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'Os Lusíadas': VIII, 96-99

         Vasco da Gama permanece nas naus e decide não desembarcar, visto que já não confia no ambicioso Catual, pois já o traíra, era muito
ambicioso («cobiçoso»), corrupto («corrompido») e «pouco nobre». Por outro lado, Gama espera vir a descobrir a verdade com o tempo, daí
também a sua decisão.
         Ora, esta referência ao sucedido a Vasco da Gama é o exemplo que serve de ponto de partida para a reflexão do poeta, que adverte, a
partir do verso 5 da estância 96, para o efeito corruptor do dinheiro, que tanto sujeita os ricos como os pobres.
         Na estância 97, o poeta apresenta três casos através dos quais pretende provar a sua tese enunciada na estância anterior, isto é, que
exemplificam o poder negativo dos bens materiais – dinheiro e ouro -, que levam à adoção de atitudes inesperadas.
         O primeiro exemplo refere-se ao rei da Trácia, que assassinou Polidoro, filho de Príamo, rei de Troia, com o único fito de lhe roubar o
ouro. De facto, para o salvar, quando a cidade estava prestes a cair em poder dos Gregos, o rei enviou-o com ouro ao rei da Trácia que,
todavia, se apoderou do ouro e o assassinou.
         O segundo caso refere-se a Dánae, filha de Acrísio, rei de Argos (Grécia), que foi encerrada numa torre para que não procriasse e, deste
modo, fosse anulada uma profecia de um oráculo que anunciou a morte do soberano às mãos de um neto. Porém, Júpiter metamorfoseou-se
em chuva de ouro, introduziu-se na torre e engravidou-a. Desse ato nasceu Perseu, que, concretizando a profecia, assassinou o avô.
         O último exemplo alude a Tarpeia, uma jovem romana que, na esperança de obter anéis de ouro dos Sabinos que sitiavam Roma, lhes
abriu as portas da cidade. No entanto, os inimigos não a pouparam, esmagando-a sob as joias e os escudos, tendo assim ficado soterrada.
         Nas estâncias 98 e 99, o poeta prossegue a enumeração dos efeitos negativos do dinheiro:
a. corrompe o pobre e o rico (estância 96);
b. leva ao assassínio (exemplo do rei da Trácia);
c. conduz à traição (est. 98, v. 1): os soldados rendem-se quando as suas fortalezas ainda se encontram abastecidas;
d. conduz à traição e à falsidade entre os amigos;
e. transforma o mais nobre em vilão (est. 98, vv. 3 a 6): a ambição material pode levar nobres, capitães ou virgens a renderem-se ao seu
poder, mesmo tendo consciência de que a sua honra ficará manchada;
f. corrompe as ciências, os juízes e as consciências, levando-as a agir contra os seus princípios morais e culturais (est. 98, vv. 7-8);
g. distorce / perverte a interpretação dos textos (est. 99, vv. 1-2);
h. manipula as leis e a justiça, que se aplicam arbitrariamente (est. 99, v. 2);
i. fomenta o perjúrio (est. 99, v. 3);
j. fomenta a tirania nos reis (est. 99, v. 4);
k. corrompe os membros do clero, ainda que sob uma capa de virtude.

Em síntese, os vícios provocados pela ambição são os seguintes:


i. a traição (“Faz tredores e falsos os amigos”);
ii. a corrupção (“Este corrompe virginais purezas”);
iii. a arbitrariedade (“Este interpreta mais que subtilmente / Os textos…”);
iv. a mentira / o perjúrio (“Este causa os perjúrios entre a gente”);
v. a tirania (“E mil vezes [hipérbole] tiranos torna os Reis”).

         Relativamente à estrutura interna, é possível identificar dois momentos:


. 1.º momento (est. 96): apresentação da «tese» - o poder corruptivo do dinheiro, a partir do sucedido com Vasco da Gama.
. 2.º momento (est. 97 a 99): os efeitos negativos da ambição pelo dinheiro / ouro.

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