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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM

INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Discussão historiográfica acerca da Guerra do Paraguai (1864-1870)

Giovanna Cristina Farias Santos


Vitoria Emannuele Melo de Carvalho

Manaus – AM

2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Discussão historiográfica acerca da Guerra do Paraguai (1864-1870)

Giovanna Cristina Farias Santos


Vitoria Emannuele Melo de Carvalho

Trabalho apresentado à disciplina de História


do Brasil Imperial, no curso de graduação de
Licenciatura Plena em História da UFAM,
como parte dos requisitos para obtenção de nota
parcial da AV2.

Manaus – AM

2023
De acordo com as perspectivas de Vitor Izeckshon sobre a Guerra do Paraguai,
para os hispano-americanos o século XIX foi a época das independências, reagidas pela
razão e o progresso, porém foi também o tempo de muitos retrocessos políticos e
institucionais. Entre 1810 e 1824 fragmentaram-se em 18 novos países os quatro vice-
reinados do império espanhol, desarticularam-se as antigas rotas de comércio e eclodiram
várias guerras civis, enfraquecendo assim arranjos de poder já estabelecidos nas ex-
colônias.

O antigo vice-reinado do rio da Prata dividiu-se em cinco nações independentes:


Chile, províncias Unidas do Prata, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Os regimes pós-
independência tinham dificuldade em estabelecer monopólio sobre os meios de coerção
em seus próprios territórios, e também em definir precisamente a extensão dos mesmos,
que permanecia indeterminada para seu povo. A busca de cada país por controle territorial
no que tange a região do Prata se estendeu para além do período das independências, até
a década de 1870, onde a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança foi um
resultado importante desse processo.

Os paraguaios responsabilizavam a política centralista da capital do antigo vice-


reinado pela instabilidade que enfrentava o país; tratava-se de nação pequena, envolvida
em permanente conflito por sua sobrevivência, para isso se utilizando de várias práticas
protecionistas. A identidade nacional paraguaia foi moldada na segunda década do século
XIX, a partir de fatores como a precária posição na bacia do Prata, seu isolamento em
razão das rivalidades entre portenhos e brasileiros e sua exposição permanente à
instabilidade das províncias unidas argentinas. Além disso, é importante ressaltar a
composição étnica do povo paraguaio, cujo qual a maior parte descendia da mestiçagem
entre espanhóis e índios, e o uso massivo do guarani como língua franca.

Durante os anos de 1860 aconteceram mudanças na estrutura política da região e


transformações na formulação da política externa guarani. Essas circunstâncias podem
ter norteado as direções catastróficas tomadas ditador da república Francisco Solano
López levando o Paraguai para a guerra. Segundo Ricardo Salles (1990, p. 16):

De acordo com a visão tradicional do conflito, este foi basicamente


decorrente da agressividade de Solano López, que tinha pretensões
expansionistas ou hegemônicas na região platina. As raízes para essa
pretensão não são muito explicadas, ficando par conta da vaidade
pessoal e da megalomania do governante paraguaio.
No que concerne ao Brasil, a principal questão era a situação uruguaia, uma vez que os
estancieiros do Rio Grande do Sul não reconheciam a fronteira entre os dois países,
transferindo escravos, gado e trabalhadores livres para o Paraguai, interferindo assim nos
conflitos políticos locais. Na década de 1860 os cidadãos brasileiros controlavam cerca
de 30% do território uruguaio, nessa época os brasileiros representavam cerca de 20% da
população.

O conflito entre brasileiros e uruguaianos se intensificou quando o partido Blanco


subiu ao poder, em 1862, uma vez tendo ele adotado posição favorável à nacionalização
das fronteiras, implicando em taxações aos brasileiros, no controle de gado e escravos
que circulavam na região fronteiriça.

Em 1863 teve início outra guerra civil no Uruguai, na qual os partidos Blanco e
Colorado foram as peças chaves. Essa guerra civil envolvia interesses brasileiros e
argentinos, onde ambos os países convergiram no apoio aos colorados. Os líderes gaúchos
pressionaram o governo imperial para que apoiasse a rebelião colorada, que por sua vez
agradava aos comerciantes buenairenses. O gabinete brasileiro optou então pelo apoio aos
colorados, apaziguando os ânimos das lideranças sulistas. O Brasil interviu em agosto de
1864, com a invasão do território uruguaio e o bloqueio naval do porto de Paissandu, a
intervenção do império e o apoio aos colorados não agradaram o governo paraguaio que
havia se comprometido para mediar diplomaticamente a situação, a recusa da oferta
paraguaia foi considerado uma afronta pelo ditador López. De acordo com Izeckshon
(2009, p. 394):

O governo paraguaio preconizava o respeito ao equilíbrio de poder na


bacia do Prata. O desprezo brasileiro foi visto como afronta a esse
equilíbrio, só passível de ser respondida pela guerra. Nesse cálculo, o
Governo paraguaio contava com o apoio de alguns caudilhos e também
com o suporte de oligarquias dissidentes que se opunham a Buenos
Aires. O ditador paraguaio também esperava que a presença de escravos
e o separatismo gaúcho comprometessem a capacidade operacional do
Exército brasileiro. O problema com esses cálculos é que estavam
baseados na situação internacional anterior, não levando em
consideração as modificações ocorridas na região, que diminuíram as
possibilidades de apoio dos paraguaios em caso de guerra.

Em protesto contra a intervenção brasileira no Uruguai, o governo paraguaio


apreendeu um navio mercante brasileiro que se dirigia a província de Mato Grosso
navegando pelo rio Paraguai, e declarou guerra ao Brasil. Pediu permissão ao governo
argentino para que as suas tropas pudessem cruzar o território argentino para ir em auxílio
do governo uruguaio e invadir o Brasil, tendo seu pedido negado pelo governo Mitre,
López invade a Argentina. Em seguida, uma expedição fluvial paraguaia desembarcou no
Mato Grosso do Sul, iniciando a invasão daquela província. Logo o território oeste ficou
em mãos paraguaias. As populações do Sul e do Oeste fugiram para áreas mais seguras,
entretanto, não havia plano de evacuação ou meios de transporte, levando à perda de
muitas vidas por inanição e doenças.

A invasão ao Mato Grosso rendeu aos paraguaios munição e suprimentos para o


prosseguimento da campanha nos quatro anos seguintes. Quatro meses após o início das
hostilidades, o governo paraguaio solicitou autorização ao governo argentino para cruzar
seu território na tentativa de alcançar o Uruguai a tempo de mudar o destino da guerra
civil daquele país. O presidente argentino recusou essa permissão, dado que os argentinos
apoiavam os colorados e pretendiam manter a neutralidade no conflito. Após a recusa, os
paraguaios invadiram as províncias argentinas alcançando o Rio Grande do Sul, essa
invasão custou caro aos paraguaios que perderam a fonte de suprimentos e de armas ao
romperem com a Argentina. Os paraguaios avançaram encontrando pouca resistência,
entretanto, a vastidão do território a ser conquistado, a péssima preparação militar
paraguaia e às decisões equivocadas de López foram grandes obstáculos, resultando em
fome, proliferação de doenças, confusões entre os comandantes e a baixa moral dos
soldados.

As notícias e discursos governamentais sobre o conflito colaboraram com a


propagação nos espaços públicos de discussão a associação do governo paraguaio com a
barbárie. Visão essa que reforçava a missão civilizatória do Brasil e o papel regenerador
da Guerra do Paraguai. Como evidencia Vitor Izeckshon (2009, p. 397):

Tanto a repulsa pela invasão sem declaração prévia de guerra quanto o


senso de pertencimento a um recorte territorial cuja consolidação datava
de apenas duas décadas. Sociedades patrióticas foram espontaneamente
estabelecidas em todas as províncias, com coletas de donativos e
organização de grupos de voluntários. Ainda que a maioria da
população visse com desdém a possibilidade do serviço militar, a
primeira onda do recrutamento forneceu contingente adequado para a
expulsão das forças paraguaias do território do Rio Grande do Sul.
O Brasil sempre enfrentou problemas quanto ao recrutamento para o exército, já que esse
processo evidenciava o aumento da intervenção governamental com a apreensão de
indivíduos e seu deslocamento para outras regiões. No século XIX o recrutamento militar
foi dificultado por um complexo sistema de isenções legais que impedia o alistamento de
pessoas pertencentes a diversas categorias, sendo assim, a escassez permanente de
soldados podia ser entendida pela fraqueza estrutural da burocracia e o teor localista do
recrutamento. O recrutamento recaía sobre os indivíduos dos grupos mais pobres e
desprotegidos, como destaca Izeckshon (2009, p. 398):

Desocupados, migrantes, criminosos, órfãos e desempregados eram os


principais alvos dos recrutadores. Durante a maior parte do século XIX
o serviço militar era considerado atividade brutal e perigosa, adequada
apenas aos indivíduos vistos como socialmente indesejáveis. Esse
serviço possuía implicações penais, dado o caráter disciplinar de sua
ação sobre os indivíduos considerados desclassificados, apartando-os
do restante da sociedade por longos períodos.

Para tornar o exército mais aceitável para os brasileiros foi criada a ferramenta
dos Voluntários da Pátria, que era diferente do recrutamento regular. Nos seis primeiros
meses de 1865 houve grande mobilização, vieram voluntários de diversas regiões,
donativos de diferentes grupos sociais, imóveis, dinheiro, serviços e escravos que eram
libertos para servir. Além disso, era um incentivo aos Voluntários da Pátria as promessas
de terras, empregos públicos e pensões.

Em maio de 1865 foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança, onde os governos do


Brasil, Argentina e Uruguai comprometiam-se a continuar com o conflito até a queda do
ditador. Apesar do isolamento no qual o Paraguai se encontrava, seu ditador não recuou,
pois tinha esperanças de que os aliados se desentendessem no decorrer da campanha,
ordenando assim o recuo de suas forças para o próprio território, contando que os
paraguaios oferecessem resistência aos inimigos.

A guerra aparentava estar longe do fim e a colaboração local diminuiu na medida


em que cada vez mais trabalhadores isentos foram sendo recrutados, afetando a posição
da Guarda por exemplo. Esse processo abalava o prestígio de muitos chefes locais na
disputa com adversários, por se mostrarem incapazes de assegurar a isenção de seus
protegidos. Como disserta Izeckshon (2009, p. 405):
Para os chefes políticos e seus agregados, um caminho imediato era a
busca das isenções legais, que limitavam o recrutamento de
funcionários públicos, arrimos de família ou de homens legalmente
casados. Para aqueles obrigados a servir, uma primeira opção era a
oferta de substitutos, livres ou libertos. Logo um mercado de substitutos
começou a operar em diferentes províncias, recurso, porém, que só
servia para quem pudesse pagar, reforçando a visão da guerra do
homem rico sustentada pela luta do homem pobre.

Dado o fato de que a campanha se prolongava, era necessária uma ampliação da


capacidade fiscal do Estado. Entretanto, a facilidade com que o Brasil conseguiu captar
empréstimos no exterior, impediu que o esforço de guerra fosse utilizado para o
desenvolvimento de capacidades industriais e infraestruturais.

No dia 1° de março de 1870, escoltas brasileiras localizaram as tropas de Solano


López perto da fronteira com Mato Grosso. Após rápido combate, o ditador paraguaio foi
morto e a guerra se encerrava finalmente. A morte de López transformou-o em mártir,
abordagem heroica que seria amplamente explorada por políticos e historiadores
revisionistas posteriormente.

O revisionismo das causas da guerra do Paraguai de acordo com Ricardo Salles


ganha força no final dos anos 50. Estas obras fazem uma inversão da história oficial e
procuram revelar um Paraguai diferente daquele representado através do ditador Solano
López, evidenciando ainda interesses econômicos e expansionistas nas ações dos
governos aliados.

Na versão da unidade da América hispânica de José Maria Rosa – interpretação


que surgiu no contexto de propostas de desenvolvimento nacionalista, autônomo e anti-
imperialista para os países latino-americanos, característica nos anos 50 à 60 – o Paraguai
é apresentado como uma república virtuosa com uma ideia original de desenvolvimento
econômico e social. Como disserta Salles (1990, p. 20): “Paraguai não só é apresentado
como o paladino da causa da unidade hispano-americana em continuação as lutas de
independência contra o domínio espanhol, como também precursor de uma via distinta
de desenvolvimento sócio-econômico”. A principal crítica a essa versão concerne ao
superdimensionamento a influência inglesa na região e o apagamento das motivações
específicas dos países diretamente envolvidos.
Já a versão da intervenção imperialista sugerida por Leon Pomer, o Paraguai teria
seguido um caminho de desenvolvimento original, autônomo, autossuficiente,
nacionalista e anti-imperialista contra a Inglaterra. Essa tal originalidade é afirmada
através da criação de fundições, monopólio estatal do comércio externo, surgimento de
manufaturas, a quase inexistência de importações e o fechamento do país em relação aos
vizinhos. Portanto, a campanha teria resultado da pressão exercida pelo Brasil e Argentina
sobre o Paraguai para que esse país abandonasse seu desenvolvimento autônomo e abrir
o país à Inglaterra.

Em suma, para o império a Guerra do Paraguai foi um desafio militar, diplomático


e de política interna. Uma vez que o país não estava preparado para uma guerra dessa
proporção, mobilizar a população transformando civis em combatentes demonstrou a
dificuldade de organização entre o centro político e suas regiões periféricas. Além disso,
o não cumprimento das promessas feitas aos voluntários e o não reconhecimento dos
feitos nos campos de batalha, deixaria os laços de confiança mais estreitos entre os
militares e os setores dirigentes. Por fim, a historiográfico revisionista ao trazer uma
supervalorização da ação britânica e a subestimação das motivações das nações
envolvidas acabam por mascarar a originalidade do acontecimento.
REFERÊNCIAS

SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do


exército. Rio de Janeiro. São Paulo: Paz e Terra, 1990, pp. 15-54.

IZECKSOHN, Vitor. “A Guerra do Paraguai” in GRINBERG, Keila e SALES, Ricardo.


O Brasil Imperial. Vol. II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 387-424.

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