão, estado civil, naturalidade, residente e domiciliada no endereço …, na
Praia de Icaraí, em Niterói, Rio de Janeiro, pelas razões a seguir expostas:
Observaçõ es:
a) friso novamente: nã o invente dados. Se o problema nã o traz informaçõ es sobre as partes,
nã o as invente! Há algumas provas, soube de um examinando que inventou o CPF
“123.456.789-10” e teve a prova anulada por identificaçã o. Diga apenas “profissã o” ou
“profissã o ___”. Ademais, nã o se preocupe em relaçã o a quais informaçõ es trazer – se quiser
falar “registrado sob o CPF/MF n. ___” ou “portador da cédula de identidade ___”, nã o há
problema. Em verdade, isso nã o fará a menor diferença em sua nota;
b) se quiser dizer “vem muito respeitosamente” ou adicionar outras informaçõ es, fique à
vontade. Na prá tica, nã o influenciará em nada em sua nota;
c) o uso de letra maiú scula: grafei o nome da peça em letra maiú scula por questã o de estilo,
mas fica a seu critério. Só nã o esqueça de dizer expressamente o nome da peça e a
fundamentaçã o legal – o esquecimento custará a sua peça, que será anulada integralmente
-;
d) muitos examinandos esqueceram de mencionar e qualificar a querelada, e qualificaram
somente o querelante. Caso caia queixa-crime em sua prova, fique atento para nã o cometer
o mesmo erro.
I. DOS FATOS
No dia 19 de abril de 2014, a querelada publicou em uma rede social diversas ofensas contra o
querelante, a seguir transcritas:
“não sei o motivo da comemoração, já que Enrico não passa de um idiota, bêbado,
irresponsável e sem vergonha!”;
“ele trabalha todo dia embriagado! No dia 10 do mês passado, ele cambaleava bêbado pelas
ruas do Rio, inclusive, estava tão bêbado no horário do expediente que a empresa em que
trabalha teve que chamar uma ambulância para socorrê-lo!”.
O querelado tomou ciência das ofensas na mesma data, na presença dos seus amigos Carlos,
Miguel e Ramirez.
Observaçõ es:
a) em outras peças (apelaçã o, “rese” etc.), a FGV nã o costuma pontuar o tó pico “dos fatos”,
sendo suficiente um breve resumo do enunciado. Contudo, na queixa-crime, por se tratar
de petiçã o inicial, é interessante a descriçã o completa da conduta do querelado;
b) a lei nã o exige a divisã o da peça em tó picos. No entanto, acho interessante dividi-la e
explico o porquê: a correçã o da prova é feita de forma bem objetiva. No espelho de
correçã o, há diversos quesitos, e o examinador só dará o ponto se encontrá -los de forma
expressa. Por isso, se, no espelho, houver o quesito “erro de tipo – art. 20 do CP”, por mais
que você escreva uma pá gina inteira sobre o assunto, o examinador só pontuará se, em sua
prova, estiver escrito expressamente “erro de tipo – art. 20 do CP”. Portanto, tudo o que
estiver escrito e nã o for quesito será mera moldura para o que realmente importa. Agora,
imagine que a pessoa que corrigiu a sua prova leu uma dezena de outras antes da sua.
Como qualquer ser humano, com o cansaço, a atençã o diminui. Por isso, torne fá cil o
trabalho do examinador! Divida a sua peça em tó picos, deixando bem claro que foi pedido o
que está no espelho. Em todas as provas, sem exceçã o, há relatos de erros de correçã o.
Tente evitá -los!
II. DO DIREITO
Portanto, Excelência, é inegável que a querelada, Helena, praticou os crimes de injúria (CP,
artigo 140) e de difamação (CP, art. 139), em concurso formal (CP, art. 70).
O querelante foi chamado de “idiota, bêbado, irresponsável e sem vergonha” em sua página
pessoal em uma rede social, estando evidente a intenção da querelada em injuriá-lo.
Ademais, a querelada imputou fato ofensivo à honra do querelante, ao afirmar “ele trabalha
todo dia embriagado! No dia 10 do mês passado, ele cambaleava bêbado pelas ruas do Rio,
inclusive, estava tão bêbado no horário do expediente que a empresa em que trabalha teve
que chamar uma ambulância para socorrê-lo!”.
Ademais, importante ressaltar que os crimes ocorreram na Internet, meio que facilita a
divulgação da injúria e da difamação, sendo imperiosa a incidência da causa de aumento do
artigo 141, III, do CP.
Observaçõ es:
a) em queixa-crime, nã o vejo razã o para que o querelante alegue o concurso formal, nos
termos do art. 70 do CP – por isso, citei o dispositivo no modelo acima. No entanto, a FGV,
no XV Exame de Ordem, atribuiu 0,40 à mençã o ao dispositivo. Justo ou nã o, fica a dica:
alegue tudo em sua peça, ainda que pareça absurdo. O que nã o for objeto de pontuaçã o,
será ignorado pelo examinador, e nã o haverá prejuízo à nota. Na OAB, é melhor “pecar”
pelo excesso!
b) Nã o encha muita linguiça em sua argumentaçã o. Nã o há razã o para dizer o quanto
Enrico sofreu. O examinador nã o quer saber! O que importa para ele é a fundamentaçã o
legal (CP, arts. 139, 140 e 141, III) e a expressa mençã o à s teses – no exemplo, a prá tica dos
crimes de injú ria e de difamaçã o e a causa de aumento. Na segunda fase, nã o há como
perder tempo com coisas que nã o valem pontos;
c) nã o é necessá rio transcrever o conteú do de artigos. Basta mencioná -los. No entanto, se
quiser transcrevê-los para melhorar a argumentaçã o, nã o tem problema, mas tenha em
mente que nã o influenciará em nada em sua nota.
III. DO PEDIDO
Diante do exposto, requer:
a) a designação de audiência preliminar ou de conciliação;
b) a citação da querelada;
c) o recebimento da queixa;
d) a oitiva das testemunhas arroladas;
e) a condenação da querelada pelo crime de injúria (CP, art. 140) e pelo crime de difamação
(CP, art. 139), com a causa de aumento de pena (CP, art. 141, III) em concurso formal (CP, art.
79);
f) a fixação de indenização, nos termos do art. 387, IV, do CPP.
Observaçõ es:
a) a queixa-crime é a peça mais difícil em relaçã o aos pedidos. Nas demais, os pedidos sã o
consequência ló gica da argumentaçã o do tó pico “do direito” – se a tese é a falta de justa
causa, pede-se absolviçã o; se é alguma nulidade, a anulaçã o. Na queixa, no entanto, é
preciso lembrar do pedido de recebimento, de citaçã o e de fixaçã o de indenizaçã o. Todos os
pedidos acima foram pontuados pela FGV no XV Exame de Ordem, quando foi pedida
queixa-crime;
b) se quiser falar “ex positis” em vez de “diante do exposto”, ou se quiser escrever
“JUSTIÇA”, “J-U-S-T-I-Ç-A” ou algo do tipo ao final, a escolha é sua. Nã o vale nada, mas, se é
algo que você gosta, coloque em sua peça. Só nã o faça loucura! Em sala de aula, um aluno
perguntou se poderia colocar uma passagem bíblica na peça. Nã o faça isso! A FGV
entenderá como identificaçã o da peça.
Pede deferimento.
Niterói, data.
Advogado …
OAB/… n. ….
Observaçõ es:
a) o “pede deferimento” nã o vale nada. Só coloquei porque é de praxe;
b) cuidado com a identificaçã o da peça! Nã o diga a sua cidade, mas somente “Comarca”,
exceto se o problema trouxer essa informaçã o, hipó tese em que você pode usá -la. Também
nã o invente nome de advogado (ex.: advogado Fulano) ou nú mero de OAB (OAB/___ n.
1234);
c) algumas peças têm prazo para o oferecimento. Fique atento, pois a FGV, nesses casos,
costuma pedir para que a peça seja oferecida no ú ltimo dia de prazo – e sempre há um
quesito de pontuaçã o para isso.

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