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A TRAJETÓRIA DE APARÍCIO SARAIVA:

UM CAUDILHO EM DOIS TEMPOS

Abordar a trajetória de Aparício Saraiva, o grande líder do Partido Blanco, é distinguir

diferentes momentos de sua trajetória política.

I - A paisagem fronteiriça:

No decorrer da análise documental pode-se constatar que no referente à


inserção do vínculo gaúcho-oriental como tema afeito à área das relações internacionais
este é comprovado à medida que desvendamos a existência de um espaço regional
compartilhado no qual desenvolve-se a ligação bilateral. Aqui , então o internacional e o
interregional têm uma significação regional comum, pois “uma mesma conformação
regional (pode pertencer) a mais de uma nação, e, em tal caso, o protagonismo regional na
configuração de questões internacionais é decisivo".1

Dessa forma, quando apontamos para a bilateralidade do relacionamento


gaúcho-oriental sustentamos que conformou-se uma região na qual se reconhece uma
identidade comum, se bem que subordinada à Estados distintos. Esta conclusão adveio de
um atento processo de investigação e observação de dados, que possibilitou a delimitação
desta área compartilhada desde os primórdios de sua ocupação, pois o que faz esta região
comum não é propriamente o espaço, mas sim a história.

Dessa forma, não pensamos em aceitar o conceito de região como algo


previamente estabelecido, aceito e acabado mas entendemos que o mesmo tem de ser
construído ao longo da análise do processo histórico concreto. Ao procedermos assim,
verificamos que engendrou-se, aqui no sul, um espaço de autodeterminação que só pode
1
HEREDIA, Edmundo. “Una aproximación teorica a los conceptos de nacion y de espacios regionales en la
configuracion de las relaciones internacionales lationoamericanas”. In: CERVO, Amado e Döpcke, Wolfang
(org.). Relações Internacionais dos Países Americanos. Brasília: Linha Gráfica, 1994, p. 09-17.
ser completamente apreendido se levarmos em conta a posição diferenciada do Rio Grande
do Sul em relação ao restante do país, seja por seu modelo econômico, seja pela
peculiaridade de sua fronteira viva em constante movimento. Ora, mesmo na dimensão
meramente conceitual de fronteira, transparece a idéia de integração, embora as tensões, as
divergências e os conflitos das diferentes estruturas de poder sempre fizessem parte deste
contexto.

Dessas interações de conflito e complementaridade nasceram os núcleos


urbanos fronteiriços da região que, devido principalmente à sua função de mediação,
desenvolveram-se aos pares. Surgiu, dessa forma, ao longo da linha de fronteira uma rede
urbana relativamente densa e com núcleos de importância regional, em diferentes escalas.
Na faixa da fronteira atual, por exemplo, situam-se oito municípios brasileiros e cinco
departamentos uruguaios. São eles: Santa Vitória do Palmar, Jaguarão, Erval, Bagé, Dom
Pedrito, Santana do Livramento, Quaraí e Uruguaiana - no Brasil. E os departamentos de
Artigas, Rivera, Cerro Largo, Trinta e Três, e Rocha - no Uruguai.

O ponto de soldagem da fronteira gaúcha-uruguaia são as chamadas cidades-


geminadas, que são bicéfalas em nível administrativo e complementares em nível
econômico, como é o caso de Rivera-Santana do Livramento.

Hoje, por exemplo, dos 3307 quilômetros de limites do Rio Grande do Sul,
1727 são compartilhados com os dois vizinhos do Prata. A Argentina, com 724
quilômetros, e o Uruguai, com 1003 quilômetros. A diferença entre um e outro consiste em
que, enquanto o limite com a Argentina é inteiramente natural, interpondo-se o rio Uruguai,
com a República Uruguaia o limite é do tipo artificial ou convencionado, obedecendo a um
padrão que varia de topográfico, como o da Coxilha de Santana, a geométrico, como
Aceguá. A extensa fronteira internacional do Rio Grande representa mais de 10% do total
das fronteiras do Brasil. Entre as unidades da federação, somente o Estado do Amazonas
tem uma extensão maior que o RS. Todavia, enquanto aquele que é o maior Estado da
União apresenta fronteiras internacionais em sua maior parte quase despovoadas, o Estado
sulino possui as fronteiras mais ocupadas do país.2

Tecidas estas considerações de caráter geral, deteremo-nos na problemática


levantada nesta tese. Já apontamos à existência de uma identidade comum entre Rio Grande
do Sul e Uruguai, que se forja desde o início do processo de ocupação e evolui
paulatinamente. Este espaço comum de trocas comerciais, intercâmbio cultural e mesclas
familiares, no entanto, foi desde cedo permeado pelo eco das contendas políticas daqui, lá,
e de lá, aqui. Bem entendido, o período no qual centramos a nossa análise - 1893/1904 -
não está relacionado a conflitos oficializados entre Brasil e Uruguai, mas, diríamos,
oficiosos. O que ocorre neste período são revoluções de cunho doméstico, de âmbito local,
mas que amparadas nesta área de interação, calcadas historicamente no trânsito bilateral,
transformam-se praticamente em acontecimentos de caráter internacional.

É assim com a Revolução Federalista de 1893, no Rio Grande do Sul, quando


os federalistas perseguidos pelo governo gaúcho, fazem, por assim dizer, do Uruguai seu
quartel general e, mais ainda, cooptam para a luta renomados caudilhos orientais.

Da mesma forma, na Revolução de 1897, no Uruguai, os blancos procurarão


apoio militar e estratégico no Rio Grande do Sul, entabulando negociações não somente
com seus antigos aliados federalistas mas, também, contando com o apoio do governo
gaúcho.

O último período analisado será o da Revolução de 1904,também no Uruguai, e


que evidencia mais uma vez a extensão dos trâmites entre orientais e gaúchos.

Em todas estas três ocasiões evidenciou-se que a estabilidade política interna


tanto do Uruguai quanto do Rio Grande do Sul, entre outras variáveis, também estava
condicionada ao rumo tomado pelas contendas revolucionárias regionais.

2
Sobre o assunto ver: MOREIRA, Igor e COSTA, Rogério. Espaço e Sociedade no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1986.
II – O GRANDE ENSAIO

O Uruguai , assim como o Rio Grande do Sul deste momento , está longe de gozar de uma

unanimidade política. Os desacertos entre blancos e colorados são muitos . Aliás , nem

mesmo o Partido Blanco é coeso , haja vista as divisões internas as quais desenham um

quadro onde de um lado colocam-se os doutores da capital e , de outro , os caudilhos , da

campanha - tema que será objeto de análie mais acurada no próximo item .

Neste sentido , não haveria de ser um " erro colossal " a pretensão de servir-se

das divisões políticas dos orientais . Os federalistas ,por exemplo , apesar de manterem

boas relações com os colorados , levarão para lutar ao seu lado os caudilhos blancos e

utilizarão os departamentos do norte como verdadeiro quartel general para suas operações

de guerra . Os blancos , por sua vez , promovem um verdadeiro ensaio para os movimentos

de contestação do poder colorado que seriam futuramente desencadeados .Dessa forma ,

pode-se concluir que as divisões internas existentes na República serão , sim , exploradas

pelos revolucionários gaúchos . A um tempo pelos federalistas , a outro , pelos castilhistas .

Por seu turno , o governo oriental , colorado , tem consciência de que a oposição blanca não

está morta , apenas adormecida e que as conturbações no país vizinho poderiam despertar-

lhe os ímpetos .
O expediente não será puramente circunstancial , visto que será repetido em 1897

e também em 1904 , quando o governo rio-grandense emprestará auxílio aos

revolucionários blancos em troca de reciprocidade futura contra um suposto levante

federalista que pusesse em risco a estabilidade do PRR .

Fazendo uma outra leitura sobre a argumentação do jornal uruguaio , desta vez

não em termos dos interesses especificamente do Rio Grande , mas em termos das

pretensões do Brasil , como país , poderíamos entrever nas palavras "intenções

politicamente ambiciosas " o ressurgimento do velho fantasma do domínio brasileiro

sobre o Uruguai , numa gradação que variaria de uma pressão política até uma possível

anexação do território limítrofe .Esta discussão será temática constante ,tanto do discurso

oficial , quanto das notícias veiculadas pela imprensa de ambos os países , indicando , que ,

ao menos ,no imaginário da época teve fundamento e repercussão apreciáveis . À ela

dedicaremos parte especial no decorrer deste trabalho .

Por último , e ao nível das cogitações ,pois não possuímos elementos que o

comprovem , inferimos que quando há referência ao fato de o governo rio-grandense saber

que "não seria tão fácil fazer tudo o que dizem e muito menos tudo o que desejam "

possa estar implícita a idéia de que , caso o Uruguai fosse de fato ameaçado na sua

soberania , a Argentina estaria pronta para interferir em seu auxílio . Ora , este é um

momento extremamente inconveniente para o Brasil envolver-se em qualquer atrito

internacional , ademais com um país limítrofe . As circunstâncias de uma República ainda

não consolidada , ameaçada por conflagrações estaduais , pelo trabalho sistemático dos

monarquistas que achavam possível a restauração ( ver Janotti, Maria de Lourdes M. .Os
subversivos da República , SP,Brasiliense, 1986 ) e por cisões no seu aparelho militar( em

1894 eclodiaria a Revolta da Armada , uma reação da Marinha ao predomínio político do

Exército ,personificado na figura de Floriano Peixoto .), não recomendavam o

envolvimento em nenhuma questão internacional .O agravante de um incidente com os

vizinhos do Prata centrava-se no fato de que a conflagração do estado gaúcho enfraqueceria

sobejamente uma articulação defensiva naquele estado que ,por imposição de sua condição

fronteiriçam seria a sede de uma movimentação político-militar.

2.3 - A Gestação da Revolução de 1893 nos Departamentos


Blancos do Norte Uruguaio

Ficou evidenciado , até o momento , que , apesar de estarmos constantemente

referindo-nos ao Rio Grande do Sul e ao Uruguai de forma generalizada , estamos

privilegiando a análise do relacionamento bilateral a partir de duas instâncias : primeiro , a

oficial - ou seja aquela que é evidenciada principalmente através da correspondência entre

os respectivos governos , Porto Alegre -Montevideú , e também Porto Alegre - Rio de

Janeiro e Rio de Janeiro- Montevidéu .Em segundo , a instância que diz respeito ao local

onde a tensão revolucionária pode ser melhor percebida , isto é , a área de fronteira .

Feitas estas observações temos a dizer que ao interlocutor não passaria

despercebida a diversidade econômica, social e cultural existente tanto no território rio-


grandense , quanto uruguaio . Outras regiões do Rio Grande , como a Serra e o Litoral

apesar de também sofrerem os efeitos da contenda que se instala em 1893 , terão um

envolvimento menos direto com ela . Da mesma forma ocorre no Uruguai ,onde os

departamentos do norte serão o palco principal das agitações federalistas e sentirão de

perto o efeito das alianças contraídas entre os caudilhos locais e os revolucionários de

Silveira Martins .

Compreenderemos melhor este fato se situarmos os departamentos do norte

uruguaio , os departamentos blancos , no contexto sócio- político uruguaio .

A partir de 1868 , quando é eleito para a presidência da república o General

Lorenzo Batlle ,produz-se uma mudança na fisionomia politica do Uruguai . Convencido a

governar com seu partido - o colorado - Batlle excluiu as possibilidades de participação

aos blancos. Estes , expulsos do poder pela violência da revolução de Venâncio Flores ,

apoiado pelo Brasil ,manter-se-iam em abstenção política , sem reconhecer a legitimidade

das eleições consideradas fraudulentas . O número de emigrados blancos espalhados pelos

departamentos da província de Entre Rios era bastante significativo , falando-e em mais ou

menos 5.000.

( Washington Reys Abadie . Historia del Partido Nacional . Montevideo , EBO ,1989 .)
Em 1870 , reunidos em Concórdia , os emigrados subscrevem uma Ata de

Compromisso , pela qual reconheciam o coronel Timoteo Aparicio como comandante do

Exército da reação, que defenderia a bandeira blanca .A Revolução de las Lanzas , como

ficou conhecido o movimento insurreicional , estendeu-se de março de 1870 a abril de

1872, e congregou a 16.000 combatentes. Provocou enormes prejuízos à campanha , aos

estancieiros e aos comerciantes , praticamente imobilizando os negócios no campo .

Durante mais esse período no qual o Uruguai conheceu o drama da guerra civil, as classes

produtoras queixavam-se do roubo das cavalhadas e boiadas , da leva de peões , da

destruição dos ovinos de raça ,do consumo indiscriminado dos bandos , da falta de

comunicação com a campanha e da paralização das atividades de exportação e

importação . Os estrangeiros pediam a seus respectivos governos que o Uruguai fosse

pacificado ; os brasileiros, em particular , exigiam a intervenção imperial em nome de seus

interesses radicados no país , ameaçados pela destruição e ruína . ( Abadie ,idem , p 68 )

Após dois anos de embates entre colorados e blancos , assina-se o tratado que

reconciliava os bandos orientais. Constituído por sete artigos , o mais importante para os

blancos viria a ser não a letra do tratado , mas sim , um acordo verbal através do qual o

Governo comprometia-se a conceder quatro Chefaturas Políticas e de Polícia ao Partido

Blanco . Isso permitiria-lhes assegurar sua representação nas Câmaras Legislativas . As

chefaturas foram designadas para as localidades de San José , Florida, Cerro Largo e

Canelones .
Essa nova etapa da vida política do país, que ficou conhecida como o regime de

cooparticipação , alterou a situação criada pela Constituição de 1830 que outorgava todo o

controle do Estado ao presidente da República . A transação entre o Partido Blanco e o

Partido Colorado - entre a campanha e a cidade-porto-, representava uma chance de os

blancos gozarem de representação política e de obter um certo grau de autonomia local, tão

caro aos seus líderes .Constituindo-se titulares dos departamentos , os blancos logravam

garantia de eleições livres nessas jurisdições e , como eram maioria , vitória .Além disso ,

reservavam para o Partido a ocupação das câmaras legislativas ,que , de zcordo com o

sistema eleitoral então vigente , assegurava-lhes oito Representantes - pois o departamento

de San José abarcava o de Flores ,Canelones ,Florida e o de Cerro Largo compreendia o de

Treinta y Tres - e quatro Senadores . A cooparticipação convertia-se , desse modo , na base

da concórdia civil , transformada em convenção escrita em 1875 .

A década de oitenta encontraria o Partido Blanco seccionado em dois núcleos :

aqueles que ,seguindo o tom dos principistas , defendiam uma reorganização partidária

baseada na depuração do partido através das idéias e princípios, em lugar das três

coordenadas aceitas desde a época de Oribe - ordem,autoridade e nacionalismo ; e outros ,

tidos como tradicionalistas. A nova face do partido seria resumida na existência de uma ala

constituída pelos doutores e principistas da cidade-porto , e noutra formada pelos

caudilhos da campanha - os chamados pelucones .

Em 1890 , é eleito para a presidência da República Julio Herrera y Obes ,

consolidando o domínio do Partido Colorado num regime de extrema concentração de


poder .Herrera , contrariando as promessas feitas por ocasião de sua candidatura , além de

não ampliar a cooparticipação do Partido Blanco ,concede apenas três Chefaturas Políticas

aos nacionalistas - inferior ao acordo selado em 1872.

Sem uma liderança firme , desde a morte de Timoteo Aparicio , em 1882 , as

massas populares blancas permaneciam afastadas da vida política , em uma uma fase de

perda de influência a qual os doutores da cidade não conseguiram contornar.As eleições

gerais de 1893 são uma prova da cisão partidária : uma parte do partido proclamou a

abstenção , alegando falta de garantias ; enquanto a outra , que havia acompanhado a gestão

de Herrera y Obes , participou do ato eleitoral .

Será nesse âmbito que se destacará a figura do caudilho Aparício Saraiva . No

entanto , não só em razão da crise interna que enfraquecia o Partido Blanco , mas

igualmente pelas condições sociais e econômicas vigentes na campanha à época , Saraiva

crescerá em prestígio , tornando-se inquestionável sua liderança junto aos blancos .

Já referimos anteriormente ( ver página), que a campanha rio-grandense

enfrentou uma fase de expulsão do gaúcho das propriedades e de seu conseqüente

empobrecimento, devido não a um processo de descenso econômico , mas ao contrário ,

resultado da modernização tecnológica que atinge o campo . Na campanha oriental não será

muito diferente . Grandes e profundas eram as transformações que alcançavam o campo

trasladadas de Montevidéu . Curiosamente , a cidade ditaria a mudança na organização

produtiva da campanha .
Os estancieiros , que agregavam em suas propriedades indivíduos sem uma

ocupação definida que acabavam convivendo com a peonada regular e mesmo com os

familiares do patrão , irão , pouco a pouco , absorvendo métodos mais modernos de

administração , formas mais cuidadosas de contabilidade , que irão transformar

radicalmente este estilo de vida crioula , condenada a desaparecer diante do avanço das

modernas formas de produção .

O advento dos frigoríficos , por exemplo , permitirá que o estancieiro coloque

toda sua produção no mercado , reduzindo o montante que antes sobrava e era consumido

na propriedade . Ao mesmo tempo em que a estância transforma-se em uma verdadeira

empresa de produção para o mercado , cresceria a miséria das massas rurais .

É fato que o Uruguai modificou-se muito desde os anos posteriores à Guerra

Grande . As décadas de 1880-1890 apresentaram mudanças muito significativas ,

principalmente em termos de crescimento demográfico . A população que , na década de

1850 era contabilizada em cerca de 130.000 habitantes, alcançava , em finais do século

XIX , quase um milhão .As causas deste boom populacional podem ser atribuídas a vários

fatores , entre eles o alto crescimento vegetativo e os elevados índices de emigração . A


abundância de alimentos em um país que os produzia e não colocava-os em sua totalidade

no mercado mundial, particularmente a carne , e também os aperfeiçoamentos sanitários

contribuíram para a rápida elevação do contingente populacional.

Em termos econômicos , o país seguia exportando carne de gado , em forma de

charque , ao Brasil e Cuba ; a novidade viria ser a exploração de ovinos , principalmente

em função do valor adquirido pela lã no mercado têxtil . O desenvolvimento do setor

financeiro teve tal importância , que acabaria equiparando-se em influência com os

grandes proprietários de terras.Colaborando para essa prosperidade econômica estavam as

ferrovias , inexistentes ainda na década de 1860 , mas plenamente implantadas entre 1884

e 1892.

Ao lado deste processo de modernização econômica , como já referimos ,

adveio uma séria crise que atingiu a campanha em proporção maior , pois atrás da

modernidade ocultavam-se tremendos desajustes . Desenvolvimentos econômicos desiguais

de uma região para outra, do litoral ao norte fronteiriço; esplendor pecuário junto ao

raquitismo agrícola e industrial; riquezas enormes para os estancieiros e empobrecimento

cada vez mais agudo da população rural trabalhadora . ( ver Barran-Nahum . Historia

Social de las Revoluciones de 1897 e 1904)

A paulatina desocupação a que estará condenado o pobrerio rural terá origem na

adoção de novas técnicas de produção como ,por exemplo, o cercamento das propriedades

que passaria a exigir um número cada vez menor de peões para controlar o gado ; a

introdução da máquina de tosquiar , que facilitava a tarefa e reduzia o tempo necessário à


ela - diminuindo em 50% a mão-de-obra antes ocupada ; a utilização dos bretes , que

simplificaram as atividades de marcar,castrar,descornar ,classificar-que entre as atividades

da estância mais pessoal requeriam . O considerável aumento das linhas férreas também

contribuiu para abortar a ocupação da peonada , uma vez que suprime , em parte , a

carreta,a diligência e a tropa de gado - atividades típicas daquela gente .

Em 1879 , Federico E. Balparda , membro da Associación Rural , já

vislumbrava as conseqüências da introdução dos novos métodos , particularmente o do

cercamento . Dizia ele:

" Cada estância que se cerca , representa 10, 15 ou

20 indivíduos ou famílias que ficam na miséria,

sem outro horizonte do que uma vida incerta ,

degradada pelo servilismo do que tem que implorar

a caridade para viver , e alentando em seu coração

ódios para essas cercas , causa de seu terrível estado;

que quiseram ver destruídos , e que como única es-

perança alentam a risonha perspectiva de uma revo -

lução que lhes permita a destruição de todas elas.

Nesse caminho vamos ... "

( Revista de la Associación Rural del Uruguai,

15/10/1879 . p 418-419 )
A modernização , por paradoxal que possa parecer à primeira vista, deixava

atrás de si um contingente de peões ociosos que não encontrariam acolhida nem nas

atividades agrícolas pouco desenvolvidas e nem nos centros urbanos, visto que neles a

industrialização ainda era um tanto incipiente . As pretensas melhorias , dessa forma ,

beneficiaram apenas os grandes proprietários , deixando a peonada jogada à sua própria

sorte . Em uma comparação entre antes e após estas transformações , o texto que segue

abaixo é bem ilustrativo :

" O desenvolvimento da indústria frigorífica permitiu

aos estancieiros colocar no mercado a totalidade de

sua produção e conseqüentemente vão modificar-se

os métodos de produção pecuária e as relações sociais

neles fundadas . Até este momento os estancieiros ha -

viam levado descuidadamente a contabilidade de suas

fazendas e a administração de seus estabelecimentos.

Sua proverbial hospitalidade e generosidade valeram

às estâncias o epíteto de patriarcais . Nas tranqueras

de algumas delas suspendia-se uma rês para que se

servissem os transeuntes .Multidões de indivíduos de

ambos os sexos hospedavam-se nas estâncias , a título

de agregados , sem uma ocupação definida , formando,

assim , junto às peonadas regulares e aos familiares do

patrão um amorfo conjunto de convívio. Mais que uma


empresa econômica, a estância ers uma comunidade de

vida , a cuja frente o estancieiro assumia contornos

mais próprios de chefe ou de patriarca do que de patrão

propriamente dito. A vida do paisano era fácil , então,

pela hospitalidade que recebia o vagabundo e porque

proviam o seu sustento a multidão de gado que pasta-

vam longe do cuidado dos peões, reses alçadas ou

chimarrona que perambulavam pelas vastas pradarias

sem cercas . Tudo isto vai mudar radicalmente . "

( Washington Reyes ABADIE . História do Partido

Nacional . Montevideo,EBO ,1989 )

As transformações ocorridas nas estâncias serão responsáveis pelo crescimento

da miséria da classe trabalhadora rural , que será confinada ao pueblo de las ratas ,tal eram

as condições a que estavam submetidos em sua maioria .

Esta conjuntura será mais perceptível naqueles departamentos onde prevalecia a

criação de gado vacum , cuja demanda por mão-de-obra era bastante inferior àquela da lida

com o gado lanar. Entre os anos de 1891 e 1892 , em Cerro Largo, deparatamento onde

predominava o vacum, havia um peão para cada 1.054 hectáres ; já em Soriano , com

abundância de lanares , a porcentagem era de um peão para cada 664 . Um estancieiro do


departamento de Treinta y Três , ocupava duas vezes e meia menos mão-de-obra do que um

em Flores . Como se percebe , os departamentos do norte , nos quais a criação era

predominantemente vacum , foram os mais atingidos no processo de pauperização da classe

trabalhadora rural :Artigas, Salto,Tacuarembó,Cerro Largo,Rivera , Treinta y Três e

Paysandú , quase todos no norte e fronteiriços , âmbito do latifúndio tradicional.

Ao ser expulso das estâncias à peonada não restava muitas alternativas de

ocupação . As mulheres ocupavam-se de serviços domésticos nas fazendas e povoados do

interior como lavadeiras, cozinheiras e mucamas. Este ,porém era um mercado cuja oferta

de trabalho superava em muito a demanda , tendo de ser muito disputado. Aos homens

cabiam tarefas sazonais , trabalhos temporários , como a safra, nos departamentos

agrícolas , ou a tosquia , nos departamentos de criação . O aumento da pobreza determinou

que esta classe optasse por atividades ilícitas ,como a prostituição , o jogo e o

contrabando , secularmente vigente nesta zona fronteiriça.

Como última opção de trabalho aparecia o engajamento nos corpos da polícia ou

do exército . O soldo , no entanto era muito baixo e além do mais praticamente nominal,

uma vez que de antemão ficavam comprometidos com a alimentação e a moradia,

descontadas pelo governo ; isso sem citar o fato de que eram pagos com atrasos de três e até

quatro meses .Este era o último recurso ao qual lançava-se mão, após o fracasso das outras

escassas opções.
Ao apresentarmos este quadro de empobrecimento das peonadas e de seu desejo

de derrubar as cercas que lhes tomava a oportunidade de colocação nas estâncias , não

queremos dizer que as guerras civis das quais estamos tratando - 1893,1897 e 1904 -

tenham tido objetivos sociais . Tratou-se sim , de movimentos inter-oligárquicos e que ,

em nenhum momento pretenderam desalojar a classe que estava no poder . Tratava-se , sim

de substituí-la por outra fração da mesma classe e , para isso , o pobrerio disponível em

face das circunstâncias , engrossou as fileiras revolucionárias, participando como bucha de

canhão , numa luta que se não era a deles , lhes proporcionou aire limpio y tripa gorda,

como eles próprios referiam-se . Com isso , não estamos descartando a existência de um

significativo conteúdo emocional de adesão à divisa blanca , não mensurável , porém

característico das relações que se estabelecem na política da zona fronteiriça, cujo cunho

individual e afetivo é fato .

O fato de os federalistas traçarem suas estratégias de guerra , municiarem-se e

servirem-se de homens para seus exércitos em solo oriental , não foi possibilitado,

exclusivamente, pelas condições sócio-econômicas daquela região . O Uruguai de então ,

possuía , na verdade , duas instâncias governamentais paralelas: a de Montevidéu , nas

mãos do Partido Colorado ; e a de Cerrito , do Partido Blanco , cujo líder vinha a ser

Aparício Saraiva . Dizia-se , inclusive , que

2.4 - Os Anos de Guerra na Perspectiva da Tensão Internacional


Até este momento , procuramos evidenciar o caráter de interconexão que

historicamente se estabeleceu entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai , notadamente entre a

chamada zona de fronteira , a qual já nos referimos . Do mesmo modo , percebemos que

durante os períodos de convulsão revolucionária , seja de um lado ou de outro da fronteira ,

o interrelacionamento gaúcho-oriental pode ser percebido em uma dimensão ainda mais

significativa . O rasgo temporal que compreende a Revolução Federalista não será

diferente em termos da imbricação bilateral , no entanto , apresentará uma particularidade :

em nenhum momento anterior as ligações de um grupo de rio-grandenses com uma facção

de uruguaios causou tamanho constrangimento internacional ou gerou crise tão

significativa no relacionamento diplomático . À diferença deste momento foi marcada por

um fato inusitado em termos das relações Brasil-Uruguai , configurado pela relativa

autonomia com a qual o governo rio-grandense encaminhou o diálogo com o governo

estabelecido em Montevidéu ,o qual consistiu em uma verdadeira diplomacia marginal .

III – O Partido Blanco na década de 1890

A eleição de Julio Herrera y Obes para a presidência da República , em março de

1890 , constituiria um duplo marco para a vida política do Uruguai . Primeiro , porque

reintegraria o elemento civil ao cargo de primeiro mandatário do país ; segundo , porque

sua linha de governo traria obstáculos quanto à efetivação do regime de co-participação

que garantia ao Partido Blanco o domínio sobre alguns departamentos . Em decorrência


disso , a oposição blanca retomaria uma tradição que parecia ter sido encerrada em 1872 ,

com a Paz de Abril , e que se configurava no apelo à revolução .

A organização do governo de Herrera y Obes foi pautada , inicialmente , por

suas promessas de campanha que incluíam a participação dos partidos no ministério .

Dessa maneira , os ministérios de Governo , Relações Exteriores e Guerra ficaram com o

Partido Colorado ,respectivamente com Alberto Capurro, Blas Vidal e o general José

Villar . Ao Partido Blanco , agora designado como Nacionalista , reservou-se o ministério

da Justiça,Culto e Instrução Pública para Carlos Berro . E ao Partido Constitucional , coube

o ministério da Fazenda com Carlos M. de Pena .

O mesmo cuidado não foi tomado em relação às chefaturas que ,por força do

pacto de 1872 , deveriam ser entregues aos blancos . Ao invés das quatro acordadas ,

Herrera y Obes confiou aos nacionalistas apenas as de Cerro Largo , Treinta y Tres e

Flores,diminuindo , dessa forma , o grau de participação e representação blanca na política

do país diminuía sensivelmente. E, mais grave do isso , era o fato de que Flores e Treinta

y Tres não eram mais do que complementos dos departamentos de San José e Cerro

Largo . O Partido Blanco não pleiteva somente alguma ingerência no poder , mas que essa
fosse "decorosa , que guarde relação entre o que se concede e o que representa o partido ".

(nota: La Epoca - 22/03/1890 )Uma vez ignorados os termos originais do regime de co-

participação e considerando a política extremamente centralizadora do presidente

Herrera , aos blancos não restaria outra solução que não fosse dada pela via

revolucionária .

Após a organização inicial da máquina governamental, Herrera quis impor uma

política seletiva , convencido de que o povo não tinha aptidões suficientes para gerir o

processo político-eleitoral. De acordo com suas próprias palavras , considerava que "é
inquestionável que o governo tem e terá sempre e é necessário e conveniente que a tenha ,

uma poderosa e legítima influência na designação dos candidatos ao partido governante, e

então do que se poderá acusá-lo é do bom ou mal uso que faça dessa influência diretriz ,

mas não de que a exerça , e muito menos poderá dizer-se racionalmente que o exercício

dessa faculdade importe despojar do direito eleitoral dos cidadãos " ( nota: Washington

Reyes Abadie. Julio Herrera y Obes.El Primer Jefe Civil . Montevideo ,EBO , 1977 . )

A doutrina consubstanciada na "influência diretriz ", transformava o Presidente

no condutor do processo eleitoral , responsável por todas as suas coordenadas . Uma

postura elitista , típica do temor que a classe política tinha do ingresso das camadas médias

e do proletariado na política nacional .Pela sua ótica , a política configurava uma atividade

reservada a uma elite culta urbana. Lutaram contra o militarismo e continuariam

combatendo um inimigo histórico , o caudilhismo .

A postura de Herrera y Obes não descontetou apenas os partidos adversários ,

mas também causou fissuras dentro das hostes coloradas. Elementos como José Batlle y

Ordoñez , redator do diário El Dia , passou a questionar o aristocratismo de Herrera,

propondo estabelecer a democracia dentro do próprio partido , conclamando a participar


das eleições internas e da confecção do programa partidário todos os simpatizantes do

coloradismo . Mais afim com sua época , Batlle antecipava-se na incorparação dos novos

setores sociais que já não podiam permanecer à margem da política nacional .

O Partido Nacional atravessava um momento difícil. Após a morte de Timoteo

Aparicio - o caudilho que dava entusiasmo à massa partidária - passou à direção do

partido a ala doutoral urbana , sendo que esta também encontrava-se dividida .
Por ocasião das eleições de 1890 , o Partido Nacional rompeu sua já precária

unidade, dividindo-se em dois grupos . O grupo de Juan José de Herrera adotou a prática da

abstenção, justificando-a através de um manisfesto que , entre outras coisas , referia-se às

condições de opressão nas quais estrutura-se o regime eleitoral :

" Registros cívicos formados a capricho, inscrições

fraudulentas admitidas como lícitas quando favo-

reciam a parcialidade oficial; inscriçõs estritamente

legais tachadas por ilícitas e como tais atendidas

pela autoridade quando o inscrito era conceituado

como adverso ao oficialismo; inscrição ,por milhares

multiplicada ,das forças militares e policiais ; cédulas

com nomes próprios falsos comercializadas ; má

gestão dos dinheiros do estado ; e logo para pôr-se

ao abrigo de todo mal êxito possível e conservar o

supremo direito das adulterações de última hora ,

juntas eleitorais e comissões escrutinadoras de doci -


lidade assegurada; e por último a reserva que , em seu

proveito foi dado ao poder governativo da faculdade

da revisão duvidosa do escrutínio . " (nota: Pivel Devoto

Historia de los Partidos Politicos en el Uruguay .Monte-

video ,Câmara dos Representantes , 1994 , p 431)


Os blancos , ou então nacionalistas, advogavam que diante desse caos eleitoral nada

mais restava-lhes que não fosse o caminho da abstenção , uma vez que não podiam

compactuar com tais práticas fraudulentas que apenas visavam a perpetuação do partido

que exercia o poder . Responsabilizavam o procedimento eleitoral de criar um estado de

"barbarismo político " , ao qual não estavam dispostos a aderir .

O segundo grupo no qual se dividia o Partido Nacionalista era inspirado por

Martín Aguirre e inclinava-se a concorrer aos comícios mesmo que fosse para votar em

cidadãos que não pertencessem ao partido,mostrando-se disposto a uma colaboração que

tornasse possível a evolução dos partidos políticos ,destituindo-os de seu caráter passional .

As eleições foram totalmente influenciadas pela abstenção e , para se ter uma

idéia , de seções onde votavam 1.000 inscritos, compareceram 150 pessoas . O Partido

Nacional considerando a impureza do processo eleitoral não reconhecia a representação da

futura legislatura ; contudo , admitia que a abstenção não poderia se converter em uma

prática normal no futuro . A partir daí seguir-se-ia um período de acalorados debates a

respeito da reforma política.

Em 1891 , o Partido Nacional acertaria uma série de resoluções , a fim de

modificar sua condição de ostracismo e falta de atrativo político na qual estava imerso .

Entre maio e junho realizaram-se Convenções e delas emanaram alterações

importantesno programa do partido.Passaram a constar pontos como a coexistência dos

partidos políticos que deveria ser pautada pelo gozo de absoluta igualdade e direitos . Sem

isso , os nacionalistas entendiam ser impossível desarmar os partidos de uma maneira

durável .Para alcançar esses resultados proclamavam necessário conscientizar o povo da


necessidade de uma reforma no regime legal governativo e administrativo - já que este

desconhecia a igualdade de condições para o exercício dos direitos cívicos .

Os nacionalistas retomavam algumas propostas de 1872 , como , por exemplo , a

reforma radical nos distritos ou circunscrições eleitorais e a adoção de um sistema de

representação das minorias . Nesse ponto chegava-se ao nó górdio : o fundamento das

reivindicações nacionalistas era o antigo desejo de autonomia departamental para a

condução do processo eleitoral , por muitas vezes pleiteada pelos blancos . Outras

proposições estiveram na pauta de discussões , em sua maioria referindo-se à purificação

e lisura do processo político-eleitoral .

Mélian Lafinur , contemporâneo da época , redige uma obra na qual aponta a

diferença entre blancos e colorados neste momento . O tribuno blanco dizia o seguinte :

" O que distingue um blanco de um colorado ?

(...)

A diferença consiste em que os blancos tem


praticado a Constituição , e os colorados a

tem feito migalhas a balaços . Em que os blancos

querem o reinado da Constituição e aos colora-

se lhes dá bredo da coisa . Em que os blancos

são os que fazem revoluções como a de Aparício,

e os colorados os que sustentam governos como

os de Batlle.Em que os blancos são os que se sa -

crificam (...) pela liberdade de sufrá-

gio , e os colorados , os que os assassinam acre-


ditando assassinar em suas pessoas essa mesma

liberdade de sufrágio. (...)

Em que os blancos têm praticado a moralidade

administrativa, e os colorados não têm administrado

jamais devidamente . Em que os blancos reclamam

e desejam hoje boas administrações , e os colorados

estão muito conformes com as suas que apesar de

seus escândalos justificam e sancionam com sua

aprovação e seu concurso .

Em que os blancos querem governo de instituições,

e os colorados encontram-se muito tranqüilos e

muito bem conversados com seus governos absolu-

tos . (...) " ( nota : MÉLIAN LAFINUR, Guillermo.

Los Partidos de la Republica Oriental del Uruguay.

Buenos Aires , Félix Lajouane ,1893 , p 603/604)

O discurso de Lafinur soava como um grande desabafo diante do monopólio

político exercido pelos colorados na presidência da República com sua administação

restritiva . Mais ainda, sabiam os blancos , sem perspectiva de uma mudança pela via

eleitoral . Aos blancos - nacionalistas restaria a mesma via da qual os federalistas gaúchos

faziam uso naquele mesmo momento : a revolução .

Guardadas as proporções , pode-se dizer que os federalistas , em 1893 ,

abriram um ciclo revolucionário que , apesar de não convergir à mesma causa ,

singularizava-se em um ponto de confluência comum. Este residia não somente no fato de


blancos e federalistas partilharem a zona de fronteira, quer no eu significado econômico ou

estratégico , mas sim na questão de que , da mesma maneira que a oposição federalista não

tinha como manifestar-se devido à hermética estrutura política-repressiva firmada pelo

castilhismo , também os blancos encontravam-se imobilizados em função da manipulação

política-eleitoral realizada pelo governo colorado .

Superior à existência de motivações comuns, quer fosse interesses econômicos

ou um programa político ideologicamente similar , foi o apelo à violência revolucionária

que representou o papel de liame unificador entre os federalistas de Gaspar Silveira

Martins , em 1893 , e os blancos de Aparício Saraiva , em 1897 e depois em 1904 . Não

tratava-se tão somente de um assalto ao poder , mas o mote dessas revoluções é o dilema

centrado na impossibilidade da disputa política . Ora , se tomarmos o caso gaúcho veremos

um governo despótico que se adonou do poder através de um golpe , em 1892 , e , a partir

daí desencadeia uma perseguição sem trégua à oposição . Por sua vez , a situação uruguaia

dizia respeito a um país dividido praticamente em dois grandes feudos . O governo de

Cerrito , instalado no departamento de Cerro Largo , representativo dos interesses da

campanha ; e o governo instalado em Montevidéu , ao redor do qual gravitavam os

negócios da cidade-porto .

Entendemos que aquilo que distinguia uma situação da outra, e por isso o

levante federalista toma proporções mais significativas que a guerra travada pelos blancos ,

era o fato de que, desde 1872 vigorava o regime de co-participação . Ao firmarem este

acordo , que encerrou o que se pensava ter sido o último levante blanco , Las Lanzas , os

blancos anuiram à divisão político-administrativa do país . A campanha era blanca . O

restante do país , colorado .


O correr dos fatos mostraria , contudo , o desgaste da fórmula adotada . O

presidente da República , escolhido no núcleo do coloradismo , apertaria cada vez mais o

nó que impedia à oposição de penetrar no reduto das decisões . Mais grave do que isso :

quebraria o pacto firmado em 1872 , entregando à administração blanca somente três

departamentos ao invés dos quatro acordados na Paz de Abril .

A atitude de Herrera y Obes agravaria a onda de insatisfação que atingia o

Partido Blanco , melhor dizendo , a ala tradicionalista do partido , capitaneada que seria por

Aparício Saraiva . O caudilho representaria a liderança personalista desaparecida desde a

morte de Timoteo Aparício .O fenômeno caudilhista , aletargado sob a férrea condução de

Latorre, não estava aniquilado , voltando a atrair a massa de despossuídos,cuja

representação irregular seria exercida pelos caudilhos . A partir de 1891 , quando se criou a

Comissão Militar do Partido Nacional, com o objetivo de desvanecer os antagonismos entre

os elementos civis e caudilhescos, os blancos da campanha converteriam-se em milícia

disposta à revolução . Se nesse momento ainda faltava o caudilho de dimensão nacional , a

atuação de Aparício Saraiva na guerra civil gaúcha , de 1893, seria o grande ensaio que o

preparia para liderar os entreveros de 1897 e 1904 em seu próprio país .

( nota : ver MENA SEGARRA , Enrique . Aparicio Saravia - el ultimo caudillo .


Montevideo , Librosur ,1984 , p 18 ss)

3.3.1 - Reformismo Eleitoral

O sistema eleitoral então vigente no Uruguai era aquele estabelecido pela lei de

1830 , que obrigava efetivamente aos partidos submeterem-se a uma severa militarização a

fim de somar o maior número de votos em favor de uma mesma lista . Isto acabava por
desvirtuar a natureza do sufrágio e também das coalizões , já que estas ocorriam , na

prática , mediante as listas mistas ou cruzadas nas quais figuravam candidatos dos distintos

partidos em número proporcional às forças que se atribuía a cada um .

A discussão sobre a necessidade da reforma eleitoral vinha desde a década de 1870

. Porém , na vigência dos governos militares não foi possível levá-la adiante , somente

sendo retomada após 1886 .

Foi por ocasião das eleições de 1887 que se investiu de forma mais contundente

contra o sistema eleitoral estabelecido pela lei de 1830 , que consagrava o predomínio

absoluto das maiorias.

Em 1889 , o Dr. Carlos Berro apresentou à Câmara dos Representantes , da qual fazia

parte , um projeto que contemplava praticamente todos os aspectos do problema eleitoral :

Registro Cívico ,organização de eleições e sistema eleitoral a aplicar-se para a adjudicação

dos cargos. O projeto de Berro emperrou na Comissão de Legislação , encarregada de

analisá-lo e emitir seu parecer . Possivelmente , a causa tenha residido no teor do artigo 74

que previa o seguinte : " Serão proclamados Representantes ou suplentes , os que

obtiverem maioria de sufrágios para os cargos , até completar o número integral dos que
corresponda eleger a cada departamento . " Até aí não se modificava muita coisa em

relação à lei de 1830 . Porém , no projeto de Berro a Junta Eleitoral que nomearia as

Comissões encarregadas de formar o Registro Cívico, renovado a cada três anos , Os

Jurados de Qualificação e as Comissões Receptoras de votos , seriam nomeadas por uma

corporação chamada " Junta de Maiores Contribuintes " , que constituir-se-ia em todos os

departamentos pelos quarenta cidadãos que pagassem a maior contribuição imobiliária e de

patentes e impostos municipais ,tomados em conjunto . De acordo com essa fórmula , o

Presidente da República perderia o controle sobre as eleições departamentais.


Diante das pressões advindas dos partidos , Herrera y Obes , por decreto de 17

de julho de 1891 , criou uma Comissão de Reforma Eleitoral , encarregada de

examinar,entre vários outros, os seguintes pontos : o caráter do Registro Cívico -

permanente ou renovável por completo a cada período eleitoral - ; a forma como deveriam

ser feitas as inscrições - a domicílio ou comparecimento pessoal e espontâneo dos cidadãos

- e mediante apresentação de certidão de batismo ou de nacionalidade ; sobre o local das

isncrições - na capital de cada departamento ou em diferentes centros em cada

circunscrição eleitoral ; e sobre o caráter do voto - secreto ou público .

A Comissão apresentou seu projeto em setembro de 1891 , e em janeiro de 1892 o

Presidente Herrera y Obes enviou-o como projeto de lei ao Parlamento , somente levando

em conta , daquilo apresentado pela Comissão , algumas idéias relativas à formação do

Registro Cívico , prescindindo de tudo quanto nele referia-se à representação das minorias.

Apesar disso , ainda houve um setor parlamentar que apôs desconfianças aos projeto ,

sendo que as discussões decorreram num tom polêmico e apaixonado . Após muitos

debates , a lei foi aprovada em 15 de fevereiro de 1893 , bastante desvirtuada em relação

ao projeto de 1891 .

A lei que criava o Registro Cívico Permanente , estipulava que para a

organização da eleições deveriam ser formadas Juntas Eleitorais departamentais , cuja

configuração assegurava ao Presidente o instrumento para pôr em prática sua influência

diretriz . As Juntas eram presididas pelo Chefe Político e de Polícia e constituíam-nas o


presidente da Junta Econômico-Administrativa, o Administrador de Rendas do

departamento ,três delegados do Poder Legislativo e três cidadãos sorteados de uma lista

proposta pelos três primeiros chefes indicados . Dessa forma , fica patente que todo o

processo eleitoral , desde a inscrição do cidadão até o escrutínio , ficava sob controle de

dependentes diretos do Presidente da República . ( nota :Cf. MENA SEGARRA,Enrique .

Aparicio Saravia . Las últimas patriadas . Montevideo,EBO 1977 . p 35 )

Deve-se admitir que, apesar de seus limites , a lei de 1893 representou um avanço

face à legislação eleitoral de 1830 , conferindo inegável progresso no que se refere à

organização do Registro Cívico e às disposições que deveriam ser observadas para a

emissão do voto , mesmo quando deixasse de tocar na prática de intervenção oficial e

tampouco consagrasse uma fórmula de estímulo à participação popular nas urnas .

Modificar o parâmetro de intervenção oficial tornava-se , à época , impensável, até porque

justificava a idéia da influência diretriz de Herrera y Obes . O Presidente alegava que , no

momento em que o povo começava a recuperar sua liberdade , depois da fase militarista ,

não era conveniente deixá-lo vulnerável à influência dos caudilhos departamentais . Nesse

sentido , caberia ao Poder Executivo exercer a função de orientador da opinião pública , o

que foi realizado por Herrera y Obes justamente no momento em que mais se agravavam as
críticas contra esse procedimento e reclamavam os partidos sobre a representaçãodas

minorias .

O Governo , no entanto , desconsideraria às reivindicações dos partidos ,

entendendo que a promulgação da lei do Registro Cívico havia sido uma grande conquista .

Os partidos , por sua vez , julgavam que o complemento para todo esse mecanismo advinha

da eqüidade do voto, complementada pela representação das minorias , e a liberdade

política , capaz de ser obtida somente com o equilíbrio de forças no Governo .


A insistência de Herrera y Obes em não promover estas mudanças

concomitantemente à lei do Registro Cívico , será responsável pela articulação dos blancos

contra este estado de coisas. Ao negar a composição política e o aumento da representação

dos blancos-nacionalistas nos governos departamentais , selou-se a sorte do país : o

encaminhamento da revolução de 1897 seria inevitável e demonstraria o inconformismo da

campanha com sua exclusão da política nacional . Os caudilhos mostrariam que o triunfo

da cidade-porto e do domínio político dos doutores sobre o Uruguai não era , ainda ,

completo . A influência do governo de Cerrito e as articulações de que foram capazes os

caudilhos blancos não poderiam ser desprezadas . Talvez ,a força do Partido Blanco na

zona fronteiriça tenha sido melhor avaliada antes pelo governo rio-grandense , do que pelo

próprio governo montevideano . Os fatos mostrariam a veracidade dessa tese na proposta

de aliança que o PRR faria aos blancos da fronteira ,seus inimigos até então , após o

término da revolução federalista .

IV – Interesses do governo colorado na Revolução de 1893

CAPÍTULO IV

" A Conjugação Blanca - Castilhista :

A Outra Face da Diplomacia Marginal "

A década de noventa revelar-se-ia pródiga na ebulição de conflitos políticos na

esfera de abrangência do território gaúcho -oriental. Recém realizada a pacificação rio-


grandense de 1895, os acontecimentos que se desenrolam na área uruguaia

demonstrariam, novamente, que o imbricamento político entre as duas regiões

permanecia ativo, se bem que com desdobramentos peculiares aos dos anos anteriores . A

revolução blanca de 1896-1897 e as vinculações com o Rio Grande do Sul constituem o

tema de análise deste capítulo.

No período em questão, podemos conferir que algumas variáveis da conjuntura

política lá e cá serão alteradas, contudo isso não significaria comprometimentos radicais

nas respectivas estruturas de poder. Do lado gaúcho, isto deve-se, em larga medida, à

cuidadosa estratégia adotada pelos republicanos castilhistas no intuito de desmantelar a

rede de apoio dos federalistas no Uruguai; e do lado oriental, os revolucionários blancos

obteriam de vez um acordo que oficializaria seu domínio na fronteira norte .

A fórmula escolhida pelo governo rio-grandense resumiu-se a franquear

colaboração à causa blanca, transformando seus antigos inimigos em oportunos aliados.

Comprometendo os blancos da fronteira em uma aliança tácita, os castilhistas imaginavam

neutralizar a ação dos federalistas que ainda encontravam-se no Uruguai. Necessitados de

recursos para sua insurreição, os blancos de Aparício Saraiva agregariam imediatamente a


oferta do governo gaúcho, sem pejo algum em transacionar com a facção que tão

duramente os havia combatidono triênio 1893-1895. O irmão de Gumercindo justificava a

adesão dizendo que, uma vez morto o primogênito do clã Saraiva, carecia de sentido o

velho antagonismo com os castilhistas.

Devemos ter muito presente que, nesta fase, serão as ocorrências uruguaias que

darão o tom ao relacionamento bilateral. Isto é, a partir do preâmbulo de 1896 e do

desencadeamento da revolução em 1897, estarão dadas as coordenadas para que o governo

rio-grandense monte sua estratégia de ação, a qual visava em primeiríssimo lugar


exterminar a sobrevivente ameaça federalista, cujas vinculações no país vizinho constituía-

se obstáculo considerável ao projeto de hegemonia do PRR no estado sulino.

O novo cenário do trâmite interregional apresentar-se-ia montado sobre os

sucessos políticos orientais, pano de fundo para as negociações bilaterais. A fim de

esmiuçarmos este enredo, iniciaremos centrando nossa análise na conjuntura uruguaia de

1896 .
4.1 - O Enfrentamento Político-Partidário no Uruguai de 1896-1897

O governo de Juan Idiarte Borda não se diferenciou em essência do de seu

antecessor , Julio Herrera y Obes. A vigência da influência diretriz fez com que os partidos

adotassem a estratégia da abstenção, o que causava sérios descontentamentos e muita

movimentação política neste período, que antecedia as eleições presidenciais .

O Partido Nacional atacava o sistema que havia colocado todos os dispositivos

eleitorais em mãos do Executivo e à sua crítica não escapava nenhum ato da administração

colorada.

Nas próprias hostes do coloradismo, agrupavam-se em torno de José Batlle y

Ordoñez e do jornal El Dia, uma prédica contrária ao governo de Idiarte Borda. Somente a

facção coletivista apoiava a política oficial. Outro grupo opositor, La Unión Cívica , com
elementos do Partido Constitucional e do Partido Nacional, colocavam-se, porém, contra a

política abstencionista do Diretório blanco. Entre seus membros figuravam nomes

conhecidos como Jacobo Varela, Alberto Palomeque, Enrique Castro, Luis Melián Lafinur,

Gonzalo Ramírez. Em alto e bom som, proclamavam a ineludível necessidade moral de

que os orientais deixassem de figurar como simples povoadores da República, exortando-

os a tentar um supremo esforço de opinião que ponha por terra a prepotência da oligarquia

que se apoderara de todos os postos de origem popular e ameaçava perpetuar-se neles. (nota

: DEVOTO ,Juan E. Pivel . Historia de los Partidos Politicos en el Uruguay . op. cit. ,

p.501)
O intuito deste discurso era o de avivar a massa popular, cada vez mais alijada da

participação eleitoral, em função das reiteradas abstenções decretadas pelo Partido

Nacional e do próprio estado de dissolução do Partido Constitucional.

A falta de coesão política em torno da administração do presidente Idiarte Borda

era inegável. Exacerbadas críticas faziam-se à ela, principalmente no que tange à lisura de

seu governo. Acusações referentes à graves desonestidades financeiras, à aquisição de

propriedades em seu benefício pululavam na imprensa e nos círculos políticos de

Montevidéu. É preciso que se diga que esta aludida corrupção talvez não fosse nem maior,

nem menor do que a conhecida em outros tempos ( nota : A respeito da face corrupta do

presidente Idiarte Borda, Batlle comentava que " Borda esta por consolidar outra parte

importante de sua grandiosa fortuna... Não quer somente estâncias e palácios... quer um

iate presidencial do porte do que tem o Imperador da Alemanha; a embarcação será um

presente da casa Harley y Companhia, em prova de agradecimento pelos trabalhinhos que

lhe proporcionaram".El Dia , 18/01/1897 ). Contudo, o que havia mudado era o contexto

no qual estes fatos aconteciam. Os questionamentos acerca da honestidade do presidente

Borda colocaram-no numa situação propícia para torná-lo o bode expiatório das culpas de

todo um regime que, embora ele não houvesse criado, tampouco permitiu que se
transformasse, sendo, isso sim, inflexível na sua manutenção.

À crise política somavam-se as dificuldades enfrentadas no âmbito da economia e

das finanças orientais. Como já referimos em capítulo anterior, o processo de modernização

da estância trouxe, paradoxalmente, um significativo empobrecimento da peonada que, não

tendo sido absorvida em outra atividade, tornou-se massa disponível para engrossar as

fileiras revolucionárias de 1896-1897. À guisa de ilustramos esta conjuntura, já esplicitada


em capítulo anterior, recordemos que somente a introdução da máquina de esquilar

produziu conseqüências muito significativas. Aumentou o rendimento da lã ( 250 gramas

por cabeça ), melhorou a qualidade dos flocos de lã com um corte mais apurado, diminuiu

os ferimentos ( e como conseqüência, bicheiras), permitiu cortar pessoal em quase 50% e,

com isso, reduziu o valor pago pela jornada de trabalho.

Contrastantemente, em Montevidéu faziam-se certas melhorias tais como projetos

no porto, nacionalização da usina, canalização das águas em muitos arroios e rios,

construção dos primeiros trechos de vias calcetadas e até a criação do Banco da

República( nota : sobre a criação do Banco da República há detalhes pormenorizados em

OLIVERA, Enrique Arocena. El Desgaste de las Levitas. op. cit. , p134-141). A aparência

de progresso, no entanto, era quase que toda montada sobre o endividamento externo, cujo

transtorno no pagamento seria sentido anos mais tarde.

A dicotomia entre cidade-porto e campanha era também perfeitamente visível

nas relações intra-partidárias dos nacionalistas, extremadas, de um lado pelo Diretório e, de

outro, pelo caudilho da campanha cujo nome neste momento era Aparício Saraiva. A falta

de coesão dos blancos havia sido, inclusive, explorada durante a presidência de Julio
Herrera y Obes, apoiado por uma minoria nacionalista que foi premiada com um ministério

e três chefaturas departamentais - as de Cerro Largo, Treinta y Tres e Flores. Os desacertos

internos foram, em larga medida, responsáveis pelas sucessivas abstenções decretadas pelos

blancos durante os períodos eleitorais, o que acabava por agravar o isolamento do partido

na política nacional . Para os nacionalistas as eleições eram um verdadeiro beco sem saída,

que nada mais faziam que confirmar e perpetuar o desterro interno a que estavam

submetidos. Parecia que este partido resignava-se com o papel de minoria que a falta de um

processo eleitoral autêntico tornava impossível saber se eram ou não. ( nota : ABADIE,
Washington Reyes . Crónica de Aparicio Saravia.Montevideo, El Nacional, 1989, tomo I ,

p. 156 )

Esta atitude passiva do Diretório não correspondia às aspirações do partido, em

especial de uma nova geração blanca que entrava em cena e à qual deveu-se a revitalização

do ambiente político da capital com a fundação da Comissão de Conferências Nacionalistas

e logo após de clubes permanentes que atingiriam o número de um por seção. Estes clubes

espalharam-se também pelo interior, principalmente pela campanha. Em 1896 existiam

vinte e cinco clubes difundindo o pensamento opositor, agrupando os militantes mais

ativos. Aos atos de fundação, concorriam centenas e as vezes até milhares de

correligionários, muitos deles de regiões distantes. Não é de estranhar, portanto, que o

movimento reivindicatório em forma de protesto armado tenha partido do interior criollo e

não da capital onde, em 1889, 47% da população era composta de estrangeiros. ( nota :

idem . )

O discurso nacionalista centrava-se em pontos tais como respeito às eleições e à

representação das minorias, fim da corrupção e autonomia departamental, sendo seu

destacado porta-voz Aparício Saraiva. Nascido em Cerro Largo em 1856, o quarto filho de
Francisco Saraiva havia abandonado a escola aos treze anos para engajar-se no exército de

Timoteo Aparício, no qual obteve a graduação de cabo. Aos dezenove anos participou da

Revolução Tricolor, marchando depois para o Rio Grande do Sul onde, ao lado do irmão

Gumersindo, teve destacada atuação na guerra federalista, percorrendo mais de 3.000

quilômetros e lutando mais de setenta combates. Dali voltou general, com uma dura lição

muito bem apreendida. ( nota : A respeito da biografia de Aparício Saraiva existem várias

obras editadas, as quais podem ser consultadas a fim de aclarar detalhes sobre os quais não

nos deteremos. Entre elas estão : ABADIE, Washington Reyes. Crónica de Aparicio

Saravia. Tomo I e II, Montevideo: El Nacional, 1989 ; CHASTEEN, John ." Aparicio
Saravia: mito y realidad " . Hoy es Historia. Montevideo, s/e , 1987 ; GALVEZ, Manuel.

Vida de Aparicio Saravia. Buenos Aires: El Ateneo,1942 ; MENA SEGARRA, C.

Enrique . Aparicio Saravia - el ultimo caudillo. Montevideo: Ediciones de la Banda

Oriental, 1977 ; MONEGAL, José. Vida de Aparicio Saravia . Montevideo: Monteverde ,

1984 ; QUESADA, Efraín. Aparicio Saravia . Montevideo : Ediciones de la Plaza, 1981 ;

GARCIA, Nepomuceno Saraiva. Memórias de Aparicio Saravia. Montevidéu: Medina,

1956; )

Por ocasião do retorno de Aparício do Rio Grande do Sul ao Uruguai, em 1895,

um redator do diário La Razón , de Montevidéu, faz a seguinte entrevista com o caudilho:

- Quantos dias faz que entrou no país?

- Cinco dias , senhor.

- Como lhe tem tratado na sua entrada?

- Tenho sido objeto de muitas atenções por parte das auto-

ridades policiais. Recém acaba de deixar-me o senhor


inspetor de polícia, coronel Aguiar, que me acompanhou

até aqui.

- Que quantidade de homens o acompanhou em sua passa-

gem ?

- Trinta , entre os quais vieram três oficiais.

- Segue o senhor para sua estância ?

- É verdade . Amanhã penso em chegar a Cordobés.

Bueno senhor Parodi. Conte-me algo de Montevidéu.

- Conhecerá o senhor os rumores que circularam pela


capital, de que estava para invadir o país ao som de

guerra?

- Sim , já ouvi isso.Porém, são loucuras as quais não

tem que dar crédito.

- Não pensa o senhor ir a Montevidéu visitar o Comitê

Revolucionário Rio-grandense ?

- Com que objetivo? Eu nada tenho a ver com ele.

- Mas o senhor deve descer à capital para fazer-se

conhecer por seus correligionários políticos.

- Nenhuma intenção tenho disso. Não sou amigo de

bombos.

- É que o senhor acaba de fazer um bonito papel no Brasil

e por isso deve pôr-se no lugar que lhe corresponde.

- Não , senhor. Não fiz mais do que honrar meu finado

irmão .

- E se nosso governo o chamar ?

- Irei, naturalmente, e responderei ao que me perguntarem.

- Suponha que o governo queira utilizar-se de seus servi -


ços ...

- Pois ... não me prestaria para nada !

( nota: MONEGAL, José. Vida de Aparico Saravia,

Monteverde, Montevideo, 1984, p 131-132 )

O extrato da entrevista com o caudilho blanco permite perceber que não era de

todo infundado o rumor corrente desde os idos de 1893, que atribuía parte de seu

envolvimento na guerra civil gaúcha, ao lado do irmão Gumercindo, a um grande ensaio


para sua estréia como condutor dos sucessos políticos em sua terra. Neste caso, a avant-

premiére causara fundo impacto em Aparício, que logo mais prepararia a revolução no

Uruguai. Mais ainda, o caudilho, estrategicamente ou não, deixa patente sua desconexão

com os federalistas em Montevidéu. Preconcebida ou espontânea, essa manifestação

deixava-o mais à vontade para as futuras negociações que se entabulariam com os

castilhistas, o que de fato se deu, em prol, agora, de uma causa especificamente sua : a

revolução blanca.

É possível, também, antecipar o antagonismo de Aparício frente ao governo

em Montevidéu. Chegado a Melo, tornaria a confrontar-se com a realidade de exclusão

política vivida pelos blancos, momentaneamente esquecida no interregno 1893-1895, a

qual lhe serviria de alavanca para preparar a insurreição .

Fazendo um balanço da situação no Uruguai, Aparício constatava que uma

minoria ilustrada, vinculada por seus interesses aos capitais estrangeiros, impulsionava o

governo a uma política de sacrifícios para o povo. Atrelava Idiarte Borda a este grupo, ao

qual havia realizado grandes concessões em transações financeiras verdadeiramente


escandalosas. O caudilho avaliava o grupo que estava no poder como privilegiados " que

sugam tudo quanto podem e no qual participam não somente colorados, senão também

alguns blancos "( nota : ABADIE, Washington Reyes. Crónica de ...op.cit., p. 141). A

insatisfação do caudilho tinha muito a ver, também, com a própria estrutura de seu partido

que apresentava uma clara diferença entre os doutores da cidade e os caudilhos da

campanha.
A inconformidade do caudilho ganhava eco na imprensa regional, que

colaborava para impulsionar os reclamos contra a situação política do Uruguai, escrevendo

em seus editorais que ,

" A situação da República deve ser gravíssima,como

há tempo a vem pintando a imprensa toda. O país

está cansado de sofrer a tutela de uns quantos es-

trangeiros que, alçados ao poder mercê de um cú-

mulo de circunstâncias desgraçadas, querem de todas

as maneiras conservá-lo afogando o sufrágio na mais

escandalosa das fraudes. "

( nota : MONEGAL, José. Vida de Aparicio Saravia.

op. cit. , p. 140)

A volta de Aparício ao Uruguai provocou grande expectativa e vários caudilhos

blancos visitavam-no constantemente, solicitando que liderasse a próxima revolução


armada. Entre estes caudilhos figuravam Carmelo Cabrera y Arostegui , Basílio Muñoz e

outros, veteranos de 1870, como Agustín Urtubey, Fortunato Jara, Celestino Alonso,

Nicásio Trías, Manoel Rivas, Pedro Francia , que consideravam não haver outra saída

para o restabelecimento das liberdades democráticas que não fosse a revolução popular

nacionalista.

Termômetro dos preparativos revolucionários foi a fundação do club Gumersindo

Saravia , em agosto de 1896, cujos propósitos resumiam-se em lutar para que o direito de

voto fosse respeitado, terminando com as vexatórias fraudes eleitorais. Inaugurado o club,
resolveu-se que no primeiro domingo do mês de outubro iniciariam-se os exercícios

militares, escolhendo-se a zona de Cañada Brava, nos campos de Chiquito Saraiva,

nomeando-se como instrutor a Lindoro Pereira. Também teriam lugar os denominados

exercícios doutrinais . A fim de comunicar os correligionários a respeito destas manobras,

decidiu-se publicar a ata em El Nacional , o que causou certo alarme no governo que,

então, iniciou um trabalho de espionagem sobre Aparício.

À fundação do club Gumercindo Saraiva seguiram-se a de mais dois clubs

blancos , o Comandante Vázques e o Puentes Barrera , em San Ramón e em San

Gregorio, respectivamente . O movimento de fundação de clubes nacionalistas repercute

em todo o país .

As notícias que chegavam a Montevidéu davam conta dos preparativos bélicos

que se fazia na campanha sob o comando de Saraiva. Em Buenos Aires, desde setembro de

1896, estava constituída uma Junta de Guerra, integrada por Juan Golfarini, Duvimoso

Terra, Jacobo Berra, Eduardo Acevedo Díaz e Carlos Morales.(nota: ABADIE,Washington

Reyes. Julio Herrera y Obes- el primer jefe civil. Montevideo: Ediciones de la Banda
Oriental , 1977, p. 114)

Por fim, Saraiva dirige-se a Montevidéu a fim de entender-se com o Diretório

nacionalista sobre os planos revolucionários. Em entrevista com Martín Berinduague, chefe

do Diretório, o caudilho vê frustrada sua estratégia quando aquele lhe pede que adie por

um ano a revolução, visto que o Partido não possui recursos para manter a luta. Diante de

tal argumento, Aparício, mostrando-lhe uma carteira, retruca :

" Aqui trago meus títulos de propriedade.


Vem também os de meus irmãos Chiquito

e Mariano .

Estão a disposição de vocês, do Diretório.

Prefiro deixar meus filhos pobres mas com

pátria e não ricos e sem ela. "

( nota : MONEGAL, José. op.cit.,p. 145)

A disposição do caudilho não encontrou receptividade junto aos membros do

Diretório, que mantiveram-se em uma calculada frieza em relação à antecipação

revolucionária.Tanta reticência demonstra claramente que os correligionários não acreditam

no caudilho, coincidindo seu ponto de vista com o do governo Borda, que não atribuía

maior importância à sua ação.

É inegável que este primeiro encontro, tão pouco estimulante, com os dirigentes

de Montevidéu incrementou no caudilho sua prevenção de homem do campo e veterano do

Brasil contra as indefinições e transigências de tantos personagens urbanos. Anos mais

tarde atribuir-lhe-se-ia o seguinte comentário: " Se eu me guiasse pelos conselhos dos

doutores, nem os caranchos viriam comer minha carniça quando eu morresse " ( nota : ver
MENA SEGARRA, C. Enrique.Aparicio Saravia- las ultimas patriadas. op. cit. ,p. 43)

Os preparativos revolucionários de Aparício acelaram-se na medida em que

o descompasso com o governo agravava-se por ocasião do episódio das tristemente

famosas levas , em outubro de 1896. As levas constituíam um recrutamento forçado de

pessoas aptas a comporem as fileiras do exército e, nesta ocasião, foram realizadas em

vários locais da campanha como Cerro Largo, Tacuarembó, Treinta y Tres e Durazno.
El Deber Cívico , da cidade de Melo, em artigo publicado nesse mesmo período,

denunciava a situação da seguinte forma :

" Desde ontem sente-se certo mal-estar na cidade,

precursor indubitavelmente de algo anormal.

Ninguém sabia dar conta do que se passava,

notando-se, sem dúvida, certa tristeza.

À tarde começaram a chegar da campanha no-

tícias alarmantes. Por quase todas as seções

as levas andavam fazendo das suas . Na estân-

cia de Modesto Antúnez haviam levado todos

os esquiladores sem concluir suas tarefas. O

mesmo havia ocorrido na de José I. Rodríguez.

E em outros estabelecimentos. Em algumas casas,

como a de Pedro Martínez, chamava-se a altas

horas da noite para levar os homens que ali viviam,

mas que, felizmente, com a notícia dos saques ha-

viam emigrado para o Brasil.


Antes da noite, na mesma cidade, fez-se um grande

recolhimento de homens e cavalos. Alguns foram a

Urbana e outros ao General Muniz onde, segundo

disseram-nos, há um acampamento. "

( nota : ABADIE, Washington Reyes.Crónica de

Aparicio Saravia. op.cit. , p 157)


Os recrutamentos na campanha provocaram verdadeiro alvoroço nas hostes

nacionalistas locais, tanto que o Diretório, em Montevidéu, não pôde ficar alheio às

reações. El Nacional, periódico porta-voz do Partido,sob direção de Eduardo Acevedo

Díaz, enviou um emissário a El Cordobés que testemunhou diretamente a indignação de

Aparício. Vociferava o caudilho:

" Em nome de que lei faz-se leva em Cerro Largo ? A

título de que interesse urgente se persegue aos

cidadãos para condená-los ao serviço das armas? "

Está a república em estado de sítio para que de

fato declare-se suspensas as garantias individuais?

Nem existe lei compulsória do serviço militar, nem

o estado de sítio foi decretado.

Em troca impera o sistema que vale mais que um

estado de sítio para os que dele se aproveitam. "

( nota : MONEGAL, José. op.cit., p 151 )

Diante destas circunstâncias o Diretório decide sair de seu estado de mudez e

solicita informações detalhadas sobre a situação denunciada pela imprensa, às quais Saraiva

responde através do seguinte telegrama :

" Denúncias imprensa exatas.Muitos recrutados permanecem

em serviço; outros, licenciados até segunda ordem.Foram

distribuídas armas e munições. Alarme vizinhança foi geral

e tem ocasionado gravíssimo dano. Emigração foi consi-

derável.Muitos vieram a consultar-me ou pedir informa -


ções. Tenho tratado quanto possível acalmar intranqüili-

dade, ainda que sem poder manifestar causa de tão estra-

nho acontecimento contra garantias individuais. "

( nota : ABADIE ,Washington Reyes. op. cit. , p.157)

Os sucessos da campanha, no entanto, não foram suficientes para que os doutores

blancos tomassem um atitude mais enérgica. Ao contrário, o Diretório permanecia

postulando uma linha de conduta diferenciada da proposta por Aparício, que continuava

trabalhando sozinho na organização do movimento que logo eclodiria, a qual ficou

registrada num manifesto cujos termos achamos pertinente transcrevermos:

" [ o Diretório] ...desautoriza em conseqüência a

toda personalidade, centro ou organização, dentro

do Partido Nacional que, por ceder a impacientes,

possa ocasionar movimentos anárquicos ou pre -

tenda subtrair da direção política deste Diretório

alguma parte de seu partido para fazer-lhe adotar


uma linha de conduta aventureira ou temerária.

Ante a situação delicadíssima do presente, ne-

cessita o Partido Nacional conservar sua atitude

circunspecta, que não é inação, continuar sua pro-

paganda altiva contra a ilegalidade,prosseguir acu -

mulando seus elementos e organizando com perfei-

ção a seus adeptos para que possam afrontar com

êxito, quando as circunstâncias o exigirem, as emer-

gências que o porvir nos reserva como fruto do es -


tado inconstitucional e anômalo que pesa sobre este

país." ( GÁLVEZ, Manuel. Vida de Aparicio Saravia.

Buenos Aires: El Ateneo, 1942, p.149)

Apesar do apelo do Diretório, cujo intuito último era o de organizar com perfeição

a seus adeptos, por onde pode-se inferir um certo temor pelo fracasso de um movimento

precipitado, os rumores de revolução aumentam. Convencido de que seus correligionários

não obedecerão às suas designações, o Diretório envia uma circular telegráfica ao

presidente da Comissão Nacionalista de Cerro Largo, Doroteo Navarrete, na qual afirma

que os conspiradores invocam indevidamente a representação do Partido Nacional e

condena todo movimento anárquico. Ao inteirar-se da circular, Aparício apenas exclama "

quanto mais sós nos deixam, mais nos vão dever " ( nota: Idem, p. 150 ), e prossegue na

organização do movimento armado.

Tentando evitar a ruptura completa com o Diretório, o presidente do club

Gumersindo Saravia, Ceferino A. Costa, dirige-se à Montevidéu. Ali, entre outros

encontros, visita a don Eduardo Acevedo Díaz que lhe fala de um possível acordo entre a
Junta de Guerra em Buenos Aires e o Diretório Nacionalista. Interpretando mal as

declarações de Acevedo Díaz, Costa transmite a Aparício a notícia de que deveria ativar o

levantamento armado. Desfeito o engano, já era tarde para voltar atrás.

As páginas dos jornais contemporâneos explanavam artigos que faziam crer à

opinião de que a situação de Aparício era bastante cômoda. Uma publicação de El Siglo ,

nos últimos dias de outubro, colocava que :

" a política do governo atual é algo mil vezes mais


censurável que o exclusivismo atávico que procla-

ma a necessidade de evitar a todo transe que os

blancos tenham participação no manejo da vida

pública .

O Partido Colorado não tem mais influência nela

que o Partido Nacional.

O comércio está fechado para todos os homens

de todas as facções em que se dividiu o país.

No entanto, nos atuais momentos, não se acha o

Partido Colorado em pugna com o Partido Nacio-

nal. Não ! A luta acha-se entabulada entre o cole-

tivismo, de um lado e todos os partidos, de outro

De um lado está a Casa do Governo; de outro lado,

o país inteiro.

De um lado a oligarquia coletivista, de outro o povo,

farto da servidão política em que se acha submetido,

farto de ser estrangeiro no seio de sua pátria, ansioso

por recobrar a participação que no governo lhe cor-


responde " ( nota: El Siglo, Montevidéu, ?/10/1896)

O otimismo transposto nas linhas acima, contudo, carecia de correspondência na

realidade. Aparício contava com pouco ou nenhum apoio dos montevideanos anti-

governistas, quer blancos,quer colorados.

E o citado povo, por seu turno, carecia da consciência necessária para tornar efetivas suas

reivindicações. Por isso a ação do caudilho fez-se imprescindível para transformar a

situação.
A insistência do Diretório Nacionalista em retardar a ação revolucionária seria

inócua no esmorecimento das adesões que chegavam de distintos pontos da campanha. A

8° seção de Rivera, por exemplo, lançava aos seus correligionários a seguinte convocatória:
" Os que subscrevem, cidadãos nacionalistas, re-

sidentes na 8° seção judicial do departamento de

Rivera, reunidos, acordaram convocar a todos os

correligionários desta jurisdição, para uma reunião

que terá lugar na costa da Coronilla, campo de don

Aparício Saraiva, no dia 25 de novembro do corrente

ano, às 10 a. m., com o louvável fim de constituir o

club Vargas-Valdez e por vez nomear a comissão sec-

cional provisória, que deve atuar em conciliação à lei

orgânica de nosso partido. "

( nota : MONEGAL, José. op. cit. p.156)

Apesar da significativa adesão regional, os blancos da campanha exibiam

fissuras nas suas hostes, como aquela representada pelo grande adversário local de Aparício

Saraiva, o general Justino Muniz. Blanco de origem, mas prestando serviços ao governo
colorado, Muniz gozava de certo prestígio na região, em parte devido à sombra dos feitos

de seu tio Ángel Muniz, chefe supremo da revolução de 1875, e em parte por seus méritos

próprios por sua atuação em várias batalhas como as de 1863; a guerra de 1870; e a

Tricolor, em 1875.

Justino Muniz considerava-se blanco. Para afirmar essa condição havia pintado

sua casa com as franjas azuis e brancas da bandeira oriental e adornado as paredes com

retratos de chefes nacionalistas, caudilhos de passadas revoluções. Muniz, contudo, não via

problemas em estar servindo os governos colorados desde 1880 e tampouco de ter aceitado
o grau de coronel outorgado por Máximo Santos, e o de general, por Herrrrera y Obes. O

caudilho Muniz era um gaucho analfabeto, que nem sabia assinar o próprio nome.

Mantinha certo relacionamento com os Saraiva, porém, nem Aparício e nem Chiquito, e os

demais blancos do departamento, salvo alguns que dele obtinham vantagens, consideravam-

no membro do Partido Nacional. Marca borrada, dizia Aparício dele e dos outros que

haviam se apartado do autêntico nacionalismo. ( A respeito de Muniz ver : GALVEZ,

Manuel. op.cit.; MONEGAL, José. op. cit. ; MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparício

Saravia- las ultimas patriadas. op. cit. )

Até a imprensa montevideana fazia alusão ao vínculo entre Muniz e o governo

colorado. A espantosa situação era retratada com fina ironia pelo diário La Razón :

" Parece inverossímil, mas é profundamente

verdadeiro: a força popular mais poderosa

e decidida com que hoje pode contar o senhor

Idiarte Borda é a de elementos blancos que

acaudilha em Cerro Largo don Justino Muniz,

o mais blanco dos generais havidos e por haver. "


( nota : Monegal, José. op.cit. p. 158)

Quando se inicia a mobilização armada, Aparício ordena a Chiquito que dirija-se

ao armazém do genro de Muniz, José Zavala, a cerca de sessenta quilômetros de Cerro

Largo, no caminho para Coxilha Grande, a fim de que entrasse em tratativas com o

caudilho, que ali costumava passar as manhãs, para que colaborasse com a patriada em

marcha. Em caso de recusa, solicitar-se-ia a neutralidade de Muniz, que deveria retirar-se


para o Brasil. A proposta tinha cabimento, uma vez que Justino Muniz proclamava-se

blanco.

O que tinha tudo para ser um episódio pacífico transformou-se em uma grande

tragédia. Chiquito, ao invés de tratar pessoalmente do assunto, mandou um subordinado

com dezoito homens armados. Ao ver o destacamento chegando, os freqüentadores do

armazém trancafiaram-se lá dentro e os receberam a tiros. Na refrega morreu o enviado de

Chiquito, sendo que os demais atearam fogo no estabelecimento, resultando um filho de

Muniz ferido, e o outro morto por asfixia.

Nestas circunstâncias, longe de cooperar, o general Muniz converteu-se em

implacável inimigo dos revolucionários, organizando forças que passaram a persegui-los e

reforçando sua posição de importante bastião legalista .

O início da marcha saraivista ocorreu em 23 de novembro, data escolhida

supõem-se para perturbar as eleições marcadas para o dia 29. O caudilho ruma em direção à

sua estância em Coronilla, a sudoeste do departamento de Rivera, distante apenas seis ou


sete léguas da fronteira com o Rio Grande do Sul. No dia seguinte sai um proclama, ditado

por Saraiva e lido por Sergio Muñoz, um dos poucos homens ilustrados que o cercavam.

O texto contempla os seguintes termos :

" Companheiros: o Partido Nacional, vítima da

usurpação e da fraude eleitoral que há trinta e

um anos vem sendo, por governos desonestos,

que se sucedem sem interrupção um atrás do

outro, abandona sua atitude pacífica para ativar


sua ação na justa demanda de seus direitos civis

e políticos.

A honra partidária, as reparações pátrias e o

prestígio de nossa bandeira nos impõem esta

resolução. À sombra da bicolor cabem todos

os que sem vacilações nem temores aplaudam

e sustentem sem restrições o triunfo de nossas

idéias, que não são outras senão ver a Pátria

feliz, regenerada e florescente.

Concidadãos: é chegado, pois, o momento im-

prenscindível de combater com as armas na mão

ao opressor governo que rege os destinos do país:

é chegada a hora de levantar a bandeira da reação

armada para combater com brio, em nome da liber-

dade institucional.

Esta é a missão que a força das circunstâncias pre-

sentes reserva ao Partido Nacional, o mesmo que


tem que cumprir, sejam quais forem os obstáculos

com que lute e sejam quais forem as forças dos di-

lapidadores da fortuna pública que saiam ao nosso

encontro.

A vitória há de ser nossa e nosso também o sangue

que há de selar o heroísmo com que temos de com-

bater aos ímpios que sustentam o afrontoso governo

de Juan Idiarte Borda, que nos degrada ante próprios

e estranhos.
Correligionários: não o duvideis, o fiel elemento mi-

litar do Partido Nacional saberá sustentar com honra

os princípios sacrossantos que nos guiam e não des-

mentirá jamais seus gloriosos antecedentes.

Eu prometo-lhes que a espada de vosso general e

amigo estará em todos os momentos a serviço do

nosso Partido que é a causa da justiça e da liberdade,

que reclama com voz ferida do sacrifício dos bons ,

que felizmente correm pressurosos para secar suas

lágrimas com o risco de seu sangue generoso.

Viva o Partido Nacional !

Viva a Revolução !

Abaixo o governo !

( nota : ABADIE , Washington Reyes. Historia del

Partido Nacional. op. cit., p. 100 )

Aparício Saraiva esperava encontrar em Coronilla uma numerosa reunião. No


entanto, a polícia proibiu o ajuntamento e aqueles que haviam comparecido acabaram

retirando-se. Começam, então, a movimentar-se em busca de incorporações, obtendo

apenas um contingente de mil homens armados de lança, com algumas dezenas de

carabinas e pouca munição. À marcha juntam-se, também, alguns grupos vindos de

Montevidéu, de outros departamentos e de Buenos Aires.

Após quase duas semanas e mil e duzentos quilômetros de correrias, o

movimento tem de reconhecer-se fracassado. A falta de armamento apropriado, em sua

maioria composto por lanças, os diversos grupos revolucionários em número aproximado


de mil homens limitaram-se a efetuar sua marcha pelas regiões próximas a Cordobés, nos

departamentos de Cerro Largo e Durazno, e ao norte do Rio Negro na região de Caraguatá

e na Coronilla no departamento de Tacuarembó.

Por sua vez, o exército governista, armado de modernos fusis e carabinas tipo

Mauser, foi encurralando os revolucionários em direção à fronteira gaúcha que, nos

primeiros dias de dezembro, atravessaram através de Aceguá.

Em que pese o fracasso militar, a revolução teve importantes resultados morais e

políticos. Em primeiro lugar, demonstrou que, não obstante a superioridade dos recursos

humanos, organizativos e financeiros do governo, estavam longe de ser impossíveis os

movimentos populares armados; em segundo lugar, serviu para manifestar a falta de

autenticidade das eleições do regime coletivista, realizadas em 29 de novembro ante um

boicote generalizado, cujos votos ficaram praticamente a cargo da polícia e de soldados

civis.( nota : MENNA SEGARRA, C. Enrique. Aparicio Saravia- las ultimas ..., op.cit., p

49 )

Ainda podemos dizer que, enfrentando o Partido Nacional, com um Diretório


doutoral pouco permeável às crescentes exigências de realinhamento político, após longo

suceder da prática abstencionista, e frontalmente contrário à patriada, os blancos contavam

com a brilhante campanha periodística de El Nacional , de Acevedo Díaz - considerado por

muitos o mentor intelectual da revolução- e também com a agitação dos clubes. Apesar de

relevantes, estes fatores não eram capazes de levar por si só, às armas a massa ansiosa por

transformações. A revolução que, nas palavras de Aparício, recém começava, havia

encontrado um novo condutor. Neste sentido, pronuncia-se um analista deste fenômeno :

" A repentina aparição do novo general blanco


ubicava na cena política, afinal e depois de quase

um quarto de século, um caudilho audaz, inque-

brantável e cheio de recursos, que se revelava capaz

de catalizar as energias rebeldes da campanha. "

( nota : MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparicio

Saravia - las ultimas ..., op.cit. p. 50 )

Ao começar o ano de 1897, a revolução estava no ar. A oposição ao regime

coletivista era patente.Centenas de orientais emigravam, indo somar-se aos quadros

revolucionários que organizavam-se na Argentina , sob as instruções da Junta de Guerra, e

no Rio Grande do Sul, sob o comando de Aparício Saraiva.

4.2 - Revolução Blanca e transações na fronteira gaúcha

Vários contatos haviam sido mantidos entre Aparício Saraiva e elementos rio-

grandenses durante a fase que antecedeu o levante de 1896. Logo após seu retorno a Melo,

noticiava-se que o líder blanco, havia retornado aos campos gaúchos. O jornal Gazeta da

Manhã, de Bagé, publicava que, " pessoa chegada do município de Dom Pedrito nos

informa que o ex-chefe revolucionário, Aparício Saraiva, esteve em 20 do corrente em

Santa Maria, acompanhado de oito homens " ( nota : Gazeta da Manhã , Bagé ,

20/01/1896)
No mesmo período, O Commercio, da mesma cidade, noticiava que :

" Faz alguns dias passou por Santa Maria, com destino

a Camaquã, acompanhado de dez homens, o ex-chefe

revolucionário, Aparício Saraiva, que, consta, vai para

esse local arrendar ou comprar campo para dedicá-lo

à criação de gado. " ( nota : O Commercio, Bagé ,

20/01/1896)

Aparício espalhou os boatos que lhe davam como futuro fazendeiro rio-

grandense, porém todos já sabiam que o propósito oculto desta insólita viagem era o de

obter armamento com alguns chefes federalistas, seus antigos companheiros de armas, para

sustentar os planos que já se fazia contra o governo de Idiarte Borda.

Em um primeiro momento passou por Dom Pedrito, com a intenção de ver o

estado das armas deixadas em Alegrete,ao final da revolução gaúcha. O contato específico,
entretanto, dar-se-ia com Torquato Severo, grande amigo e companheiro federalista de

Aparício, homem de sua absoluta confiança. O encontro ocorreu em Santa Maria, tendo o

general blanco regressado ao Uruguai contando com a palavra de Torquato de que

colaboraria com homens e armas .

Se a atitude de Torquato tranqüilizava Saraiva quanto à questão do armamento,

um outro problema afligia o caudilho : e no caso de fracassar o levante e necessitar abrigar-

se no Rio Grande ? Prepara, então, o terreno político que lhe permitisse, em situação de

necessidade, radicar-se temporariamente no território vizinho. Solicita a Abelardo


Márquez,o prócer blanco de Rivera, a quem encontrou nos potreiros de Ana Correa e que

conhecia "meio Rio Grande", que falasse com Julio de Castilhos e que lhe transmitisse que,

uma vez morto Gumercindo, "considerava-se desligado dos federalistas ". O mesmo recado

fez chegar aos ouvidos do comandante da fronteira, João Francisco Pereira da Silva.

Momentaneamente, isto bastou para aclamar os republicanos gaúchos, já um tanto ansiosos

com a presença do caudilho blanco no estado. ( nota : ABADIE , Washington Reyes.

Crónica de ... op cit, p 142 ) Seguro de ter plantado uma base de aprovisionamento,

regressou a Melo e continuou nos preparativos que desencadearam nos acontecimentos do

final de 1896.

Por seu turno, os federalistas gaúchos também faziam questão de desvincular-se

dos acontecimentos orientais, deixando claro que nada tinham a ver com a revolução

blanca. Atribuíam qualquer auxílio que eventualmente pudesse ser dado a uma das facções

em combate à responsabilidade individual de seus filiados; ou seja, o partido em si

declarava-se neutro na contenda. Diziam os federalistas através de seu orgão de imprensa,

A Reforma, que "lutaremos nas urnas e pelas armas faça quem quiser, sem co-participação

do partido republicano federalista, quer direta, quer indiretamente. Aos rio-grandenses

nossos correligionários aconselhamos a mais rigorosa abstenção na luta armada". ( nota: A


Reforma. Porto Alegre. 29/11/1896)

As previsões de Aparício, sobre um eventual fracasso militar do levante,

confirmaram-se; bem como a necessidade de debandar rumo ao Rio Grande. As promessas

de Torquato Severo não foram cumpridas, bem como o apelo a outro federalista, Estácio

Azambuja, também não surtiu efeito, tendo este alegado que estava "espionado e

ameaçado de internamento ". ( nota : GARCIA , Nepomuceno Saravia . Memórias de

Aparicio Saravia. Montevidéu: Medina, 1956, p. 65 )


Os contatos mantidos entre Aparício e republicanos, mediados por Abelardo

Márquez que deslocou-se várias vezes entre Porto Alegre e a estância de El Cordobés,

haviam sido bem sucedidos. E, diante da possibilidade de que a guerra civil no Uruguai

oportunizasse uma nova ação dos federalistas gaúchos lá assentados, Castilhos julgou mais

interessante ter os blancos como aliados do que correr o risco de vê-los novamente junto

aos federalistas. Dessa forma é que desde os primeiros momentos da revolução, os blancos

terão ampla liberdade de movimento junto à fronteira gaúcha. As autoridades castilhistas,

discretamente, faziam vistas grossas aos preparativos bélicos dos blancos, permitindo que,

de sua chácara em Bagé, Aparício comandasse todos os aprestos da rebelião que

desencadeará em 1897. ( nota : FRANCO , Sérgio da Costa . Júlio de Castilhos ..., op. cit.,

p. 169 .)

A correspondência entre Castilhos e o coronel João Francisco, comandante do

batalhão do Cati, atesta que o governo castilhista acobertava os planos dos insurrectos

orientais, porém, cercando-se de todas as precauções para não tornar o fato oficial. Nas

circunstâncias do levante blanco de 1896, as impressões de Castilhos eram as seguintes :

" Não acredito em revolução no Estado Oriental, prin-


cipalmente depois que, falando aqui a diversos influentes

do partdi blanco, que me procuraram, verifiquei que estes

não tem elementos de êxito. Entretanto, como é possível

que haja melhorado a sua situação, e convenha estarmos

para qualquer emergência aparelhados, deveis desenvolver

máxima vigilância sobre a fronteira, previnindo-me, pelo

telégrafo, acerca de qualquer sintoma grave que chegue

ao vosso conhecimento. "

( nota : CESAR, Guilhermino. " Júlio de Castilhos ao


Coronel João Francisco ". WERNECK, Américo e

outros. Júlio de Castilhos. Porto Alegre: EMMA,DAC,

SEC/RS, 1978,p. 90 )

Novamente atestamos que os entreveros ocorridos em um lado e outro da

fronteira obrigatoriamente repercutiam nos dois territórios. Foi assim desde o início da

ocupação das porções meridionais da América portuguesa e espanhola, seguiu sendo com

estas áreas já emancipadas politicamente e adentrou o século XIX, como explicitamos no

Capítulo I . Não seria diferente em 1896/1897, se bem que aqui já se encaminhava para o

encerramento do ciclo de convulsões internas regionais. No caso uruguaio, o caudilhismo

ressurgia para logo depois aplacar-se; no caso gaúcho, a hegemonia do PRR impunha-se

de forma gradativa e inconteste. No contexto futuro, as alianças políticas interregionais

careceriam da racionalidade e da lógica que até então as engendrava.

Voltando à conjuntura que ora analisamos, verificaremos que as transações

bilaterais faziam-se, ainda, muito significativas. O governo castilhista acompanhava cada


movimento ocorrido no país vizinho. Mais uma vez apelamos à troca de correspondência

entre Castilhos e João Francisco para atestarmos a interconexão entre os grupos daqui e de

lá. Explícitas eram as instruções do líder peerrepista ao seu subordinado militar no Cati ,

como bem podemos observar pelo transcrito abaixo :

" Merecem todo meu aplauso a atividade sagaz e o

critério que tendes revelado no que concerne aos

movimentos que ocorrem nas repúblicas vizinhas.


Pondero-vos, entretanto, que deveis agir com a má-

xima discrição de maneira que nenhum compromisso

advenha para vós, para meu Governo ou para nosso

partido, principalmente quando os adversários acusam-

nos de simpáticos aos blancos. Tais boatos, com tanta

intensidade circularam, que fui obrigado a fazer um

desmentido formal . "

( nota : FRANCO , Sergio. op. cit., p . 169)

O fantasma de uma provável reação federalista contra o governo gaúcho muito o

incomodava . Tudo deveria ser feito para desestabilizar esta cogitação, inclusive aliar-se

aos antigos desafetos orientais. O que não podia, no entanto, era oficializar este fato,

mesmo que já o fosse de conhecimento público, uma vez que comprometeria

constrangedoramente as relações de governo a governo.

Os federalistas, por seu turno, avaliaram que seria mais vantajoso seguir

mantendo ligações estreitas com o governo colorado, que os abrigava em Montevidéu e


que, durante os sucessos de 1893-1895, havia desconsiderado os inúmeros protestos do

governo gaúcho para que coibisse sua ação na República Oriental. Nestas circunstâncias, o

líder federalista Silveira Martins fazia questão de minimizar a importância de Aparício

Saraiva na revolução de 1893. Extratos de uma entrevista sua em A Reforma provam o fato

" se exagera muito a significação que Saraiva tinha

no exército federal: ele era um de tantos chefes que,

como Torquato Severo e outros, foram designados


para o comando de forças compostas de elementos

que nos pertenciam em absoluto. "

( nota: A Reforma. Porto Alegre. 05/12/1896)

A revolução de 1897, de fato, contou com a ajuda do governo rio-grandense. Se,

inicialmente, Castilhos acreditou que o levante blanco poderia ir contra seus interesses e

supôs que Saraiva ao apoderar-se do governo uruguaio em seguida estenderia suas

pretensões ao Rio Grande do Sul, logo convenceu-se de seu equívoco.

A mudança de posição ocorreu através de hábeis trabalhos diplomáticos, como a

já citada intermediação de Abelardo Márquez, como, também, da intercessão do delegado

da Junta de Guerra que funcionava em Buenos Aires, Dr. Duvimoso Terra. Este deslocou-

se a Porto Alegre para entrevistar-se com Castilhos, tendo obtido êxito em suas gestões.

Temos indicações que nisto tomou parte Eduardo Acevedo Díaz (nota : ver: GALVEZ,

Manuel. Vida de Aparico Saravia . op. cit. ,p. 159).

O resultado das conversações entre os chefes revolucionários e o governo rio-

grandense foi um acordo tácito, segundo o qual as autoridades da fronteira gaúcha


ignorariam as atividades revolucionárias ali desenvolvidas. Os rebeldes necessitavam

contar com a passividade do Rio Grande: sem ela não era possível preparar a revolução. E

para Castilhos, o que o levou a consentir o favorecimento ao seu ex-inimigo Saraiva ? De

acordo com Galvez,

" Sinceramente, o sempre atual prazer dos deuses:

a vingança. O governo do Uruguai nada fez duran-

te a guerra do Rio Grande para impedir que em seu

território se formassem verdadeiros exércitos. Duran-


te três anos as estâncias uruguaias da fronteira, algumas

delas pertencentes a brasileiros, foram arsenais e quar-

téis. O Brasil deveu lutar diplomaticamente para que o

governo do Uruguai não permitisse a permanência em

Montevidéu de Silveira Martins. O Uruguai, por sua

vez, tinha queixas contra o Brasil, e uma delas era que

uns soldados de João Francisco haviam entrado em

território uruguaio e assassinado dois orientais. Por

isto as relações entre os dois países deixaram de ser

cordiais, o povo em Montevidéu cometeu alguns

desaforos e houve um instante em que se temeu a

guerra." ( nota : Galvez, Manuel, op. cit, p. 159 )

( grifo nosso)

Concordamos que Castilhos até possa ter tido seu momento de desforra na

revolução de 1897( nota : o próprio João Francisco alegava que através de Aparício

Saraiva os castilhistas poderiam desforrar-se do governo colorado que tanto havia auxiliado

e protegido os federalistas.A esse respeito ver : CAGGIANI, Ivo . A Hiena do Cati.Porto


Alegre: Martins Livreiro,1988,p. 89 ). Porém, consideramos que muito acima disso, o

presidente gaúcho colocava a efetivação da hegemonia do PRR como condição sine qua

non para emprestar seu apoio à causa blanca. Ou seja, enquanto os federalistas mantinham-

se no Uruguai, sob o beneplácito do governo colorado e até com a colaboração de alguns

blancos, havia um risco não desprezível de novos atentados contra o governo gaúcho.

Ora, mesmo tendo Silveira Martins retornado à Porto Alegre por ocasião do 2°

Congresso Federalista, instalado em 23 de agosto de 1896, não permaneceu na capital

gaúcha, voltando a radicar-se em Montevidéu, onde gozava de apreciável prestígio nos


meios políticos. Os anos de guerra o haviam empobrecido consideravelmente, e o tribuno

decide dedicar-se à fração de campo que ainda lhe restara no departamento de Tacuarembó.

Contrai empréstimos com os amigos e povoa de gado a sua estância do Rincão do Pereira,

na costa do Rio Negro. Recebia os amigos na sua residência em Montevidéu, à Calle

Rincón. Ali era constantemente procurado pelos chefes federalistas de maior prestígio que

iam solicitar-lhe conselhos ( nota : ver SILVEIRA MARTINS, J.J. Silveira Martins. Rio de

Janeiro:São Benedicto, 1929, p. 411 ss).É compreensível que o fato causasse sérias

desconfianças nos castilhistas, ainda mais devido à situação pré-revolucionária pela qual

passava o país vizinho. As circunstâncias estimulavam a lógica de que os federalistas,

aproveitando-se da conturbação interna da República Oriental, teceriam novas tentativas de

desestabilizar o poder no estado rio-grandense.

Prova deste raciocínio é o fato de que as autoridades rio-grandenses nem

sempre trataram com passividade todos os revolucionários. Aos chefes federalistas que

combateram ao lado de Aparício na revolução de 1893, o tratamento dispensado pelo

governo castilhista foi rigoroso. Torquato Severo, por exemplo, foi violentamente

perseguido e logo após internado e até preso por algum tempo. Os movimentos dos

federalistas eram cuidadosamente acompanhados e rigidamente cerceados. O mesmo não


ocorria com os orientais emigrados, que gozavam de liberdade suficiente para permanecer

nas cidades e estâncias do Rio Grande e também para reunir-se em numerosos grupos. A

única precaução que deveriam ter era a de ocultar o armamento, pois as autoridades

gaúchas zelavam por manter a aparência de neutralidade. Assim, as armas, que eram

depositadas na chácara Gentil, em Bagé,na qual vivia Aparício, deveriam ser transportadas

sempre à noite a fim de não levantar maiores suspeitas.

O presidente do Rio Grande do Sul também dizia-se informado de que o

federalista Rafael Cabeda tramava no Uruguai um novo movimento rebelde, junto a Gaspar
Silveira Martins e ao governo de de Idiarte Borda. Haveria um compromisso de que, em

auxílio aos chefes governistas daquele país no enfrentamento da rebelião saraivista, aqueles

forneceriam aos federalistas meios para organizar uma nova invasão ao estado gaúcho.

( nota : FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de ...op.cit.,p. 170)

A esse respeito os federalistas também emitiam sua opinião, dizendo que,

" É preciso, pensou a seita comtista, turvar as

águas, fazendo acreditar que há no Rio Grande

conspiradores, porque isso será a justificação

da manutenção da força armada em plena paz.

E assim fez, inventando conspirações, excursões

de chefes federalistas ex-revolucionários e outras

falsidades de igual jaez (...)

É falso, absolutamente falso que os ex-revolucio-

nários estejam comprando armamento e que grupos

por eles constituídos conservem-se armados .

( nota: A Reforma. Porto Alegre. 29/04/1896)

Julgamos, avaliando os fatos, que foram as apreensões com uma

pressuposta mobilização federalista e não o desejo de vingar-se do governo colorado, como

quer GALVEZ( nota : GALVEZ, Manuel.op.cit), o impulso básico para que Castilhos

entabulasse as negociações com os blancos. Donos da fronteira, os estancieiros-caudilhos

compromissados com o governo gaúcho convertiam-se, agora, em aliados involuntários no

contrôle do trânsito federalista entre os dois territórios.


4.3 - Ação e Transação Internacionais na Revolução Blanca de 1897

É certo que a revolução blanca de 1897 não foi improvisada como o levante de

novembro de 1896. Os preparativos revolucionários do nacionalismo intensificam-se depois

do prólogo de novembro, que havia chamado à atenção para a possibilidade de uma

sublevação contra o exclusivismo bordista. Não só os blancos aderem, mas também

colorados independentes fazem côro contra o governo e a Câmara cuja eleição originou-se

dos comícios fraudulentos da última campanha. É preciso esclarecer que quando a

revolução torna-se um fato, os colorados adotarão atitudes diferentes.

Mesmo contrários ao governo Borda, as declarações de alguns líderes colorados

são reveladoras de que, nem mesmo num momento de relativo consenso, esquecia-se o
antagonismo partidário . José Batlle y Ordoñez pronuncia-se nos seguintes termos:

" Diz o Partido Blanco que vem restabelecer as garantias

individuais e as liberdades públicas. Porém, não cremos!

Vem, antes de tudo, para derrotar o Partido Colorado

[...] esse ataque é um dos mais formidáveis que se tem

preparado contra nosso partido, e se se produz teremos

que repeli-lo nós mesmos, com nossos próprios bra-

ços, sob às ordens de nossos melhores chefes. "


( nota: MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparicio Sa-

ravia - las ultimas... Op. cit. ,p. 52. )

Eduardo Flores, colorado principista, manifestaria opinião distinta, com outro

tipo de apreensão do problema revolucionário. Dizia ele: " O Partido Blanco tem o direito

de revolução, porque o Partido Colorado governa exclusivamente os destinos do país, e

governa mal . " (nota :DEVOTO,Juan Pivel. Historia de los partidos.....Op.cit.,p.504)

Em janeiro de 1897, diante dos murmúrios sobre a rebelião que se aproximava,

Juan Carlos Blanco, também colorado, publicava um artigo na imprensa montevideana que

teve imensa repercussão, a ponto do jornal ter que reimprimí-lo várias vezes. O conteúdo

do escrito cobrava uma ação do governo, exigindo

"medidas salvadoras, radicais, começando pela

anistia franca e leal aos revolucionários e seguin-

do pela convocação das eleições[...] e se isto não


se fizer, é necessário diminuir o mando, demitir

de uma vez esta autocracia que ao senhor Idiarte

Borda possa parecer, em seu delírio terrível, mis -

são divina, mas que todos contemplam como algo

de grotesco e vergonhoso . " (nota: MENA SEGARRA,

C. Enrique. Op. cit., p 52)

As dissidências nas hostes do coloradismo eram bastante significativas, porém os

blancos acabariam por fazer a revolução sozinhos. Do Rio Grande do Sul, a partir dos
potreiros de Ana Correa, Aparício Saraiva, proprietário de mais de 6.000 hectares,

trabalhou junto aos seus soldados para reunir dinheiro, vendeu 5.000 de sas reses e

comprou com o montante as armas que utilizou para invadir novamente em março de 1897.

Na Argentina, da mesma forma, organizavam-se os revolucionários via Junta de

Guerra, ex- Comitê Revolucionário. Composta por nomes como Juan Angel Golfarini,

Rodolfo Vellozo, Jacobo Berra, Antonio Paseyro, Duvimoso Terra e Dionisio Viera, a

Junta empenhou-se num cuidadoso trabalho de arrecadação de fundos, enviando emissários

aos principais caudilhos departamentais, conseguindo assim adesões importantes. Ao

mesmo tempo, organizava os exilados, para cujo comando obteve duas incorporações de

relêvo: Diego Lamas e José Nuñez.

Lamas começara sua carreira militar no exército uruguaio tendo, posteriormente,

engajado-se ao exército argentino, como outros uruguaios de seu tempo costumavam fazer.

Ao reunir-se à Junta de Guerra, Diego Lamas abdicou de uma promissora carreira, tendo

sido nomeado Chefe do Estado Maior do exército revolucionário , com o grau de coronel.

Muito diferente do protótipo do caudilho, Lamas era descrito como culto, sociável em alto

grau, muito aficcionado à literatura . Ao lado de Aparício, Diego Lamas será o grande
nome da revolução de 97.

Nuñez, também uruguaio, realizou sua trajetória militar na tumultuada província

de Corrientes, ficando famoso por seus atos de violência. Na empreitada de 1897, aspirou à

chefia da revolução pois considerava-se mais capaz do que Saraiva e Lamas.

Da mesma maneira que os revolucionários concentrados no Brasil, os que

estavam na Argentina não foram perturbados por diligências persecutórias e sistemáticas

das autoridades daquele país, tão insistentemente requisitadas pelo embaixador oriental, Dr.
Ernesto Frías. Diante dos reclamos orientais, a Argentina invocava o artigo 16 do tratado de

1889 entre ambos os países, cujo teor era de que "o asilo é inviolável aos perseguidos por

delitos políticos ". Mais do que isso, entretanto, pesava o litígio entre Argentina e Chile,

desde 1892, sobre o qual Idiarte Borda insinuou uma imprudente inclinação para o Chile.

( nota: Sobre este assunto ver : MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparício .... ,Op. cit. ,p.

55 ; e OLIVERA, Enrique Arocena. O Desgaste de las Levitas. Op. cit., p.147 ss.)

O plano de campanha concebido por Diego Lamas, consistia na invasão

simultânea de três pontos. Aparício Saraiva entraria pela fronteira brasileira de Aceguá; o

coronel Lamas, partiria de Buenos Aires, com oitocentos homens, desembarcaria em

Colônia para encontrar-se, com os setecentos insurrectos de São José e Flores, liderados

pelo coronel Nuñez; e uma terceira expedição, menos numerosa que as outras duas, partiria

de Entre Rios e penetraria em terra oriental entre as cidades de Salto e Paysandú. As três

forças deveriam reunir-se em Paso de los Toros, no centro da República, para dar

continuidade às suas operações. O dia fixado para a invasão foi 05 de março,

coincidentemente a data do levante de Timoteo Aparício.

Os enfrentamentos que ocorrerem entre saraivistas e legalistas não nos cabe

analisar em seus detalhes militares-estratégicos. A medida da relevância da contenda blanca

para esta tese é a forma como, através dela, foram mediadas as relações entre o governo de

Montevidéu e o governo de Porto Alegre. Se já explicitamos as transações entre castilhistas

e saraivistas, vejamos como reage a autoridade oriental no patamar do relacionamento com

o Brasil.

Ainda em dezembro de 1896, o vice-cônsul oriental em Quaraí, Pedro Onetti,

comunicava o Ministro das Relações Exteriores em Montevidéu, Oscar Ordeñana, de que


Eduardo Acevedo Díaz, acompanhado por outros indivíduos dos quais não sabia o nome,

conferenciara com o intendente municipal e após seguira viagem ao acampamento de João

Francisco Pereira de Souza, em Santana do Livramento. O cônsul dava ciência do fato ao

seu superior pelo fato de que constava que "anda em trabalhos subversivos para fomentar a

rebelião de Aparício Saraiva ". ( nota : Archivo General de la Nacion. Montevidéu,

09/12/1896. carpeta 1393.)

O corpo consular uruguaio fixado no Rio Grande do Sul, mostrava-se bastante

atento aos movimentos que se fazia na fronteira, visto ser por ali que passavam armas e

munições aos rebeldes blancos. Alguns cônsules, porém, custavam a admitir a existência

de um grosso tráfego revolucionário nos limites de suas jurisdições. Rebatendo o noticiário

da imprensa montevideana, o representante em Uruguaiana dizia serem inverídicas as

informações de que por ali seguia material bélico para abastecer os saraivistas. Alegava o

cônsul Suarez que era impossível ter passado armamentos por ali, visto " ser a costa do

Uruguai muito bem guarnecida, o que torna difícil a passagem " . ( nota : Archivo General

de la Nacion. Montevidéu. 22/02/1897. Carpeta 1393) . Quanto ao afluxo de cidadãos

orientais à fronteira brasileira, Suarez atribuía "ao simples temor de uma revolução, mas

não com o fim de alistar-se nas filas revolucionárias. "( nota: idem) . Mais tarde, porém, os
fatos provariam que ao cônsul oriental a movimentação revolucionária tinha passado

despercebida. Em seguida, Suarez iria rever sua posição, o que fica explicitado em sua

correspondência com o Ministro em Montevidéu, já no mês de março, logo após o espocar

da revolução. Dizia o cônsul oriental:

" Devo manifestar a V.E. que dias depois de haver

dirigido minha nota datada de 22 do passado, che-

gou ao meu conhecimento a notícia de que os re -

volucionários haviam passado armamento pela barra


do Ibicuí ou em suas imediações. Eu teria, Exmo. Sr.,

provas para assegurar ao Governo que em tal ponto

e precisá-lo, os revolucionários haviam passado um

armamento, a data ,forma e modos como o efetuaram;

posto que creio Exmo. Sr., em meu humilde entender,

que nosso Governo ao denunciar ao do Rio de Janeiro,

a manifesta proteção que as autoridades do Rio

Grande dispensam aos revolucionários, deve ser de

forma clara e precisa, com provas suficientes do fato,

que incontestavelmente, nunca poderiam desautorizar as

autoridades implicadas na denúncia; esse é o motivo por-

que trato sempre de informar a V.E. com a verdade e

com provas. No princípio do movimento revolucio -

nário, tive a honra de manifestar a V.E. que indireta -

mente o Governador Castilhos, prestava proteção aos

revolucionários, sendo que as autoridades

fronteiriças de sua confiança tais como


João Francisco e outras , a dispensavam a estes ."

(grifos nossos)

(nota : Archivo General de la Nacion. Montevidéu.

10/03/1897. Carpeta 1393 )

Como já referimos, os cuidados do governo gaúcho em evitar um clima de

distensão nas relações com o governo oriental, não impediam que fosse de conhecimento

público o favorecimento que dispensava aos blancos saraivistas, como bem o demosntra a
missiva do cônsul em Uruguaiana. O mesmo acontece em Santa Vitória do Palmar, com

uma significativa imigração blanca, e na já referida Quaraí; contudo os representantes

uruguaios nestas localidades apontam Livramento como o quartel-general dos

revolucionários, sendo que suas cidades servem praticamente de trânsito a eles.

A partir do primeiro mês de guerra, percebe-se pela documentação analisada

que a tônica recai sobre o envolvimento de Castilhos com os blancos. O teor da

correspondência consular indica profundo desagrado pelo fato. Acompanhando a

movimentação insurgente, os cônsules relatam que "as autoridades, da mais alta hierarquia,

já não se preocupam em manter as aparências, e fazem escárnio sa boa harmonia

internacional, amparando e protegendo (...) a revolução oriental ."(nota: Archivo General

de la Nacion. Montevidéu. 12/03/1897. De Pedro Onetti a Oscar Ordeñana . Carpeta 1393)

Embutida nas críticas ao governo rio-grandense, estava todo um temor de

comprometimento das relações internacionais entre Uruguai e Brasil. Já nota-se,

perfeitamente, um clamor pela intervenção do governo federal nos assuntos gaúchos que

dizem respeito ao Uruguai. Da mesma forma que Castilhos cobrava neutralidade da

República Oriental por ocasião dos sucessos de 1893-1895, quase levando o Brasil ao
rompimento das relações diplomáticas com o país vizinho, agora era a vez das autoridades

orientais queixaram-se da ingerência indevida.

O Ministro das Relações Exteriores do Brasil, face ao volume de queixas

provenientes do Encarregado de Negócios da República Oriental, no Rio de Janeiro, Angel

Dufour, justificava como infundadas as acusações "feitas às autoridades de Santana do

Livramento, de consentirem na passagem de armas e munições para os revolucionários que

estão em Rivera" (nota: Archivo General de la Nacion. Montevidéu. 03/07/1897. carpeta

969 )
Tranqüilizados pela cobertura proporcionada pelas autoridades gaúchas os

revolucionários não preocupavam-se em usar de muita discrição. Escrevendo sobre a

rotina em Livramento, o cônsul Gabriel Vazquez informava seu superior em Montevidéu de

que,

" Nos hotéis de Santana, ruas e demais paragens

públicas, têm-se exibido, e ainda se exibem, che-

fes, oficiais e indivíduos da tropa da revolução,

fazendo alarde de suas armas e divisa blanca nos

chapéus, permanecendo as autoridades impassíveis

ante tais demonstrações, que demonstram de uma

maneira palpável que as ordens que V.E. pôde

impetrar para evitar estes fatos, não forma de manei-

ra alguma cumpridas."

( nota: Archivo General de la Nacion. Livramento.

04/06/1897.)

As reclamações e queixas provenientes dos vice-consulados uruguaios na região

fronteiriça, sucederam-se durante todo o ano de 1897. As manobras de guerra era

indisfarçáveis e ocorriam sob às vistas dos gaúchos. O foco das reclamações recaía sobre

a cidade de Livramento. Dali, o representante oriental anotava a passagem de líderes

blancos, tais como Eduardo Acevedo Díaz, Luis Gil, Juan Francisco e Ignacio Mena,

Abelardo Marquez, sobre os quais recaíam pedidos de internação imediata por parte do

governo uruguaio que eram, em quase todos os casos, ignorados pelo Rio Grande que, por
seu turno, " prestava-lhes decidida ajuda (...),sem molestá-los, nem desarmá-los "

(nota: Archivo General de la Nacion.Livramento. 16/06/897)

De fato, fazia-se um grande apelo ao governo gaúcho para que procedesse com

eficiência as internações solicitadas pelas autoridades orientais. Em raros os momentos,

estes pedidos foram atendidos. O cônsul em Livramento explicava o fato da seguinte

maneira:

" A ordem de internação só é cumprida com

os que abandonam as filas revolucionárias,

máximo nestes casos, em que os cabecilhas

blancos têm marcado interesse em que se ve-

rifique esta internação . "

( nota: Archivo General de la Nacion. Livramen-

to. 02/08/1897)

O mal-estar causado pelas constantes reclamações dos representantes uruguaios ao


governo do Rio de Janeiro, levaram a que o Ministro das Relações Exteriores interpelasse o

titular da pasta da Guerra, que, por sua vez, cobra explicações do Comandante do 6°

Distrito Militar, no Rio Grande do Sul, Comandante Carlos Eugenio. em telegrama ao seu

superior, o comandante relata o seguinte:

" Cabe informar apesar vigilância e boa vontade

é impossível impedir algumas correrias em fron-

teira como a do Estado Oriental quase toda aberta


e com algumas centenas de léguas. Seria preciso

exército centenas de mil homens e nós ali temos

apenas sete regimentos cavalaria com dois mil ho-

mens auxiliados por outros dois mil da força estadual."

(nota: Archivo General de la Nacio. Porto Alegre.

9/7/1897. Carpeta 969)

Outro problema enfrentado pelo governo uruguaio no Rio Grande, referia-se à

pouca confiabilidade dos telégrafos brasileiros, suspeitos de quebrarem o sigilo das

correspondências trocadas entre os vice-cônsules e o Ministério em Montevidéu.

Se, por um lado, tudo contribuía para facilitar a movimentação blanca no Estado,

por outro, as autoridades consulares não ficavam de braços cruzados frente à correria

revolucionária, tratando de organizar a compra e o envio de armas e munições para as

forças legalistas lideradas pelo general Justino Muniz. ( ver documentação proveniente do

Vice-Consulado uruguaio em Rio Grande. Archivo General de la Nacion. Rio Grande.

agosto de 1897 )

A relação diplomática entre os dois países chegou a um ponto crítico, em

setembro de 1897, quando o Encarregado de Negócios, Angel Dufour, sugere ao Ministro

Oscar Ordeñana que manifeste ao Ministro brasileiro em Montevidéu o profundo

desagrado da República Oriental pela conduta desleal utilizada eplo Brasil no concernente

aos assuntos da fronteira.( nota : Archivo General de la Nacion. Rio de Janeiro. 05/09/1897.

Carpeta 969. )
O estremecimento entre as autoridades ministeriais uruguaias e brasileiras

deveu-se, em larga medida, à conduta do governo rio-grandense no que se refere ao levante

blanco. Tal assertiva ganha maior dimensão ao analisarmos uma variável na qual temos

insistido em chamar a atenção ao longo do trabalho, e que merece interpretação particular.

Estamos referindo ao patamar de relacionamento entre o governo castilhista e o governo

federal, o qual motivou, em grande parte, a incrementação de uma diplomacia marginal.

4.4 - O Governo Castilhista sob uma Diplomacia Marginal

As relações entre o governo gaúcho e o governo federal foram, ao longo da

década de noventa alternadas por episódios de colaboração e de inequívoco

estremecimento. Durante o governo de Deodoro da Fonseca, tão afeito a uma postura


autoritária quanto Castilhos, não ocorreram maiores sobressaltos. No entanto, quando o

Marechal renuncia, em novembro de 1891, assumindo o vice-presidente Floriano Peixoto,

dão-se os primeiros sintomas de desacerto entre o estado gaúcho e o geverno federal.

Afastado do poder por ter apoiado o golpe de fechamento do Congresso dado por Deodoro,

Castilhos se ressentirá profundamente da atitude de Floriano, imediatamente arquitetando

sua volta ao poder, o que se dá em julho de 1892, através de um golpe que derruba o dito

"governicho", o qual contou com o beneplácito do governo florianista. Já discorremos, em

capítulo anterior, sobre as razões que levaram o governo federal a consentir na reinstalação

de Castilhos no poder estadual. A debilidade da recém implantada República urgia


governos fortes para mantê-la, e o PRR era sem dúvida um elemento de peso significativo

nesta tarefa.

A tradição de autonomia do Rio Grande do Sul na suas relações com o governo

central, a qual já referimos, encontrará em Júlio de Castilhos uma disposição férrea em ser

mantida e até expandida. Castilhos tinha concepções particulares de conceber a

administração do Estado, fundamentado amplamente nos preceitos da filosofia positivista,

que encontrou nele seu mais ardente defensor e praticante. Todo o poder deveria

concentrar-se no Executivo, delegando ao Legislativo tarefas consultivas e orçamentárias.

Na prática, o estilo de Castilhos guardava estreitas vinculações com o dos militares

jacobinos que cercavam Floriano e que tanto pleitearam pelo seu continuísmo.

O estilo de governo de Castilhos impô-se além do âmbito das fronteiras

estaduais, interferindo em questões cuja natureza não seriam de sua alçada, como por

exemplo, tratativas políticas com governos estrangeiros que, a rigor, pertenciam à esfera do

Ministério das Relações Exteriores. Tal fato fica perfeitamente patente no caso das

relações com o Uruguai, as quais foram caracterizadas por uma grande dose de autonomia,

chegando-se ao ponto de desconsiderar a orientação federal, revelando um


encaminhamento marginal àquela política. A atuação de Vitorino Monteiro, em

Montevidéu, e de Fernando Abbott, em Buenos Aires, sobre as quais dissertamos em

capítulo anterior, são prova inconteste de tal situação.

Se tivemos oportunidade de analisar os meandros desta política internacional

gaúcha, no que tange à República Oriental, durante os anos que cobrem a revolução

federalista, observaremos, após 1895, um processo de continuidade.


É conhecida a insatisfação do governador gaúcho por ocasião das negociações de

paz em 1895, coordenadas pelo general Galvão, a partir de conversações com o General

Tavares. Mesmo contando com a oposição de Castilhos,prosseguem os contatos, pois o

então Presidente, Predente de Moraes, dá todo apoio ao seu plenipotenciário. Em um

protocolo assinado por ambos, Tavares afirmava não ter-se revoltado contra o governo

federal, e sim contra o de Castilhos, apenas.( nota : sobre estas transações ver: LOVE,

Joseph. Op. cit. ; e, mais detalhadamente, CARONE, Edgard. A República Velha II -

evolução política.São Paulo: Difel, 1983)

A proposta de paz contava com dois itens polêmicos: um dizia respeito à

intervenção federal no Rio Grande e o outro à anistia. O primeiro será rechaçado após uma

consulta a políticos influentes da capital federal, por entenderem que feria a autonomia

estadual; o segundo será convertido em lei, contrariamente às pretensões do presidente

gaúcho.

O que mais contava, no entanto, para o governo federal era a pacificação do Rio

Grande, pois isto estava diretamente relacionado ao processo de afirmação do controle civil

da República, iniciado com a eleição de Prudente.

Os sucessos fronteiriços de 1896 e 1897 dariam lugar para Castilhos exercitar

novamente uma diplomacia em descompasso com a do Ministério das Relações Exteriores.

Nesse sentido, entendemos que analisar a postura de Castilhos no que concerne às relações

com a República Oriental é, também, desvendar seu relacionamento com o governo federal.

As reclamações do Encarregado de Negócios, Angel Dufour, sucediam-se.

Argumentava ele ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil que não entendia a razão
das autoridades brasileiras não tomarem providências contra os revolucionários blancos

estabelecidos em Livramento. Nosso Ministro dizia não ter conhecimento daquela presença.

Indignado, o representante uruguaio contestava

" fazendo-lhe notar que era sumamente estranho

que os repórteres da imprensa daquela localidade

estivessem a par de todos os movimentos dos re-

volucionários e a polícia não se apercebesse deles."

( nota: Archivo General de la Nacion. Montevidéu.

17/04/1897. Carpeta 977 A )

A explicação para tal fato era dada pelo próprio Angel Dufour, nos seguintes

termos:

" Este Governo expede ordens no sentido que

a Legação lhe solicita; porém, indubitavelmente,

as autoridades do Rio Grande não as cumprem,


e antes de passar por desobedecido e deixar ver

sua debilidade, trata de negar a verdade dos fatos,

chegando até a fazer-se solidário com o proceder

incorreto de seus subalternos. ( grifo nosso)

( nota : idem)

No contexto que analisamos, fica patente o desacerto entre o Rio Grande do Sul e

o governo federal no que tange às tratativas com as autoridades orientais. Enquanto o Rio
de Janeiro procede de uma forma; o governo de Porto Alegre simplesmente ignora suas

orientações.

Da parte da República Oriental, cobra-se insistentemente o cumprimento das

promessas de neutralidade feitas pelo Brasil. No mesmo documento, o Encarregado de

Negócios assinala ao seu superior, Ordeñana, que,

" Atrevo-me a expressar a V.E. que, salvo sua mais

ilustrada opinião, creio chegado o momento de pro-

ceder com maior energia, exigindo a este Governo

o cumprimento das promessas de neutralidade às

quais se obrigou aos atentos pedidos desta Legação,

do contrário continuarão as coisas como até esta data,

e os revoltosos, tendo por campo de operações o

território do Rio Grande, não cessarão de molestar o

Governo da República.

Esta é a opinião que formei em vista ( ilegível) das

repetidas ordens dadas pelo Governo Central para


aprender e trazer ao Rio de Janeiro determinados in-

divíduos. Nelas expressavam-se seus nomes e lugares

onde se achavam e, apesar de tudo, os funcionários

do Rio Grande não tropeçaram com nenhum deles. "

( nota : idem)
Um misto de descaso e má vontade caracterizava a atitude das autoridades gaúchas.

Podemos especular que, de certa forma, aproveitavam o momento para uma dupla

objetivação. Primeiro, estimulavam a convulsão contra o governo colorado e teciam

comprometimentos com os blancos saraivistas. Convulsionada a zona fronteiriça e

atrelados os blancos aos castilhistas ficava mais difícil para os federalistas encetarem

qualquer manobra contra o governo gaúcho. Segundo, na condição de fronteira viva com o

Uruguai, os castilhistas reservavam-se o direito de conduzir por si mesmos a estratégia de

ação frente ao país vizinho, desconsiderando abertamente as orientações emanadas do Rio

de Janeiro. Prova cabal está contida no documento citado acima, no qual observa-se que as

ordens vindas do Rio não eram cumpridas no estado sulino.

Em maio, acontece um fato bastante suspeito. Em função dos constantes e

insistentes pedidos de providências quanto à internação, em território rio-grandense, dos

líderes blancos, foi finalmente preso Duvimoso Terra. Detido em Porto Alegre,

comprometeu-se em ficar à disposição das autoridades brasileiras, que somente esperavam

que um navio zarpasse rumo ao Rio de Janeiro para embarcar o revolucionário. Terra, no

entanto, segundo informações das autoridades gaúchas, burlou a vigilância e abandonou a

cidade. O episódio causou sérias desconfianças não somente no governo uruguaio, como
também no General Cerqueira, chefe do comando das tropas federais na fronteira, que em

diligências viu confirmada sua suspeita de que a fuga havia sido facilitada por funcionários

do governo rio-grandense.

Face a esta conjuntura de desconfianças o Ministro do Exterior do Brasil envia

telegrama à Legação brasileira em Montevidéu informando sobre notícias veiculadas pela

imprensa a respeito de uma suposta missão oriental que estaria em contato Júlio de

Castilhos. O Ministro considerava o fato como uma invasão de poderes, e solicitava


imediata averiguação dos fatos. ( nota : Arquivo Histórico do Itamaraty. Rio de Janeiro.

31/04/1897)

O somatório de críticas à atuação do governador gaúcho, acusado de facilitar a

penetração blanca em nosso território, produz de pronto sua defesa. Transcrevemos a

justificativa de Castilhos frente à acusação feita pelo General Muniz, chefe das forças

coloradas, de que o governador abrigava em seu território os revolucionários blancos. Em

um tom encontrado em grande parte de seus discursos sobre o assunto, assim pronuncia-se

Castilhos ao Ministro das Relações Exteriores no Rio de Janeiro:

" O Governo do Estado tem as suas forças es-

tendidas ao longo da extensa linha divisória

desde a fronteira de D. Pedrito até a foz do

Quaraí, no rio Uruguai, por serem as regiões

mais expostas às incursões de forças orientais;

e aí a inviolabilidade do nosso território há sido

mantida (...)

Onerados já os cofres estaduais com avultadas


despesas que constituem incumbência peculiar

à União, e isso pela necessidade imperiosa de

resguardar o Rio Grande do Sul, naquela impor-

tante zona, da invasão e depredações de parte

de grupos armados, não podem sobrecarregar-se

mais com a guarda da fronteira do sul, onde entre-

tanto mandei organizar um corpo provisório para

observar a linha entre Jaguarão e Bagé.

Pelo que deixo exposto verificareis que, se fosse


verdadeiro o testemunho do general Muniz, nenhuma

culpa poderia ser levada à conta do Governo do

Estado pelo abandono em que ficou a guarnição

de Bagé, onde a força federal é diminutíssima, com-

pondo-se de um pequeno regimento de artilharia na

cidade e de um regimento de cavalaria, com pessoal

reduzido e sem elementos de mobilização. "

( nota : Arquivo Histórico do Itamaraty. Rio de Janeiro.

04/09/1897)

Percebe-se claramente o duplo jogo realizado pelo governador rio-grandense. Ao

mesmo tempo em que defendia-se usando a penúria finaceira do Estado para justificar o

reduzido contingente militar junto à fronteira , jogava sobre os ombros da União a

responsabilidade de fiscalizar aquela área. Por essa ótica, se os revolucionários orientais

invadiam o território gaúcho, o fato não era de inteira responsabilidade de Castilhos, tendo

o governo federal, nesse caso, parte de culpa. A precária situação dos corpos federais na

fronteira gaúcha era um excelente expediente para explicar a invasão blanca e encobrir o
beneplácito da autoridade rio-grandense.

Nesta correspondência, além do mais, há informações desencontradas com as

que se verificou até o momento. Os pontos de maior trânsito dos blancos não constituía-se a

zona guarnecida pelos batalhões estaduais,entre D. Pedrito e Quaraí, mas justamente aquela

localizada entre Jaguarão e Bagé, esta última sede da fazenda de Aparício Saraiva, cujo

contingente militar ficava a cargo do governo federal. Os esforços de enviar tropas

estaduais para esta região, no entanto, sempre acabavam esbarrando na falta de recursos
financeiros, o que tornava-se adequado às tratativas de Castilhos com os blancos, os quais

tinham a fronteira praticamente franqueada.

As circunstâncias nas quais estava envolvido o governo federal, tentando, sem

sucesso, sufocar o movimento de Canudos, obrigavam-no a deslocar o grosso de suas

tropas para o sertão baiano. É assim que Castilhos reforça ainda mais seu domínio no Rio

Grande fazendo saber que:

" É profundamente deplorável o que se vai passando !

Enquanto o Estado não hesita em retirar do seu Tesouro,

para reforçar a inviolabilidade das fronteiras internacionais,

somas enormes, desviadas assim da aplicação a notáveis

obras públicas e do estímulo às expansões do pacífico

movimento industrial; enquanto subsidia eficazmente aquele

serviço de natureza federal, prestando a sua constante coope-

ração às distintas guarnições compostas pelas forças sempre

abnegadas do exército brasileiro, quase desamparadas pelo


Governo da União, que as conserva desprovidas de recursos

essenciais, apesar dos justos reclamos em vão repetidos(...)

o Estado (...) corre em auxílio das exigências nacionais."

( nota: Mensagem à Assembléia dos Representantes do

Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 20/09/1897)

Em um primeiro momento, as manifestações de Castilhos até poderiam ser

encaradas como disposição em coibir as invasões dos blancos insurgentes, infrutífera


devido à precariedade de vigilância fronteiriça. Os antecedentes atestam, porém, que o

ardiloso governador usava o tom ameno e diplomático a fim de escamotear uma ação

previamente concebida para reforçar a estabilidade do PRR e, por tabela, autonomia do

Estado.

Para Castilhos, a federação era entendida assim: total autonomia estadual,

inclusive, como viemos provando, no campo do relacionamento internacional, e

participação do governo central somente em casos de crise financeira ou necessidade de

auxílio militar. Aliás, o governador gaúcho fazia questão de afirmar que ,

" Quaisquer que sejam as eventualidades ou desregra-

mentos das paixões desenvoltas, saberei sempre com

honra defender a autonomia do Estado, arrimando-me

ao indestrutível amparo da lei e confiando na generosa

solidariedade do povo rio-grandense, agremiando em

torno da ordem contra a anarquia que vem de cima. "

( grifo nosso)

( nota: Idem)

Passados os anos nos quais a guerra civil assolou o território rio-grandense,

Castilhos encorajava-se a praticamente ignorar o governo federal e a cada vez mais

reafirmar a autonomia de seu governo.

Tal fato era registrado, inclusive, pela imprensa montevideana que, ao primeiro

sinal das escaramuças na fronteira, apontavam a forma independente com a qual o Rio

Grande tratava os assuntos referentes à revolução blanca:


" Em vão o governo central envia ordens de

aparente energia para que se cumpram sobre

a fronteira oriental os deveres da boa vizinhança.

João Francisco Pereira e Aparício Saraiva, de-

pois de haver-se feito uma guerra de extermínio,

fizeram uma liga de ódios contra o senhor Idiarte

Borda, e sob o patrocínio daquele, e de outros

chefes castilhistas, Aparício recruta, arma e or-

ganiza suas forças, sem dissimulação, sem pressa."

( nota : La Razon. Montevidéu. 20/02/1897)

No mesmo artigo, é bastante criticada a atuação do encarregado de negócios no

Rio de Janeiro:

" Estes fatos são notórios em toda a fronteira,

entretanto o Governo Oriental tem deixado a


cargo de um jovem chamado Dufour a legação

do Rio de Janeiro - quer dizer, a legação na qual

deveria estar melhor representado e melhor servido,

para tratar de conseguir que o território brasileiro

deixe de ser frágua invulnerável de revoluções

blancas ." ( nota: idem)


À semelhança do que ocorreu com os castilhistas em 1893, as gestões coloradas

junto ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, pouco ou nenhum efeito prático

surtiram. Muitas promessas de neutralidade contrapunham-se à uma reaidade na qual os

blancos usufruíam da conivência do governo gaúcho para administrar a revolução do

território rio-grandense. Castilhos atrelava os blancos em um compromisso de

reciprocidade futura que, concomitantemente, dificultaria uma suposta movimentação

federalista na zona fronteiriça. E, numa tediosa repetição, o Rio Grande assumia posição

privilegiada frente ao governo federal devido à sua condição fronteiriça, diretamente

relacionada com a questão da segurança nacional.

Na medida em que avançava a revolução blanca, aumentavam os rumores de que

o governo de Idiarte Borda mandava emissários secretos para conferenciarem com

Castilhos questões de caráter internacional. Isto era aventado pelos jornais uruguaios

oposicionistas ao governo, mas este evitava pronunciar-se muito sobre tal assunto,

preferindo uma atitude discreta que não fosse capaz de fomentar mais especulações.( nota:

La Razon . Montevidéu. 27/05/1897)

Pelas indicações contidas na documentação analisada, não podemos dizer se os


agentes colorados obtiveram êxito nas tratativas com o governador gaúcho. Fica patente,

porém, o empenho do representante brasileiro em Montevidéu, Alberto Fialho, em obter

favores ao governo Borda. Ao menos é o que atesta seu telegrama ao Ministro no Rio de

Janeiro, Dionísio de Castro Cerqueira, redigido nos seguintes termos:

" Governo Oriental expede hoje Rio Grande por vapor

Enrique Barroso cem caixões contendo munições desti-

nadas seu exército. Major Anastacio Gamarra, delegado

Ministério Guerra, acompanha carga para fiscalizar dili -


gência trânsito até ponto destino.Ministro Relações pede

minha intervenção junto Governo Brasileiro a fim de não

pôr embaraço essa remessa invocando favores idênticos

feitos tempo revolução federalista. "(grifo nosso)

(nota: Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu.

27/07/1897 )

Inferimos que de acordo com as pressões vindas do governo central e do governo

uruguaio, Castilhos tinha de, obrigatoriamente, oferecer uma justificativa para sua postura

diante dos acontecimentos orientais. O governador gaúcho então, estrategicamente, apelou

para o tão propalado temor de uma nova invasão federalista no Estado.Em mensagem à

Assembléia, o governador gaúcho colocava que,

" Não me é dado, infelizmente, assegurar-vos que

o Rio Grande do Sul esteja inteiramente livre de

qualquer ameaça de perturbação da tranqüilidade

pública.
Muitas circunstâncias fazem crer que os ex-rebeldes,

submetidos ao domínio da lei em 1895, não estão

ainda sinceramente conformados a agir no exclusivo

campo das lides pacíficas mediante o emprego dos

processos regulares. "

( nota:

Mensagem à Assembléia dos Representantes do

Estado do Rio Grande do Sul pelo Presidente

Júlio de Castilhos. Porto Alegre. 20/09/1897)


Esse discurso, no entanto, não convencia sequer as autoridades ligadas ao

governo no Rio de Janeiro. Prova de tal afirmação, são as palavras de Alberto Fialho a

Dionísio Cerqueira:

" nada me induz a crer, por ora, na possibilidade de

uma nova invasão federalista no Estado do Rio

Grande do Sul, antes estou inclinado a pensar que

os rumores espalhados a este respeito são filhos de

exageradas preocupações se não respondem a fins

políticos de caráter partidário. " ( grifo nosso)

(nota: Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu.

27/10/1897 )

O texto acima desenha com clareza o uso que Castilhos fazia de uma possível

ameaça de invasão federalista no Rio Grande, usando-a para legitimar suas ações
autoritárias na política interna do estado sulino, bem como seu procedimento desconectado

da orientação do governo central no que tange às relações internacionais. Da mesma forma

que, durante o período revolucionário de 1893-1895, o governador gaúcho utilizou-se de

argumentos como o separatismo, o monarquismo e o restauracionismo dos federalistas a

fim de habilitar todo e qualquer ato coibidor daquele movimento, agora usava o mesmo

expediente para afastar de si possíveis intervenções ou explicações a respeito da conduta

de seu governo.
A parcialidade do governo castilhista frente ao conflito urugauio era patente. Os

consulados orientais no Rio Grande, como já tivemos oportunidade de verificar, traziam à

público sua insatisfação que era coadnunada inclusive por alguns orgãos da imprensa

fronteiriça, de inspiração federalista. Atenta à perspicácia do governador, A Fronteira,

periódico de Quaraí, assim manifestava-se:

" Além de querer, como realmente quer, tomar

parte em questões que não o afetam, das des -

graças e misérias alheias, serve-se da revolução

castelhana a fim de ainda mais apertar a cadeia

tirânica que está viciando o Rio Grande do Sul-

pretexto magnífico para aumentar a brigada militar-,

o único centro de gravidade do governo que nos

está desgovernando. "

( nota: A Fronteira. Quaraí. 18/03/1897)

Guardada a dose de comprometimento do periódico, era fato comprovado que


Castilhos aproveitava-se da revolução blanca para imprimir maior força à Brigada Militar,

que manipulava à razão de sua conveniência.

Como dissemos no início deste capítulo, as relações entre o Rio Grande do Sul e

o Uruguai, neste período, passam a ser mediadas pela revolução blanca. Tentamos

demonstrar que Castilhos, em função do contexto de instabilidade política no país vizinho,

realizou sua estratégia de enfraquecer qualquer possibilidade de revide federalista que


pudesse estar sendo articulada no outro lado da fronteira. O expediente utilizado para isso

foi a aliança com os revolucionários blancos, liderados por Aparício Saraiva, que tinha

como liame gaúcho João Francisco Pereira de Souza, não por coincidência , o controlador

da fronteira oriental.

Ao mesmo tempo em que encaminhava sua política com o Uruguai nas bases de

uma quase completa desvinculação da orientação federal, Castilhos reafirmava a autonomia

do Rio Grande que, terceiro estado em importância nacional, se não podia enfrentar a

hegemonia do café-com-leite, utilizava como trunfo sua condição de fronteira viva com

países que, historicamente, abalaram a estabilidade e comprometeram a própria unidade

política brasileira. Desse modo, o governador gaúcho foi consolidando a hegemonia do

PRR no estado e sufocando completamente as possibilidades de manifestação

oposicionistas.

A revolução blanca de 1897 constituiu-se em um braço deste projeto, iniciado

com a perseguição e a guerra aos federalistas em 1893 e completado com a outra

insurgência blanca ,em 1904, a qual encerraria o ciclo de instabilidade política interregional

e asseguraria ao PRR o fim das ameaças oriundas da zona fronteiriça. Sobre os sucessos
de 1904, e o encerramento do ciclo de instabilidade bilateral nos debruçaremos no último

capítulo.

2. AS FISSURAS POLÍTICAS COMPROMETENDO A PAZ

Após a celebração da paz em 1897, Aparício Saraiva passa para o primeiro


plano dentro do Partido Nacional, tornando-se um verdadeiro símbolo da causa blanca. Os
anos de paz tornarão mais visíveis as diferenças entre o caudilho e os doutores
nacionalistas.

Suas relações com o Diretório, entretanto, eram muito complexas visto que
ambos constituíam dois centros de poder partidário separados por sua formação intelectual,
pelo ambiente em que se moviam e pela própria distância geográfica, suprida, via de regra,
por delegações do Diretório que tomavam o rumo de Cerro Largo para conferenciar com
Saraiva.3

Os problemas começam a agravar-se em meados de 1900 , quando se


iniciam as discussões das futuras eleições que iriam ocorrer nos anos seguintes. Em 1900
aconteceriam as eleições para os Colégios Eleitorais para senadores pelos departamentos de
Tacuarembó, Rio Negro, Rocha, Flores, Treinta y Tres e Rivera; em 1901, eleições gerais
para deputados e Juntas Econômico-Administrativas; e em 1902, novamente, eleições de
Colégios Eleitorais para senadores pelos departamentos de Florida, Soriano, Salto e
Canelones.

A discussão constante nestas ocasiões referia-se ao problema do acordo


político eleitoral entre os grandes partidos tradicionais, cujo objetivo era enfraquecer as
pretensões dos coletivistas que pretendiam readquirir as posições perdidas com a morte de
Idiarte Borda. As dissensões internas que padecia o Partido Colorado diminuíam suas
chances de vitória no pleito que se aproximava e por isso buscam os colorados um novo
acordo eleitoral com seus adversários. Isto também tornava-se necessário à medida em que
os colorados sabiam que nos comícios livres seriam irremediavelmente vencidos.

O Partido Nacional recusou-se a fechar o acordo com o Partido Colorado nas


eleições de 1900, e acabou por ganhar as senatorias disputadas, ou melhor dito, ganhou o
pleito de escolha de eleitores dos senadores. Conclamando incessantemente sua gente a
inscrever-se nos registros eleitorais, Saraiva garantiu a vitória nos departamentos de Treinta
y Tres, Tacuarembó, Flores, Rivera, Rio Negro e Rocha. Dois destes departamentos, Rivera
3
A fim de verificar as dissidências internas dos blancos, após 1897, ver: GALVEZ, Manuel. Op. cit. p.
233segs.
e Flores, eram governados pelos blancos, de maneira que não de se estranhar seu triunfo ali.
Porém, nos quatro restantes governavam os colorados, e apesar da tremenda pressão oficial
vencem os blancos, demonstrando a enorme influência de Saraiva na região.

No entanto, os blancos não se preocuparam em organizar o partido para a


luta inevitável, civil ou armada, que se descortinava por ocasião das eleições presidenciais,
descansados que estavam sobre as seis chefaturas que haviam obtido graças ao empenho de
Saraiva.

É interessante observar a impressão do cônsul brasileiro em Montevidéu


sobre o momento político do Uruguai de então. Assim referia-se ele:

O partido blanco anda também desorientado; enquanto


alguns querem o acordo eleitoral, outros o combatem
tenazmente. Os coletivistas farejam na treva, esquadrinham,
ameaçam, intrigam... Felizmente carecem de dinheiro e de
apoio na opinião pública; servem, entretanto, para provocar
o mal-estar atual, ameaçando sempre.4

O mencionado mal estar tenta ser dissolvido quando, às vésperas das


eleições de 1901, surge novamente a questão sobre o acordo eleitoral. Depois de muitas
negociações, foi proposta uma fórmula conciliatória: garantia-se 29 deputados para cada
um dos partidos tradicionais, nas eleições de 1901; e os colorados ficariam com as
senatorias vagas, em 1902. Ou seja, repartia-se as bancas de senadores e deputados, sendo
que o Partido Colorado levava maior vantagem, inclusive pleiteando à presidência da
República, deixando ao Partido Nacional a administração dos seis departamentos
combinados no Pacto da Cruz, como garantias de eleições livres para o seguinte período
eleitoral.

A aceitação do acordo eleitoral de 1901 significou para o Partido Nacional


uma grande desvantagem para suas pretensões políticas nas eleições presidenciais de 1903,
4
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Montevidéu. 2/8/1901. De Geraldino Silveira para
Borges de Medeiros.
visto que o Partido Colorado havia garantido a maioria do Congresso - ou Assembléia
Geral- que elegeria o sucessor de Cuestas.

Nestas alturas dos acontecimentos o pacto de 1897 estava passível de ser


renegado, pois o candidato colorado José Batlle y Ordoñez, era um severo crítico do
mesmo.

Precavendo-se quanto a um possível impasse, Saraiva obteve de Cuestas,


em troca da renúncia blanca em concorrer as senatorias que lhe caberiam, em 1902, a tácita
aquiescência para introdução de armamento destinado ao seu parque militar, o que serviria
de garantia para os compromissos firmados em 1897.

O grande problema que se coloca a partir das negociações para o acordo


eleitoral residia na desilusão causada em Saraiva que, depois de enfrentar a revolução pela
liberdade de sufrágio, via as decisões serem tomadas nos bastidores da política. As
discrepância entre o caudilho e outros membros do diretório agravavam-se dia a dia. Este
era o caso de Eduardo Acevedo, que acusava Saraiva de querer converter-se em ditador do
nacionalismo; de Duvimoso Terra, outro ressentido, a quem Aparício havia afastado da
direção da Junta de Guerra, em 1897; e também de Alberto Palomeque, que não obteve
aprovação de Saraiva para candidatar-se a deputado por Cerro Largo, em 1901.5

Prevendo um agravamento da situação e sabendo que a revolução poderia


eclodir a qualquer momento, Saraiva comprava armamento e treinava sua gente. O local
escolhido para o adestramento militar de seus homens foi justamente o Rio Grande do Sul,
precisamente a propriedade de João Francisco Pereira de Souza chamada Parque Oriental6.
Ali, com a conivência das autoridades rio-grandenses, preparavam-se os futuros oficiais do
exército revolucionário.

5
Palomeque publicaria depois uma obra intitulada El Año Fecundo, na qual retrataria suas diferenças com o
Partido Nacional e com Saraiva.
6
ABADIE, Washington Reyes. Crónica de... Op. cit. p. 312.
Saraiva contava também com a cooperação do Chefe Politico de Rivera,
Abelardo Márquez, que adquiria armas no Brasil e as passava a Cerro Largo; e de Carmelo
Cabrera, convertido em agente do caudilho, responsável por contatos com o Diretório
nacionalista e com lideranças políticas do Rio Grande e da Argentina.
3. O PREÂMBULO REVOLUCIONÁRIO

Os blancos de Saraiva sabiam o motivo de tecer alianças com os castilhistas


no Rio Grande. O pacto de 1897 era instável e a qualquer discrepância mais grave poderia
advir o levante armado. Os blancos da campanha não pretendiam abdicar de suas posições
conquistadas e, por isso, necessitavam cercar-se de garantias. O discurso poderia ser
profícuo, pensava Saraiva, mas a força das armas era argumento mais convincente.

A movimentação política iniciada em meados de 1900 já visava as eleições


presidenciais que ocorreriam em março de 1903. O principal nesta conjuntura constituía-se
na dúvida sobre a sobrevivência ou não do regime de co-participação. Disto dependia a
manutenção da paz obtida em 1897.

Pelo Partido Colorado surge candidato José Batlle y Ordoñez, chamado Don
Pepe, imediatamente rechaçado pelos nacionalistas, que por seu turno não tinham votos
suficientes para indicar um candidato7. O discurso de Batlle apontava para problemas caso
fosse eleito presidente. Vejamos o que dizia às vésperas das eleições:

A política de contemplação com o partido blanco terminou.


Os atos de deferência para com esse partido não poderão
repetir-se quando não se recebem dele mais do que agressões
injustificadas. Eu gostaria que a política do acordo pudesse
continuar por alguns anos mais, dando assim um tempo às
forças cívicas para entrar sem perigo nas abertas lutas
eleitorais; porém, o Partido Nacional precipita os
acontecimentos e faz inevitável a contenda imediata (...) “A
aspiração da próxima luta eleitoral deve ser o governo de
partido. A conseqüência necessária do triunfo desse princípio
7
O relacionamento entre Batlle e os nacionalistas fora permeado por uma profunda divergência, ainda mais
agravada quando aquele intrometeu-se no âmbito das chefaturas blancas.
será a reconquista dos departamentos, a cessação deste
estado anormal que dia a dia, apesar das tolerâncias e
complacências do Partido Colorado, foi agravando-se e
divide a República em dois países distintos, um blanco e
outro colorado”.8 (grifo nosso)

Absolutamente ameaçador, o tom usado por Batlle indicava profundas


alterações no acordo de 1897, ou mesmo sua inteira supressão. É lógico que os blancos
jamais votariam nele para a presidência. Após décadas de ostracismo, os nacionalistas
temiam a volta de um governo autoritário e exclusivista ao estilo de Herrera y Obes, cuja
influencia diretriz muito se assemelhava à influencia moral defendida por Batlle.

O projeto de governo de Batlle alijava totalmente os blancos da participação,


pois sua proposta centrava-se na eliminação do binômio Presidente-colorado, Caudilho-
blanco e na consequente unificação política do país. O candidato estava disposto a liquidar
o Estado bifronte de coexistência de uma administração blanca dentro do governo colorado.
Não estava disposto a transacionar, mas faria todo o possível para aplicar sua política de
partido.9

Fazendo um breve parêntesis, visto que não nos deteremos na discussão


específica a respeito de quais setores sociais levaram Batlle ao governo em 1903, podemos
dizer que as ditas classes conservadoras com seu sonho obsessivo de tranqüilidade interna,
converteram-se em aliadas dos blancos nesta ocasião . Esse apoio também pode ter sido
movido pelo que consideravam excessiva inclinação de Batlle aos setores populares
urbanos e também pelo seu discurso irado contra o círculo orista, monopolizador do
crédito e da moeda. O chamado círculo orista, formado por banqueiros fortes, prestamistas
e por membros do alto comércio, constituía o cerne das classes conservadoras. Daí seu
temor de eleger o candidato colorado, mesmo tendo este amenizado seu discurso visando o
pleito de 1903.

8
MENA SEGARRA, C. Enrique. Op. cit. p. 136.
9
Ver: HIERRO, Luis Antonio. Batlle - democracia y reforma del Estado. Montevidéu: Ediciones de la Banda
Oriental, 1977.
Apesar de não terem indicado um candidato, os nacionalistas entendiam que
poderiam eleger um presidente colorado, mas que, nos mesmos moldes de Cuestas,
garantisse a vigência do pacto de 1897 por meio do qual os blancos poderiam continuar
ganhando escalões parlamentares por meio do sufrágio livre e sem acordos. O radicalismo
de Batlle inviabilizava o projeto blanco, deixando-lhes como única alternativa a guerra. O
Partido Nacional tinha motivos para dizer que Batlle era o candidato da guerra. A poucos
dias da eleição comentava-se na imprensa montevideana que "Batlle é visto com clara
aversão e desconfiança, especialmente entre os nacionalistas, para a maioria dos quais
representa uma candidatura de guerra".10

A inabilidade política do Partido Nacional configurou-se decisiva para a


eleição de Batlle. Com 37 votos blancos na Assembléia Geral, um candidato colorado que
contasse com eles necessitava apenas da adesão de oito de seu partido para alcançar a
presidência, a qual deveria exercer sob as condições da co-participação. Para tanto era
necessário que as articulações ocorressem em tempo hábil para que o candidato contatasse
com os votantes que lhe faltavam, e que também os blancos votassem em bloco.

O que aconteceu foi exatamente o contrário. Os nacionalistas, ao invés de


explorarem as candidaturas de Juan Carlos Blanco ou de Eduardo MacEachen - opositores
a Batlle - perderam-se em discussões e vacilações que inviabilizaram a possível estratégia.

A falta de coesão do Partido Blanco contou com um agravante de peso


relacionado com a definitiva dissidência de Eduardo Acevedo Díaz, que já vinha
manifestando sua oposição a acordos eleitorais desde 1901, e mantinha amizade pessoal
com Batlle, ao qual considerava o melhor candidato. Acevedo Díaz seria posteriormente
expulso do Partido Nacionalista por decisão da Convenção partidária.

O desacordo entre Acevedo Díaz e o Partido Nacional é explicado por Luis


Alberto de Herrera, nos seguintes termos:

10
Ver: BARRAN, José P. e NAHUM, Benjamín. El Uruguay del Novicientos. Montevideo: Ediciones de la
Banda Oriental,1990. p.246.
Origina-se esta desavença no fato de não haver-se confiado a
ele (Eduardo Acevedo Díaz), a missão de levar a Buenos
Aires, ante o Comitê, a palavra oficial do exército com
referência à paz. Ao feito foi designado o doutor Alfonso
Lamas. Ainda que a aparência seja desfavorável, dada a alta
significação do doutor Acevedo Díaz, foi ato correto não
discernir ao mesmo aquele mandato. Com efeito, este distinto
cidadão, pessoalmente inimizado com quase todos os
membros do Comitê Revolucionário, não estava em situação
de ser intermediário bastante eficaz. Ao preferir francamente
ao digno doutor Lamas, correndo o perigo de ferir a vaidade
do doutor Acevedo Díaz, creditou-se louvável firmeza de
procederes, superior em nosso solo às impertinências dos
homens. (...) 11

Manini Rios aponta uma outra versão para explicar a defecção de Acevedo
Díaz dos quadros nacionalistas e que reside particularmente na sua relação com Aparício
Saraiva. Diz ele:

Havia uma insuperável incompatibilidade entre ambos


homens, reguardada por maneiras corteses e até cordiais.
Acevedo Díaz não podia compreender e não aceitava que a
direção suprema de seu partido fosse exercida por Aparício
Saraiva, com suavidade e modéstia nas formas, porém
autocraticamente no fundo. O caudilho, por seu lado,
considerava aquele doutor lido e escrevido, entre esta gente
tão cultivada como fria e ambiciosa da Capital, de cuja boa
fé e desinteresse desconfiavam em geral os caudilhos rurais.
Aqui pode encontrar-se, além de todas as outras
circunstâncias que conduziram a definitiva ruptura entre
Acevedo Díaz e a maioria de seu partido, uma das chaves da
conduta política deste ilustre cidadão...12

Em que pese um ou outro motivo, ao apoiar Batlle, renegando o partido ao


qual havia consagrado toda sua vida e cuja unidade de ação quebrara, Acevedo Díaz perdeu
todo o apoio popular, vendo encerrada sua carreira política. Posteriormente nomeado por

11
MONEGAL, José. Op. cit. p. 296-297.
12
RIOS, Carlos Manini. El juicio de los Mauser. Montevideo: Barreiro y Ramos, 1979. p.35-36.
Batlle ministro nos Estados Unidos, procurou dali prejudicar o máximo possível a
revolução de 1904, tópico sobre o qual referiremos adiante.

Outro fator que contribuiu para o enfraquecimento blanco no pleito de 1903


foi atitude indecisa de Saraiva, que depois de inúmeras vezes consultado pelo Diretório,
não havia se pronunciado claramente quanto às suas preferências, dando a entender que não
valia a pena inclinar-se por nenhum candidato colorado, senão manter-se atento à
preservação do pacto de 1897, do qual sentia-se seu braço armado.

Nesse meio tempo, Batlle consolidou as forças favoráveis a ele e ainda


obteve alguns adesistas de última hora. Em 1° de março de 1903, José Batlle y Ordoñez foi
eleito presidente da República por 55 votos, entre eles oito dos nacionalistas dissidentes.

A partir desta data a eclosão da guerra foi antecedida por uma batalha de
críticas e ofensas entre Saraiva, o último grande caudilho rural do século XIX, e Batlle,
que chegaria a ser o primeiro grande caudilho urbano do século XX, o que caracterizou o
verdadeiro preâmbulo da revolução blanca de 1904.

Eleito, Batlle desconheceu o acordo firmado em 1897, no Pacto da Cruz, e


negou ao partido adversário as conquistas antes arrancadas. Designou quatro chefes
políticos nacionalistas de acordo com as indicações do Diretório, porém reservou os dois
cargos restantes - e um ministério - para recompensar a minoria blanca que o havia apoiado.

Neste mesmo mês, o secretário particular de Aparício, Luis Ponce de León,


em carta ao deputado calepino13. Alfredo Vidal y Fuentes, que mantinha contato estreito
com Batlle, escreve que:

Falta agora a provisão das chefaturas acordadas ao nosso


partido pelo pacto de Setembro (...) Se ao receber esta os
chefes políticos não tenham sido nomeados ainda, faça, por
13
Calepino foi a expressão utilizada para designar aqueles políticos blancos que, à última hora, decidiram-se
apoiar a candidatura de Batlle, quando este já era apontado como vencedor. Calepino referia-se ao nome de
um cavalo de carreira desqualificado por fraude em Buenos Aires.
Deus, quanto de sua parte puder para que os nacionalistas
sejam designados de acordo com o Diretório.(...) “O general
Saraiva (...) será o primeiro sustentador do governo atual
enquanto nossas chefaturas sejam provindas na forma
indicada”.(...) Com sufrágio livre - vencedores ou vencidos- e
com administração honrada, você bem sabe que Saraiva será
um entusiasta do governo que ponha em prática tão belos
postulados do ideal republicano. Por isso digo que “nas
chefaturas está o perigo”: enquanto os par tidos não
esclarecem nas urnas o velho pleito, o general crêe -
acertadamente a meu juízo - que nossas chefaturas, em boa
lide ganhadas, são a garantia de nossos direitos, e que, por
conseguinte, não podem ser confiadas senão a quem acate a
organização atual e oficial do partido.14 (grifo nosso)

Ignorando a gravidade do assunto Batlle, mesmo depois de ter sido advertido


por Vidal y Fuentes que levou-lhe ao conhecimento a carta de Ponce de León, nomeou para
San José e Rivera chefes políticos calepinos ligados a Acevedo Díaz, omitindo totalmente a
consulta ao Diretório.

Ao tomar conhecimento da designação, Abelardo Márquez, que vinha a ser o


chefe político desalojado em Rivera, telegrafou a Saraiva consultando-o sobre a atitude a
ser tomada, recebendo como resposta: Não entregue.15

Esta foi a fagulha que incendiou o país, fazendo com que Saraiva
deflagrasse, novamente, o apelo às armas, em 15 de março, em protesto à violação do pacto
de 1897. Imediatamente, Batlle põe em andamento as negociações para um acordo, sendo
que suas bases foram rechaçadas por Saraiva. Após várias rodadas de negociações, a paz
foi firmada em Nico Perez, em 30 de março de 1903. O acordo era, em síntese, a renovação
do Pacto da Cruz, cumprindo função provisória até que fosse efetivada a cláusula
fundamental, a das eleições livres. Ambos os partidos deveriam acatar o resultado das
urnas.

14
MENA SEGARRA, C. Enrique. Aparício Saravia. Las últimas...Op. cit. p. 141.
15
GONZALEZ, Ramon P. Aparicio Saravia en la revolucion de 1904. Montevideo: Florensa & Lafon, 1949.
p. 40.
A pacificação, neste contexto, configurava apenas uma trégua, dando tempo
a Batlle para que se acostumasse com as práticas de defesa militar, cuja direção estava a seu
cargo. Neste sentido, a revolução foi uma experiência significativa pois, a partir dela, Batlle
tratou de reestruturar os quadros militares, transferindo chefes, mobilizando regimentos,
nomeando comandantes nos departamentos, convocando milícias e guardas nacionais em
campanha, criando batalhões destas guardas na capital, reunindo cavalhadas e comprando
armamentos.

Embora seus discursos, neste interregno, não o dissessem, o presidente eleito


não havia desistido de isolar os nacionalistas, sendo seu objetivo precípuo o governo de
partido. Os meses que precederam a revolução de 1904 foram, na verdade, de uma paz
armada, que alarmava e emperrava os negócios, sendo quase impossível o andamento
normal do país.
4. O RIO GRANDE DO SUL NO IMBRÓGLIO ORIENTAL

A situação de fronteira entre o estado gaúcho e a República Oriental fazia


com que fosse muito difícil ignorar o que se passava entre um e outro lado da fronteira,
especificamente, como já afirmamos ao longo desta tese, nas circunstâncias
revolucionárias.

Comentando a respeito da revolução oriental liderada por Saraiva, o


responsável pela Legação brasileira em Montevidéu, Francisco Xavier da Cunha, escreve
ao Ministro das Relações Exteriores, Rio Branco, nos seguintes termos:

Conhecemos por experiência própria que estas comoções


repercutem além das fronteiras e agitam nossas populações
do Estado Rio-Grandense, cujo espírito guerreiro se exalta e
impulsa (sic) muitos dos seus habitantes a tomar armas na
contenda, segundo suas opiniões e simpatias. Os próprios
descontentes da política dominante no Rio Grande, que os
contamos numerosos e audazes, pensarão ter chegado a
oportunidade de ensaiar a resistência armada.16

Este era o raciocínio da nossa diplomacia no Uruguai, receosa de que a


comoção interna poderia repercutir no Rio Grande, como assim o aconteceu realmente.

Roberto Payró, cronista da revolução blanca de 1903, atesta o significado da


fronteira naquela conjuntura, ao assim referir-se:

O governo nacional conta com dinheiro, forças, recursos de


todas as classes, um núcleo de opinião, uma juventude briosa
que o sustentará; pode mudar também, como dizia o mesmo
16
Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu. 2/4/1903)
Aparício na revolução passada, aludindo aos meios de
renovação de seus elementos que proporciona a capital, e
comparando-os com a facilidade de trocar de cavalos durante
a viagem. Porém, o outro governo, aquele que tem seu ponto
de apoio na vila de Melo, aquele de que Aparício é cabeça e o
diretório nacionalista ministério - por agora - conta por sua
parte com seis departamentos íntegros e pedaços de outros,
não se arma e forma já no exterior, para invadir depois,
como o fazia antes de agora; “constitue um Estado dentro do
Estado: tem autoridades próprias, exército aguerrido,
arsenais bem providos e a fronteira a um passo, para seguir
provendo-se indefinidamente”.17 (grifo nosso)

Não há dúvida que novamente a fronteira exerceria papel fundamental para


a estrutura revolucionária. Ainda mais quando sabemos que o governo gaúcho tinha todo o
interesse em comprometer Aparício em uma dívida cujo pagamento seria o rechaço à toda
tentativa de insurgência federalista.

Os receios dos castilhistas não haviam cessado. Mesmo antes de 1903, o


governo gaúcho já tratava de assegurar a conivência blanca à consecução de sua hegemonia
política no Rio Grande do Sul. Isso equivale a dizer que os federalistas permaneciam uma
ameaça constantemente considerada, mesmo após a derrota de 1895. A guerra não havia
extirpado a oposição: colocara-a do outro lado da fronteira, de onde podia sair a qualquer
momento, ainda mais se pactuada com forças políticas orientais.

As esperanças dos federalistas de que o governo federal intervisse, de


alguma forma, no Rio Grande do Sul, acabaram indo por terra. Silveira Martins até havia
tentado contatos com o governo da União no sentido de solicitar a nomeação de um
delegado militar para controlar a fronteira. Designado pelo presidente da República, este
comandante teria condições de ser isento no trato com a oposição e efetivar as garantias
que Silveira Martins e seus partidários não gozavam.

17
PAYRO, Roberto. Cronica de la Revolucion Oriental de 1903. Montevideo: Ediciones de la Banda
Oriental, 1967. p. 52.
Além do pedido não ter resultado deferido, provocou irada reação do
governo rio-grandense que manifestou-se da seguinte forma:

É, pois, evidente que, sob o invocado pretexto de falta de


garantias mal se encobre um sinistro plano de intervenção
indébita da União, por intermédio daquele delegado militar,
nos negócios de exclusiva competência do Estado.18

Esta exacerbação da autonomia estadual impediu a concretização da


neutralidade gaúcha nos conflitos orientais, tão insistentemente solicitada por Montevidéu e
pelo Rio de Janeiro. A neutralidade seria totalmente descartada enquanto o país vizinho
estivesse convulsionado e os federalistas tivessem oportunidade de ali organizar-se para
tentar novamente minar a ainda não efetivada hegemonia peerrepista.

A troca do titular do governo rio-grandense, em 1897, de Castilhos para


Borges de Medeiros, não comprometeu as linhas mestras da política gaúcha19. Borges, que
tão bem havia impressionado Castilhos em sua passagem no cargo de chefe da polícia
estadual, iniciou seu primeiro mandato em janeiro de 1898. Seu desempenho agradou tanto
ao antigo mandatário que este lhe deu o aval para um segundo mandato de cinco anos.
Todos sabiam, no entanto, que Castilhos continuava retendo o poder real na condição de
chefe do PRR e, como refere-se LOVE, era ele quem propunha e dispunha.20

A indisposição entre o governo recém instalado e o governo federal foi bem


relatada por ALMEIDA, que assim referia-se:

A situação política do Rio Grande no momento em que


Borges de Medeiros tomava em suas mãos as rédeas do
governo estava prenhe de ameaças as mais graves. A corrente

18
ALMEIDA, João Pio de. Borges de Medeiros. Subsídios para o estudo de sua vida e de sua obra. Porto
Alegre: Barcellos, Bertaso e Cia., 1928. p.24.
19
De acordo com TRINDADE, Op. cit. p. 81: "o autoritarismo borgista seguirá literalmente as diretrizes
implantadas pelo modelo constitucional castilhista, apenas alterando o estilo de atuação: enquanto Castilhos
era uma personalidade política mais combativa e carismática, Borges apresentava o protótipo da eficiência
organizatória combinada com a sobriedade na condução política”.
20
LOVE, Joseph. Op. cit. p. 82.
reacionária que, nesse ano, irrompera na capital da
República mal disfarçada do presidente Prudente de Morais,
extravasara por todo o país, “encontrara no Rio Grande a
forte barreira que lhe fora oposta pelo partido republicano,
contra o qual se desencadearam em conseqüência,
intepestivamente, as iras do Governo Federal”.21 (grifo
nosso)

O reacionarismo aludido acima refere-se à crise pela qual passava o Partido


Republicano Federal (PRF), fundado em 1893, que pretendia ser um partido nacional,
aglutinador dos PRs estaduais. Dadas as características peculiares do PRR, os gaúchos não
viram com entusiasmo a formação desta agremiação política, por isso não se fizeram
representar dentro do PRF. De acordo com WITTER, era muito difícil para os políticos
vinculados ao PRR participarem deste partido, que tinha o apoio do próprio presidente da
República, visto sua acentuada e constante resistência ao poder central.22

Era indisfarçável o antagonismo dos castilhistas ao governo central,


traduzido em palavras cortantes e de forte expressão. O ex-presidente Julio de Castilhos
pronunciava-se abertamente sobre a base autônoma do PRR, utilizando-se dos seguintes
termos:

E como no Rio Grande do Sul existe uma pujante agremiação


republicana, com intuitos orgânicos e definitivos, a qual não
depende do arbítrio ou dos caprichos de quem quer que seja,
(...) tornou-se necessário ao Sr. Presidente da República
arquitetar, a todo o transe, o simulacro de um partido que
esteja a serviço de sua política pessoal.23

Durante o mandato de Borges, como já afirmamos, Castilhos continuará


participando ativamente das decisões políticas estaduais, totalmente enfronhado com as

21
ALMEIDA, João Pio de. Op. cit. p. 20.
22
Ver: WITTER, José S. Partido Republicano Federal (1893-1897). São Paulo: Brasiliense, 1987.
23
TRINDADE, Hélgio. Poder Legislativo e autoritarismo no Rio Grande do Sul (1891-1937). Porto Alegre:
Sulina, 1980. p. 88.
chefias municipais e com questões de caráter internacional, tais como os contatos
estabelecidos com Aparício Saraiva por ocasião do levante de 1903.

A duplicidade de mando ocorreu sem maiores traumas, podendo ser bem


resumida em uma correspondência que enviou ao coronel João Francisco, nos dias que
antecederam sua saída do cargo: "transferência de poder não causará a mínima alteração
nos negócios do Estado, nem nas providências numerosas que tenho tomado em todos os
sentidos."24

Após a morte de Castilhos, em 1903, Borges provou ser a verdadeira


extensão do pensamento do ex-governador. Em que pese sua falta de carisma, deu plena
continuidade às coordenadas autoritárias características do PRR, acumulando a direção
governamental e a chefia política do partido, contando para isto com o apoio explícito de
todos os representantes republicanos na Assembléia.25

Se, em nível estadual, o novo chefe do governo gaúcho não precisou


enfrentar maiores preocupações quanto à estabilidade da máquina peerrepista, assegurada
através de um sistema de eleições fraudulentas, do qual a oposição negava-se a participar,
já não se pode dizer o mesmo quanto ao envolvimento internacional. Do Uruguai, o único
grupo que efetivamente poderia oferecer resistência e ameaçar a hegemonia do castilhismo,
os federalistas, tratavam de inserir-se nas querelas políticas daquele país para, de uma
forma ou outra, tirar proveito para sua causa.

Por ocasião dos acontecimentos relativos aos pleitos eleitorais de 1901 no


Uruguai, João Francisco tece os seguintes comentários dirigidos ao presidente do Rio
Grande, então Borges de Medeiros:

Sobre os orientais tenho a dizer-lhe que: aproxima-se o fim


ou que estamos no último ato do drama político. (...) Cuestas

24
FRANCO, Sérgio da Costa. Op. cit. p. 174.
25
Interessante é o texto de FAORO, Raymundo. Os donos do poder. v. 2. Porto Alegre: Globo,1985. p. 590:
"morto Júlio de Castilhos, vela Borges de Medeiros, inexpugnável na sua cidadela isolada - a comtilândia do
sul”.
une-se aos coletivistas e faz pressão no alistamento eleitoral
em execução atualmente, para coibir que os blancos tenham
maioria nas próximas eleições. Os blancos preparam-se para
reagir em todo o terreno. (...) “Os nossos adversários estão
contentes, por sua vez, porque crêem que os colorados,
unidos, triunfem, e estão ativamente trabalhando e
manobrando”.26 (grifo nosso)

Os federalistas sentir-se-ão momentaneamente desarticulados com a morte


de Silveira Martins, em 23 de julho de 1901, em Montevidéu. O desaparacimento do
tribuno, porém, não implicou no término imediato das pretensões federalistas que, tendo à
frente Rafael Cabeda, e Barros Cassal, prosseguirão com seus planos do Uruguai.No
entanto, as próprias circunstâncias se encarregariam de minar o projeto de solapar o poder
castilhista no Rio Grande.

Para termos idéia do quanto os federalistas eram merecedores do


monitoramento do governo gaúcho no Uruguai, vejamos o que diz Geraldino Silveira,
cônsul em Montevidéu, a respeito da morte de Silveira Martins:

Agora com a falta do chefe, veremos o rumo que pretendem


tomar. Cassal permanece em Corrientes. É mais evidente que
a falange libertadora do Rio Grande caia agora em um
período de completo desânimo, apesar de que não faltarão as
fases retumbantes das ameaças dos oradores fúnebres (...).
Entretanto, convém continuar vigiando; agora mais do que
nunca o espírito de aventura dominará no ânimo dos
despeitados e sobretudo dos desocupados. Aqui continuarei
observando. (...) Creio que também o nosso Rio Grande será
desta em diante, menos ameaçado; já não existe quem mais
tentava contra o seu bem-estar. Que descanse em paz o
homem que acaba de desaparecer em ocasião oportuna para
os outros e para ele.27

26
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Livramento. 16/5/1901. João Francisco a Borges de
Medeiros.
27
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Montevidéu, 25/7/1901. De Geraldino Silveira para
Borges de Medeiros.
Estas palavras são escritas aproxidamente seis anos após o término da
revolução desencadeada em 1893. Até esta data os castilhistas permaneciam atentos a todos
os movimentos de seus opositores, convencidos de que se houvesse nova tentativa contra a
autoridade rio-grandense, adviria do território oriental. Os olhos dos castilhistas fixar-se-
iam, de agora em diante, com deferência especial, em Rafael Cabeda. O mesmo cônsul
diria ao presidente gaúcho:

Acham-se aqui Rafael Cabeda e Prestes Guimarães; residem


na mesma casa com Moacyr, Camara Couto,etc. Cabeda
anda sempre em companhia de indivíduos pertencentes ao
partido colorado, da facção denominada coletivista. É pois
razoável supor-se que Cabeda, agora, com voz de mando,
trate de jogar a última cartada, aproveitando da agitação que
se nota em nossa política no Rio, e também do mal estar que
nestes últimos dias se acentua na política uruguaia...28

O cruzamento entre a conjuntura interna oriental e a estabilidade da política


gaúcha fica patente. Conturbado, o território uruguaio servia para que se explorassem os
grupos em contenda. Os federalistas aproximar-se-ão dos colorados; os castilhistas, dos
blancos. Daí compreende-se a insistência das autoridades gaúchas em manter um bom
relacionamento com a República vizinha, de preferência mediado por pessoa ligada aos
seus propósitos. A assertiva pode ser comprovada na correspondência que Geraldino
Silveira mantém com o senador rio-grandense Pinheiro Machado, referindo-se à
necessidade de substituição do ministro brasileiro, Dr. Fialho, na embaixada montevideana.
Diz ele:

É, portanto, tarefa melindrosa a missão dos nossos


diplomatas neste país, pelos sucessivos incidentes que
ocorrem no trato diário de nações vizinhas. As lutas políticas
do Rio Grande têm necessariamente de irradiar-se até a
política uruguaia, e vice-versa. É esse um fenômeno
inevitável como resultante do comércio diário em relação de
fronteira. Avalie-se (...) todo o alcance benéfico que pode ter
para nós a cooperação de um Ministro que conheça o

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Montevidéu. 2/8/1901. De Geraldino Silveira para
28

Borges de Medeiros.
território rio-grandense, a sua política, os seus homens. Mais
ainda, que seja dotado de perspicácia para impor-se sem
jamais magoar alheias suscetibilidades. (...) Solicitar, quase
exigindo, mas sempre solicitando parece-me ser o mais
adaptável à nossa diplomacia no Uruguai.29

No mesmo documento, aponta-se para uma questão que, se não explica


totalmente a autonomia com que o Rio Grande conduz seu relacionamento com o Uruguai,
ao menos ajuda-nos a entender em boa parte a lógica da denominada diplomacia marginal.
Estamos referindo-nos precisamente à condição do estado gaúcho frente ao governo
federal, que historicamente guardou doses consideráveis de auto-determinação e de
imposição de interesses particulares.

O discurso laudatório sobre a autonomia do Rio Grande espraiava-se em


todas as direções, mandando inequívocos recados ao governo federal como, por exemplo,
nesta fala de Borges de Medeiros:

Dizia o presidente gaúcho:


À sobra desse regime, a nossa existência autonômica tem
podido firmar-se longe de toda alheia influência ou liberta da
intromissão ilegítima de qualquer estranho poder. (...) Dentro
da esfera das minhas atribuições legais, estou firmemente
disposto, em defesa da autonomia rio-grandense a resistir a
todas as invasões que pretendam desconhecer os direitos e
foros que nos assegura a Constituição da República.30

Se, como já afirmamos, o equilíbrio político rio-grandense nos moldes


castilhistas dependia, não somente de fatores intrínsecos à organização estadual, mas
também a uma variável de funda significância relativa à sua vinculação internacional - o
Uruguai - movia-se neste intrincado jogo uma outra peça, a saber a relação com o governo
federal.

29
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Montevidéu. 6/9/1901. De Geraldino Silveira para
Pinheiro Machado.
30
ALMEIDA, João Pio de. Op. cit. p. 23.
Reproduzimos abaixo, as impressões do diplomata apontando justamente a
situação citada e, mais, admoestando o governo federal:

O Rio Grande, por sua posição geográfica e por sua


condição de aguerrido, será sempre o ponto de resistência em
qualquer caso de emergência internacional. As boas relações
que cultivar com os seus vizinhos hão de refletir sobre todo o
resto do país. Debilitada a autoridade do Rio Grande, todo o
Brasil se ressentirá desse desequilíbrio. Compete, portanto,
ao Governo Federal dar todo o apoio e influxo a bem das
boas relações do Rio Grande com o Prata.
Uma política cordial e hábil, cultivada por diplomatas de
reconhecida competência será a melhor linha de conduta a
observar-se. Poderei avançar o seguinte: a Legação de
Montevidéu é uma das mais importantes ou talvez a primeira
dentre todas, tal a soma de interesses brasileiros vinculados
nesta República. (...) “no caso de sobrevir realmente uma
revolução, conviria que para aqui viesse um emissário
político rio-grandense”, tomando este a tarefa de múltiplos
expedientes de sindicância que é preciso manter-se com estas
atividades.31 (grifo nosso)

A pressão para efetivar na embaixada oriental um diplomata afinado com os


interesses do governo gaúcho atestada na documentação analisada é impressionante.

A insistência no estabelecimento de um diplomata coadunado com o Rio


Grande perfazia condição essencial para a implementação da diplomacia marginal. A
citação acima deixa muito claro que os resultados do relacionamento gaúcho-uruguaio
incidiria sobre todo o país, extrapolando o âmbito regional. Ou seja, o governo rio-
grandense utilizava-se deste argumento para pressionar o governo federal a outorgar-lhe
autonomia na condução de uma política externa de feições muito particulares, pois
desconfiava que um diplomata desvinculado das prioridades do governo gaúcho pudesse
representar bem este estado, fundamental no equilíbrio na região platina.

31
Idem.
Apesar de, nessa época, o ministro em Montevidéu, Dr. Alberto Fialho, ter
afirmado sua boa vontade e sua lealdade quanto ao Rio Grande do Sul, isto não tornava-o o
representante adequado, pois: “não é somente de boa vontade que se precisa em um
Ministro aqui no Uruguai; deve alimentar também algum ardor pela causa rio-grandense,
que é a que mais exige apoio nesta Legação”.32

Acompanhando os acontecimentos, pode-se observar que havia uma grande


campanha do Rio Grande para destituir o ministro Fialho do cargo que ocupava junto à
Embaixada em Montevidéu. Um dos motivos alegados referia-se ao insucesso da gestão do
ministro junto ao presidente Campos Sales (1898-1902) a fim de obter recursos finaceiros
caso os boatos sobre uma suposta revolução preparada pelos federalistas que permaneciam
Uruguai se confirmassem.

No dizer do ministro, Campos Sales teria alegado dificuldades no Tesouro33;


mais tarde o governo federal sugeriu que estas despesas deveriam correr por conta do
governo do Rio Grande "único interessado em combater a revolução".34

Esta declaração causou profundo constrangimento entre o estado sulino e o


governo federal, agravado ainda mais com outro comentário do presidente Campos Sales
colocando-se contra à nomeação de rio-grandenses para as Legações no Rio da Prata, uma
vez que se tornavam feudos rio-grandenses.35

Nota-se a existência de um fundo desconforto entre o Rio Grande e o


governo federal nesse momento. O governo central parecia não levar a sério os argumentos
do cônsul quanto à irradiação que um possível confronto com ou no país vizinho pudesse

32
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Montevidéu. 11/9/1901. De Geraldino Silveira para
Borges de Medeiros.
33
Após todos os desentendimentos e ressentimentos com Prudente de Morais, Campos Sales aceitaria
remover o General Carlos da Silva Teles, de seu posto em Porto Alegre- uma antiga reivindicação dos
castilhistas. Em troca, Campos Sales assegurou o apoio gaúcho ao seu nome para a candidatura presidencial.
Por isso o governo gaúcho sentiu-se momentaneamente ofendido com o procedimento do Presidente, que
parecia relegar a um secundo plano as necessidades do governo gaúcho face à conturbação fronteiriça.
34
Idem.
35
Idem.
causar sobre o restante do país. Ao contrário, colocavam esta questão como um problema
de âmbito local, logo de competência do governo estadual.

As desinteligências entre governo estadual e central ficam bem


documentadas na correspondência que o célebre João Francisco manteve com o chefe
político de Rivera, Abelardo Marquez. Nela lê-se o seguinte:

Hoje (...) recebi um telegrama cifrado do Governador deste


Estado onde me diz que, em vista da reclamação diplomática
que Cuestas fez por intermédio de seu Ministro no Rio, ante o
Governo Federal, quando passamos a semana passada os
materiais bélicos, o Governo, reservadamente e por
intermédio do Ministro da Guerra, que é “um gran-
maragato” muito inimigo nossos, deu ordens às autoridades
militares, federais e fiscais, da fronteira de Bagé, que
prendam qualquer quantidade de material bélico que transite
por aquela fronteira. Isto tudo foi descoberto pelo Senador
Pinheiro Machado que chegou recentemente do Rio e inteirou
o Dr. Borges de Medeiros. Em vista disso, é impossível levar
armamento por ali; posso, em troca, mandar entregar tudo o
que vocês quiserem, aqui por esta fronteira. Para isto
mandarei um destacamento a Upamaroti e por ali ou por tres
Vendas ou por Cruz de São Pedro, passa remos tudo. (...) “O
Governo do Rio está jogando sujo conosco, e é preciso evitar
o escândalo ou um choque entre o Estado e a União, que é o
que nossos inimigos estão buscando. Guarde a mais absoluta
reserva de tudo isto”. Faremos as coisas assim: diremos
sempre que o material vai passar todo por Aceguá enquanto
o passaremos por um dos pontos que eu referi.36 (grifo nosso)

Enquanto os castilhistas articulavam com os blancos da fronteira, os


federalistas reuniam-se em Bagé, num Congresso presidido pelo general Silva Tavares, que
teve lugar a 20 de novembro de 1901. Este congresso estava dividido em duas facções. A
primeira, pleiteava a manutenção dos programas oriundos da convenção de 1896, que era a
norma do partido republicano federalista até então, e o de setembro de 1901, que era, em
síntese o testamento político de Gaspar Silveira Martins, proposto por Rafael Cabeda e
Pedro Moacyr.
36
CAGGIANI, Ivo. João Francisco... Op. cit. p. 90-91.
Em função das dissidências internas, e momentaneamente desnorteados com
a morte do velho tribuno, os federalistas optaram por uma moção conciliatória, que
nomeou uma comissão composta de dois membros, incumbida de representar a oposição
gaúcha na Convenção Revisionista Nacional, que iria reunir-se em São Paulo.37

Após este episódio, os federalistas concentraram todas as suas energias na


observação do embate entre blancos e colorados, do qual poderia advir uma possibilidade
de aliança com um dos partidos para fortalecer seu intuito de invadir o Rio Grande e
desbancar o governo. Em larga medida, a sorte da política gaúcha esteve condicionada aos
acontecimentos orientais.

Conscientes desta imbricação, os castilhistas vigiavam zelosamente a


fronteira, articulando-se com os blancos que intentavam o levante contra o governo
colorado. Estão exaustivamente comprovadas as ligações das autoridades rio-grandenses
com os líderes blancos. João Francisco Pereira de Souza personifica, em primeiro lugar,
esta vinculação.

Mencionando tal fato, o importante cronista de 1903, Roberto Payro,


declarava que:

Acabo de ouvir que João Francisco, o famoso caudilho rio-


grandense, enviou tropas, dois mil homens, a Aparício. É
muito possível (...) pois essas forças passaram a este de Melo.
Também parece que em Rivera ocorreu sangue, porém o
conflito não se deu entre revolucionários e governistas, mas
entre brasileiros do Rio Grande que aproveitaram esta
revoltosa ocasião para ajustar contas passadas ou abrir
outras novas. Fala-se em quatro mortos ou feridos, uma casa
incendiada, duas gráficas empasteladas... “A colaboração
rio-grandense começaria, pois, a ser brilhante e muito
promissora”.38 ( grifo nosso)

37
Sobre esta Convenção consultar: CARONE, Edgard. Op. cit. p.200-204.
38
PAYRO, Roberto. Op. cit. p. 60.
Enquanto o governo federal e a embaixada brasileira em Montevidéu
continuavam pressionando para que o Rio Grande mantivesse estrita neutralidade em caso
de revolução, continuavam as especulações em torno das vinculações entre João Francisco
e os blancos. Em correspondência diplomática estava registrado o seguinte:

as folhas públicas destes últimos dias ocupam-se com a


conferência celebrada em Itaquatiá entre o coronel João
Francisco, Aparício saraiva e o chefe político de Rivera,
Carmelo Cabrera. Opinam alguns que o caudilho rio-
grandense promoveu a reunião para declarar que tinha
instruções do Governo estadual para manter estrita
neutralidade entre os partidos orientais; pretendem outros
que a entrevista teve por fim combinar meios de ação em caso
de alçamento dos nacionalistas.39

É certo que João Francisco não insistiu em manter a neutralidade gaúcha no


conflito. Longe disso, participou ativamente e compromissou-se com Aparício. Diante de
certas ponderações feitas por Borges acerca da aliança com os blancos, o coronel do Cati
contra-argumentava com a ameaça federalista. No final do ano de 1903, fazia referência a
que os maragatos estavam em grande atividade, comprando armas em Buenos Aires. Mais
ainda, o caudilho atribuía a Batlle o envio de grande quantidade de armas à fronteira, sendo
que este armamento seria, posteriormente, posto à disposição dos federalistas para que estes
atacassem os blancos.40

As alegações do caudilho prestam-se a muitos fins. Um deles seria o de


atemorizar o presidente gaúcho quanto à possibilidade de uma invasão federalista; outro
seria o de encerrar as pressões sobre a propalada neutralidade na fronteira. Ligando Batlle
aos federalistas, João Francisco desautorizava qualquer reivindicação aquele respeito por
parte do governo oriental. Por último, o coronel João Francisco poderia querer
supervalorizar suas funções junto à linha fronteiriça, as quais já eram objeto de certas
críticas advindas de Borges.

39
Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu. 4/9/1903. De Francisco Xavier da Cunha para Rio Branco.
40
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Livramento. 16/11/1903.
O fato é que o coronel João Francisco era respaldado nos seus temores de
uma circunstancial invasão federalista. O ministro oriental no Rio de Janeiro refere-se a
esta possibilidade dizendo que:

É de ter presente que o partido chamado Federalista,


propalava por então, rumores de possível revolução contra o
Governo do Rio Grande. (...) Tudo isto, ainda que incerto,
fazia o Governo do Rio Grande não poder ver sem interesse,
a possibilidade de o Governo do Uruguai, em revanche,
auxiliar os elementos federalistas. Conhece nosso Governo os
esforços praticados por alguns agitadores federalistas neste
sentido.41

O governo oriental, a fim de pleitear a neutralidade brasileira, jamais poderia


admitir que os federalistas estavam incorporados às suas fileiras, daí os desmentidos sobre
supostas conexões, reafirmando-se amiúde que o Uruguai não permititiria que "aqui se
preparem agressões contra o Rio Grande".42

Após muitos contatos entre os governos oriental e brasileiro, o embaixador


Xavier da Cunha sugeriu ao ministro Rio Branco que se federalizasse a fronteira,

como medida eficaz e talvez única para neutralizar os pactos


formados entre os partidos do Rio Grande e os desta
República, garantindo-se deste modo um estado de relativa
segurança e tranqülidade para ambos os países.43

Como nas revoluções anteriores, as relações com os países limítrofes


colocaram-se no primeiro plano das preocupações do governo batllista que passa a mover
intensa campanha para que estes mantivessem a mais absoluta neutralidade no conflito. Em
28 de janeiro, em conferência entre o ministro da Guerra brasileiro, general Francisco de

41
Archivo General de la Nacion. Montevidéu. Carpeta 1162.
42
Idem.
43
Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu. 2/12/1903.
Paula Argollo, e o uruguaio, Federico Guarch, ficou acertado que seria ordenado à
guarnição do Rio Grande que desarmasse e internasse todos os orientais que chegassem à
fronteira.

O governo federal fazia todo o possível para impôr seriamente aos seus
subalternos no Rio Grande a manutenção da neutralidade. Para isso contava com um
inimigo poderoso: as simpatias e os contatos de muito estabelecidos entre a população
fronteiriça e a causa revolucionária.

O ministro Rio Branco dirigia-se ao presidente Borges de Medeiros


solicitando a neutralidade do estado no conflito oriental e propondo o envio de tropas
federais para aquela fronteira. Este por sua vez respondia através de um telegrama nos
seguintes termos:

me parece por enquanto desnecessário enviar tropas federais


fronteira oriental. Se mais tarde houver conveniência
guarnecer fortemente extensa linha divisória corpo tenente-
coronel João Francisco se incumbiria serviço vigilância.44

Documento extremamente valioso em impressões sobre a relação entre o Rio


Grande e o Uruguai neste período refere-se a um relatório escrito pelo ministro Federico
Susviella Guarch, representante do Uruguai no Rio de Janeiro, ao seu ministro das Relações
Exteriores, José Romeu45. Analisando as revoluções de 1903 e de 1904, o ministro oriental
faz a seguinte vinculação:

Neste movimento contra a paz pública, revelam já seus


autores, as vinculações mais estreitas, as relações mais
habilmente preparadas, desde anos atrás, para assegurar a
proteção em seu favor de elementos rio-grandenses, não
somente enquanto essa proteção se relaciona com os auxílios
amistosos,próprios da vizinhança em guerras civis, senão
também enquanto ela puder dar-se pelos elementos militares,
Arquivo Histórico do Itamaraty. Porto Alegre. 20/3/1903.
44

José Romeu foi um dos blancos dissidentes que colaborou para a eleição de Batlle, que o agraciou com o
45

Ministério das Relações Exteriores.


donos de força, guardiões da fronteira, enfim, autoridades em
atividade no Estado do Rio Grande.46

O ministro oriental equivocava-se, no entanto, ao supor que o presidente


gaúcho, Borges de Medeiros, não tivesse conhecimento deste estado de coisas e inclusive
houvesse negado a ajuda solicitada por emissários de Saraiva. Sabemos o quanto o governo
gaúcho, primeiro Castilhos e depois Borges, motivou esta aliança.

Temos referências de um contato que João Francisco manteve com Assis


Brasil em Buenos Aires, motivo de inquietação total para o governo montevideano. Após
este fato, e ciente de toda a movimentação que fazia o Diretório nacionalista em Buenos
Aires, Batlle ordenou a Acevedo Díaz, embaixador nos Estados Unidos, que reclamasse
uma ação desse país para que Argentina e Brasil observassem a devida neutralidade. O
embaixador uruguaio empenhou-se em longas entrevistas com o governo daquele país, mas
os Estados Unidos nada fizeram. Posteriormente, no entanto, o embaixador norte-
americano declarou estar ciente de que sem a ajuda dos países limítrofes a revolução não
teria durado mais de dois meses.47

Antecedendo a eclosão do conflito de 1904, ocorreu em Rivera, um


incidente envolvendo dois soldados do exército brasileiro que haviam penetrado no
território oriental. O chefe político departamental, ignorando Saraiva, dirigiu-se diretamente
ao presidente Batlle solicitando ajuda e instruções de como proceder. Recebeu como
resposta o envio de tropas de linha que estavam hierarquicamnete submetidas ao presidente
da República, o que foi entendido pelo Partido Nacional como um rompimento do pacto de
Nico Perez. Estava semeado o clima de guerra.

Archivo General de la Nacion. Montevidéu. Carpeta 1162. Junho/julho/1904.


46

Sobre este episódio registramos duas referências: HIERRO, Luis A. Op. cit. p. 39 e MACHADO, Carlos.
47

Op. cit. p. 319.


5. A GUERRA DE 1904 E O ENCERRAMENTO DE UMA DIPLOMACIA SUI-
GENERIS

No início de janeiro de 1904, o exército blanco põe-se em movimento.


Deslocando-se num movimento de guerrilha, os blancos de Saraiva estavam escudados
pelas experiências de 1893, 1897 e de 1903. Desta vez contavam com um número muito
mais elevado de combatentes, estimado em torno de 20.000. Enquanto isso, Batlle contava
com um aparato de guerra muito mais moderno: suas tropas deslocavam-se
preferencialmente de trem, seu exército era melhor organizado e apetrechado, a rede de
comunicações era bastante ágil para a época, e contava com um exército formado por
aproxidamente 36.000 homens.

Convencido como estava de que um ataque a seu governo era um grave


solapamento da legalidade, recorreu a severas medidas. Decretou a interdição dos bens dos
estancieiros nacionalistas, a fim de que estes não apoiassem financeiramente a revolução48;
censurou a imprensa, primeiro por decreto e depois por lei sancionada pelo Poder
Legislativo, com o objetivo de que não se informasse extraoficialmente as operações, para
que não opinasse contra a legitimidade da ação governamental e, finalmente, para que não
pudesse exigir a renúncia presidencial.49

Na prática, a interdição dos bens dos nacionalistas teve como efeito


aumentar a dependência que Aparício tinha com João Francisco para o aprovisionamento
bélico. A situação complicava-se, no entanto, na medida em que o presidente Borges de

48
A mais importante interdição decretada pelo governo afetava a grande fortuna de Arturo Heber Jackson,
membro do Diretório Nacionalista, a quem se acusava de haver comprado na Europa o armamento de que
dispunha Saraiva e de ser um dos mais importantes contribuintes da revolução. Ver: ABADIE, Washington
Reyes. Crónica ... Op. cit. p. 434.
49
Por este motivo encontra-se pouquíssimo material sobre a revolução nos periódicos uruguaios deste
período. Eram censurados também jornais estrangeiros, como La Prensa, um periódico argentino,
francamente favorável aos blancos revolucionários, que era considerado pelo governo contrabando de guerra
, passível de confisco.
Medeiros desentendia-se com o coronel João Francisco, cujo poder junto à fronteira
passava a ser incômodo.

O próprio João Francisco refere-se a esta situação, colocando que:

“Entretanto chega o ano de 1903. Morre o insígne Julio de


Castilhos. Cruel fatalidade! A aliança republicana-
nacionalista fica viúva”. Assim como a morte de Simon
Bolívar deixou viúva a idéia da República dos quatro
poderes... como viúva ficou a idéia da Confederação das
Repúblicas Sul-Americanas. A morte do genial Júlio de
Castilhos desarvorou a nau das nossas reivindicações ou
REVANCHE no Prata. “Borges de Medeiros - o sucessor do
Mestre - sob o controle deste ainda fazia alguma coisa útil”.
Desaparecido Castilhos, ele adotou aquele papel de robusto
cego (...) tomando a licença por liberdade, a traição por
patriotismo e a vingança por justiça. (...) Criando-nos logo
embaraços à realização do projeto de aliança republicana-
nacionalista. Cientificamos a Aparício de tudo e ele bem
compreendeu. Como bem compreendendo o golpe que
havíamos assim recebido, o governo colorado imediatamente
tratou de rasgar o pacto de paz que antes havia feito com
Aparício Saravia.50 (grifo nosso)

A pena de João Francisco registrou neste extrato importantes informações. O


final do ciclo de instabilidade interregional aproximava-se, devido também às dificuldades
que foram sendo impostas às alianças entre os grupos políticos daqui e de lá. É bastante
significativa a vinculação feita entre a morte de Castilhos, que todos sabiam ser aliado dos
blancos, com o fato de Batlle ter ignorado o acordo de paz de 1903. Com isso, não estamos
afirmando que estas foram as únicas motivações, mas, no contexto geral, devem ter tido um
peso inquestionável, uma vez que o trânsito inter-fronteiriço se complicava, e que Borges
de Medeiros começava a levantar sérias dúvidas sobre as atividades de João Francisco junto
à fronteira.

50
CAGGIANI, Ivo. Op. cit. p. 91.
O presidente da estado foi, durante a revolução de 1904, constantemente
informado por João Francisco sobre a possibilidade de uma reação dos federalistas. Em um
dos documentos remetidos, o coronel diz:

Entendo que precisamos fazer um esforço supremo para


colocar os blancos no governo, a bem da nossa tranqüilidade
futura. Se esses nossos amigos forem mal impreterivelmente
os nossos inimigos virão dali protegidos pelos colorados
trazendo a guerra ao nosso querido Rio Grande. Assim é que
sabemos que, salvando as devidas aparências, em pouco
devemos continuar a proceder como as sábias e preciosas
impressões do nosso imortal mestre aconselhou-nos ainda na
última conferência que colaboramos sobre este melindroso
assunto.51

A disposição de Borges de Medeiros em manter a tal neutralidade chocava-


se com estas informações, abalando sua convicção. Ele próprio, em correspondência ao
senador Pinheiro Machado dizia estar ciente de que Ulysses Reverbel, Bernadino Câmara,
Julio Barros e outros, contavam que o governo oriental retribuísse favores prestados pelos
federalistas, armando-os e atirando-os contra nós. Em face a estas circunstâncias, Borges
solicitava a Pinheiro que informasse ao Presidente Rodrigues Alves(1902-1906) a quem,
segundo ele, cumpria "reclamar energicamente reciprocidade de abstenção,
correspondendo assim a correção de atitude que temos mantido”.52

À medida em que a revolução blanca avança João Francisco aguça os


ânimos de Borges contra o governo federal. Coloca o coronel da fronteira:

Entendo que precisamos agradar os blancos que estão


doídos e descontentes com os desatinos praticados pela força
federal. Só vendo o que esta gente tem feito: maltratado,
roubado, perseguido e injuriado os pobres imigrados, tiram-
lhe até as facas de prata (...) roubam-lhes os cavalos. Tinham
até morto alguns desses pobres homens!53

51
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Livramento. 4/1/1904.
52
Arquivo Histórico do Itamaraty. Porto Alegre. ?/1/1904.
53
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Livramento. 2/2/1904.
João Francisco condoía-se da situação dos blancos, seus antigos inimigos,
aos quais perseguiu violentamente nos idos de 1893, sendo que na batalha de Campo
Osório, na qual morreu o almirante Saldanha da Gama, degolado e mutilado, cometeram-se
atrocidades ainda maiores, segundo se crê por suas ordens.54

A alternativa sugerida por João Francisco para suprir a segurança da


fronteira era o aumento dos contingentes da Brigada Militar e a criação de corpos
provisórios nas cidades fronteiriças55. Isso vinha exatamente ao encontro dos foros
autonômicos propostos na ideologia política que regia o estado gaúcho, sendo visto com
muita simpatia.56

A tônica do discurso peerrepista dizia respeito à uma provavél invasão


federalista após a vitória de Batlle, justificando-se, desse modo, a aliança com Aparício
Saraiva. Ao que se falava, a maragatada só esperava pelo fim da luta no Uruguai para
alçar-se contra o Rio Grande, sendo Batle o mais pérfido inimigo dos rio-grandenses.

54
Alguns anos depois de encerrada a revolução de 1904, Borges de Medeiros destituiu João Francisco do
comando militar da fronteira. José Antônio Flores da Cunha, também oriundo de Livramento, então deputado
estadual, publicou uma série de revelações sobre os crimes e abusos cometidos por João Francisco na região
fronteiriça. Amigo de Pinheiro Machado, Flores da Cunha contribuía com o propósito daquele senador em
desfazer os rumores de que João Francisco exercia, na fronteira, poder maior do que o do próprio Borges de
Medeiros, comprometendo, assim, a coesão do PRR. Isso tudo vinha a propósito da campanha para sucessão
de Rodrigues Alves, em 1905, na qual o PRR ressentia-se desta imagem. Deposto por Borges, logo depois de
envolver-se em outros atritos com os Flores da Cunha em Livramento João Francisco recebeu dos blancos
uruguaios o oferecimento de dez mil homens armados e montados, para revidar aos seus inimigos. O ex-
comandante da fronteira, recusando-se o apoio, retira-se do Rio Grande do Sul, auto-exilando-se em São
Paulo. Ver : CAGGIANI, Ivo. João Francisco ... Op. cit. e do mesmo autor: Flores da Cunha. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1996.
55
Idem.
56
Quanto ao aumento dos contingentes da Brigada Militar, houve um sério confronto entre o general Silva
Teles e o governo gaúcho, por volta de 1898. Já nesta época, o general havia comunicado ao governo central a
apreensão de vasto armamento,localizado em Buenos Aires, que era destinado a Porto Alegre. O general
chamava a atenção para o fato de o governo estadual reforçar consideravelmente a Brigada Militar "como um
preparo para dar o grito de separação do Estado" ou "para justificar o avultadíssimo dispêndio de mais de
4.000 contos com o seu exército policial". Solicitava este general que fosse autorizado no sentido de impedir a
militarização do Estado. Para isso reputava inevitável, já na época, a remoção do coronel João Francisco do
comando das forças do Cati, que segundo ele à frente de 600 homens comandados e aquartelados sem prestar
o menor serviço e sem dar obediência alguma ao comando da guarnição da fronteira do Livramento, contra o
qual leva até a provocar constantes conflitos, invadindo-lhes as atribuições, ora praticando recrutamento
forçado, ora alistando em suas fileiras, com graduações, desertores daquela guarnição, ora prendendo,
internando cidadãos orientais por crimes políticos cometidos em seu país... Ver: CARONE, Edgard. Op. cit. p.
185-186.
O jornal A Federação também aludia a que os federalistas haviam-se
animado com a eleição de Batlle para atentar novamente contra o Rio Grande do Sul.
Durante este período, é notório como esta folha reduz o noticiário sobre a revolução
uruguaia, restringindo-se à notas sobre as batalhas militares, sem emitir opinião contra ou a
favor deste ou daquele partido envolvido. Fala-se mais da oportunidade que os federalistas
teriam com a desorganização da fronteira, para atacar o governo gaúcho e dos combatentes
arregimentados nesta zona para lutar ao lado das forças do general Escobar, ligado aos
colorados.

As reclamações oriundas da Legação uruguaia no Rio de Janeiro, feitas


através do embaixador Federico Susviella Guarch, sucederam-se num ritmo intenso durante
todo o ano de 1904. Inconformado com a atitude das autoridades da fronteira gaúcha, apela
às mais variadas instâncias para que se faça cumprir a neutralidade naquela zona. Queixa-se
da passagem dos blancos para o território rio-grandense a fim de suprirem-se de armas,
munições e cavalos, bem com da falta de vigilância na fronteira.

Já pelo período final do conflito oriental a situação chega a um ponto tão


crítico que as autoridades brasileiras, pressionadas, constatam o seguinte :

Vieram infelizmente os fatos a confirmar os meus receios e já


duas invasões do nosso território foram realizadas pelos
insurrectos, que se recusaram a depor as armas, burlando-se
das nossas intimações. A insistência com que são atribuídos a
este chefe (João Francisco) procederes contrários à ordem
legal desta República e favoráveis aos que a perturbam
lesando avultados interesses dos nossos nacionais, tem
acumulado sobre sua pessoa um tenebroso prestígio que o
apresenta aos olhos do vulgo como árbitro absoluto dos
destinos do Rio Grande e da sua política, ainda mesmo
internacional. A parte sensata da opinião, entretanto,
interpreta essa atitude do celebrado caudilho como reflexo da
intransigência do governo do Rio Grande com o partido
colorado desse país. “Dessas duas correntes distintas, nasce
a crença, partilhada pelo Governo Oriental, como de
contínuo se me declara, de que o Governo Federal se esforça
para manter lealmente a neutralidade e seus agentes
procedem de acordo com esse propósito, ao passo que os
agentes estaduais patrocinam abertamente os revoltosos em
armas”.57 (grifo nosso)

A par destas conclusões outras tão importantes advinham: a era das


revoluções caudilhescas ao estilo de Aparício Saraiva chegava ao seu ponto limite. As
transformações pelas quais vinha passando o Uruguai, desde a década de 1890,
desgastavam aquele estilo de política. Os danos causados por essas guerras também
atingiam as classes conservadoras, entre elas os estancieiros brasileiros, que tinham suas
propriedades devassadas e seu patrimônio dilapidado. Um dos temas mais recorrentes no
anos de 1904, na imprensa da época, diz respeito ao patrimônio de brasileiros, cujas
propriedades no Uruguai haviam sofrido com o entrevero revolucionário. Há, inclusive,
vários pedidos de indenização ao governo oriental e queixas dos brasileiros ao governo
federal.

O ministro Rio Branco tinha uma posição bem definida sobre o assunto:

O Governo Oriental deve compreender que o meio de evitar a


reprodução de fatos desta natureza, não é dar
reservadamente pequenas indenizações aos ofendidos, mas
punir os delinqüentes e passar ordens precisas aos seus
generais em campanha para que recomendem aos seus
subordinados o maior respeito aos direitos dos brasileiros,
cujo Governo, na crise atual, tem prestado ao do Uruguai
serviços de amizade que devem merecer mais apreço. Devo
acrescentar que todas as queixas que recebo são formuladas
contra as forças legalistas e não contra as da revolução que
não tem cometido atentados contra a vida e as propriedades
dos brasileiros.58

Os abusos contra a propriedade ocorridos durante a revolução exauriram o


país, já cansado de tantas guerras civis. A economia da campanha estava completamente
paralisada, o que refleutiu-se no abastecimento de Montevidéu. Faltavam gêneros
57
Arquivo Histórico do Itamaraty. Montevidéu. 21/9/1904. De Francisco Xavier da Cunha para Rio Branco.
58
Arquivo Histórico do Itamaraty. Rio de Janeiro. 22/6/1904.
alimentícios, paralisava-se o comércio, acumulavam-se os prejuízos. A paz era uma
necessidade premente.

Os blancos ressentiam-se da falta de recursos financeiros e bélicos, bem


como das dissidências internas que se aprofundavam, mas continuavam a lutar. Não é nosso
propósito examinar os fatos militares que antecedem o final da guerra, apenas referir que o
encerramento do conflito deu-se nas circunstâncias da morte de Aparício Saraiva, alvejado
na batalha de Masoller, em 01 de setembro.59

Ali estava encerrando-se um ciclo revolucionário, que da perspectiva


cronológica iniciou-se com a revolução federalista de 1893, passou pelo conflito blanco em
1897 e culminou em 1904. Entendemos ser pertinente conceituar esta etapa como um ciclo,
uma vez que estas revoluções, guardadas suas especificidades, estiveram
significativamente relacionadas através da repercussão que tiveram nos dois territórios e na
mobilização internacional que causaram.

O Uruguai entrava em uma nova etapa de desenvolvimento econômico e de


condução política. A modernização do país implantada por Batlle, modificaria em alto grau
sua estrutura na qual a aventura caudilhesca não teria mais lugar.

Na etapa revolucionária de 1893 a 1904 a política rio-grandense esteve


sempre atenta aos fatos da política vizinha e vice-versa, pois tornou-se patente o quanto
uma poderia influir na outra. Aqui o interregional confundiu-se e chegou mesmo a
configurar-se no internacional. O Rio Grande do Sul exerceu funções de verdadeiro estado
autônomo, no que diz respeito à condução de sua política externa, determinando as
conveniências e o perfil da diplomacia brasileira no Uruguai, nesta fase.
59
Ferido, Aparício Saraiva foi conduzido em uma carreta para a estância de dona Luiza Pereira, mãe do
coronel João Francisco , que ficava em território brasileiro, cerca de quinhentos metros da fronteira. Diante do
impasse da substituição do caudilho na chefia da revolução, o próprio Aparício sugeriu o nome de João
Francisco, que não aceitou dizendo: "É uma vergonha que um brasileiro os comande; como é possível que
não tenham um chefe castelhano?". Foi ainda o coronel João Francisco que sugeriu a nomeação de um
triunvirato que foi constituído pelos coronéis Basílio Muñoz, José Gonzales e Juan José Muñoz. Aparício
morreu em 10 de setembro , sendo sepultado no cemitério da estância dos Pereira de Souza, sendo seus restos
mortais trasladados para o Uruguai muitos anos depois. Estes acontecimentos estão registrados em
CAGGIANI, Ivo. Sant'Ana do Livramento: 150 anos de história. Santana do Livramento: 1984.
Concomitantemente ao fim da guerra no Uruguai, recua-se com a prática que
vimos denominando diplomacia marginal, se bem que os pressupostos que a embasaram
não desaparecem. Os federalistas já não significarão uma ameaça premente, aventurando-se
em nova empreitada muitos anos depois, já na década de 1920, com sua feição parcialmente
modificada.

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